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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
MÉDICO DENTISTA
CLÍNICA DENTÁRIA
REVOGAÇÃO DO CONTRATO SEM JUSTA CAUSA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Sumário
I - Deve ser qualificado como de prestação de serviços o contrato que a autora, médica dentista, celebrou com a ré, uma clínica dentária, em que se comprometeu a prestar, nas instalações desta, os serviços da sua especialidade, mediante uma contrapartida que consensualmente fixaram em 50% do valor cobrado a cada doente pelos actos médicos que praticasse. II- A tal contrato são aplicáveis as normas do contrato de mandato e, entre elas, os arts. 1170° e 1172° do CCiv.. III - Por ter sido conferido também no interesse da autora, o referido contrato só podia ser revogado pela ré com o acordo daquela ou mediante justa causa, nos termos do n° 2 do art. 1170° do CCiv.. IV - Tendo revogado o contrato unilateralmente e sem justa causa, constituiu-se a ré na obrigação de indemnizar a autora nos termos do art. 1172° do CCiv.. V - Não tendo sido observada a «antecedência conveniente» a que alude a parte final da al. c) daquele art. 1172° [a revogação foi com efeitos imediatos] - que, num contrato que perdurava há doze anos, não pode ser inferior a sessenta dias, por similitude com o que se passa com a cessação, por caducidade, do contrato de trabalho a tempo incerto -, a obrigação de indemnizar corresponde aos lucros cessantes que a autora deixou de auferir nesse período de tempo. VI - Não basta, para afastar tal dever de indemnizar, a prova, pela ré, de que, após a revogação do contrato, a autora passou a trabalhar como única médica dentista numa determinada clínica e de que, ainda no mesmo mês, começou a prestar serviços da sua especialidade numa outra clínica.
Texto Integral
Pc. 174/10.2TBGDM.P1 – 2ª Sec.
(apelação)
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Relator: M. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, residente em …, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra a C…, Lda., com sede em …, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 6.000,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Para tal, alegou que celebrou verbalmente com a ré, no início de 1996, um contrato mediante o qual se obrigou a prestar serviços, como médica dentista, nas instalações da demandada, mediante uma contrapartida de 50% do valor cobrado a cada doente, que prestou esses serviços desde 1996 até 19/11/2008, data em que a ré, sem aviso prévio e sem justa causa, pôs, unilateralmente, fim a tal acordo e que esta cessação do contrato lhe acarretou prejuízos, por não ter sido feita com a antecedência necessária, prejuízos que, já antes, também sofrera, traduzidos em quebra do seu rendimento, por a ré lhe ter retirado os pacientes do subsistema de saúde da D….
A ré contestou a acção, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela autora e sustentou que a cessação do contrato ocorreu por mútuo acordo e que foi justificada pela conduta daquela que eliminou, propositadamente, ficheiros de um computador da ré com os dados clínicos de doentes.
Pugnou, por via disso, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador tabelar, sem selecção da matéria de facto assente e da controvertida, tendo-se realizado, depois, a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi lavrado despacho de fixação dos factos provados e não provados, sem reclamação das partes.
Seguiu-se a prolação de sentença que julgou a acção parcialmente procedente, pró provada, e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, tendo ainda condenado autora e ré nas custas, “na proporção do respectivo decaimento”.
Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o recurso de apelação em apreço, cujas alegações culminou com as seguintes conclusões:
“1ª – Salvo o devido respeito, a sentença proferida não julgou correctamente o pleito;
2ª – Uma vez que condenou a Recorrente em indemnização não alicerçada em prejuízos sofridos pela Recorrida;
3ª – Quando a norma contida no artigo 1172º do Código Civil só prevê a indemnização no caso de se verificarem prejuízos decorrentes da revogação do contrato;
4ª – Ora a A. alicerçou o seu pedido de indemnização em prejuízos sofridos, tendo-os alegado nos artigos 19º a 25º da petição inicial;
5ª – Ou seja, invocando que no último ano ao serviço da Ré auferia uma medida mensal de 1.000,00 €;
6ª – E alegando que só cerca de um ano volvido conseguira rentabilizar o tempo que ocupava na clínica da Ré;
7ª – Acontece que a Recorrente contestou os prejuízos invocados pela A., contrapondo factos para demonstrar a falsa quebra daqueles rendimentos;
8ª – E os factos alegados pela Recorrente quanto aos falsos prejuízos invocados pela A. vieram a ser dados como provados nos autos;
9ª – Nomeadamente, provando-se que após a revogação do contrato à A., a sócia gerente da Ré, Dra. E…, não voltou a prestar serviços na clínica da A. e marido;
10ª – Ficando a A., a partir daquela data, a trabalhar como única médica dentista na clínica de …;
11ª – Passando, assim, a ter mais ocupação naquela clínica e a receber os correspondentes proventos;
12ª – Provando-se ainda que a A., a partir de Novembro de 2008, iniciou a prestação de serviços como médica dentista na clínica G…, Lda.;
13ª – Ficou, assim, provado que a A., após a saída da clínica da Ré, por revogação do contrato, passou a disponibilizar o seu tempo profissional não apenas na sua própria clínica e do marido, mas também na clínica G…, Lda.;
14ª – E, em contrapartida, a A. não conseguiu demonstrar os prejuízos alegados na p. i., nomeadamente que só um ano volvido conseguira rentabilizar o tempo que ocupava na clínica da Ré;
15ª – Assim, por falta de prova daquele pressuposto legal (prejuízos sofridos), a acção deveria ter improcedido.
Sem prescindir,
16ª – Caso se entenda que a revogação do contrato sem a antecedência devida é sempre passível de indemnização, mesmo sem a verificação de prejuízos;
17ª – Ou caso se entenda que estão demonstrados alguns prejuízos da A., que não se aceita, mas por dever de patrocínio tem que se acautelar;
18ª – Então também a sentença proferida é excessiva quanto ao montante fixado de indemnização a cargo da Recorrente;
Na verdade,
19ª – Foi a própria A. a alegar que no último ano ao serviço da Ré auferiu em média 1.000,00 € por mês;
20ª – E juntou aos autos um «recibo verde» a invocar ter recebido da Ré, no ano de 2008, a quantia bruta de 13.406,85 €, à qual teria de ser deduzido o IVA e IRS, como se declarou na sentença;
21ª – Acontece, porém, que a sentença contabilizou a indemnização a atribuir à A. no valor de 3.500,00 €, correspondente a dois meses de retribuição;
22ª – No entanto, faz calcular a retribuição da A. no montante mensal de 1.750,00 €, introduzindo naquele cálculo a retribuição auferida pela A. no ano de 2007;
23ª – Não se justificando tal procedimento, uma vez que foi a própria A. a alegar uma retribuição média mensal de 1.000,00 €;
24ª – Assim, a fixar-se uma indemnização à A., a mesma não poderia ir além de 2.000,00 €;
25ª – A sentença proferida violou a norma do artigo 1172º do Código Civil.
Termos em que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção improcedente e absolva a Recorrente do pedido; se assim não se entender, deve então a indemnização ser reduzida à quantia de 2.000,00 €”.
A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
* * *
II. Questões a apreciar e decidir:
Face às conclusões das alegações da recorrente, que fixam o «thema decidendum» a cargo deste Tribunal da Relação [arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do CPC, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/08, aqui aplicável por a acção ter sido intentada depois de 01/01/2008 – art. 12º nº 1 deste DL], as questões que importa apreciar e decidir são as seguintes:
● Saber se, pela revogação do contrato em causa sem aviso prévio, a autora tinha direito à indemnização que lhe foi concedida;
● Saber se o montante indemnizatório fixado é excessivo, havendo lugar à sua redução.
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III. Factos provados:
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos [que as partes não impugnam e que não padecem dos vícios previstos no nº 4 do art. 712º do CPC]:
1º) A A. exerce a profissão de médica dentista.
2º) A A. e a Dr.ª E… constituíram uma sociedade comercial por quotas em 28 de Fevereiro de 2003, que adoptou a firma “H…, Lda.”, cfr. doc. de fls. 24 a 28, que aqui se dá por reproduzido.
3º) Passando a exercer a actividade de medicina dentária na freguesia de ….
