RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO DO ACORDO DOS PAIS
PRESSUPOSTOS
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário

I - O M°P° tem competência para requerer a declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, nos termos do art. 181° da OTM, ainda que o outro progenitor o pudesse fazer e ainda que o menor não esteja em qualquer situação de risco.
II - Num processo de jurisdição voluntária como o correspondente ao de declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, o tribunal deve adoptar a tramitação processual que julgue adequada, sem prejuízo de dever resolver, em decisão devidamente fundamentada, as questões que lhe são concretamente colocadas, cabendo-lhe garantir a produção dos actos de instrução e discussão que para tal se revelem necessários e não outros que não esses.
III - Para a declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, a prolação de um juízo de censurabilidade sobre o progenitor incumpridor pode ser dispensada se o pedido concretamente formulado tender exclusivamente àquele cumprimento e este não for alvo de controvérsia.
IV - É irrelevante, para a verificação de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais judicialmente fixado, quer o acordo do outro progenitor, quer a alegação de circunstâncias que pudessem motivar a respectiva alteração, se não tiverem sido invocadas previamente em sede de alteração daquele regime, quando se pretende exclusivamente obter aquele cumprimento.

Texto Integral

PROC. N.º 12987/07.8TBVNG.1.P1
Do 3º Juízo do Tribunal de Vila Nova de Gaia – J. de Família e Menores
REL. N.º 16
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1 - RELATÓRIO

Em processo iniciado como de divórcio litigioso, onde foi autora B… e réu C…, no âmbito do qual foi homologado o respectivo acordo em relação ao exercício do poder paternal relativo à filha de ambos D…, veio o Magistrado do MºPº junto desse tribunal requerer a abertura de um incidente de incumprimento da prestação de alimentos ali fixada, contra o pai da menor.
Sustentou o MºPº que C…, obrigado que estava ao pagamento de uma quantia mensal de 300€, passou a pagar apenas 150€ por mês, a partir de Setembro de 2010. Por isso, em Outubro de 2011, devia a esse título a quantia de 2.100€, requerendo o MºPº a respectiva cobrança.
Após oposição do requerido, que sustentou quer a falta de legitimidade do MºPº para a dedução desta pretensão e a inexistência do invocado incumprimento, pois que havia acordado com a mãe da menor aquela redução, além de ter tido outro filho o que impôs a necessidade dessa redução, que assim não procede de culpa sua, veio a ser produzida decisão onde, depois de se ter qualificado como desnecessária a produção da prova oferecida pelo requerido, se deu por verificado o incumprimento, fixando-se o montante em débito em 2.100,00 Euros, reportados à data em que foi deduzido o incidente.
É dessa sentença que vem interposto recurso pelo requerido, cujas conclusões são as seguintes:
1ª O nº1 do artº 181º da Organização Tutelar de Menores confere ao outro progenitor legitimidade para mover um incidente de incumprimento. Não fala essa norma duma legitimidade geral do MºPº para intentar incumprimentos.
2ª O MºPº só tem legitimidade dentro das suas atribuições para a defesa dos superiores interesses dos menores, o que tem de alegar e fazer prova. No caso em recurso não foi justificado em que medida o valor ainda pago de pensão pelo apelante de cento e cinquenta euros mensais pusesse em perigo a menor.
3ª Se um progenitor ao pagar cento cinquenta euros mensais pusesse em perigo a subsistência dum menor então as homologações de pensões abaixo desse montante na maior parte dos casos seriam irresponsáveis.
4ª Conforme jurisprudência da Relação do Porto citada nesta alegação, o incumprimento em jurisdição de menores tem de ser decidido por sentença e não por mero despacho como fez a instância recorrida.
5ª Esteve mal a decisão recorrida ao indeferir os meios de prova do apelante para justificar as circunstâncias em que reduziu o valor pago de pensão mensal, pois tal matéria é relevante num incidente de incumprimento.
6ª Qualquer pessoa percebe que com o nascimento de mais um filho o apelante teria de prover de imediato às suas necessidades e como os rendimentos não são elásticos reduziu para cento e cinquenta euros o valor pago à sua filha, na altura com o consentimento da progenitora desta, para poder assim suportar as necessidades do seu novo filho.
7ª A verificação dum incumprimento das responsabilidades parentais carece de indagação sobre as suas circunstâncias de culpa o que não foi ponderado pela decisão recorrida que se fundamentou unicamente na falta de alteração da regulação.
O apelado juntou contra-alegações, onde salientou a legitimidade do MºPº, bem como que o próprio requerido admitiu o não cumprimento da obrigação que lhe estava judicialmente fixada, o que tornou inevitável a declaração de verificação do incumprimento. Referiu, ainda, a desnecessidade de produção de qualquer prova ou a determinação de um grau de culpa do requerido, já que o tribunal não lhe fixou qualquer multa. Concluiu pela improcedência total do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos do incidente e com efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
Assim, as questões a resolver, extraídas de tais conclusões, são:
- a legitimidade do MºPº para a dedução do incidente;
- se a verificação do incumprimento só poderia ser declarada após audiência, com produção da prova oferecida pelo requerido;
- se a verificação do incumprimento exige apuramento de culpa do requerido, não podendo fundar-se objectiva e unicamente na identificação de um incumprimento parcial não justificado por uma prévia alteração do regime fixado.
- se um eventual acordo da mãe da menor ou a alteração da capacidade económica do requerido são circunstâncias aptas a alterar, de per si, a obrigação de prestação de alimentos do requerido.
A análise destas questões exige que se considerem os seguintes elementos, que resultam dos próprios autos ou do que neles foi apurado:
1º - Por decisão homologatória de acordo dos progenitores, proferida em 11/2/2008, o requerido ficou obrigado ao pagamento de uma quantia mensal de 300€ a título de alimentos devidos à sua filha D…, a efectuar até ao dia 15 de cada mês.
2º - A partir de Setembro de 2010, o requerido passou a pagar apenas 150€ mensais.
3º - O MºPº suscitou o presente incidente de incumprimento em Outubro de 2011.
4º - Em resposta, o requerido argumentou ter obtido o acordo da mãe da menor para essa redução, que esta se justificou na diminuição da sua capacidade económica por lhe ter nascido outro filho.
5º- O requerido pretendeu a audição da mãe da menor e a junção aos autos do processo administrativo do MºPº.
6º - A decisão recorrida afirmou a desnecessidade dessa prova, face à confissão do requerido sobre a redução da quantia paga mensalmente e com fundamento na irrelevância do consentimento extra-judicial da mãe da menor para a redução do regime judicialmente fixado.

Nos termos antes referidos, a primeira questão a decidir é a da legitimidade do MºPº para dar início a este incidente. Refere o apelante que o MºPº carece dessa legitimidade por a menor ter a mãe apta a assegurar a sua representação em caso de necessidade e por inexistir qualquer situação de risco para a menor,
Não tem, porém, razão.
O Artigo 181.º dispõe: “Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 50000$00 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.”
Porém, a legitimidade para suscitar este incidente não fica atribuída apenas ao progenitor não relapso, já que o art. 183º, nº 3, prevê: “(…) as diligências executórias da decisão judicial ou do acordo homologado, podem ser requeridas por qualquer das pessoas a quem caiba o poder paternal ou pelo curador; a necessidade da intervenção judicial pode ser comunicada ao curador por qualquer pessoa.”
E não se deve pretender que tal competência lhe é deferida apenas para o caso de progenitores não casados ou separados de facto, como poderia parecer da inserção sistemática da norma naquele art. 183º, pois além de os interesses em presença serem exactamente os mesmos que os presentes no caso dos filhos de pais que estiveram casados – o que, de per si, excluiria a valia de tal interpretação sistemática - também se verifica que uma solução positiva é a única coerente com a prescrita no art. 186º da OTM, que atribui competência ao curador para requerer a fixação de alimentos devidos a menor.
O curador de menores é uma figura jurídica assumida pelo MºPº, nos termos dos arts. 3º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, al c) da respectiva lei orgânica (Lei nº 60/98, de 27/8), e não oferece dúvida a natureza coerciva, de cariz executório deste incidente de incumprimento, constituindo uma ferramenta paralela à própria acção executiva, o que permite a sua subsunção àquele preceito legal. Assim, se o MºPº pode requerer a fixação de alimentos devidos a um menor, entre outros aspectos específicos da regulação das responsabilidades parentais, por maioria de razão tem de estar habilitado a providenciar pelo respectivo cumprimento, quando tenha notícia do desrespeito pelo regime em vigor.
Acresce que de nenhum preceito legal se retira a reserva da intervenção do MºPº a qualquer situação de risco para o menor, como pretende o apelante.
Pelo exposto, afirma-se a legitimidade do MºPº para suscitar o incidente em presença, improcedendo, nesta parte, a apelação.

Subsequentemente, cabe discutir a questão de a verificação do incumprimento só poder ser declarada após audiência, com produção da prova oferecida pelo requerido. Esta questão está, no entanto, intrinsecamente ligada á outra que também se colocou neste recurso: a de a verificação do incumprimento exigir apuramento de culpa do requerido, por ser um real juízo de censura sobre o progenitor alegadamente incumpridor.
Para sustentar a sua argumentação, o apelante cita com aparente pertinência dois Acórdãos desta Relação do Porto, nos quais, de forma expressa, se enunciam essas duas regras: necessidade de um juízo de censura e necessidade de uma audiência com produção da prova oferecida, para sustentar esse juízo.
Não se pode esquecer, no entanto, estarmos em presença de um processo de jurisdição voluntária. E nesta constatação se irá poder alicerçar uma outra conclusão: a de que uma solução adequada para um determinado caso – o que claramente aconteceu naqueles dois arestos – pode não ser já a adequada a outro, impregnado este por um quadro de interesses e circunstâncias concretamente diferentes.
Com efeito, num processo de jurisdição voluntária como este (cfr. art. 150.º da OTM) as regras processuais asseguram interesses de celeridade, prescrevem a investigação oficiosa dos factos e a limitação das provas na medida do estritamente necessário à decisão (art. 1409.º, n.º 2 do C.P.C), dispensam critérios de legalidade estrita, cabendo ao tribunal “antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (art. 1410.º do CPC); consagrando mesmo a modificabilidade das decisões perante a alteração das circunstâncias que as determinaram (art. 1411.º). Ora daqui logo se retira que a solução aplicada num caso não constitui necessariamente regra a aplicar na resolução de outro.
Certo é, como se refere no Ac. citado (TRP, de 17/3/2009, in www.dgsi.pt), que tal simplificação de procedimentos e uma menor vinculação à lei e a critérios de legalidade estrita não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética.
Porém, não se deve esquecer que essa asserção, bem como a censura inscrita nesse Acórdão à decisão apreciada, que culminou com a sua anulação, se fundou concretamente quer na não enumeração dos factos em que a decisão se sustentou (considerando determinadas despesas invocadas pela requerente como verificadas e outras como não verificadas, tendo concluído pela existência de incumprimento quanto à diferença), quer na não fundamentação dessa decisão sobre a matéria de facto, quer ainda na não pronúncia da decisão em relação a um pedido sancionatório do progenitor relapso, numa indemnização a fixar.
Nesse caso concreto, teve todo o sentido a afirmação da necessidade de uma sentença que contivesse, quer a apreciação de todos os pedidos formulados no âmbito do próprio incidente de incumprimento, quer os elementos de “fundamentação da decisão, quer em termos de facto, quer em termos de direito, nos termos exigidos pelos arts. 205.º, n.º 1, da Constituição, e 158.º e 659.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.”
Por outro lado, no outro Acórdão citado pelo apelante (Ac. de 3/10/2006, doc. nº RP200610030622382, www.dgsi.pt), a situação em apreço era absolutamente diferente: estava em causa a violação do direito de visita de um progenitor e a sentença, sem se alicerçar em factos de onde se caracterizasse uma tal violação ou se sustentasse um juízo de censura sobre o outro progenitor, declarou verificado o incumprimento e condenou este no pagamento de uma indemnização ao filho menor no montante de € 300,00.
Foi em relação a esta solução que se afirmou, nesse Acórdão, que “Não é qualquer incumprimento que faz desencadear as consequências ditadas neste preceito. O incumprimento ocasional e desgarrado de um progenitor em relação ao regime de visitas instituído ao outro não configura violação desse preceito. De facto, o recurso ao próprio regime estatuído no art. 181º da OTM pressupõe uma crise, um incumprimento efectivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma situação ocasional ou pontual de incumprimento surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do progenitor incumpridor ou mesmo, como no caso, em situações em que o progenitor remisso está convencido que não está a incumprir o que quer que seja (…). Por outro lado, o incumprimento reiterado e grave só releva se for culposo, isto é, se puder assacado ao progenitor faltoso um efectivo juízo de censura”.
Porém, no caso sob análise, características específicas há que tornam inaplicáveis as afirmações jurisprudenciais citadas ao caso em apreço.
Com efeito, neste caso, o MºPº apenas pretende que se considere verificado o incumprimento, perante a circunstância de o requerido ter passado a pagar 150€ entre Setembro de 2010 e Outubro de 2011, em vez dos 300€ a que estava obrigado por decisão judicial que homologara o seu acordo em relação a tal obrigação, bem como que seja cobrado coercivamente o valor em dívida, se necessário.
No caso, sendo certo que o requerido invocou quer o acordo do outro progenitor do menor, quer a alteração das suas circunstâncias económicas como justificativas do seu comportamento, não deixou ele de admitir esse mesmo incumprimento parcial.
Então, na sua decisão, o tribunal recorrido considerou confessado esse incumprimento parcial e bem assim que o acordo da mãe do menor ou a alteração das circunstâncias económicas do requerido poderiam fundar a alteração da obrigação judicialmente fixada, quando tal fosse sujeito a apreciação judicial, mas não excluíam o incumprimento entretanto ocorrido. Por conseguinte, deu apenas por verificado o incumprimento, na medida dos montantes por pagar, com o que habilitou o próprio MºPº ou a mãe do menor à respectiva cobrança coerciva, sem mais decidir por nada mais lhe ter sido pedido.
Assim, diferentemente da situação a que respeitava o primeiro acórdão citado, na situação em apreço a decisão recorrida caracterizou claramente o incumprimento verificado, expressou o fundamento dessa sua decisão fáctica e pronunciou-se pela irrelevância, para a declaração desse incumprimento, das razões invocadas pelo progenitor relapso, em consequência do que ficou prejudicado o interesse de apurar da respectiva realidade.
Ou seja, em pleno exercício dos poderes de conformação da tramitação da causa no âmbito deste processo de jurisdição voluntária, o tribunal concluiu pela desnecessidade de produção da prova oferecida, atenta a decisão que lhe cabia adoptar. Não deixou de expressar os pressupostos de facto e de direito (estes referentes à obrigatoriedade de cumprimento da decisão judicial que fixara a medida da prestação de alimentos do requerido) da sua decisão de verificação do incumprimento. E decidiu fundadamente, enunciando-os claramente e fazendo perceber quer as razões da sua decisão, quer a motivação da solução jurídica, sem deixar por decidir qualquer pedido que lhe tivesse sido exposto.
Por isso, neste caso, diferentemente daquele a que respeitava o primeiro dos acórdãos citados, não tem sentido pretender a anulação ou revogação do decidido por ausência de uma decisão motivada, em razão de não ter sido produzida a prova oferecida pelo requerido ou averiguadas as suas razões: estas foram objecto de expressa declaração de irrelevância, e o processo de jurisdição voluntária não exige a realização de uma audiência para que seja proferida decisão. Esse mesmo é, de resto, o regime que sobressai do nº 4 do art. 181º da OTM.
Não será, pois, este um motivo de crítica da decisão recorrida.
Por outro lado, e por comparação com a situação sobre a qual versou o segundo dos acórdãos citados, no caso em apreço não é controversa a identificação ou a caracterização da situação de incumprimento. Com efeito, é inequivoco que ao longo de mais de um ano o requerido vem pagando apenas metade da quantia em que foi fixada a sua obrigação de prestação de alimentos à filha. O seu comportamento não é ocasional ou único, é prolongado no tempo. Por outro lado, desse comportamento não se quer extrair qualquer consequência que implique a ponderação do grau de censura que ele possa merecer. Por exemplo, não se pretende a condenação do requerido no pagamento de qualquer indemnização ou de qualquer multa; apenas se pretende que ele seja compelido a cumprir a obrigação de alimentos judicialmente fixada. Por isso, incontrovertido que é que deixou por pagar, entre Setembro de 2010 e Outubro de 2011, metade daquilo que o tribunal lhe havia imposto, desnecessário se torna verificar se isso lhe é ou não censurável.
Ora no caso sobre o qual versava aquele 2º Acórdão, o que estava em causa era uma invocada violação de um direito de visita, que não se concretizou em mais do que um único episódio, sem precisão dos contornos que perfeitamente o revelassem, mas com base no qual foi prescrita uma condenação indemnizatória. Foi em crítica a essa decisão que, em tal aresto, se afirmou ser essencial a identificação de uma violação reiterada e grave das obrigações prescritas, passível ainda de um juízo ético-jurídico de censura, como condição da reacção judicial anunciada, condição essa que ali não estava verificada.
Vêem-se, pois, as diferenças entre esse caso e o presente, sendo que para este, face à ausência de uma reacção que ultrapasse o próprio conteúdo da precedente decisão judicial (i. é, a reafirmação da obrigação de pagamento integral da prestação de alimentos fixada) já se não torna imprescindível a enunciação de um tal juízo de censura. E, por inerência, prescindível é a demonstração de qualquer circunstância face à qual esse juízo de censura poderia ser excluído.
A análise comparativa que se fez resulta, pelo exposto, na afirmação que antes se expressou: as situações a que se aplicam soluções processuais de jurisdição voluntária devem ser tratadas segunda a sua especificidade, de tal forma que determinada formalidade, determinada diligência de prova, ou a identificação de qualquer pressuposto substantivo que para umas se revela imprescindível, pode ser perfeitamente dispensável para outra.
Nestes termos, não será também pela omissão de factos que permitam formular um juízo de censura sobre o incumprimento objectivo imputado ao requerido (eventualmente em ponderação com outros que poderiam afastá-lo) que se revela criticável a decisão recorrida.

Sem prejuízo do que vem de expor-se, uma questão subsiste: um eventual acordo da mãe da menor ou a alteração da capacidade económica do requerido são circunstâncias aptas a alterar de per si a obrigação de prestação de alimentos do requerido?
Esta questão foi ponderada e respondida negativamente pelo tribunal recorrido. Nos termos da decisão impugnada, apta a abranger os dois pressupostos embora mencione exclusivamente um, perante qualquer circunstância desse género ao requerido cabe apenas requerer a alteração do regime judicialmente fixado. Aí se assumiu que só uma nova decisão judicial pode alterar o conteúdo das responsabilidades parentais que lhe foram determinadas por prévia decisão judicial.
E entendemos ser acertada tal decisão. Com efeito, o conteúdo do regime de exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor não está na disponibilidade dos progenitores. É importante – desde logo como garantia prévia do seu cumprimento – a adesão destes, de ambos, a uma solução tida por eficaz, mas esta só é adoptada pelo tribunal desde que corresponda aos interesses do menor – art. 177º, nº 1 do OTM. É este interesse que se sobrepõe na definição daquele regime, se necessário com postergação de uma vontade comum dos seus progenitores.
Por consequência, é inoperante qualquer acordo dos progenitores que constitua um desvio àquela solução que o tribunal fixou, com ou sem precedência do respectivo acordo, como sendo a adequada ao quadro de circunstâncias do menor e sua família e, dentro destas, ao interesse do menor (cfr., neste sentido, Ac. do TRL de 20-04-2010, proc. nº 106/09.0T2AMD-A.L1-7, in www.dgsi.pt).
Por consequência, também, é irrelevante, para efeitos de exoneração parcial ou total da obrigação de prestação de alimentos, uma qualquer alteração da capacidade económica do progenitor obrigado. Essa alteração poderá relevar noutra sede, se for caso disso (por exemplo, em sede de responsabilidade criminal, ou mesmo em sede de condenação em multa ou em indemnização, nos termos do art. 181º da OTM, sem prejuízo do que já se afirmou sobre isso não estar em causa neste caso), mas não exonera o obrigado do cumprimento da prestação de alimentos que lhe foi fixada (cfr. Ac. do TRL citado supra). E isso é, de resto, tanto mais compreensível quanto se tenha em conta que a própria lei faculta ao progenitor obrigado um meio expedito para, em face da alteração das suas circunstâncias, ver alterado o conteúdo das suas responsabilidades parentais. Basta-lhe lançar mão do expediente previsto no art. 182º da OTM, que concretiza o princípio da modificabilidade da decisão judicial próprio dos processos de jurisdição voluntária, e o tribunal reapreciará a questão, alterando o decidido e limitando as suas obrigações, se for caso disso.
No entanto, no caso em apreço o requerido nada fez, limitando-se a ter passado a pagar à sua filha menor, a título de alimentos, metade do montante que o tribunal lhe tinha determinado. E isso, como acabou de se justificar, não lhe era admissível, mesmo que tivesse merecido o assentimento da mãe da menor, pois este era irrelevante.
Nestes termos, e tal como o ponderou o tribunal recorrido, era absolutamente indiferente, para a declaração da verificação do incumprimento do requerido neste caso concreto, que ele tivesse obtido o acordo da mãe da menor para o pagamento de metade dos 300€ a que estava obrigado, ou que tal tivesse resultado de dificuldade económica criada pelo nascimento de outro descendente. Daí que, face à sua confissão relativamente a tal incumprimento parcial, não tivesse o tribunal, sem necessidade de produção de prova sobre as suas alegações ou de realização de uma audiência para esse ou outro efeito, outra solução que não considerar procedente o incidente de incumprimento deduzido pelo MºPº. E isso, repete-se, desde logo porque nenhuma outra decisão, que carecesse do apuramento de quaisquer outros factos, lhe tinha sido solicitada.
Restará, por isso, declarar improcedente a presente apelação, em relação à totalidade das suas conclusões, e confirmar a decisão recorrida.

Em conclusão, (art. 713º, nº 7 do CPC):
- O MºPº tem competência para requerer a declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, nos termos do art. 181º da OTM, ainda que o outro progenitor o pudesse fazer e ainda que o menor não esteja em qualquer situação de risco.
- Num processo de jurisdição voluntária como o correspondente ao de declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, o tribunal deve adoptar a tramitação processual que julgue adequada, sem prejuízo de dever resolver, em decisão devidamente fundamentada, as questões que lhe são concretamente colocadas, cabendo-lhe garantir a produção dos actos de instrução e discussão que para tal se revelem necessários e não outros que não esses.
- Para a declaração de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais, a prolação de um juízo de censurabilidade sobre o progenitor incumpridor pode ser dispensada se o pedido concretamente formulado tender exclusivamente àquele cumprimento e este não for alvo de controvérsia.
- É irrelevante, para a verificação de incumprimento do regime de exercício de responsabilidades parentais judicialmente fixado, quer o acordo do outro progenitor, quer a alegação de circunstâncias que pudessem motivar a respectiva alteração, se não tiverem sido invocadas previamente em sede de alteração daquele regime, quando se pretende exclusivamente obter aquele cumprimento.

3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a douta decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante.

Porto, 6 /11/2012
Rui Manuel Correia Moreira
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões