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MEDIDA DE COAÇÃO DE SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO
EXTINÇÃO DA MEDIDA
AGRAVAMENTO
Sumário
I - A medida de coacção de suspensão do exercício da profissão extingue-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido oito meses sem que tenha sido deduzida acusação. II - Extinta a medida, não pode pretender-se a subsistência da mesma; como não pode pretender-se o correlato agravamento sob pretexto de violação da obrigação imposta.
Texto Integral
PROCESSO Nº 928/08.0TAVNF-AB.P1
RELATOR: MELO LIMA
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
1. Nos autos de Processo sob epígrafe, a correr termos pelo Tribunal de Vila Nova de Famalicão PELO Exmo. Juiz de Instrução Criminal, foram aplicadas ao arguido B… as seguintes medidas de coação: a. Suspensão do Exercício de Funções de Técnico Oficial de Contas; b. Proibição de frequentar as instalações e sede da sociedade “C…, Lda.”; c. Proibição de, por qualquer meio (inclusive — e para além do mais — fax, telefone ou correio electrónico e/ou por intermédio de terceiros), contactar com quaisquer clientes da sociedade “C…, Lda.”; d. Caução no valor de € 80.000,00. 2. Inconformado, interpôsrecursoo arguido, rematando a respectiva motivação com as seguintes Conclusões: 2.1 No dia 22/06/2009. o Arguido foi sujeito a primeiro interrogatório Judicial findo o qual lhe foi aplicada, para além do termo de identidade e residência, a medida de coacção de suspensão do exercício de funções de contabilista/técnico oficial de contas, nos termos dos artigos 199º e 204° al. c) do C.P.P. 2.2 Tendo o arguido entregue a sua cédula profissional de TOC em 07/08/2009. é de concluir que a medida de coacção imposta se extinguiu, automaticamente e por força da lei, na pior das hipóteses, em 07/04/2010. 2.3 O Arguido não violou a medida de coacção de suspensão do exercício de profissão porque a mesma está extinta há cerca de dois anos. 2.4 O Tribunal a quo não pode manter/renovar a referida a medida de suspensão do exercício de profissão que está extinta há mais de dois anos, sem que tenha sido deduzida acusação. 2.5 O Tribunal não pode aplicar medidas mais gravosas para garantir o efectivo e integral cumprimento da medida de suspensão do exercício de profissão que está extinta há mais de dois anos. 2.6 O arguido não tem acesso ao processo nem, tão pouco, sabe que depoimentos foram recolhidos para prova de que violou a medida de coacção imposta e de que tem vindo a assessorar contabilística e fiscalmente as empresas, a organizar e tratar os documentos contabilísticos, bem como, que tenha desempenhado outras funções próprias e exclusivas da função de técnico oficial de contas, o que não concede. 2.7 O Estatuto da Ordem dos T.O.C. prevê expressamente quais as actividades exclusivas dos Técnicos Oficiais de Contas. 2.8 O Arguido não desempenhou nenhuma dessas funções nem esses factos podem constar dos presentes autos. 2.9 O Arguido não criou a sociedade D… nem é sócio ou gerente da mesma. 2.10 Não tem, por isso, o Arguido meios que lhe permitam cumprir a medida de coacção de prestação de caução de € 80.000.00 aplicada. 2.11 Não trabalha nem aufere qualquer rendimento desde que foi proibido de exercer as funções de Técnico Oficial de Contas, em Julho de 2009, como aliás pressupõe (presume) a entrega de cédula profissional. 2.12 O Arguido não tem quaisquer bens móveis ou imóveis que possa alienar, penhorar ou hipotecar ou que lhe permitam garantir a concessão de uma fiança bancária. 2.13 Pelo exposto, o despacho recorrido viola o disposto nos 32° da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 191°, 193º, 197°, 199º, 200°, 203°, 204º, 218° e 215º n.º 1 todos do C.P.P.
3 No Tribunal recorrido, a Exma. Procuradora-Adjunta, no entendimento de que em face da violação da medida de coacção imposta saem justificadas as medidas ora fixadas ao Recorrente, concluiu no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
4 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no acolhimento da argumentação expendida no articulado da Resposta, concluiu com igual sentido de improcedência.
5 Colhidos os Vistos, realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir.
IIFundamentação.
1. Delimitação objetiva do recurso.
As questões decorrentes das conclusões do recurso interposto reconduzem-se a saber:
i. Podia o Tribunal, em 16 de Fevereiro de 2012, manter/renovar a medida de suspensão do exercício de profissão fixada por decisão judicial de 22 de Junho de 2009, sem que no processo tivesse sido deduzida acusação?
ii. Foi violado o princípio constitucional da garantia da defesa por não terem sido dados a conhecer ao Recorrente “os depoimentos recolhidos para prova de que violou a medida de coação imposta”, inexistindo, de todo o modo, prova de tal violação?
2. Conhecendo 2.1 São relevantes ao conhecimento do recurso os seguintes momentos do Auto de Interrogatório de que resulta a aplicação das medidas de coação sob apreço: 2.1.1 «Em seguida, o Mm° Juiz de Direito informou o arguido dos direitos referidos no art.° 61°, n.° 1, do C. P. Penal, comunicou-lhe os factos que lhe são imputados e as provas que os alicerçam, tendo, em especifico, comunicado ao arguido, o seguinte: No dia 22 de Junho de 2009, ao arguido B… foi aplicada, para além do termo de identidade e residência, a medida de coacção de suspensão do exercício das funções de contabilista, nos termos do artigo 199.° e 204.° ai. c) do Código Processo Penal, conforme interrogatório judicial efectuado neste tribunal e no âmbito dos presentes autos. Nessa mesma data foi o arguido notificado nos termos do então art.° 194°, n.° 7, do Código de Processo Penal (actualmente n.° 8) das medidas de coacção que lhe foram aplicadas e de que o incumprimento ou a violação das medidas aplicadas legitimava a aplicação de outras medidas de coacção mais graves, designadamente da medida de coacção de prisão preventiva (cfr. fls. 1474).
O arguido para cumprimento da medida de coação que lhe foi aplicada entregou nos autos a fls. 867, em 7 de Agosto de 2009, a sua cédula profissional, sendo certo que anteriormente em 16 de Julho de 2009 havia sido dado conhecimento à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (actual Ordem dos TOC’S) a decretada suspensão do exercício - das funções.
Nos termos do artigo 218.° n.° 1 do Código de Processo Penal, a medida de coacção prevista no artigo 199.° extingue-se quando, desde o inicio da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no n.° 1 do artigo 215°, elevados ao dobro.
Ora, o prazo estabelecido no artigo 215.° n.° 1 ai. a) do mesmo diploma legal é de 4 meses sem que haja acusação, sendo a situação dos presentes autos, pelo que elevado ao dobro tal prazo, em tese, a medida de coacção aplicada ao arguido extinguir-se-ia em Fevereiro de 2010 (data do despacho que aplicou a medida) ou Março de 2010 (data da comunicação à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas) ou Abril de 2010 (data da entrega da cédula profissional do arguido).
Sucede que, tal como resulta dos depoimentos dos ofendidos e extensamente descritos na súmula apresentada pela Policia Judiciária a fls. 2547, o arguido com a promessa de regularização da situação contributiva do seu cliente, bem como com a promessa de pagamento aos próprios clientes das quantias que indevidamente se apropriou conseguiu que os mesmos mantivessem os serviços de contabilidade afectos a uma outra sociedade de prestação de serviços de contabilidade denominada “C…, Lda.”
São exemplos de clientes e ofendidos nos autos a sociedade comercial E…, Lda’ representada por F… (cfr. fis. 1635), a sociedade comercial “G…, Lda.”, representada por H… e I… (cfr. fls. 1855 e 1857), a sociedade comercial “K…, Lda.”, representada por K… (cfr. fls. 1877), “L…, Lda.”, representada por M… (cfr. fis. 1982), “N…, Lda.”, representada por O… (cfr. fis. 2003), as sociedades comerciais “P…, Lda.” e “Q…, Lda.”, representadas por S… (cfr. fls. 2297), T… (cfr. fis. 2404), a sociedade comercial ‘U…, Lda.”, representada por V… (cfr. fis. 2413), W… (cfr. fls. 2419).
Também de acordo com alguns relatos, o arguido — apesar de ter a sua inscrição na Ordem dos Técnicos Oficiais suspensa — continua a visitar clientes, entregando e recebendo destes documentação contabilística, sendo que também foi salientado por alguns clientes da sociedade “C…, Lda.”, que sempre que se deslocam às instalações da sociedade, encontram o arguido B… nas referidas instalações, apercebendo-se que é o arguido quem orienta o gabinete de contabilidade, o que fez ainda no período em que se encontrava judicialmente suspenso do exercício das suas funções e ainda antes do termo do prazo legal de vigência de tal medida, por referência a qualquer uma das três datas supra mencionadas como possíveis para se considerar o termo respectivo. O arguido, considerando a medida de coacção que lhe foi imposta, não só se encontra impedido de “assinar” os documentos contabilísticos, elaborados por outrem e remetidos à administração fiscal, mas também de elaborar tais documentos, assessorar contabilística e fiscalmente as empresas, organizar e tratar os documentos contabilísticos, funções que o arguido tem vindo a desempenhar.
Acresce que:
A sociedade comercial “D…, Lda.” é uma sociedade comercial criada pelo arguido B… no principio do ano de 2009, com o fim de receber os clientes da insolvente “X…” e que actualmente, tem como gerente da mesma a mãe do arguido, Y….
A filha do arguido, Z… encontrar-se inscrita como Técnica Oficial de Contas com o n.° …...
Em 28 de Março de 2011 foi inquirido no Departamento de Fiscalização do Norte do Instituto da Segurança Social, no âmbito de uma acção inspectiva realizada ao contribuinte AB…, tendo aí declarado que: “(...) em 1 de Janeiro de 2010 foi admitido na empresa “AC…, Lda.” para exercer a actividade de Técnico Oficial de Contas e Consultoria Fiscal de vários empresas; (...) que conhece a Sra. AB… e que lhe executa a contabilidade acerca de um ano, nomeadamente no ano de 2010; que era o próprio que quem entregava as declarações de remunerações à Segurança Social via internet; que se recorda de ter entregue as declarações de remunerações nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2010; (...) que reconhece que para o envio das declarações de remunerações utilizou o endereço “…”.
A sociedade comercial “X…” foi declarada insolvente em 7 de Maio de 2010, por sentença transitada em julgado, tendo a insolvência sido declarada culposa.
Desde a data do primeiro interrogatório judicial, no qual teve amplo conhecimento dos factos que neste inquérito lhe são imputados, o arguido apresentou cerca de 40 queixas, na maioria, contra os seus colaboradores e antigos funcionários da “X…” imputando-lhes os factos que neste inquérito, o arguido é suspeito.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente.
Elementos de prova a ponderar: os termos processados, depoimentos, buscas e apreensões e elementos documentais.
Expressamente advertido de que não era obrigado a prestar declarações, não podendo o seu silêncio prejudicá-lo, pelo arguido foi dito:
Não pretender prestar declarações, relegando a assunção de posição quanto aos factos que lhe são imputados para momento posterior.
E mais não disse. Lidas as suas declarações acha-as conforme e assina»
2.1.2 Em seguida, dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi promovido: […………………………………………………………………………………] 2.1.3 Após, dada a palavra ao ilustre mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito:[…………………………]. 2.1.4 Em seguida, pelo Mm.° Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO «Factualidade indiciada:No dia 22 de Junho de 2009, ao arguido B… foi aplicada, para além do termo de identidade e residência, a medida de coacção de suspensão do exercício das funções de contabilista, nos termos do artigo 199.0 e 204.° al. c) do Código Processo Penal, conforme interrogatório judicial efectuado neste tribunal e no âmbito dos presentes autos. Nessa mesma data foi o arguido notificado nos termos do então art.° 194°, n.° 7, do Código de Processo Penal (actualmente n.° 8) das medidas de coacção que lhe foram aplicadas e de que o incumprimento ou a violação das medidas aplicadas legitimava a aplicação de outras medidas de coacção mais graves, designadamente da medida de coacção de prisão preventiva (cfr. fls. 1474). O arguido para cumprimento da medida de coação que lhe foi aplicada entregou nos autos a fls. 867, em 7 de Agosto de 2009, a sua cédula profissional, sendo certo que anteriormente em 16 de Julho de 2009 havia sido dado conhecimento à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (actual Ordem dos TOC’S) a decretada suspensão do exercício das funções. Nos termos do artigo 218.° n.° 1 do Código de Processo Penal, a medida de coacção prevista no artigo 199º extingue-se quando, desde o inicio da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no n.° 1 do artigo 215°, elevados ao dobro. Ora, o prazo estabelecido no artigo 215.° n.° 1 al. a) do mesmo diploma legal é de 4 meses sem que haja acusação, sendo a situação dos presentes autos, pelo que elevado ao dobro tal prazo, em tese, a medida de coacção aplicada ao arguido extinguir-se-ia em Fevereiro de 2010 (data do despacho que aplicou a medida) ou Março de 2010 (data da comunicação à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas) ou Abril de 2010 (data da entrega da cédula profissional do arguido). Sucede que, tal como resulta dos depoimentos dos ofendidos e extensamente descritos na súmula apresentada pela Policia Judiciária a fls. 2547, o arguido com a promessa de regularização da situação contributiva do seu cliente, bem como com a promessa de pagamento aos próprios clientes das quantias que indevidamente se apropriou conseguiu que os mesmos mantivessem os serviços de contabilidade afectos a uma outra sociedade de prestação de serviços de contabilidade denominada “C…, Lda.”
São exemplos de clientes e ofendidos nos autos a sociedade comercial “E…, Lda.” representada por F… (cfr. fls. 1635), a sociedade comercial “G…, Lda.”, representada por H… e I… (cfr. fls. 1855 e 1857), a sociedade comercial “J…, Lda.”, representada por K… (cfr. fls. 1877), “L…, Lda.”, representada por M… (cfr. fls. 1982), “N…, Lda.”, representada por O… (cfr. fls. 2003), as sociedades comerciais “P…, Lda.” e “Q…, Lda.”, representadas por S… (cfr. fls. 2297), T… (cfr. fls. 2404), a sociedade comercial “U…, Lda.”, representada por V… (cfr. fls. 2413), W… (cfr. fls. 2419).
Também de acordo com alguns relatos, o arguido — apesar de ter a sua inscrição na Ordem dos Técnicos Oficiais suspensa — continua a visitar clientes, entregando e recebendo destes documentação contabilística, sendo que também foi salientado por alguns clientes da sociedade “C…, Lda.”, que sempre que se deslocam às instalações da sociedade, encontram o arguido B… nas referidas instalações, apercebendo-se que é o arguido quem orienta o gabinete de contabilidade, o que fez ainda no período em que se encontrava judicialmente suspenso do exercício das suas funções e ainda antes do termo do prazo legal de vigência de tal medida, por referência a qualquer uma das três datas supra mencionadas como possíveis para se considerar o termo respectivo. O arguido, considerando a medida de coacção que lhe foi imposta, não só se encontra impedido de “assinar” os documentos contabilísticos, elaborados por outrem e remetidos à administração fiscal, mas também de elaborar tais documentos, assessorar contabilística e fiscalmente as empresas, organizar e tratar os documentos contabilísticos, funções que o arguido tem vindo a desempenhar.
Acresce que: A sociedade comercial “D…, Lda.” é uma sociedade comercial criada pelo arguido B… no principio do ano de 2009, com o fim de receber os clientes da insolvente “X…” e que actualmente, tem como gerente da mesma a mãe do arguido, Y…. A filha do arguido, Z… encontrar-se inscrita como Técnica Oficial de Contas com o n.° …...
Em 28 de Março de 2011, foi inquirido no Departamento de Fiscalização do Norte do Instituto da Segurança Social, no âmbito de uma acção inspectiva realizada ao contribuinte AB…, tendo aí declarado que: “(...) em 1 de Janeiro de 2010 foi admitido na empresa “AC…, Lda” para exercer a actividade de Técnico Oficial de Contas e Consultoria Fiscal de vários empresas; (...) que conhece a Sra. AB… e que lhe executa a contabilidade acerca de um ano, nomeadamente no ano de 2010; que era o próprio que quem entregava as declarações de remunerações à Segurança Social via internet; que se recorda de ter entregue as declarações de remunerações nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2010; (...) que reconhece que para o envio das declarações de remunerações utilizou o endereço “…”.
A sociedade comercial “X…” foi declarada insolvente em 7 de Maio de 2010, por sentença transitada em julgado, tendo a insolvência sido declarada culposa. Desde a data do primeiro interrogatório judicial, no qual teve amplo conhecimento dos factos que neste inquérito lhe são imputados, o arguido apresentou cerca de 40 queixas, na maioria, contra os seus colaboradores e antigos funcionários da “X…” imputando-lhes os factos que neste inquérito, o arguido é suspeito. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente. Motivação:A convicção indiciária do tribunal alicerçou-se na apreciação crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos.
Elementos de prova a ponderar: os termos processados, depoimentos, buscas e apreensões e elementos documentais. Qualificação Jurídica: Os crimes objecto dos autos e que foram considerados como indiciados em sede do primeiro interrogatório do arguido reportam-se a crimes de fraude fiscal, previsto e punido pelo art.° 103°, do RGIT, falsificação de documentos, previsto e punido pelo art.° 256.°, do Código Penal, abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo art.° 205.° e 208°, ambos do Código Penal e ainda de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 215,° e 218°, também do Código Penal, por referência, na sua base, à apropriação indevida de valores/quantias de dinheiros entregues por clientes seus para cumprimento de obrigações fiscais e equiparadas. Exigências cautelares que no caso se fazem sentir e medidas de coacção a aplicar: Atenta a factualidade supra dada como indiciada, constata-se que pese embora a notificação efectuada ao arguido de que o incumprimento das obrigações/proibições subjacentes às medidas de coacção que lhe foram aplicadas legitimava a aplicação de medidas de coacção mais graves, tendo-se especificado, inclusive, a medida de coacção de prisão preventiva, o arguido fez letra morta dessa advertência e violou de forma consciente, voluntária e intencional, ainda no período de vigência dessa medida, a proibição do exercício da função respectiva, sendo de salientar que o por si ora alegado em sede de oposição à promoção do Ministério Público não encontra qualquer sustentáculo probatório, tanto mais que por referência à impossibilidade de prática dos actos em face da entrega da sua cédula profissional, há que convir que a entrega da mesma não obsta (como não obstou) à prática dos actos em si, a alegada (e não comprovada) absolvição em “meros” crimes de cheques de emissão de cheque sem provisão é irrelevante para os autos, a sua alegada condição de vítima não passa disso mesmo, de uma alegação, sendo de salientar, no entanto, que quando muito, a questão que se pode suscitar é eventualmente de uma co-autoria, mas nunca de uma não autoria indiciária dos factos, não se vendo, ainda, que a violação da medida imposta se reporte ao por si alegado (e não comprovado) equívoco. Ora, nos termos do art.° 203°, n.° 1, do Código de Processo Penal, “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso”.
Nesta sequência, ponderando a gravidade e natureza dos crimes indiciariamente imputados ao arguido, não sendo conhecidos ou não estando comprovados motivos ponderosos em favor do arguido no âmbito dessa violação, entendemos ser de agravar o estatuto coactivo do arguido, afigurando-se-nos revelar adequação e proporcionalidade ao caso dos autos, a sujeição do arguido às medidas de coacção promovidas pelo Ministério Público, sendo, também, necessárias, em face da conduta tida pelo arguido nessa violação de suspensão do exercício de função.
Na verdade, mantendo-se a já decretada proibição do exercício de função, cumulada com a proibição de frequentar as instalações e sede da sociedade “C…, Lda.” e com a proibição de, por qualquer meio, contactar com clientes da sociedade “C…, Lda.”, cremos que se limitará o âmbito de actuação do arguido; porém, haverá que ponderar que ao arguido foi já aplicada a primeira das supra proibições (do exercício de função) e que o arguido parece, repetindo-nos, fazer “fazer letra morta” das proibições impostas pelo tribunal, fazendo com que se agrave, também, o perigo de continuação da actividade criminosa e patenteando, ainda, o perigo de perturbação do Inquérito; nesta sequência, pese embora as referidas medidas sejam necessárias, não são suficientes, sob pena de constituírem uma decisão judicial que não logra nenhum efeito prático útil, sendo de salientar que em relação á promessa efectuada pelo arguido na sua oposição, sempre será de salientar que a mesma não foi efectuada pelo arguido, mas pelo seu ilustre mandatário. Cremos, pois, que para além de ser proporcional e adequada, é também absolutamente necessária, a promovida medida de coacção de caução, contida no art.° 197°, do Código de Processo Penal, sendo de salientar que por referência aos elementos carreados para os autos, o montante de que indiciariamente o arguido já se terá apropriado é “consideravelmente significativo” (é o mínimo que se pode afirmar), já que ultrapassará o milhão de euros.
Nesta sequência, ponderando a natureza e gravidade dos crimes indiciariamente imputados ao arguido, a violação da medida de coacção que lhe fora imposta e os montantes de que o arguido se terá apropriado, cremos ser adequado de fixar o montante da caução nos termos promovidos: € 80.000,00, o que aqui se determina.
Em conformidade com todo o exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191.0 a 196°, 197.°, 199°, n.° 1, al.a a), 2000, n.° 1, aI.a d), 203.°, n.° 1, 204.°, al.a b) e c), 205.° e 206°, todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido B… fique sujeito às seguintes medidas de coacção: ● Termo de identidade e residência; ● Suspensão do exercício de funções de Técnico Oficial de Contas; ● Proibição de frequentar as instalações e sede da sociedade “C…, Lda.”; ● Proibição de, por qualquer meio (inclusive — e para além do mais - fax, telefone ou correio electrónico e/ou por intermédio de terceiros), contactar com quaisquer clientes da sociedade “C…, Lda.”; ● Caução a prestar no valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros). O arguido dispõe do prazo de dez dias para prestar a caução por uma das vias contidas no art.° 206.°, n.° 1, do Código de Processo Penal. Comunique-se à empresa C…, Ld.a. Notifique, dando cumprimento, para além do mais, ao disposto no art.° 194°, n.° 8, do Código de Processo Penal.» 2.2 Pertinentes ao conhecimento da primeira questão, são factos processualmente adquiridos: 2.2.1 No dia 22 de Junho de 2009, ao arguido B… foi aplicada, para além do termo de identidade e residência, a medida de coacção de suspensão do exercício das funções de contabilista, nos termos do artigo 199.° e 204.° ai. c) do Código Processo Penal. 2.2.2 Naquela mesma data o arguido foi notificado das medidas de coacção aplicadas e de que o incumprimento ou a violação das medidas aplicadas legitimava a aplicação de outras medidas de coacção mais graves, designadamente da medida de coacção de prisão preventiva. 2.2.3 Em 16 de Julho de 2009 o Tribunal comunicou à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (actual Ordem dos TOC’S) a decretada suspensão do exercício das funções. 2.2.4 Em 7 de Agosto de 2009, o arguido/recorrente entregou nos autos a sua cédula profissional. 2.2.5 Em 16.02.2012, “ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191.0 a 196°, 197.°, 199°, n.° 1, al.a a), 2000, n.° 1, aI.a d), 203.°, n.° 1, 204.°, al.a b) e c), 205.° e 206°, todos do Código de Processo Penal”, foi proferido decisão judicial a determinar «que o arguido B… fique sujeito às seguintes medidas de coacção: i) Termo de identidade e residência; ii) Suspensão do exercício de funções de Técnico Oficial de Contas; iii) Proibição de frequentar as instalações e sede da sociedade “C…, Lda.”; iv) Proibição de, por qualquer meio (inclusive — e para além do mais - fax, telefone ou correio electrónico e/ou por intermédio de terceiros), contactar com quaisquer clientes da sociedade “C…, Lda.”; v) Caução a prestar no valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros).» 2.2.6 Àquela data, ainda não tinha sido deduzida acusação nos autos.
2.3 Apreciação jurídica sobre a questão de saber se «Podia o Tribunal, em 16 de Fevereiro de 2012, manter/renovar a medida de suspensão do exercício de profissão fixada por decisão judicial de 22 de Junho de 2009, sem que no processo tivesse sido deduzida acusação?»
«Soe dizer-se que o direito processual penal é direito constitucional aplicado porque anda estreitamente associado às normas constitucionais na medida em que é a Constituição que define a estrutura do Estado, as relações entre o Estado e os cidadãos e os direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas. Não é de estranhar, por isso, a grande importância que assumem as normas diretamente atinentes ao processo penal que constam da constituição e que à medida que se vão aprofundando ou desenvolvendo os direitos, liberdades e garantias das pessoas também se vão aprofundando e desenvolvendo as normas da constituição processual penal.» [1]
Do princípio doEstado de Direito emerge, como é de todos sabido, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. [Artigo 20º da C.R.P.]
A significar, desde logo, que o processo de um Estado de direito tem de ser um processo equitativo e leal [um due process of law, fair process]. [2]
Princípio do processo devido a assumir uma específica tradução prática no âmbito do processo penal através do apelo directo às garantias de defesa:
«1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias da defesa.» Artigo 32º da CRP Esta exigência de (ou direito a) um “curto prazo” tem exatamente a ver, em primeira linha, com o princípio da presunção da inocência. [3]
Sendo certo, como é, que a lentidão do processo penal põe em perigo a Justiça e diminui o efeito de prevenção geral, pode, do mesmo passo, pôr em perigo o Estado de Direito.
Nesta conformidade, poder-se-á dizer que a celeridade do processo constitui-se em um valor básico do processo penal, devendo este ser enformado pelo equilíbrio entre a eficiente repressão e a garantia dos Direitos Humanos dos arguidos, quer sejam culpados ou inocentes, como de igual passo a celeridade tornar-se-á necessária tanto para que se produza a eficiente repressão – visto a necessidade de demonstrar ao delinquente e à sociedade que o Estado reage sem demora ao facto delituoso – quanto para salvaguardar os Direitos Humanos, pois tanto o culpado como o inocente têm o direito de ser liberados da situação de insegurança processual. [4]
Corolário da norma ínsita no artigo 20º/4 e 5 da Constituição da República, o direito à decisão da causa em prazo razoável pressupõe “uma formatação processual temporalmente adequada feita pelo legislador (prazos, recursos). Além disso, o sentido da razoabilidade do prazo aponta para a necessidade de a tutela jurisdicional dever assegurar-se em prazo côngruo.» [5]
Conjugando o princípio do processo devido com o direito à decisão da causa em prazo razoável, não se resiste a transcrever:
“… o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), no qual o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, actue com respeito pela pessoa do arguido (maxime, do seu direito de defesa), de molde, designadamente, a evitarem-se condenações injustas. O processo penal, para – como hoje exige, expressis verbis, a Constituição (cf. artigo 20º, n.º 4) – ser um processo equitativo, tem que assegurar todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (cf. o artigo 32º, n.º 1, da Lei Fundamental).
No Acórdão n.º 61/88 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Agosto de 1988) – depois de se acentuar que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, ‘se proclama o próprio princípio da defesa’ e, portanto, apela-se, inevitavelmente, para ‘um núcleo essencial deste’ – escreveu-se, …, o seguinte:
‘A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas no n.º 2 do artigo 32º – será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.’(Cf. também o Acórdão n.º 207/88, publicado no Diário da República, II série, de 3 de Janeiro de 1989). [6] [7]
Não olvidou o legislador a sobredita axiologia na elaboração de um processo penal no quadro de um Estado de direito democrático e social, antes assumiu os correlativos valores e as formas deste modelo de organização definindo e tomando como ideia mestra que “o processo penal tem por fim a realização da justiça no caso, por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos”.
Salvaguardando do mesmo passo: “…estas três referências valem no processo penal como polarizadores autónomos de universos de valores e geradores de princípios de implicações inevitavelmente antiéticas. Afastada está pois, à partida, a possibilidade de se pôr de pé um sistema processual que dê satisfação integral às exigências decorrentes de cada uma daquelas três referências. Por maioria de razão deve, aliás, afastar-se, sem mais, toda a pretensão de absolutizar unilateralmente qualquer deles – sob pena de se abrir a porta às formas mais intoleráveis de tirania ou de se advogar soluções do mais inócuo ritualismo processual. O possível e também - …. – o desejável, é, assim, um modelo processual preordenado à concordância prática das três teleologias antinómicas, na busca da maximização alcançável e admissível das respectivas implicações”. [8]
Mutatis mutandis, este afastamento de uma absolutização unilateral vale, à outrance, com referência à necessidade de uma concordância prática no sopeso e/ou ponderação dos interesses em aparente conflito - seja com referência aos direitos fundamentais da personalidade e/ou ao princípio das garantias da defesa, seja com referência aos interesses comunitários da descoberta dos crimes e perseguição dos criminosos, nomeadamente quando respeitem ao combate à criminalidade organizada e/ou à corrupção e tráfico de influências -, concordância prática a poder determinar, ali, uma compressão ou restrição imposta pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. [9] [10]
É tempo de passarmos ao direito penal adjetivo e princípios nele plasmados.
À cabeça, a ideia de que a aplicação das medidas de coação deve obedecer aos princípios da legalidade, da necessidade, da adequação, da proporcionalidade.
Assim decorre das normas ínsitas, respetivamente, nos Artigos 191º/1 [“A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”] e 193º/1 [“As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”]
Dizer, ainda: na decorrência do referido princípio do Estado de direito democrático - ou, de todo o modo, conexionado com os direitos fundamentais -, é de todos bem conhecido o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo que constitui, na realidade, um princípio de controlo a respeito da medida tomada pela autoridade pública – seja, ex.g., a autoridade judicial – no sentido de saber da sua conformidade aos subprincípios da “necessidade”, da “adequação”, da “proporcionalidade”, dizer também saber da adequação do meio à prossecução do escopo por ela visado.
A norma ínsita na lei penal adjectiva deixada transcrita, no cuidado propósito de que a iuris dictio atinente às medidas restritivas do direito fundamental da liberdade não incorra numa qualquer discricionariedade irrazoável, assume ela mesma, de forma expressa, os princípios subconstitutivos daquele princípio constitucional da proibição do excesso, como sejam: (i) princípio da conformidade ou adequação de meios; (ii) princípio da exigibilidade ou da necessidade; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
Destes mesmos princípios decorre, se bem se ajuíza, a ideia e/ou consequência jusnormativa da provisoriedade intrínseca das medidas cautelares: se pelo efeito preclusivo do caso julgado rebus sic stantibus as medidas mantêm-se enquanto não se verifiquem circunstâncias supervenientes que modifiquem as exigências cautelares ou alterem os pressupostos das medidas decretadas [11] não é menos certo que estas podem e devem ser modificadas a qualquer momento, -seja no sentido do agravamento, seja no sentido da atenuação - desde que se tornem e/ou revelem inadequadas para acautelar as exigências processuais que as determinaram. [12][13]
A qualquer momento, entenda-se: enquanto não se mostrem extintas ex vi legis.
O Título II do CPP, “Das Medidas de Coação”, engloba um primeiro capítulo relativo às “Medidas Admissíveis” – onde se inclui a “suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos” (199º) -, um segundo capítulo relativo às “Condições de aplicação das medidas” e, no que ora importa, um terceiro capítulo relativo à “Revogação, alteração e extinção das medidas”.
Aqui chegados, vemo-nos confrontados com o punctum prurens que subjaz à questão ora sub iudicio e que, em boa verdade, domina a motivação recursiva.
Nuclear nesta, a afirmação de que:
«O tribunal a quo não pode manter/renovar a referida medida de suspensão do exercício de profissão que está extinta há mais de dois anos, sem que tenha sido deduzida acusação”
Com razão? Logo na consideração dos princípios de raiz constitucional e jusprocessual penal – maxime, os princípios deixados apontados da garantia de defesa, da presunção da inocência, do direito à decisão em prazo côngruo, da proporcionalidade, da razoabilidade, da adequação - entende-se que sim, que a razão está do lado do Recorrente. Acresce, a letra da lei penal adjetiva.
Dizer, então.
Nos termos do artigo 191º/1 do CPP, “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
Nas palavras de JOSÉ LOBO MOUTINHO, «Como momento do seu modo próprio de ser, a liberdade marca naturalmente a sua presença em todos os múltiplos domínios em que, na dinâmica da sua vida, se exprime e se actualiza ou realiza a pessoa humana. É assim que se explica a identificação de várias liberdades, que mais não são, afinal, do que as refracções ou aspetos da mesma liberdade humana nos diversos sectores da vida social do Homem.» [14]
No caso concreto, em causa, a liberdade do exercício profissional.
Liberdade cujo exercício pode ser suspenso nos termos do artigo 199º verificados que se mostrem os respetivos pressupostos formais [prévia constituição como arguido e imputação de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos (192º/1 e 199º/1) quanto os pressupostos materiais, respeitem estes à axiologia decorrente do artigo 193º ou aos requisitos gerais previstos no artigo 204º, todos do CPP.
Não está em causa a medida de coação fixada no primeiro momento, dizer, em 22 de Junho de 2009. Está em causa saber da conformidade legal da decisão proferida em 16 de Fevereiro de 2012, tida por alteração agravativa da medida de coação com fundamento em violação das obrigações impostas.
De facto, nos termos do artigo 203º do CPP, “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coação, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coação previstas neste Código e admissíveis no caso”.
Assim, porém, enquanto a respetiva medida perdure.
Dizer, também, enquanto a medida não se mostre extinta por força da lei.
Ora, tem aqui razão o Recorrente.
Razão que o próprio Tribunal não deixa de reconhecer quando refere – posto que daí não retire as óbvias conclusões -: «o arguido fez letra morta dessa advertência e violou de forma consciente, voluntária e intencional, ainda no período de vigência dessa medida, a proibição do exercício da função respectiva», «é o arguido quem orienta o gabinete de contabilidade, o que fez ainda no período em que se encontrava judicialmente suspenso do exercício das suas funçõese ainda antes do termo do prazo legal de vigência de tal medida, por referência a qualquer uma das três datas supra mencionadas como possíveis para se considerar o termo respectivo».
Acontece que, nos termos conjugados dos artigos 218º/1 e 215/1 al.a), ambos do CPP, a medida de coação de suspensão do exercício de profissão extingue-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido oito meses sem que tenha sido deduzida acusação. Extingue-se, decorridos que se mostrem oito meses sobre o início da sua execução e sem que tenha sido deduzida acusação.
Estão em causa, de uma parte, a obrigação do Estado cumprir no prazo legalmente fixado o dever de dedução da acusação e, de outra, garantir a observância do processo devido, dizer também do direito à decisão em prazo côngruo, visto o caráter eminentemente gravoso da medida de coação em causa: a proibição do exercício da profissão.
À sobreposse, sobrarão os juízos de irrazoabilidade para manter e/ou agravar uma medida de coação que afeta, repete-se, de modo tão grave a liberdade do exercício profissional do arguido, quando sobre o início da execução da medida cominada – a reportar, pelo mínimo, a 7 de Agosto de 2009 - se mostravam decorridos dois anos e meio a passar (16 de Fevereiro de 2012).
Não é correto dizer, como diz o MºPº na instância recorrida que “não se pode argumentar que a medida de coação de suspensão do exercício de funções que lhe foi imposta já se extinguiu, pelo decurso do prazo previsto no artigo 218.° n.° 1 do Código de Processo Penal, uma vez que a mesma nem sequer teve o seu inicio.”
Início teve: fosse com a comunicação, em 16 de Julho de 2009, feita pelo Tribunal à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (actual Ordem dos TOC’S) da decretada suspensão do exercício das funções, fosse com a entrega nos autos, em 7 de Agosto de 2009, pelo arguido, da sua cédula profissional.
Violou, nos oito meses subsequentes a medida fixada?
Ao tribunal incumbia acautelar e assegurar o respetivo cumprimento e em devido tempo tomar as providências que a lei (Artº 203ºCPP) consentia.
Agora, volvidos dois anos e meio, sem acusação, pretender a subsistência da medida de coação e e o correlato agravamento sob pretexto de violação da obrigação imposta, consubstanciaria, salvo o devido respeito, verdadeira fraude à lei, visto que esta de há muto considera a medida como extinta.
*
Visto o sentido da resposta dada à primeira questão perde razão de ser o conhecimento da segunda questão objeto do recurso.
III DECISÃO
Termos em que, no provimento do recurso, revoga-se a decisão recorrida.
Sem tributação.
PORTO, 31 de Outubro de 2012
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
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[1] GERMANO MARQUES DA SILVA – HENRIQUE SALINAS, CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA de JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, TOMO I, 2ªEdição, Coimbra Editora, 2010, pág. 709
[2] «Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.» Artigo 10º DUDH
[3] «Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao arguido a preparação da sua defesa, converte-se frequentemente em sofrimento insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira, podem condicionar e comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo a sua liberdade» GERMANO MARQUES DA SILVA – HENRIQUE SALINAS, ob. cit. Pág. 726
[4] KURT MADLENER, “MEIOS E MÉTODOS PARA ALCANÇATR-SE NO PROCESSO PENAL AS METAS DE ‘PRAZO RAZOÁVEL’ E DE ‘CELERIDADE’ – SIMPÓSIO EM HOMENAGEM A JORGE DE FIGUEIREDO DIAS POR OCASIÃO DOS 20 ANOS DO CPP PORTUGUÊS, Coimbra Ed.2009, pag.646
[5] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA – CRP ANOTADA, Coimbra Editora, 4ªEd. Revista, pág.417
[6] Ac. Tribunal Constitucional Nº39/2004 – Processo 124/03 (Relator: Cons.Paulo Mota Pinto) [7] Sublinhados e negritos do Relator
[8] Preâmbulo (II,5) do Código do Processo Penal aprovado pelo DL78/87 de 17/2.
[9] Colhe-se exemplo na norma ínsita no artº 141º/4 d) do CPP: «Seguidamente, o Juiz informa o arguido: d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.»
[10] Tenha-se presente que “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional” (Artº 16º/1 CRP), bem assim, que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (Artº18º/2CRP)
[11] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – 2ªEd. Actualizada, Universidade Católica Editora, pág.587
[12] Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit. pág.545
[13] Considere-se uma vez mais o disposto no artigo 191º/1 do C.P.P. (Princípio da legalidade): “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função deexigências processuais de natureza cautelar.».
Considere-se, ainda, o disposto no artigo 212º do CPP a respeito da revogação e substituição das medidas.
[14] In CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA de JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, TOMO I, 2ªEdição, Coimbra Editora, 2010, pág. 637