4º) Local onde a sociedade possuía a sede social e bem assim uma clínica de prestação de serviços médico-dentários.
5º) E onde a sócia gerente da ré, Dr.ª E… e a A. exerciam com carácter regular a actividade de médicas dentistas, aí se deslocando alguns dias por semana para prestar serviços aos doentes daquela área.
6º) A Dr.ª E… declarou ceder a I…, marido da A., a sua participação social na sociedade comercial “H…, Lda.”, cfr. doc. de fls. 32 e 33, que aqui se dá por reproduzido.
7º) Em data não concretizada, mas que situa no inicio do ano de 1996, a A. celebrou verbalmente com a R. um acordo mediante o qual se comprometeu a prestar para R. e nas instalações desta, os serviços da sua especialidade enquanto médica dentista e mediante uma contra-partida que consensualmente fixaram em 50% do valor cobrado a cada doente pelos actos médicos que a A., com total autonomia nele praticava.
8º) Sendo tal contrato estabelecido verbalmente e sem menção de qualquer prazo para a sua duração.
9º) Desde então até ao passado dia 19 de Novembro de 2008, a A. prestou para a R. serviços como médica dentista.
10º) Incluindo próteses, branqueamentos, cirurgias, ortodontia, parodontologia, bem como todos os outros demais actos médicos próprios de um médico dentista e que, como tal, são da única responsabilidade da A., que era quem os prescrevia e executava nos seus doentes que atendia na Clínica R..
11º) Em Setembro/Outubro de 2008, a Dr.ª E… e a autora resolveram entabular negociações (par)a pôr termo à colaboração que ambas prestavam para a sociedade referida, em ….
12º) Tais negociações culminaram num entendimento entre as partes através do qual a Dr.ª E… aceitou ceder à autora a sua parte na sociedade no valor de 7.500,00 €.
13º) Em meados de Novembro de 2008, a sócia-gerente da Ré e a A. tiveram um desentendimento.
14º) A A. tinha dado indicações à empregada da clínica para não marcar nem atribuir mais clientes à sócia-gerente da Ré.
15º) Em Dezembro de 2007, a sócia gerente da R., Dra. E…, que também exercia e continua a exercer actividade de médica dentista nas instalações desta, comunicou à A. que a partir dessa data deixaria de lhe agendar doentes abrangidos pelo subsistema de saúde da D…, alegadamente por exigência desse mesmo subsistema.
16º) No ano de 2007, pelos serviços referidos em D., a A. declarou ter recebido o montante de 28.615,00 €, e no ano de 2008, o valor de 13.406,85 €.
17º) Passado algum tempo, a R. contratou outra médica dentista, de nome J…, que começou a atender os doentes abrangidos pela D….
18º) A convenção abrangendo os doentes do subsistema de saúde da D… tinha sido contratada em nome individual da Drª E…, e não da ré.
19º) No dia 19 de Novembro de 2008, cerca das 20,45 horas, a referida sócia gerente da R., Dr.ª E…, telefonou à A. informando-a que já tinha desmarcado os doentes da A. que tinham consultas agendadas para a manhã do dia seguinte.
20º) E que prescindia dos serviços da A. com efeitos imediatos.
21º) A A. ficou perturbada e agastada com tal situação.
22º) Nem todos os seus doentes foram atempadamente prevenidos da desmarcação das consultas agendadas.
23º) No dia 12 de Novembro de 2008, a autora esteve a dar consultas na clínica de …, tendo avariado o computador, ficando o mesmo despojado de todos os dados clínicos de todos os doentes, nomeadamente dos que eram atendidos pela Dr.ª E….
24º) E ao constatar que o computador tinha ido para reparar, mas não foi possível salvaguardar os ficheiros dos clientes.
25º) A Dr.ª E… suspeitou que a avaria do computador havia sido propositadamente causada pela A..
26º) No dia 19 de Novembro de 2008, às 21:00 horas, a sócia gerente da ré informou a autora que aquele seria o último dia que prestava serviços para a clínica de …, mais lhe disse que ela deveria cessar funções como médica dentista na clínica da ré.
27º) A partir daquele dia 19 de Novembro de 2008 a sócia-gerente da ré não mais voltou a prestar serviços na clínica da A. e do marido.
28º) Passando a A., a partir do dia 19 de Novembro, a trabalhar como única médica dentista da clínica de ….
29º) A A., ainda em Novembro de 2008, começou a trabalhar como médica dentista, através de contrato de prestação de serviços, na clínica médica G…, Lda., sita na Rua …, …, ….
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IV. Apreciação jurídica:
1. Antes de abordarmos as concretas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas doutas alegações, importa fazer algumas considerações gerais com vista ao adequado enquadramento da situação em análise.
Assim:
A recorrente não põe em causa a qualificação do contrato em apreço, que celebrou com ré [mediante o qual “se comprometeu a prestar para a ré, nas instalações desta, os serviços da sua especialidade enquanto médica dentista e mediante uma contrapartida que consensualmente fixaram em 50% do valor cobrado a cada doente pelos actos médicos” que a autora praticasse], como de prestação de serviços, tal como se decidiu na douta sentença [no sentido de que os contratos que tenham por objecto actividades próprias de profissões liberais, como a medicina e a medicina dentária, devem presumir-se contratos de prestação de serviços, vejam-se os Acórdãos desta Relação do Porto de 24/02/2011, proc. 674/2001.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 27/10/2009, proc. 1203/06.0TBAND.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc e de 12/05/94, in BMJ 437/595], nem que se trata de um contrato oneroso e que não foi conferido por certo lapso de tempo.
Também não questiona a aplicação das normas do contrato de mandato, previstas nos arts. 1157º e segs. do CCiv. [diploma a que nos reportaremos quando outra menção não for feita], ao presente contrato de prestação de serviços inominado, tal como prescreve o art. 1156º [segundo o qual “as disposições sobre o contrato de mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente”]. Entre as normas do mandato aplicáveis ao caso, relevam as dos arts. 1170º e 1172º al. c).
A recorrente aceita, igualmente, que o contrato que a mantinha vinculada à autora cessou por revogação unilateral que, ela própria, levou a cabo [mediante comunicação que nesse mesmo dia efectuou à autora], no dia 19/11/2008 [quanto à distinção entre as figuras da revogação, da resolução e da denúncia remetemos para os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ediç. rev. e act., pg. 730 e Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5ª ediç. rev. e act., pgs. 480 a 483; no sentido de que no regime do mandato não existe a figura da resolução nem a da denúncia, mas apenas a da revogação, cfr. Acórdão do STJ de 28/02/2002, in CJ-STJ ano X, 1, 119].
Ao caso é aplicável o estabelecido no nº 2 do art. 1170º, por o contrato em questão ter sido conferido também no interesse da autora, quer porque no âmbito e em cumprimento do mesmo exercia a sua actividade profissional de médica dentista, quer porque daí obtinha proventos económicos. Por via disso, tal como prescreve o preceito – e como decidiu a 1ª instância -, o contrato só podia ser revogado pela ré, ora recorrente, com o acordo da autora ou ocorrendo justa causa. Verificando-se alguma destas situações [acordo ou justa causa], a revogação do contrato não daria lugar a qualquer indemnização [cfr. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, pg. 71, que, por um lado, entende que o «interesse do mandatário» de que fala o nº 2 do art. 1170º não decorre da retribuição do contrato, mas sim por «produzir efeitos não apenas na esfera jurídica do mandante mas, também, na do mandatário» e, por outro lado, que «havendo justa causa, não se justifica qualquer indemnização»; no mesmo sentido, Vaz Serra, in RLJ ano 103, pg. 239 e Januário Gomes, in “Em Tema de Revogação do Mandato Civil”, pgs. 146 e 148 a 150, bem como os Acórdãos do STJ de 02/03/2011, proc. 2464/03.1TBALM.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e de 28/02/2002, supra mencionado e desta Relação do Porto de 14/02/2008, proc. 0830325, disponível in www.dgsi.pt/jtrp].
«In casu», porém, nem a autora assentiu na dita revogação, nem esta assentou em justa causa, já que nada ficou provado que se reconduza a este conceito [segundo Pires de Lima e Antunes Varela, obr. e vol. cit., pg. 731, transcrevendo Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, 1979, pg. 21, será justa causa «qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim»; cfr. também Acórdãos do STJ de 05/05/2005, proc. 05B489, in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 14/02/2008, supra citado].
Por isso, ao ter revogado unilateralmente e sem justa causa o apontado contrato de prestação de serviços, ficou a ré/recorrente constituída na obrigação de indemnizar a autora nos termos fixados no art. 1172º [referem Pires de Lima e Antunes Varela, obr. e vol. cit., pg. 734, que «a obrigação de indemnizar prevista neste artigo … resulta da revogação unilateral do contrato, ou seja, do exercício do direito facultado no nº 1 do artigo 1170º», acrescentando Menezes Cordeiro, obr., vol. e tomo cit., pg. 72, que em todos os casos das alíneas deste normativo «está em jogo a tutela da confiança que a parte lesada não poderá ter deixado de depositar na subsistência do vínculo do mandato»].
2. A demandante estribou o direito à indemnização que peticionou na seguinte argumentação [cfr. arts. 18º a 25º da p. i.]:
● devido à revogação do contrato de prestação de serviços, deixou de auferir os proventos que nele haviam sido contratados, os quais, no último ano, eram em média de 1.000,00 €/mês;
● aquela revogação foi feita sem a necessária antecedência, uma vez que a ré lhe conferiu efeitos imediatos;
● como a revogação devia ter sido feita com seis meses de antecedência, face ao tempo por que perdurou o contrato, ascende o seu prejuízo à quantia de 6.000,00 € [1.000,00 € x 6 meses].
Fê-lo, por conseguinte, ao abrigo da al. c) do art. 1172º, segundo o qual “a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que sofrer se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente”. Basta o preenchimento de um dos seus requisitos para que o contraente que revogue unilateralmente o contrato de prestação de serviços tenha a obrigação de indemnizar a parte contrária [cfr. Acórdão do STJ de 07/07/2010, proc. 4865/07.7TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj].
A primeira alternativa do preceito - contrato conferido por certo tempo – não se verifica, uma vez que o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes foi por prazo incerto. A segunda alternativa também não ocorre, por estarmos, como se diz na douta sentença, perante um contrato que abarca “os mais diversos actos próprios de um médico dentista, como próteses, branqueamentos, cirurgias, ortodontia, etc. … e sem limitação temporal”.
Quanto à terceira, ensinam os Professores de Coimbra já várias vezes citados que a «antecedência conveniente» supõe “o tempo necessário para prover aos seus interesses” e que “sendo a revogação feita sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência”, procurando-se, assim, fixar e ressarcir os lucros cessantes do mandatário [Pires de Lima e Antunes Varela obr. e vol. cit., pg. 735; estes Autores também esclarecem que «destinando-se a indemnização a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato, não devem ser considerados os prejuízos estranhos ao contrato»; veja-se, ainda, Januário Gomes, obr. cit., pg. 275, que refere que «o período diferencial corresponderá, no mandato por tempo indeterminado, precisamente ao período da antecedência conveniente, devendo aqui a indemnização pautar-se em função dos lucros cessantes» e o Acórdão do STJ de 02/03/2011, atrás indicado].
Como se exarou na decisão recorrida, “o cálculo dessa «antecedência» depende de múltiplos factores, a considerar caso a caso, nomeadamente o tempo já decorrido de relação contratual e o grau de empenhamento do mandatário na actividade desenvolvida; é assim lógico que a antecedência conveniente seja superior, v. g., nos casos em que o mandatário exerce em exclusivo e por profissão o mandato que o mandante pretende denunciar do que naqueles em que o mandatário não exerce aquele mandato em exclusividade”.
E acrescentou-se que “ao denunciar o contrato, o mandante especifica ou delimita o objecto do mandato, dando a conhecer ao mandatário o tempo de subsistência da relação contratual. É justo, porém, que tal lhe seja comunicado em tempo de prover para organizar a sua vida, procurando eventualmente um novo dominus” (…).
Tendo concluído que “no caso dos autos o contrato foi estabelecido sem duração determinada, e prolongou-se durante 12 anos, ininterruptos, o que legitimamente instila na A. a legítima expectativa da continuação daquela actividade e rendimento.
(…)
É sabida a proximidade entre os contratos de prestação de serviço e de trabalho.
Ora, repare-se que, no caso de cessação do contrato de trabalho por caducidade de contrato de trabalho a tempo incerto, quer a previsão do art. 389º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, quer a previsão art. 345º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 estabelecem que a comunicação do empregador é feita ao trabalhador com a antecedência de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até 6 meses, de 6 meses a 2 anos ou por período superior.
A similitude de normativos e a clássica proximidade entre estes tipos de contratos, sempre chamada à colação, apontam inequivocamente no sentido de a comunicação dever ter sido feita pela Ré à Autora com uma antecedência conveniente aproximada aos 60 dias, o que manifestamente não ocorreu.
Assim se preenchendo este requisito da c) do art. 1172º do CC”.
Concordamos plenamente com esta fundamentação da douta sentença que, por similitude com o regime que vigora actualmente no contrato de trabalho, fixa em 60 dias o prazo de antecedência com que a revogação devia ter sido comunicada pela ré à autora.
A ré não põe verdadeiramente em questão este prazo, nem que, pela sua não observância, ficou obrigada a ressarcir a autora dos correspondentes lucros cessantes desse período de tempo. O que alega é que a autora acabou por não ter prejuízos com a revogação do contrato sem observância da «antecedência conveniente», em virtude de ter passado a ser ela a única a trabalhar, e durante mais tempo, como dentista na clínica de … a partir da data da revogação [já que a partir de então a gerente da ré também deixou de trabalhar nessa clínica que é da autora e do marido] e por ter iniciado a prestação de serviços como médica dentista numa outra clínica [na clínica G…, Lda.].
Mostra-se, efectivamente, provado que a partir de 19/11/2008 [data da revogação do contrato em apreço] a autora passou a trabalhar como única médica dentista da clínica de … e que ainda naqueles mês e ano começou também a trabalhar como médica dentista, através de contrato de prestação de serviços, na clínica G…, Lda. [nºs 28º e 29º dos factos provados].
Mas resultará daqui que o prejuízo da autora com a revogação [sem observância do referido prazo de antecedência devida] do contrato de prestação de serviços que a ligava à ré se extinguiu ou, pelo menos, atenuou?
Pensamos que não, pelos seguintes motivos:
● No primeiro caso, pode não ter havido, no imediato, um aumento de proventos económicos na esfera patrimonial da autora, bastando ter em conta a possibilidade de os doentes que habitualmente eram atendidos pela gerente da ré terem deixado de recorrer aos serviços da clínica de … e de, apesar da demandante ter passado a ser aí a única médica dentista, não terem aumentado, no período de tempo a ter em consideração, os seus clientes/pacientes;
● No segundo caso, embora não se suscitem dúvidas quanto à respectiva e imediata obtenção de proventos económicos por parte da autora, daí não decorre, adequada e necessariamente, que os mesmos importem/determinem uma diminuição dos prejuízos sofridos com a revogação do contrato que a vinculava à ré, bem podendo ter acontecido que esse novo contrato [o referido no nº 29º dos factos provados] já estivesse negociado/acordado desde data anterior à revogação contratual operada pela demandada [o contrato que a autora e esta haviam celebrado em 1996 não tinha carácter de exclusividade, não impedindo que aquela prestasse serviços de médica dentista noutras clínicas dentárias] e que os respectivos proventos fossem por ela vistos/pretendidos como um «mais» relativamente aos que auferia no âmbito do contrato aludido no nº 7º dos factos provados que, abruptamente, veio a ser unilateralmente revogado pela ré.
Ora, para que se pudesse falar em diminuição ou, no limite, em exclusão dos prejuízos sofridos pela autora com a dita revogação contratual, o que se impunha era que a ré [por estar em causa factologia extintiva – total ou parcialmente – do direito indemnizatório daquela – art. 342º nº 2] tivesse, no primeiro caso, provado que a «clientela» da autora aumentou [dentro do prazo de 60 dias a considerar para efeitos indemnizatórios], com o consequente aumento [nesse período temporal] de proventos económicos e que, no segundo, demonstrasse que o novo contrato foi celebrado depois da revogação do contrato que havia celebrado com aquela e como forma da autora atenuar/minorar a perda de proventos decorrentes da revogação do dito contrato.
Como esta prova não foi feita, não pode proceder a primeira questão colocada pela recorrente nas suas doutas alegações/conclusões, não se mostrando excluídos, nem sequer atenuados/diminuídos os prejuízos [lucros cessantes] da autora.
3. Resta então a questão do «quantum» indemnizatório, que constitui a segunda questão que a recorrente pretende ver resolvida por este Tribunal de recurso.
A referência a ter em conta no cálculo da indemnização devida pela ré é, necessariamente, constituída pelos rendimentos que a autora auferia no âmbito do contrato que aquela fez cessar por revogação unilateral. Em 2008, tais rendimentos ascenderam a 13.406,85 € [nº 16º], o que corresponde ao rendimento mensal de 1.218,80 €.
Este era o rendimento ilíquido; sobre ele incidiam o IVA e o IRS devidos pela demandante.
Desconhecendo-se com exactidão quanto era deduzido a título de IVA e de IRS ao rendimento da autora [o que dependia de vários factores de que os autos não dão notícia], teremos que recorrer à equidade, na medida em que, como se diz na douta sentença, “no que respeita à fixação da indemnização são aplicáveis as disposições dos arts. 562º e seguintes do Código Civil, ou seja, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, mas como não pode ser averiguado o valor exacto dos danos, devemos recorrer à equidade, dentro dos limites da prova que o processo fornece, nos termos do art. 566º”.
Temos como equilibrada a quantia mensal [líquida] de 1.000,00 €, avançada pela autora na p. i. [cfr. o respectivo art. 20º] e pela ré nas suas doutas alegações [cfr. conclusão 24ª].
Multiplicando este valor pelos 60 dias [2 meses] que deviam mediar entre a comunicação da revogação do contrato e a respectiva produção de efeitos, mas que a ré não observou, chegamos à conclusão que a indemnização da autora/recorrida terá de ser de 2.000,00 € e não os 3.500,00 € fixados na douta sentença, acrescendo-lhe os juros de mora legais.
Como tal, nesta parte, assiste razão à apelante, impondo-se a pretendida redução do «quantum» indemnizatório a que a demandante tem direito.
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Síntese conclusiva:
● Deve ser qualificado como de prestação de serviços o contrato que a autora, médica dentista, celebrou com a ré, uma clínica dentária, em que se comprometeu a prestar, nas instalações desta, os serviços da sua especialidade, mediante uma contrapartida que consensualmente fixaram em 50% do valor cobrado a cada doente pelos actos médicos que praticasse.
● A tal contrato são aplicáveis as normas do contrato de mandato e, entre elas, os arts. 1170º e 1172º do CCiv..
● Por ter sido conferido também no interesse da autora, o referido contrato só podia ser revogado pela ré com o acordo daquela ou mediante justa causa, nos termos do nº 2 do art. 1170º do CCiv..
● Tendo revogado o contrato unilateralmente e sem justa causa, constituiu-se a ré na obrigação de indemnizar a autora nos termos do art. 1172º do CCiv..
● Não tendo sido observada a «antecedência conveniente» a que alude a parte final da al. c) daquele art. 1172º [a revogação foi com efeitos imediatos] - que, num contrato que perdurava há doze anos, não pode ser inferior a sessenta dias, por similitude com o que se passa com a cessação, por caducidade, do contrato de trabalho a tempo incerto -, a obrigação de indemnizar corresponde aos lucros cessantes que a autora deixou de auferir nesse período de tempo.
● Não basta, para afastar tal dever de indemnizar, a prova, pela ré, de que, após a revogação do contrato, a autora passou a trabalhar como única médica dentista numa determinada clínica e de que, ainda no mesmo mês, começou a prestar serviços da sua especialidade numa outra clínica.
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V. Decisão:
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar parcialmente procedente o recurso e revogar, também em parte, a sentença recorrida, reduzindo a quantia indemnizatória que a ré foi condenada a pagar à autora para 2.000,00 € [dois mil euros], à qual acrescem os juros de mora ali fixados.
2º) Condenar recorrente e recorrida nas custas, na proporção do decaimento.
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Porto, 2012/11/06
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso