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DESTITUIÇÃO DE GERENTE
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PEDIDOS
JUSTA CAUSA
PROVA
Sumário
I - Sob a aparência de uma única acção, o art. 1484°-B do CPC prevê dois pedidos que seguem distinta tramitação: o de suspensão do cargo de gerente, que é um procedimento cautelar semelhante ao procedimento cautelar comum previsto nos arts. 381° a 392° do CPC; e o de destituição da gerência, que é uma acção declarativa com as especificidades características dos processos de jurisdição voluntária. II - Estes dois pedidos podem ser cumulados na petição inicial, seguindo-se, para apreciação de cada um deles, a tramitação adequada. III- O deferimento do pedido de suspensão de funções de gerência depende da verificação de justa causa, ou seja, designadamente, da violação grave dos deveres a que o gerente está legal e estatutariamente sujeito ou da sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções. IV - Cabe ao requerente a prova da factualidade integradora da justa causa da suspensão de funções do gerente.
Texto Integral
Pc. 1965/12.5TBVFR.P1 – 2ª Sec.
(apelação)
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Relator: M. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B… e C…, residentes em …, Santa Maria da Feira, intentaram o presente processo especial contra D…, residente no mesmo local, pedindo a destituição deste da gerência da sociedade “E…, Lda.”, com suspensão imediata do exercício das respectivas funções.
Alegaram, para tal, que no exercício da gerência da sociedade “E…, Lda.” [elas também são gerentes desta], o requerido levou a cabo uma série de actos dolosos que conduziram a mesma a uma grave situação financeira, pois, por um lado, passou a utilizar o imóvel em que se encontra a sede daquela, propriedade dela, na produção e actividade de uma outra sociedade, “F…, Lda.”, da qual ele é o verdadeiro dono e gerente, violando a obrigação e não concorrência, e, por outro, tem-lhes vedado o acesso à sociedade que pretendiam que voltasse a laborar, tendo dispensado alguns trabalhadores da mesma e transferido outros para a “F…”.
Ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 1484º-B do CPC, foram inquiridas testemunhas para apreciação do pedido de suspensão da gerência.
Foi depois proferida decisão de tal «incidente», tendo a pretensão das requerentes sido julgada improcedente, com a consequente não suspensão do requerido do exercício das funções de gerente na aludida sociedade.
Inconformadas com tal decisão, interpuseram as requerentes o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminaram com as seguintes conclusões:
“I. Relativamente a sociedade comercial “E…, Lda.”, resulta da matéria de facto dada como provada, designadamente, que:
(i) A sócia G… é sogra do Requerido, de idade avançada e que nunca exerceu qualquer actividade na sociedade ou em negócios relacionados a cortiça;
(ii) Tem como objecto social a indústria de rolhas e artefactos de cortiça, e o comércio de importação e exportação de produtos análogos;
(iii) As Recorrentes são sócias e gerentes da referida sociedade, embora nunca exerceram de facto as funções de gerência;
(iv) O Requerido, único gerente não sócio, é quem exerce efectivamente tal função;
(v) Vincula-se mediante a assinatura de 2 gerentes, sendo necessariamente uma delas a do Requerido;
II. Quanto a sociedade comercial “F…, Lda.”, resulta da matéria de facto dada como provada que:
(i) Na sua constituição, o Requerido foi designado único gerente;
(ii) Tem como objecto social a indústria de preparação de cortiça;
(iii) O capital é integralmente detido por H…, nora do Requerido;
(iv) Embora não formalmente, é o Requerido quem gere as actividades da sociedade e comanda seu destino, e é o seu verdadeiro dono;
(v) A sede efectiva em que labora coincide com a sede da “E…, Lda.”;
III. Os objectos sociais das referidas sociedades, ainda que não descritos de forma totalmente idêntica, as actividades são coincidentes, sendo certo que o objecto da “E…, Lda.”, engloba necessariamente o objecto e actividade da “F…, Lda.”;
IV. Pela análise das respectivas certidões permanentes das sociedades é possível verificar que ambas têm o mesmo CAE Principal (código …..-..) – “indústria de preparação de cortiça C”;
V. Restando provada a coincidência das sedes, bem como que as sociedades exercem a mesma actividade económica, depreende-se que o Requerido faz uso das instalações da “E…, Lda.”, para exercer as actividades da “F…”, Lda.”, sendo o único gerente de facto de ambas sociedades;
VI. Em momento algum houve formalização contratual entre as sociedades que autorizasse o uso das instalações mediante a contraprestação de determinado rendimento, já que a assunção de quaisquer obrigações pela “E…, Lda.” sempre dependeria da assinatura de alguma das Recorrentes em conjunto com o Requerido, o que de facto nunca se verificou;
VII. Após tomar conta da sede da “E…, Lda.”, para o exercício de actividade concorrente, o Requerido vedou o acesso das Recorrentes, designadamente através da sua intimidação, inviabilizando qualquer iniciativa destas para reinício das actividades económicas da primeira sociedade, uma vez que estas passaram a temer pela própria integridade física;
VIII. Tendo sido matéria de facto dada como provada que o Requerido figura como dono e gerente de facto da “F…”, utilizando a sede da “E…, Lda.”, para o exercício da mesma actividade económica, conforme CAE Principal das sociedades, é evidente que a actividade desenvolvida pela primeira sociedade é totalmente concorrente com aquela até então desempenhada pela segunda;
IX. Além das instalações, o Requerido disponibilizou o know-how que não lhe pertence, à “F…”;
X. Diante do acima exposto, não persistem quaisquer dúvidas de que o Requerido, ao administrar as actividades económicas da “F…” exerce actividade directamente concorrente com a “E…, Lda.”, incorrendo em violação aos deveres inerentes ao cargo de gerente, designadamente a proibição de não concorrência prevista no artigo 254.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
XI. Em decorrência da referida concorrência, o Requerido abandonou por completo as actividades da “E…, Lda.”, que outrora fora uma empresa pujante e que agora se encontra sem actividade por culpa do Requerido;
XII. Na verdade, a “F…” mais não é do que a forma encontrada pelo Requerido, seu verdadeiro dono e gerente de facto, para, em conluio com seus familiares, tentar contornar a obrigação de não concorrência que subsiste para o Requerido, por força da sua qualidade de gerente da “E…, Lda.”;
XIII. Foi dado como provado o facto do Requerido, enquanto gerente da “E…, Lda.” ter celebrado uma escritura de confissão de dívida e hipoteca a favor de uma terceira sociedade – “I…, Lda.”, sem qualquer contrapartida, ou seja, a título gratuito!
XIV. Da qual também era gerente e da qual a sócia detentora de 50% do capital social da “E…, Lda.”, G…, sua “testa de ferro”, também era sócia;
XV. À data da celebração da escritura, a sociedade “I…, Lda.”, favorecida pela garantia, era proprietária de pelo menos um imóvel, de acordo com a matéria de facto dada como provada;
XVI. Acresce que a referida escritura de confissão de dívida e hipoteca veio agora a ser executada, no âmbito do Processo n.º 5587/11.0TBVFR, 3º Juízo Cível do Tribunal de Santa Maria da Feira, conforme matéria de facto dada como provada;
XVII. Tal garantia foi prestada em completa e absoluta violação dos seus fins sociais, conforme dispõe o artigo 6.º, n.º 3, do CSC;
XVIII. Na confissão de dívida e hipoteca, que teve como intervenientes tão-somente o núcleo familiar do Requerido, também não há qualquer especificação que justificasse efectivamente a dívida;
XIX. As Recorrentes somente tiveram conhecimento da execução da referida garantia por consultarem as pautas públicas de distribuição, o que lhes permitiu apresentar a devida oposição à execução, em nome da “E…, Lda.”;
XX. Note-se ainda que a sociedade “I…, Lda.”, supostamente a verdadeira devedora caso a dívida de facto existisse, não foi sequer accionada judicialmente para pagar o débito;
XXI. Em prejuízo da “E…, Lda.”, as testemunhas do exequente são a mulher e filhos do ora Requerido;
XXII. O Requerido também ofende os deveres de diligência quando veda que as Recorrentes tenham acesso às contas ou respectiva contabilidade da “E…, Lda.”, em total desobediência do disposto no artigo 214.º, CSC;
XXIII. Além de que desde que o Requerido é gerente da “E…, Lda.” que esta não apresenta as suas contas;
XXIV. Na qualidade de sujeitos passivos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), as sociedades comerciais estão obrigadas a efectuar a prestação anual da declaração de informação contabilística e fiscal (artigos 2.º, 117.º e 121.º, do Código do IRC (Decreto-Lei n.º 159/2009);
XXV. A IES obriga as sociedades comerciais a entregar a declaração anual de informação contabilística e fiscal, bem como o registo da prestação de contas;
XXVI. Assim, por mera análise da certidão permanente da “E…, Lda.” é possível verificar que o Requerido, na condição de gerente da sociedade, não cumpre com a obrigação de entrega da declaração anual contabilística e registo da prestação de contas há já vários anos;
XXVII. Todos os factos acima elencados revelam nitidamente a falta pelo Requerido do cumprimento dos deveres inerentes ao exercício da função de gerente, em integral desobediência dos preceitos do artigo 64.º, do CSC;
XXVIII. Ora, definitivamente, deixar de apresentar as respectivas contas, elaborar planos de forma a onerar os bens da sociedade para mais tarde dispor deles, não contestar as acções judiciais que são interpostas contra a sociedade, utilizar bens desta na actividade de outra sociedade detida por interposta pessoa, mas da qual é gerente, e que por sua vez faz concorrência directa à “E…, Lda.”, incorrem em grave e integral violação pelo Requerido dos deveres inerentes a um gerente criterioso e ordenado, pois revelam deslealdade, infidelidade e falta de cuidado e diligência;
XXIX. Em síntese, todos os comportamentos supra expostos configuram violação ilícita e culposa dos deveres de lealdade, fidelidade, diligência e de defesa dos interesses da sociedade (artigos 64.º CSC e artigo 987º do CC, por remissão do artigo 2º do CSC);
XXX. Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão do Tribunal a quo, com fundamento no disposto no artigo 1484.º-B, n.ºs 1 e 2, do CPC, sob pena de violação dos preceitos legais estabelecidos nos artigos 6.º, 64.º, 214.º, 254º., 257.º, do CSC; artigo 987, do CC; artigos 2º, 117º. e 121º. Do Decreto-Lei 159/2009 e artigo 2.º do Decreto-Lei nº. 8/2007, destituindo-se o Requerido das funções de gerente da “E…, Lda.”, sendo acto prévio a suspensão com efeitos imediatos do Requerido das funções de gerente da referida sociedade comercial.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo revogar-se a douta sentença, e em consequência:
a) Destituir o Requerido das funções de gerente da sociedade comercial “E…, Lda.”, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1484.º-B, n.º 1, do CPC;
b) Sem prejuízo da alínea anterior e como acto prévio à mesma, suspender o Requerido, com efeitos imediatos, das suas funções de gerente, conforme dispõe o artigo 1484.º-B, n.º 2, do CPC; e
c) Na eventualidade do Tribunal entender que deve ser nomeado um terceiro gerente em substituição do Requerido, notificar a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas ou a Ordem dos Economistas para que indiquem uma pessoa habilitada a exercer o cargo de gerente da sociedade em questão”.
Não houve contra-alegações.
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II. Objecto do recurso:
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (arts. 684° n° 3 e 685°-A nºs 1 e 3 do CPC, na redacção aqui aplicável, atenta a data da propositura dos autos, dada pelo DL 303/2007, de 24/08), já que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova e o seu âmbito está delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, a única questão a decidir consiste em saber se o requerido deve ser suspenso da gerência da sociedade “E…, Lda.”.
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III. Materialidade fáctica:
A) A decisão impugnada declarou indiciariamente provados os seguintes factos:
1) As Requerentes e o Requerido são os três gerentes da sociedade comercial por quotas que gira sob a firma “E…, Lda.”, N.I.P.C. ………, com sede no …, na freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira.
2) Nos termos do respectivo pacto social (artigo 5.º n.º 2), para vincular a sociedade é necessária a assinatura de dois gerentes, sendo obrigatoriamente um deles, D…, o aqui Requerido.
3) O requerido D… é o único gerente que não é sócio.
4) Embora constando do contrato de sociedade que a gerência cabe aos três gerentes, as Requerentes nunca exerceram de facto essas funções de gerente, cabendo o seu exercício de facto ao Requerido.
5) O capital social da E… está dividido nas seguintes três quotas: B… (gerente) 25%, 1250 €; C… (gerente) 25%, 1250 €; G… 50%, 2500 €.
6) A E…, Lda. tem como objecto social a indústria de rolhas e artefactos de cortiça, e o comércio de importação e exportação de produtos análogos.
7) Há cerca de ano e meio, o Requerido abordou inicialmente as Requerentes propondo a estas a partilha entre si do prédio da E… para posterior liquidação da sociedade e mais tarde, e na sequência da referida proposta não ter sido aceite, propôs-lhes a aquisição das suas quotas, de modo que o Requerido, por si ou através de pessoa por si a indicar, da sua confiança, passasse a ter o domínio total da E….
8) A sócia da E… detentora de 50% do capital social é a Exma. Senhora G…, sogra do Requerido, de idade extremamente avançada, e que nunca teve qualquer actividade relacionado com aquela sociedade ou com qualquer negócio relacionado com cortiça.
9) As Requerentes não aceitaram a proposta do Requerido, pelo que o negócio se frustrou.
10) Em final de Agosto de 2010, foi constituída a sociedade unipessoal por quotas com a firma “F…, Lda.”, com sede estatutária na Rua …, n.º .., da freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira.
11) A F… tem como objecto social a indústria de preparação de cortiça.
12) O capital inicial da F…, no montante de 5.000,00 €, foi integralmente subscrito por H….
13) O Requerido foi, desde a constituição da sociedade, designado seu único Gerente.
14) A sócia única da sociedade, H…, é nora do Requerido, e não tem, nem nunca teve, qualquer experiência de gerência de sociedades.
15) Foi enviada uma missiva ao Advogado do Requerido, em Junho de 2011, sublinhando que para vincular a sociedade E… seria necessária a assinatura de uma das Requeridas.
16) O requerido cessou as suas funções de gerente da F… em Julho desse ano, sendo designada a sua outra nora como nova gerente, a Exma. Senhora J…, que vive em condições análogas aos cônjuges com um filho do requerido.
17) Não obstante não figurar como sócio ou já ter deixado de ser gerente da F…, é o Requerido quem comanda o seu destino e o verdadeiro dono da sociedade.
18) A sede efectiva e de laboração da F… coincide com a sede da E….
19) É o Requerido quem gere o dia-a-dia da F…, quem estabelece os contactos com os fornecedores e clientes, negociando as respectivas condições comerciais na relação destes com a F….
20) O Requerido tem ligações de vários anos com os clientes da E…, pois era este que geria as relações da sociedade E… com os mesmos.
21) O Requerido, enquanto gerente da E…, celebrou uma escritura de confissão de dívida e hipoteca datada de 02/03/2004, a favor de uma terceira sociedade, I…, Lda., da qual também era gerente.
22) Essa escritura de confissão de dívida e hipoteca foi celebrada no alegado montante de 400.000,00 €, no ano de 2004 e veio agora a ser executada, acrescida dos juros comerciais no âmbito do Processo n.º 5587/11.0TBVFR, a correr termos no 3º Juízo Cível deste Tribunal.
23) A garantia foi prestada a título gratuito.
24) A sociedade I…, Lda.. era, à data da celebração da escritura, proprietária de pelo menos um imóvel.
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B) … E considerou não provados os seguintes factos:
- A actividade principal da sociedade “E…, Lda.”, era o fabrico e comercialização de rolhas de cortiça;
- Outrora fornecia esses bens a pequenos e médios retalhistas, entre outros.
- Era uma empresa, à data, com muitos clientes e bem-sucedida no mercado onde se inseria.
- O exercício de gerência da E…, levada a cabo pelo Requerido, encerrou a prática de uma série de factos que conduziram a uma situação de grave situação financeira daquela sociedade, cuja responsabilidade apenas pode ser imputada dolosamente àquele e que, para evitar o seu descalabro económico, só pode ser ultrapassado pela sua suspensão imediata daquela gerência, bem assim pela sua destituição de gerente.
- As requerentes souberam agora que o Requerido havia encetado e executado um plano com o objectivo de esvaziar a sociedade E…, delapidando os seus activos.
- E isto a seu favor e de sociedade por si gerida e que para o efeito constituiu.
- A actividade principal da F…, Lda., era o fabrico e a comercialização de rolhas de cortiça, a qual coincide com a actividade da E….
- É o Requerido o responsável pela selecção de trabalhadores da F…, quem dava as ordens e orientava os mesmos na execução das suas tarefas, e quem exercia o poder disciplinar;
- O Requerido passou ainda a utilizar o imóvel em que se encontra a sede da E…, e propriedade desta, na produção e actividade da F… sem qualquer custo inerente, para enorme benefício desta e grave prejuízo da primeira;
- A actividade da F… encontra-se a crescer, pois não só tem como sede um pavilhão e terrenos anexos pelos quais não paga qualquer renda, como ainda utiliza know-how que não lhe pertence, sem qualquer custo.
- O Requerido veio fazer concorrência pura e directa à E…, abandonando esta por completo, até que a mesma deixou de ter qualquer actividade.
- E tal sucedeu contra o ciclo normal de crescimento da E…, que outrora fora uma empresa pujante e que agora se encontra sem qualquer actividade por culpa do Requerido, tanto mais que as Requerentes pretendiam o reinício da actividade da E….
- O insucesso da E…, em favor do sucesso e lançamento no mercado da F…, dever-se-á ao proveito obtido, com recurso, totalmente gratuito e ilegítimo, ao imóvel e “know-how” da E…, em absoluto prejuízo desta.
- O Requerido tomou conta da sede da E…, vedando o acesso às Requerentes que pretendiam que a sociedade voltasse a laborar.
- As requerentes tentaram já, sem sucesso, entrar nas instalações da E…, no entanto, deixaram já de tentar pois temem pela sua integridade física, e até mesmo pela sua vida.
- As Requerentes encontram-se sem acesso à sede da sociedade, às contas e respectiva contabilidade.
- O Requerido dispensou alguns trabalhadores, tendo transferido outros para a sociedade F….
- Através destes comportamentos, o Requerido tornou a sociedade E… inactiva.
- E ainda se apossou, utilizou e continua a utilizar os meios desta, numa sociedade que lhe é directamente concorrente.
- O Requerido, enquanto gerente e dono de facto da sociedade F…, colocou a produção desta a funcionar nas instalações da E…, produzindo produtos de cortiça, nomeadamente rolhas.
- A partir de então, estes produtos, que até então eram também produzidos pela E…, deixaram de o ser, passando a ser produzidos e vendidos através da F…, inclusive para os, até essa data, clientes da E….
- A F… mais não é do que a forma encontrada pelo Requerido, seu verdadeiro dono e gerente de facto, para, em conluio com os seus filhos e noras, estas últimas, sócia e gerente da F…, tentar contornar a obrigação de não concorrência que subsiste para o Requerido, por força da sua qualidade de gerente da E….
- O Exequente do referido processo executivo nem sequer sabe como foi constituído o alegado crédito na medida em que refere “ou cortiça ou numerário”.
- A “criação” desta hipoteca não foi mais do que uma tentativa de proteger o património de D… e do restante núcleo familiar.
- Foi apenas a diligência das Requerentes que veio permitir que se apresentasse a oposição na referida execução, pois estas tiveram conhecimento da mesma através da consulta das pautas públicas de distribuição.
- Para além do Requerido reter a correspondência da sociedade, não dando conhecimento da mesma às Requerentes, não se importou em contestar a execução referida, recusando-se a assinar a respectiva procuração forense e a contribuir para a defesa no processo executivo supramencionado.
- Em prejuízo da E…, as testemunhas do exequente são a mulher e filhos do ora Requerido.
- Desde que o Requerido é gerente da E… que esta não apresenta as suas contas.
- As Requeridas, por diversas vezes, solicitaram as mesmas ao Requerido, sendo que este nem sequer se deu ao trabalho de responder ou de dar qualquer justificação para tal.
- Atento o referido comportamento, as Requerentes consultaram a competente Conservatória de Registo Comercial de forma a tentar obter a referida informação acerca das contas da E…, tendo sido informadas que as mesmas não eram apresentadas há já vários anos.
- O Requerido passou ainda a utilizar ou permite a utilização do imóvel propriedade da E…, por uma terceira sociedade, F…, a qual a passou a utilizar o mesmo para a sua actividade sem qualquer custo inerente e estando o referido espaço ocupado por outra sociedade, tal obsta a que o mesma seja utilizado na actividade da sociedade proprietária do mesmo.
- Só agora as Requerentes tiveram conhecimento dos factos supra expostos.
- O comportamento do requerido demonstra a incapacidade e a inidoneidade do Requerido para o exercício normal das respectivas funções, e prevê-se que estas condutas se processem a tal velocidade que depressa se esgotará o património da E…, ficando a mesma completamente esvaziada, sem qualquer valor ou perspectiva de futuro, com a destruição de tudo quanto a E… foi conseguindo nos seus últimos anos de actividade, com irremediáveis danos na sua imagem, know-how, modelo de funcionamento e marca, bem como na quota de mercado e clientela que arduamente conquistou.
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IV. Apreciação jurídica:
1. Antes de entrarmos propriamente na análise da questão enunciada em II, importa fazer um esclarecimento que se impõe face ao pedido formulado pelas recorrentes na al. a) da parte final das conclusões das suas doutas alegações; pretendem elas que, na procedência do recurso, seja o requerido destituído das funções de gerente na indicada sociedade [“E…, Lda.”].
Tal pretensão está fora do âmbito deste recurso, uma vez que o que aqui está em causa é apenas e só a questão da eventual suspensão do mesmo do exercício das funções de gerente naquela sociedade por quotas. A sua eventual destituição, também requerida pelas requerentes na petição inicial, é assunto que, neste momento, está fora do conhecimento deste Tribunal de 2ª instância, uma vez que o Tribunal «a quo» ainda não se pronunciou – nem tinha que pronunciar - sobre esse segmento do pedido.
Expliquemos porquê.
Estamos perante o processo de jurisdição voluntária regulado no art. 1484º-B do CPC (Código de Processo Civil), com referência ao art. 257º nº 4 do CSC (Código das Sociedades Comerciais) – este último prevê a possibilidade de qualquer sócio requerer em tribunal a suspensão e a destituição do gerente de sociedade por quotas em caso de existência de justa causa para tal.
Aquele art. 1484º-B é uma espécie de «dois em um», pois, sob a aparência de uma única acção, prevê efectivamente dois pedidos e dois processos distintos: o de suspensão do cargo de gerente, que é um procedimento cautelar, com semelhanças evidentes com o procedimento cautelar comum previsto nos arts. 381º a 392º do CPC; e o de destituição da gerência, que é uma acção declarativa com as especificidades características dos processos de jurisdição voluntária [prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo – art. 1409º nº 2 – e não sujeição do tribunal a critérios de legalidade estrita, mas sim a critérios de conveniência e de oportunidade – art. 1410º].
Embora a petição seja apenas uma única [nela tanto se pode pedir só a destituição do gerente, como, simultaneamente, esta destituição e a sua imediata suspensão das respectivas funções], a verdade é que o procedimento cautelar de suspensão segue uma determinada tramitação e a acção de destituição segue outra. O primeiro é decidido imediatamente, sem audição do requerido [sem observância do contraditório], depois de realizadas as diligências que forem consideradas necessárias – nº 2 do art. 1484º-B. Na segunda, o requerido tem de ser citado para, querendo, contestar a acção, seguindo-se a fase da produção da prova [que inclui a audição dos restantes sócios ou dos administradores da sociedade] e só depois é proferida decisão final a deferir ou indeferir o pedido de destituição do gerente – nº 3 do mesmo normativo [sobre esta distinção processual e diferentes tramitações do procedimento de suspensão e da acção de destituição, vejam-se os Acórdãos desta Relação de 19/05/2001, in CJ ano XXVI, 3, 191 e de 12/05/2008, proc. 0850755, disponível in www.dgsi.pt/jtrp; idem, Raul Ventura, in “Sociedades por Quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, vol. III, 1996, pgs. 111-112, que justifica o regime fixado no art. 1484º-B, introduzido pela Reforma Processual do DL 329-A/95, de 12/12, com referência aos nºs 3 e 4 do art. 257º do CSC, do seguinte modo: “o legislador reparou em que o sistema por ele criado tinha um grave inconveniente: a manutenção do gerente, apesar da justa causa, até ao trânsito em julgado da sentença que o destitua e que produz efeito ex nunc”; e quanto à natureza do procedimento de suspensão da gerência, refere expressamente que se trata de um “procedimento cautelar – providência cautelar não especificada”].
Como «in casu» a 1ª instância se pronunciou apenas sobre o pedido de suspensão do requerido da gerência da dita sociedade – decisão que foi proferida sem citação do mesmo, nos termos do nº 2 do art. 1484º-B [a citação só terá lugar posteriormente, quando os autos regressarem àquela instância] -, é só essa questão que constitui, aqui e agora, o «thema decidendum» a cargo deste Tribunal da Relação.
2. Na sequência do que fica exposto, importa, ainda, esclarecer uma outra questão.
Segundo o nº 4 do art. 257º do CSC, “existindo justa causa, pode qualquer sócio [da sociedade por quotas] requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade” [itálico nosso].
Este preceito tem sido interpretado no sentido de que a acção de destituição [com ou sem pedido de suspensão imediata] da gerência de um determinado sócio pode ser intentada por qualquer sócio, mas tem de o ser, obrigatoriamente, contra o gerente a destituir [e suspender] e contra a sociedade [assim, Acs. desta Relação de 12/05/2008, supra referido e de 07/06/1994, in BMJ 438/551, da Relação de Lisboa de 21/02/2002, proc. 0079728, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, Raul Ventura, obr. e vol. cit., pg., 114 e Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito das Sociedades – Das Sociedades em Especial”, II, 2006, pg. 412].
«In casu», as requerentes [duas das três sócias da “E…, Lda.”, conforme consta do nº 5) dos factos provados, representando 50% do capital social desta] intentaram a acção [em cuja petição requereram a destituição e a suspensão da gerência] apenas contra o requerido que é o alvo das medidas que pretendem decretadas; não demandaram a própria sociedade, inobservando, assim, o apontado normativo.
Apesar disso, pensamos que tal incorrecção formal não põe em causa o conhecimento do recurso ora em apreço, quer porque a falta/insuficiência de tal pressuposto processual [integrador de excepção dilatória da ilegitimidade passiva] pode/deve ser sanada na 1ª instância quando os autos aí regressarem para prosseguimento da acção de destituição e for ordenada a citação do requerido [ordenando-se então também a citação da sociedade, ao abrigo do nº 2 do art. 265º do CPC], quer porque a decisão da 1ª instância, de não decretamento da suspensão de funções requerida pelas requerentes, deverá ser agora mantida/confirmada, como demonstraremos nos itens seguintes.
3. Reportemo-nos agora ao objecto do recurso.
As requerentes/recorrentes não concordam com a douta decisão recorrida, pois entendem que ficaram indiciariamente provados factos integradores do conceito de justa causa de que depende a procedência da medida cautelar, por elas requerida, de suspensão do demandado das funções de gerente que desempenha na sociedade comercial supra referenciada.
É cristalino que o deferimento da pretendida suspensão de funções de gerência depende da verificação de justa causa; trata-se de imposição do nº 4 do citado art. 257º.
O nº 6 do mesmo preceito esclarece que “constituem justa causa de destituição [e, claro, de suspensão], designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções”. O que está na base deste dispositivo é uma ideia de violação ou de incumprimento de deveres inerentes ao exercício das funções de gerência numa sociedade por quotas.
Entre outros, o gerente está vinculado aos deveres de cuidado [tem que revelar disponibilidade, competência técnica e conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções], de diligência [deve ser um gestor criterioso e ordenado] e de lealdade [deve zelar pelos interesses da sociedade e dos seus sócios e cuidar da sustentabilidade daquela] e à proibição de concorrência [não pode, sem o consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade, entendendo-se como tal “qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios] – cfr. arts. 64º nº 1 als. a) e b) e 254º nºs 1 e 2 do CSC.
Não basta, porém, a simples violação de algum desses deveres para que o gerente possa ser judicialmente destituído; é necessário que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança dos sócios no gerente.
Apesar da menção genérica constante do nº 6 do indicado art. 257º, não contem a lei [o CSC] qualquer definição dogmática do conceito de «justa causa» de destituição do gerente. Têm sido a jurisprudência e a doutrina a levar a cabo tal tarefa, indicando como justa causa:
● qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o seu gerente;
● todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim;
● qualquer conduta que possa fazer desaparecer os pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação contratual societária;
● toda a actuação que, pela sua gravidade, importe, por razões justificadas, a quebra de confiança entre a sociedade e o gerente [Na jurisprudência, podem ver-se, i. a., os Acórdãos do STJ de 11/07/2006, procs. 06B988 e 06A1884, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 30/03/2006, proc. 0536255, de 01/02/2011, proc. 335/10.4TYVNG-A.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e de 12/05/2008, este já atrás citado. Na doutrina, destacam-se Menezes Cordeiro, obr. e vol. cit., pgs. 413-419, que, depois de enumerar vários exemplos de comportamentos geradores de justa causa de destituição apreciados pelos Tribunais Portugueses, defende que a justa causa exige um comportamento culposo do gerente que, “pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação” contratual com a sociedade, acrescentando que aquela pode analisar-se em dois pressupostos: a ilicitude que engloba “a violação dos deveres de gerência, sejam eles deveres específicos legais (por ex., a proibição de concorrência ou o dever de relatar a gestão), deveres específicos estatutários (por ex., convocar os sócios com certa periodicidade) ou deveres genéricos (por ex., actuar com lealdade, com urbanidade e com respeito pela integridade patrimonial da empresa ou dos seus sócios” e a culpa que se traduz no “juízo de censura inerente às violações perpetradas; esta, perante a violação de deveres específicos, presume-se, nos termos do artigo 799º/1 do Código Civil”; João Labareda, in “Direito Societário Português – Algumas Questões”, 1998, pg. 80, refere que “o traço essencial caracterizador da ideia de justa causa de destituição … é a inexigibilidade à sociedade de, face a circunstâncias entretanto verificadas, manter os laços que a ligam ao gestor nessa qualidade, o que a ter de acontecer sacrificaria os seus interesses de modo não razoável e transcenderia os ditames da boa fé”; Já Raul Ventura, obr. e vol. cit., pgs. 91 a 94, não fornece nenhuma definição jurídica de justa causa, limitando-se a reconhecer que “o art. 257º não define justa causa, mas aponta, exemplificativa e genericamente, como tal a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções” e a dar vários exemplos de comportamentos que podem reconduzir-se a tal conceito, alguns deles com também indicados por António Caeiro, in “Temas de Direito das Sociedades”, pg. 165].
Como não pode deixar de ser, é em concreto e objectivamente que se afere se a conduta imputada ao gerente constitui motivo de destituição com justa causa.
4. As recorrentes sustentam, nas suas doutas alegações-conclusões, que o requerido, na qualidade de gerente da “E…, Lda.”, violou gravemente diversos deveres a que estava vinculado e que, por causa disso, a sociedade não pode mantê-lo nas funções que vem exercendo, impondo-se a sua imediata suspensão. Fundamentam a justa causa dessa suspensão no seguinte circunstancialismo:
● que ele permitiu que uma outra sociedade, de que também é gerente, ocupasse a sede da “E…, Lda.”, sem autorização das sócias e demais gerentes desta e sem qualquer contrapartida, e que aquela sociedade passasse aí e exercer actividade concorrente com a desta e com know-how também da “E…, Lda.”;
● que ele não permite o acesso das recorrentes à sede da sociedade, bem como às respectivas contas e contabilidade, contas que nem sequer apresenta;
● que ele abandonou as actividades da “E…, Lda.” em detrimento da outra sociedade de que também é gerente;
● e que, enquanto gerente da “E…, Lda.”, celebrou uma escritura de confissão de dívida e hipoteca a favor de uma outra sociedade de que ele também era gerente, sem qualquer contrapartida e a título gratuito, tendo, entretanto, essa confissão de dívida sido executada.
Vejamos cada uma destas situações.
4.1. Quanto ao primeiro fundamento, ficou apenas provado que o requerido foi gerente de uma outra sociedade (“F…, Lda.”) – de facto continua a sê-lo ainda, apesar de, formalmente, nela ter cessado aquelas funções – que tem por objecto a indústria de preparação de cortiça [o objecto da “E…, Lda.” é a indústria de rolhas e artefactos de cortiça e o comércio de importação e exportação de produtos análogos] e que a sede e local de laboração dessa sociedade funcionam na sede daquela outra de que as recorrentes são sócias [e também gerentes, embora, de facto, não exerçam estas funções].
Mas, além do mais, não ficou provado que a “F…” não pague renda pela utilização desse espaço, que utilize know-how e/ou trabalhadores da “E…, Lda.” e, acima de tudo, que aquela tenha como objecto o fabrico e a comercialização de rolhas de cortiça e que haja coincidência de actividades entre as duas sociedades.
Perante isto, como se considerou na douta decisão recorrida, é evidente que não pode imputar-se ao requerido a violação da proibição de concorrência, prevista no art. 254º nºs 1 e 2 do CSC, que as recorrentes lhe apontam, nem a inobservância de qualquer outro dever, até porque não está sequer indiciado que a utilização da sede da “E…, Lda.” não tenha tido o assentimento das requerentes e/ou da outra sócia maioritária, nem que não haja contrapartida por esse uso.
4.2. Relativamente ao segundo fundamento [não permissão de acesso das recorrentes à sede da sociedade, bem como às respectivas contas e contabilidade, e não apresentação de contas] também não se vislumbra que seja por aí que o procedimento em apreciação possa proceder e levar à suspensão de funções do requerido.
É que, acerca deste assunto, nada ficou indiciariamente demonstrado: não se apurou que as recorrentes estejam ou tenham sido impedidas pelo requerido de aceder à sede da sociedade de que são sócias e gerentes; não se apurou que estejam sem acesso às contas e à contabilidade da mesma; e não ficou provado que o requerido não apresente contas da “E…, Lda.” [como as recorrentes não impugnaram, nas alegações-conclusões, a factualidade dada como provada e não provada na decisão recorrida, é com ela que temos que apreciar os fundamentos do seu recurso].
4.3. No que tange ao terceiro fundamento [abandono das actividades da “E…, Lda.” em detrimento da outra sociedade de que o requerido é gerente de facto].
Neste segmento também nada ficou provado que possa configurar a violação pelo requerido de algum dos deveres que atrás se deixaram anotados; designadamente, não se apurou que tenha abandonado e deixado a “E…, Lda.” sem actividade, que utilize o know-how e meios desta em favor da outra referida empresa, ou que tenha transferido para esta trabalhadores daquela e, bem assim, que se tenha aproveitado da clientela da primeira para fornecer produtos da segunda.
Daí que também não seja por aqui que o pedido de suspensão da gerência possa obter acolhimento.
4.4. Resta o último fundamento invocado, susceptível de integrar violação dos deveres de lealdade e de defesa dos interesses da sociedade.
Ficou provado que o requerido, em 02/03/2004, enquanto gerente da “E…, Lda.”, celebrou uma escritura de confissão de dívida, garantida por hipoteca [prestada a título gratuito], a favor da sociedade “I…, Lda.”, da qual também era gerente, no montante de 400.000,00 €, crédito que foi recentemente executado em processo que corre termos no 3º juízo do Tribunal recorrido. Não ficou, no entanto, demonstrado que a referida hipoteca tenha sido prestada para proteger o património do requerido e sua família.
Da cópia da escritura indicada no nº 21) dos factos provados, junta pelas ora recorrentes a fls. 43 a 47, resulta que na mesma intervieram as sociedades “I…, Lda.” e “E…, Lda.”, representadas pelos respectivos sócios gerentes e um tal K…, que quem se constituiu e confessou devedora da quantia de 400.000,00 € foi a “I…, Lda.”, perante o segundo outorgante [aquele K…], e que a “E…, Lda.”, terceira outorgante, se limitou a, “em garantia daquela quantia mutuada”, constituir a favor do segundo outorgante uma hipoteca sobre o imóvel identificado na pg. 3 daquela escritura [os representantes da “E…, Lda.” referiram ali que “esta sociedade tem interesse próprio e directo em garantir a dívida da primeira outorgante, como efectivamente o está a fazer], aferindo-se, ainda, que em representação da 3ª outorgante e “na qualidade de únicos sócios gerentes”, intervieram o aqui requerido e sua cônjuge L….
Além disso, da cópia da certidão do registo comercial junta a fls. 32 a 38, também apresentada pelas requerentes com a petição inicial, decorre que o requerido e a sua identificada cônjuge eram gerentes da “E…, Lda.” à data da celebração daquela escritura de “confissão de dívida e hipoteca” [as aqui requerentes/recorrentes só passaram a ser gerentes de tal sociedade a partir de Setembro de 2007, na sequência da cessação das respectivas funções por parte daquela L… e de outros].
Ora, perante este circunstancialismo fáctico e sabendo-se apenas que a referida garantia/hipoteca foi prestada/constituída a favor da “I…, Lda.” [de que também era gerente] a título gratuito, mas com a menção de que a “E…, Lda.” tinha “interesse próprio e directo em garantir a dívida” daquela, não se vislumbra – à falta de prova de outra factualidade conducente a uma melhor compreensão do negócio em causa e à elisão do “interesse próprio e directo” da segunda sociedade – que, com tal acto, ocorrido há mais de oito anos [e antes das recorrentes serem sócias e gerentes da mesma – só passaram a sê-lo, face ao que consta da cópia da certidão do registo comercial atrás mencionada, a partir de Setembro de 2007, com a aquisição das quotas de outros sócios], o requerido, ora recorrido, tenha violado os ditos deveres de lealdade e de defesa dos interesses da indicada sociedade.
Como tal, não podia a 1ª instância ter decidido de outro modo que não fosse julgar improcedente o presente procedimento cautelar e não determinar a pretendida suspensão do exercício de funções de gerente por parte do requerido.
Improcede, por conseguinte, «in totum» a douta apelação.
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Síntese conclusiva:
● Sob a aparência de uma única acção, o art. 1484º-B do CPC prevê dois pedidos que seguem distinta tramitação: o de suspensão do cargo de gerente, que é um procedimento cautelar semelhante ao procedimento cautelar comum previsto nos arts. 381º a 392º do CPC; e o de destituição da gerência, que é uma acção declarativa com as especificidades características dos processos de jurisdição voluntária.
● Estes dois pedidos podem ser cumulados na petição inicial, seguindo-se, para apreciação de cada um deles, a tramitação adequada.
● O deferimento do pedido de suspensão de funções de gerência depende da verificação de justa causa, ou seja, designadamente, da violação grave dos deveres a que o gerente está legal e estatutariamente sujeito ou da sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
● Cabe ao requerente a prova da factualidade integradora da justa causa da suspensão de funções do gerente.
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V. Decisão:
Ante o exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
2) Condenar as recorrentes nas custas desta fase recursória, pelo total decaimento.
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Porto, 2012/10/30
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso