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ASSOCIAÇÃO
EXTINÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CONTRATO DESPORTIVO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Sumário
I – Intentada uma acção contra uma Associação e tendo esta, na pendência da acção, sido extinta por deliberação da assembleia-geral, os órgãos da sociedade extinta continuam a estar obrigados a prosseguir os termos ulteriores do processo, em nome da sociedade extinta, para assegurarem a dirimência da lide e do litígio nela pendente, não havendo lugar, à suspensão da instância a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 276º do Código de Processo Civil. II - É válida a condição resolutiva (ou melhor a clausula resolutiva) aposta num contrato de trabalho desportivo em que as partes estipularam que “Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.”
Texto Integral
Recurso de Apelação: nº 502/10.0TTVFR.P1 . REG. Nº 235
Relator: António José Ascensão Ramos 1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen 2º Adjunto: Des. João Diogo Rodrigues Recorrente: B… Recorridos: C…, D… e E…
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO 1. C… solteiro, maior, residente na Rua …, .., …, em Santa Maria da Feira, D…, solteiro, maior, residente na Rua …, …, …, …, em Guimarães e E…, casado, residente na Rua …, …, lote ., .º Esq., em …, intentaram a presente acção de processo comum emergente de contrato de trabalho contra B…, com sede na Rua …, …, em …, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao 1º Autor a quantia global de € 19.999,98, ao 2º Autor a quantia global de € 22.500,00[1] e ao 3º Autor a quantia global de € 15.000, todas a titulo de retribuições em divida.
Para o efeito, os Autores alegaram, em síntese, que foram admitidos ao serviço da Ré para a época desportiva de 2009, com excepção do 2º Autor que foi admitido por duas épocas, para exercerem as funções inerentes à categoria profissional de ciclistas profissionais, sob instruções e autoridade da Ré, mediante o pagamento de retribuições mensais que discriminam; que cumpriram integralmente o acordado; que viviam dessa actividade; que, em 23 de Setembro de 2009, receberam carta da Ré a denunciar o contrato de trabalho na sequência do anúncio de que três atletas da equipa haviam tido resultados de testes de dopagem positivos; que desde essa data o Réu não procedeu ao pagamento de qualquer salário, apesar de diversas vezes instado para o efeito e que apesar de terem accionado a garantia prestada pela Ré na F…, a Ré opôs-se à entrega da mesma, tendo a F… remetido os Autores para os meios judiciais.
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2. Realizada a Audiência de Partes não foi possível alcançar qualquer acordo.
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3. A Ré contestou impugnando parte da matéria de facto alegada pelos Autores e alegando que de acordo com as regras impostas pela F… a inscrição dos corredores por uma equipa tem de ser efectuada através do registo de contrato tipo fornecido pela própria F…; que as cláusulas que efectivamente regulam o acordado pelas partes constam de contrato celebrado particularmente entre as mesmas; que celebrou contrato nestes termos com cada um dos Autores e que dos respectivos contratos consta uma cláusula acordada entre as partes que estabelece que cada uma das partes pode denunciar o contrato de trabalho, com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação se, antes do termo do contrato a G…, S.A. deixar de ser a patrocinadora principal da equipa; que este patrocínio representava a quase totalidade da receita da equipa da Ré, o que era do conhecimento dos Autores; que os mesmos aceitaram a cláusula constante dos contratos; que a G…, S.A. fez cessar de imediato o patrocínio quando foram anunciados os casos de doping e que, em consequência, a Ré extinguiu a equipa de ciclismo e fez cessar todos os contratos, não tendo mais participado em qualquer competição.
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4. Os Autores apresentaram resposta impugnando a matéria de excepção alegada pela Ré.
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5. Proferiu-se despacho saneador, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
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6. A Ré, por requerimento referência 6427037, de 08/02/2011, veio requerer se ordenasse a suspensão da instância e, em consequência, em virtude de a mesma (Ré) ter sido declarada extinta por deliberação da sua assembleia-geral.
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7. Os Autores vieram opor-se ao requerido.
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8. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão, por despacho referência 781462, proferido em 22/03/2011, tendo a final decidido que «os órgãos da associação extinta, continuam a estar obrigados a prosseguir nos autos até decisão da causa, para assegurarem os ulteriores termos do processo, não se verificando causa de suspensão ou extinção da instância».
9. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tendo o Autor D… efectuado redução do pedido no início da audiência de julgamento de 15 de Setembro de 2011, nos termos constantes da respectiva acta.
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10. O Tribunal a quo deu resposta à matéria de facto controvertida, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
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11. Foi proferida sentença, cuja parte decisória[2] tem o seguinte conteúdo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré B… a pagar ao Autor C…, a quantia de € 10.000 (dez mil euros), ao Autor D… a quantia de € 11.250 (onze mil duzentos e cinquenta euros) e ao Autor E…, a quantia de 7.500 (sete mil e quinhentos euros), todas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (21.07.2010) até efectivo e integral pagamento.
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Custas da acção a cargo de Autores e Ré na proporção do respectivo decaimento – art. 446º do Código de Processo Civil.
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Registe e notifique.»
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12. Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, tendo ainda no mesmo apresentado recurso no que concerne ao despacho com a referência 781462, datado de 22/3/2011, que indeferiu o requerimento apresentado pela Ré com a referência 6427037, em 8/2/2011, pedindo que fosse ordenada a suspensão da instância com fundamento na sua extinção, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - O disposto no art. 184º, CC não implica qualquer extensão da personalidade jurídica e judiciária da associação extinta.
II - O efeito processual da extinção de uma associação nos processos em seja parte é a suspensão da instância – art. 276º, nº 1, CPC.
III - Se o legislador tivesse querido estabelecer, para as associações extintas, um regime de excepção em relação à regra da suspensão da instância, tê-lo-ia consagrado expressamente, como sucedeu em relação às sociedades comerciais dissolvidas.
IV - Extinta a associação, a instância deve ser suspensa para habilitação dos seus sucessores, cessando a suspensão com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da associação extinta – art. 284º, nº 1, a), CPC.
V - Uma vez demonstrada nos autos a extinção da Ré, deveria ter sido ordenada a suspensão da instância.
VI - Decidindo em sentido contrário, o Tribunal a quo, no douto despacho com a refª 781462, datado de 22/3/2011, violou o disposto no art. 276º, nº 1, CPC, aplicável ao caso dos autos ex-vi art. 1º, nº 2, a), CPT.
VII - A condição resolutiva deve ser admitida no contrato de trabalho do praticante desportivo.
VIII - A função estabilizadora do termo no contrato de trabalho do praticante desportivo visa a necessidade de salvaguarda do fenómeno desportivo e a protecção das entidades empregadoras.
IX - A desigualdade na relação de trabalho invocada na douta sentença recorrida como fundamento para a invalidade da condição resolutiva funciona, no contrato de trabalho do praticante desportivo, ao contrário – o que leva necessariamente a concluir pela validade da condição.
X - No CCT entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol prevê-se expressamente a caducidade do contrato de trabalho por verificação da condição resolutiva.
XI - A cláusula inserta nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os Autores, permitindo a qualquer das partes denunciar o contrato em caso de cessação do patrocínio da equipa, deve ser considerada inteiramente válida.
XII - Acresce que os factos dados como provados nos autos configuram uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Ré em receber o trabalho dos Autores.
XIII - Em caso de caducidade do contrato de trabalho do praticante desportivo, nenhuma das partes tem a obrigação de comunicar a cessação do contrato à federação desportiva.
XIV - Os Autores não alegaram quaisquer supostos danos sofridos com a rescisão do contrato, sendo certo que lhes cabia o ónus de tal alegação.
XV - Com a matéria de facto dada como provada nos autos, a Ré ilidiu a presunção de culpa do devedor em sede de responsabilidade civil contratual.
XVI - A Ré não deveria, por isso, ter sido condenada no pagamento de qualquer indemnização a favor dos Autores.
XVII - Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 270º, CC, art. 343º, b), CT, art. 342º, nº 1, CC e art. 799º, nº 1, CC.
Termos em que deve ser concedido pleno provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Deve ser revogado o douto despacho com a referência 781462, datado de 22/3/2011, ordenando-se a suspensão da instância, com fundamento na extinção da Ré, anulando-se todos os termos posteriores do processo; e
b) Se assim não for entendido, deve ser revogada a douta sentença recorrida, no seu segmento condenatório, absolvendo-se inteiramente a Ré dos pedidos contra si formulados pelos Autores.
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13. A Mª Juiz a quo por despacho referência 909649, proferido em 15/05/2012, em virtude de requerimento apresentado pelo Autores, procedeu à rectificação da sentença, nos seguintes termos:
- o 5º paragrafo de fls. 20 que tinha a redacção de “Atento o teor dos factos provados sob os pontos 24. e 41. a 43., tem o 1º Autor direito à quantia de € 10.000, o 2º Autor à quantia de € 11.250 e o 3º Autor à quantia de € 7.500.” passa a ter a seguinte redacção: “Atento o teor dos factos provados sob os pontos 24. e 41. a 43., tem o 1º Autor direito à quantia de € 13.333,33, o 2º Autor à quantia de € 15.000 e o 3º Autor à quantia de € 10.000.”
- a parte decisória que tinha o teor de:
“ IV – Decisão:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré B… a pagar ao Autor C…, a quantia de € 10.000 (dez mil euros), ao Autor D… a quantia de € 11.250 (onze mil duzentos e cinquenta euros) e ao Autor E…, a quantia de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), todas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (21.07.2010) até efectivo e integral pagamento.
Passa a ter o seguinte teor:
“IV – Decisão:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré B… a pagar ao Autor C…, a quantia de € 13.333,33 (treze mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), ao Autor D… a quantia de € 15.000 (quinze mil euros) e ao Autor E…, a quantia de € 10.000 (dez mil euros), todas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (21.07.2010) até efectivo e integral pagamento.”
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Registe e notifique.»
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14. O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso do despacho interlocutório e da procedência do recurso da sentença.
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15. Os Autores responderam ao douto parecer.
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16. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (artigo 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil[3].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, as questões a decidir são as seguintes: A) – Do despacho interlocutório: - Saber se a instância devia ser suspensa em virtude da extinção da recorrente por assembleia-geral.
Caso este recurso seja julgado improcedente, B) – Da sentença:
- A admissibilidade da condição resolutiva no contrato de trabalho de praticante desportivo;
- Da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da recorrente para receber o trabalho dos Autores;
- Inexistência da obrigatoriedade de comunicação da cessação de actividade/contrato à respectiva F…;
- Saber se os Autores demonstraram, com referência à rescisão propriamente dita, qualquer (outro) dano.
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III – FUNDAMENTOS
1. Fundamentos de facto resultantes da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC):
1. A Ré contratou os Autores para exercerem as funções de ciclistas profissionais, na época desportiva de 2009, com início em 01.01.2009 e término em 31.12.2009, com excepção do segundo autor que foi contratado para exercer as mesmas funções até 31 de Dezembro de 2010.
2. O 1º Autor C… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços Desportivos”, datado de 10.11.2008, nos termos do qual o Autor se obrigava a participar em provas desportivas, na qualidade de corredor de ciclismo de estrada, em representação da Ré, mediante o pagamento da quantia mensal de € 2.500, com inicio em 01.01.2009 e termo em 31.12.2009.
3. Este contrato foi registado na H… – F….
4. O 1º Autor C… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato”, datado de 19.09.2008, nos termos do qual declaram renovar contrato de corredor profissional celebrado em 23.10.2007, por duas épocas, com término em 31.12.2010, mediante o pagamento das quantias anuais brutas, de € 40.000 para o ano de 2009 e de € 47.500 para o ano de 2010, a serem pagas em 12 mensalidades iguais.
5. No mesmo documento declaram que se comprometem a formalizar novo “contrato de corredor profissional, de acordo com o modelo intitulado contrato-tipo fornecido pela H…/F…”.
6. O 2º Autor D… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato de Corredor Profissional Equipa Continental”, datado de 21.10.2008, nos termos do qual o Autor se obrigava a participar em provas desportivas, na qualidade de corredor de ciclismo de estrada, em representação da Ré, mediante o pagamento da quantia mensal de € 2.083,33, com inicio em 01.01.2009 e termo em 31.12.2010.
7. Este documento chegou a ser assinado pelas partes, mas foi substituído por um outro, com data de 10 de Novembro de 2008, que correspondia ao contrato tipo da F….
8. Este documento nunca foi apresentado na F….
9. O 2º Autor D… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços Desportivos”, datado de 10.011.2008, nos termos do qual o Autor se obrigava a participar em provas desportivas, na qualidade de corredor de ciclismo de estrada, em representação da Ré, mediante o pagamento da quantia mensal de € 2.083,33, com inicio em 01.01.2009 e termo em 31.12.2009.
10. Este contrato foi registado na H… – F….
11. O 2º Autor D… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato-promessa”, datado de 22.10.2008, nos termos do qual declaram que se comprometiam a celebrar contrato de corredor profissional, com inicio a 01.01.2009 e término em 31.12.2010, mediante o pagamento das quantias anuais ilíquidas, para o ano de 2009 de € 45.000 e para o ano de 2010 de € 50.000, a serem pagas em 12 mensalidades iguais.
12. No mesmo documento declaram que se comprometem a formalizar “contrato de corredor profissional, de acordo com o modelo intitulado contrato-tipo fornecido pela H…/F….
13. O 3º Autor E… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços Desportivos”, datado de 10.11.2008, nos termos do qual o Autor se obrigava a participar em provas desportivas, na qualidade de corredor de ciclismo de estrada, em representação da Ré, mediante o pagamento da quantia mensal de € 2.500, com inicio em 01.01.2009 e termo em 31.12.2009.
14. Este contrato foi registado na H… – F….
15. O 3º Autor E… e a Ré outorgaram documento intitulado “Contrato”, datado de 14.10.2008, nos termos do qual declaram que pretendem renovar contrato de corredor profissional por mais uma época, com término em 31.12.2009, mediante o pagamento da quantia anual ilíquida de € 30.000, a ser paga em 12 mensalidades iguais.
16. No mesmo documento declaram que se comprometem a formalizar “contrato de corredor profissional, de acordo com o modelo intitulado contrato-tipo fornecido pela H…/F….
17. As retribuições que Autores e Ré acordaram como contrapartida do exercício da actividade de ciclista profissional foram as descritas em 4., 8. e 12. dos factos provados.
18. Nos documentos descritos em 4., 8. e 12. dos factos provados consta cláusula com o seguinte teor: “Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.”
19. Os autores cumpriram sempre o seu desempenho desportivo, sob a orientação técnica e instruções do director desportivo, comparecendo nos locais, horas e dias designados pela Ré.
20. Os autores viviam do exercício do ciclismo profissional a cargo da Ré.
21. No dia 17 de Setembro de 2009, foi anunciado que três dos corredores da equipa (I…, J… e K…) acusaram doping em controlo efectuado no início da edição desse ano da L…, levando a que o vencedor da prova, I…, viesse a ser desclassificado.
22. Assim que a notícia dos casos de doping foi divulgada, a G…, S.A. fez cessar de imediato o patrocínio à equipa, tendo sido entregue em mão ao Presidente da Direcção da Ré uma carta da patrocinadora, datada de 19 de Setembro de 2009, formalizando a referida cessação do patrocínio.
23. Na sequência do anúncio de que três atletas da equipa, haviam tido resultados de testes de dopagem positivos, em 23 de Setembro de 2009, os autores receberam carta da Ré a comunicar que G… retirou o apoio à equipa, fazendo cessar o patrocínio, que teria de extinguir a equipa e que tal a levava a denunciar o contrato celebrado.
24. A Ré não procedeu ao pagamento de quaisquer salários aos autores correspondente aos meses de Setembro a Dezembro de 2009, nem posteriores.
25. A Ré procedeu ao pagamento de salários de um ciclista de nacionalidade espanhola.
26. Os autores reclamaram por diversas vezes o pagamento.
27. Não foram os Autores que acusaram testes positivos de doping.
28. Aquando da inscrição da equipa havia a obrigatoriedade de se constituir pelo clube a favor da H…/F… uma garantia bancária.
29. Os Autores requereram individualmente, por carta, o accionamento da garantia bancária em 2010.
30. A Ré, ao tomar conhecimento do pedido de accionamento da garantia bancária, opôs-se à entrega da mesma.
31. As quantias da garantia bancária não foram pagas aos autores por no entendimento da H…/F…, dado ter havido oposição da ré, os Autores terem de reclamar os seus créditos em Tribunal e só após sentença transitada em julgado pagariam as quantias retidas da garantia bancária prestada pela Ré.
32. A verba da garantia à ordem da F… destina-se à regularização das dívidas contraídas pela equipa, para pagamento a corredores, treinadores, mecânicos ou outros credores.
33. A H… - F… impõe que a contratação de um corredor por uma equipa tem de ser registada através da entrega de um contrato tipo assinado pelas partes, cuja minuta consta dos regulamentos da própria F….
34. A equipa dependia quase totalmente do patrocínio que a G…, S.A. lhe prestava.
35. O patrocínio da G…, S.A. representava a quase totalidade da receita que permitia o funcionamento da equipa.
36. Sem a receita resultante do patrocínio da G…, S.A. a equipa não tinha viabilidade.
37. A dependência da equipa do patrocínio da G…, S.A. era do conhecimento dos Autores e de todos os demais corredores e pessoal da equipa.
38. A Ré, em consequência, extinguiu a equipa.
39. A equipa nunca mais participou em qualquer competição ou exerceu qualquer actividade, tendo inclusivamente abandonado a competição em que estava a participar na altura em que foram divulgados os casos de doping.
40. Entre a Ré e os Autores não foram ajustadas duas remunerações ou uma remuneração que acrescesse a outra mas um só ajuste, que corresponde à remuneração constante dos documentos descritos sob os pontos 4., 8. e 12. dos factos provados.
41. A remuneração acordada com o 1º Autor era de € 40.000.
42. A remuneração acordada com o 2º Autor para a época de 2009 era de € 45.000, o que corresponde a um valor mensal de € 3.750.
43. A remuneração acordada com o 3º Autor para a época de 2009 era de um valor mensal de € 2.500.
44. Com o corredor de nacionalidade espanhola, mecânicos e massagistas não tinha sido ajustada a cláusula que constava dos contratos dos Autores e dos demais corredores da equipa.
45. No momento em que foram assinados os contratos registados na F… já as partes tinham acordado as remunerações.
46. A Ré não procedeu à extinção da equipa em termos federativos.
47. A Assembleia-geral da Ré deliberou a sua extinção em 30.12.2010. (apurado em decisão proferida a 22.03.2011 nos presentes autos).
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2. De Direito 2.1. Do despacho interlocutório: Saber se a instância devia ser suspensa em virtude da extinção da recorrente por assembleia-geral.
Alega a Recorrente que demonstrada nos autos a extinção da Ré, deveria ter sido ordenada a suspensão da instância, para habilitação dos seus sucessores, cessando a suspensão com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da associação extinta – art. 284º, nº 1, a), CPC.
Opinião diversa teve o Tribunal a quo ao defender que, face ao estatuído no artigo 184º, nº 1 do Código Civil, estando a presente acção pendente desde data anterior à deliberação da dissolução da associação Ré, os seus órgãos de Administração continuam a ter poderes para a prática dos actos indispensáveis a garantir a continuação e apreciação da causa, não arrastando, assim, a declaração de extinção da Associação automaticamente a impossibilidade ou a inutilidade de discussão das questões até então pendentes.
Vejamos:
Dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 276º do Código de Processo Civil que a instância suspende-se quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais. Por sua vez, menciona o nº 1 do artigo 277º do mesmo diploma legal, que «junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão».
A suspensão da instância prevista nestes dois normativos apenas deve ter lugar quando se torne necessário proceder à habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, conforme resulta do artigo 371º, nº 1, 1ª parte, do mesmo diploma legal.
No caso em apreço, a Ré é uma associação desportiva e pessoa colectiva de direito privado. Como pessoa colectiva que é está sujeita ao regime legal previsto no artigo 157º e ss. do Código Civil, nomeadamente, ao previsto nos artigos 167º a 184º.
De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 184º do Código Civil, uma das causas de extinção das associações, é aquela que advém da delibera da assembleia-geral.
No caso que nos ocupa, a assembleia-geral deliberou em 30/12/2012 proceder à extinção da Ré (cfr. documento junto a folhas 166 a 168). Assim, á primeira vista, tendo em atenção a alínea a) do nº 1 do artigo 276º do Código de Processo Civil, a instância dever-se-ia suspender até à habilitação dos “sucessores”. No entanto, há que atender que o artigo 184º, nº 1 do Código Civil, sob a epígrafe “Efeitos da extinção”, dispõe que «[e]xtinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os praticarem».
Significa isto que a declaração de extinção de uma Associação não arrasta automaticamente a impossibilidade ou a inutilidade de discussão das questões até então pendentes, uma vez que de tal normativo se extrai a existência de interesses para além dos decorrentes da extinção da associação.
Ora, entre os negócios pendentes contava-se já o objecto da presente acção em que os Autores reclamam o pagamento de uma determinada importância derivada de incumprimentos salariais. E, tanto assim é, que a própria Ré, antes da declaração da sua extinção, fez-se representar em juízo e contestou a acção. E, sendo um assunto pendente anterior à deliberação da extinção da Associação, os seus órgãos da Administração continuam a ter poderes para a prática dos actos indispensáveis a garantir a apreciação judicial dos pedidos formulados pelos seus trabalhadores, antes ainda da deliberação de extinção.
Aliás, defendemos que a teleologia do nº 1 do artigo 184º do Código Civil é a de assegurar a continuidade das relações jurídicas pendentes, sem necessidade de qualquer procedimento próprio para assegurar a resolução das situações pendentes e assim permitir a liquidação dessas relações, indo de encontro ao que dispõe a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 276º do Código de Processo Civil, ao ressalvar a aplicação do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais. Este normativo, tem um campo de aplicação paralelo ao artigo 184º, nº 1 do Código Civil, embora bem mais claro, pois de forma expressa refere que as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários e que a instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Ora, salvo melhor opinião, não descortinamos quaisquer razões, dado o paralelismo, para se defender uma posição diversa no caso de estarmos perante uma associação. Na verdade, que sentido faz neste caso dos autos um incidente de habilitação? Porventura os titulares dos órgãos executivos da associação extinta são os seus sucessores? A associação extinta tem em rigor sucessores?
Assim, os órgãos da sociedade extinta, continuam a estar obrigados a prosseguir os termos ulteriores do processo, em nome da sociedade extinta, para assegurarem a dirimência da lide e do litígio nela pendente, pois os seus trabalhadores têm direito a ver resolvida as questões suscitadas e que afectam os seus direitos, assim como a associação tem direito a pugnar pela bondade da sua tese[4].
Concordamos, pois, integralmente com a motivação expressa no despacho recorrido, pelo que, julgamos improcedentes as conclusões do recurso referentes ao despacho interlocutório.
2.2. Da sentença: 2.2.1 - Da admissibilidade da condição resolutiva no contrato de trabalho de praticante desportivo
A recorrente defende nas suas alegações o entendimento de que a cláusula resolutiva (denúncia dos contratos por qualquer das partes, sem direito a indemnização, no caso de cessação do patrocínio de que a equipa dependia) é válida. Outro entendimento teve o Tribunal a quo ao defender a nulidade da mencionada cláusula resolutiva, assentando a sua discordância nos seguintes argumentos:
i) A admissibilidade de fixação de condição resolutiva tem de ser analisada face aos princípios fundamentais e integradores do direito do trabalho, pelo que não se pode deixar de se ter em conta a posição assumida pelo legislador quanto à possibilidade de contratação a termo resolutivo nem quanto à fixação, de forma imperativa, das formas e causas de cessação do contrato de trabalho. O motivo pelo qual o legislador proíbe o termo resolutivo incerto em todas as situações que não as previstas no art. 143º do Código do Trabalho de 2003 e actual 140º radica no interesse do trabalhador em manter um vínculo contratual estável. Tal interesse mantem-se no contrato de trabalho de praticante desportivo, não obstante o mesmo ser sempre celebrado a termo certo, e ainda de forma mais acutilante face à necessidade de garantir ao desportista a manutenção do vínculo laboral durante a época desportiva uma vez que se o contrato cessa a meio da mesma determinará, na grande maioria dos casos a total paralisação até à época seguinte.
ii) Por outro lado, não se poder fazer analogia entre a condição resolutiva e a revogação por acordo das partes porque, como é entendimento unânime, na relação laboral não existe total paridade entre as partes e a liberdade do trabalhador é muito mais limitada no momento da contratação do que no momento da cessação do contrato por acordo, uma vez que no primeiro momento tenta, muitas vezes a todo o custo ou no intuito de obter melhor remuneração, obter a celebração do contrato, estando, assim, mais permeável a pressões no sentido de aceitar condições desfavoráveis do que no momento da revogação onde pode sempre optar pela manutenção do vinculo pelo menos até termo do prazo acordado.
iii) No caso concreto a verificação de tal condição levava à violação do prazo mínimo obrigatório da celebração do contrato – art. 8º/1 que configura norma imperativa.
iv) Por outro lado, com o estabelecimento de tal cláusula, a Ré pretende de facto transferir para os Autores o risco por si assumido em contrato de patrocínio, livremente negociado, quando os Autores são terceiros face a esse mesmo contrato de patrocínio e quando os mesmos nada podem fazer para o evitar em termos de equipa mas só individuais (de facto nenhum dos Autores pode isoladamente controlar que nenhum outro atleta da equipa ingira substâncias dopantes), mais possibilidade tem a Ré de o controlar, nomeadamente, submetendo os atletas a exames clínicos regulares.
2.2.2. Antes de analisarmos a questão referida, convém assentar que as partes celebraram um contrato de trabalho do praticante desportivo. Quanto a esta qualificação todas as partes estão acordo, pelo que se justificará que façamos um breve percurso pelo enquadramento jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.
A Lei de Bases do Sistema Desportivo – Lei n.º 1/90, de 13 Janeiro, alterada pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho)[5], onerou o legislador com o encargo da criação de um regime jurídico contratual para os praticantes desportivos que atendesse à sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho (artigo 14º, n 4).
Em 1995 foi aprovado – na sequência da Lei n.º 85/95, de 31 de agosto (lei de autorização legislativa) – um regime jurídico exclusivo para os praticantes desportivos – Decreto-lei n.º 305/95, de 18 de Novembro –, que foi revogado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
O artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 28/98 define contrato de trabalho desportivo como «aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta».
A relação laboral do praticante desportivo é uma relação de natureza especial, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as regras aplicáveis ao contrato de trabalho (cf. o artigo 3.º da Lei n.º 28/98) e apenas na medida em que não sejam incompatíveis com a especificidade do contrato de trabalho desportivo (artigo 11º do Código de Trabalho de 2003).
No preâmbulo do Decreto -Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, que antecedeu a Lei n.º 28/98, justificava-se a necessidade de intervenção legislativa, no domínio do contrato de trabalho dos praticantes desportivos, «em razão das especialidades que a actividade desportiva comporta e a que o regime geral do contrato de trabalho não pode responder inteiramente».
João Leal Amado[6] acentua que a relação laboral desportiva apresenta particularidades importantes, quer no que toca aos seus sujeitos, quer no atinente ao respectivo objecto. Segundo este autor «o contrato de trabalho desportivo é um “contrato especial de trabalho”, acima de tudo, pela necessidade de na sua disciplina jurídica se coordenar o aspecto laboral com o aspecto desportivo, compatibilizando ambas as facetas. Trata-se de articular a tradicional protecção do trabalhador/desportista com a adequada tutela do desporto/competição desportiva, visto que, para o ordenamento jurídico estadual, estes são dois valores de extrema importância, cuja conciliação se mostra indispensável. Ora, sucede que a lógica muito própria da competição desportiva profissional pode reivindicar — ou, pelo menos, recomendar — um certo número de desvios, nesta sede, relativamente ao regime geral do contrato de trabalho.»[7]
O atendimento das exigências próprias da competição e do espectáculo desportivos repercutiu-se, nomeadamente, no regime de duração e de cessação do contrato.
São essas razões que justificam que o contrato seja celebrado necessariamente a termo certo, com um prazo mínimo de uma época e um máximo de oito épocas (artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98) e caduque obrigatoriamente no fim do período acordado [artigo 26.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/98].
Como refere Pedro Romano Martinez[8] está-se perante uma contratação obrigatória a termo «por se entender que a transitoriedade se encontra associada à actividade e às condições físicas do praticante».
São ainda razões de organização e de funcionamento do desporto profissional, na medida em que reclamam uma estabilidade mínima na constituição das formações em competição, que fundam a limitação da liberdade de desvinculação ante tempus do praticante desportivo[9]. Na verdade, no regime comum, o trabalhador é livre de fazer cessar o contrato de trabalho, resolvendo-o com justa causa (artigo 441º do Código do Trabalho de 2003), ou denunciando-o, independentemente de justa causa, mediante aviso prévio, mesmo na hipótese de se tratar de contrato a termo (artigo 447º, nºs 3 e 4, do mesmo Código), no contrato de trabalho desportivo, o praticante tem de respeitar o período contratual estipulado (cf. o artigo 8.º da Lei n.º 28/98), só podendo rescindir o contrato, antes do seu termo, com justa causa [ressalvado o período experimental — artigo 26.º, n.º 1, alíneas d) e e) da mesma lei]. Ao passo que, no contrato de trabalho desportivo, a justa causa é condição da licitude da rescisão pelo trabalhador, no regime geral, é apenas factor de resolução com cessação imediata do contrato (artigo 441º, n.º 1, do Código do Trabalho), dispensando o pré-aviso.
O contrato de trabalho do praticante desportivo é um contrato formal, na medida em que só válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. Tratando-se, assim de uma formalidade ad substantiam, a sua falta ou inobservância acarreta a nulidade do negócio, nos termos do artigo 220º do Código Civil. No entanto, estamos perante uma nulidade atípica, na medida em que os seus efeitos operam ex nunc, ou seja, não tem efeitos retroactivos, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 115º do Código do Trabalho, ex vi do artigo 3º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
De acordo com o artigo 6º, nº 1 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho «A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respectiva federação».
Diremos, no entanto, que a falta de registo do contrato de trabalho desportivo na respectiva federação não acarreta a sua invalidade, uma vez que este registo não é requisito de validade ou eficácia do mesmo, o qual é apenas condição para que o praticante desportivo possa participar em provas oficiais promovidas pelas respectivas federações.
Também no que se refere ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes inexiste preceito legal ou convencional que condicione a validade ou eficácia de tais contratos ao respectivo reconhecimento.
2.2.3. Podemos, pois, assentar, como é assinalado no Acórdão desta Relação de 08/01/2007[10], que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente de (i) o jogador se encontrar inscrito como amador ou profissional na F… (…); (ii) de o clube participar em competições – estatuto jurídico-desportivo – amadoras ou profissionais, (iii) bem como da forma jurídica do clube: associação sem fim lucrativo, sociedade anónima desportiva, associação com vocação desportiva ou outra, relevando apenas – tanto para efeitos laborais [Lei n.º 28/98, de 26 de Junho], como para efeitos comunitários [Tratado de Roma][11] – a circunstância de – estatuto jurídico-laboral – entre as partes existir um vínculo jurídico pelo qual o praticante desportivo preste a sua actividade de jogador ao clube, mediante subordinação jurídica e mediante subordinação económica, independentemente do montante da retribuição ser diminuto ou de grande valor. Daí que o qualificativo do jogador, do clube ou das competições em que ambos participam, de amador, em nada afecta a qualificação jurídica do contrato que efectivamente as partes celebraram e executaram, sendo destarte irrelevante o nomen juris nele aposto[12]. É ponto assente entre nós, como na Espanha, França ou Alemanha que o status federativo do praticante desportivo não pode prevalecer sobre o status juslaboral[13].
2.2.4. Nos contratos celebrados estabeleceram as partes a seguinte cláusula:
“Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.”
Que tipo de cláusula é esta?
Esta cláusula foi analisada nos autos como sendo uma condição resolutiva, portanto, à luz do artigo 270º do Código Civil, o qual dispõe que, se as partes subordinarem a um acontecimento futuro e incerto a resolução do negócio jurídico, estamos perante uma condição resolutiva.
E, face ao teor da mesma, as partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a resolução dos contratos – se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa.
Apelando aos ensinamentos do Professor Antunes Varela parece-nos que esta cláusula se enquadra mais no conceito de cláusula resolutiva do que no de condição resolutiva. Como ensina aquele ilustre Professor a cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva, porque esta arrasta consigo a imediata destruição da relação contratual, logo que o facto futuro e incerto se verifica. Ao passo que a cláusula resolutiva, uma vez verificado o facto, apenas concede ao beneficiário o poder de resolver o contrato[14].
Assim, no caso em apreço, se é certo que a resolução está dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto, a verdade é que, a sua verificação, não determina imediatamente a destruição da relação contratual, pois, como ficou estabelecido na aludida cláusula, depende da vontade de alguma das partes em denunciar o contrato.
No entanto, além do rigor jurídico, a questão em apreço deverá ter a mesma solução quer estejamos perante uma condição resolutiva ou cláusula resolutiva.
No âmbito laboral será admitido qualquer tipo de condição no contrato de trabalho subordinado?
Não nos podemos esquecer que uma indiscriminada aposição de termos ou condições nos contratos de trabalho, nomeadamente quando estes sejam resolutivos, será uma fuma de precarizar as relações laborais, razão pela qual o direito laboral tem um papel intervencionista[15].
Se a admissibilidade de aposição de um termo resolutivo ou suspensivo no contrato de trabalho não levanta grandes questões dogmáticas, sendo hoje uma realidade adquirida no nosso ordenamento jurídico, o mesmo já não se passará com as condições resolutivas, cuja admissibilidade pode colidir com os mecanismos de cessação da relação laboral.
Assim, o artigo 127º do Código do Trabalho de 2003[16], permite que ao contrato de trabalho seja aposta, por escrito, condição (bem como termo) suspensiva[17], nos termos gerais, prevendo-se no artigo 128º e ss. do mesmo diploma o regime do termo resolutivo[18].
O mencionado artigo 127º determina a aplicação do regime geral de Direito Civil previsto nos artigos 270.º e seguintes do Código Civil aos termos e condições constantes dos contratos de trabalho, salvo, como é óbvio, a presença de normas especiais que imponham outras soluções.
Porém, no que concerne à condição resolutiva o Código do Trabalho nada diz. Perante tal silêncio e vigorando no nosso sistema jurídico o princípio da liberdade contratual – artigo 405º do Código Civil – parece que inexistem obstáculos à sua admissibilidade. No entanto, no âmbito laboral existem regras limitativas dessa liberdade contratual, nomeadamente quando a mesma colide com a protecção da parte mais fraca do vínculo laboral, ou seja, o trabalhador. Existindo a possibilidade de precarização do vínculo laboral a lei com a sua capa proteccionista condiciona a estipulação de certas condições nos contratos.
A questão da admissibilidade da condição resolutiva nos contratos de trabalho tem merecido alguma discussão doutrinária com soluções diversas[19].
Assim, até 1976 a generalidade da doutrina admitia a aponibilidade da condição resolutiva, tendo tal tendência se invertido a partir de 1976 com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa.
Com a entrada em vigor do DL 64-A/89, de 27/02, as posições doutrinais dividiram-se, defendendo, alguns Autores, a admissibilidade de tal figura jurídica, antes proibida, do contrato a termo certo e também algumas alíneas descritivas das situações susceptíveis de legitimar o recurso ao contrato a termo que configurariam, defendem, verdadeiras condições resolutivas[20].
Outros autores afirmam que o regime legal do contrato de trabalho a termo resolutivo é caracterizado pela natureza restritiva dos seus fundamentos legais, pelo que a estabilidade do vínculo laboral determina, por maioria de razão, a inadmissibilidade da condição resolutiva, a qual por natureza, poria o trabalhador numa situação ainda mais precária do que aquela que ocorre com a aposição do termo resolutivo[21].
O Professor António Monteiro Fernandes preconiza que traduzindo-se a condição resolutiva, no plano prático, em consequências muito próximas das do termo incerto, admitido pela lei para um número relativamente vasto de hipóteses, a actual admissibilidade da contratação a termo incerto leva-nos a encarar como susceptível de legitimar a aposição de condição resolutiva a ocorrência de situação enquadrável na tipologia do artigo 143.° do Código do Trabalho[22].
Já o Professor Jorge Leite, apesar de continuar a defender, no âmbito do Código do Trabalho de 2003, a inaplicabilidade da condição resolutiva ao contrato de trabalho, faz tal defesa, nas suas palavras «agora, porém, com algumas dúvidas»[23].
Nas palavras de Leal Amado «na medida em que viola normas imperativas – máxime as que estabelecem o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, normas estas que gozam mesmo de uma natureza absolutamente imperativa, não podendo ser afastadas ou modificadas por instrumento de regulamentação colectiva ou pelo contrato de individual (art. 339º, nº 1[24]) – uma condição resolutiva que seja aposta ao contrato de trabalho deverá, pois, ser substituída pelas normas violadas, conforme dispõe o art. 121º, nº 2 do CT[25] (…)»[26].
Adverte, no entanto este ilustre Professor, que tudo isto vale relativamente ao trabalhador comum, pois há casos em que a resposta pode ser diferente, nomeadamente, nos contratos de trabalho desportivo, onde a condição resolutiva pode assumir contornos de autentico instrumento de libertação contratual para o praticante desportivo[27].
Ora, é neste campo do trabalho desportivo, com as especificidades próprias, que a questão da admissibilidade da condição resolutiva tem de ser apreciada, sendo certo que a Lei nº 28/98, de 26 de Junho, também omissa relativamente à condição resolutiva.
Na apreciação desta questão o professor João Leal Amado salienta que sendo o contrato de trabalho desportivo, por força da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, um contrato de trabalho a termo e, sendo, este termo estabilizador[28] [29] e não limitativo, como é em relação ao trabalho comum, tal circunstância altera de forma decisiva o contexto normativo em que se move a condição resolutiva. Ou seja, enquanto o trabalhador comum pode dissolver o vínculo ante tempus, já o trabalhador desportivo apenas o poderá fazer se, para o efeito, tiver justa causa (artigo 26º, nº 1, alínea d) da Lei nº 28/98, de 26 de Junho)[30], sendo, neste caso, a liberdade de desvinculação do trabalhador desportivo fortemente restringida, qualificando-se o termo, portanto, como termo estabilizador[31].
Assim, enquanto no regime geral a aposição da condição resolutiva não satisfaz nenhum interesse relevante do trabalhador, traduzindo-se tão só num factor de precarização do emprego, já que no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo tal cláusula poderá vir de encontro aos interesse do praticante/trabalhador, permitindo-lhe a desvinculação quando, de outra forma, estaria obrigado a manter o contrato até ao fim do prazo. Nestes casos a condição resolutiva «pode aqui assumir contornos de autêntico instrumento de libertação contratual para o praticante trabalhador»[32].
E à questão de que se uma condição for estipulada no interesse de ambas as partes será razoável proclamar a invalidade desta cláusula, com o argumento de que ela se analisa numa condição resolutiva, o Professor João Leal Amado responde, «cremos que não», dando como exemplo, uma cláusula em que as partes acordaram que o contrato se extinguirá verificando-se a despromoção do clube. Esta cláusula, vincula o aludido professor, pode tutelar interesses relevantes e legítimos de ambas as partes: do clube empregador, que, atingido pela despromoção, vê afectadas as suas fontes de receita (televisão, publicidade, espectadores, associados, etc.) e pode precisar reduzir as despesas, redimensionando o respectivo plantel; do praticante desportivo, a quem a baixa de escalão competitivo pode não interessar do ponto de vista da sua valorização profissional, preferindo a sua desvinculação, para celebrar contrato com outro clube da divisão superior[33].
No entanto, isto não pode significar que, neste domínio desportivo, seja admissível juridicamente qualquer condição resolutiva, a qual tem de ser lícita, não podendo ser contrária à lei, máxime à Lei nº 28/98, de 26 de Junho, quer porque ofenda ostensivamente as suas disposições, quer porque defraude os seus comandos ou princípios normativos[34].
Surgindo no contexto desportivo a condição resolutiva num perfil funcional bastante distinto daquele que assume na relação laboral comum, só uma análise casuística das diversas situações concretas, atendendo aos interesses em jogo, e procedendo a uma ponderação criteriosa, o intérprete ficará habilitado a concluir pela sua validade ou invalidade[35].
No caso, as partes acordaram, como já salientamos, na seguinte cláusula:
“Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.”
Ao contrário do defendido pela sentença recorrida, entendemos, com o devido respeito, que tal cláusula é válida.
Para defesa da nossa posição assumimos aqui a posição de Albino Mendes Baptista o qual admitia a condição resolutiva em situações que não determinassem a inversão do risco do contrato e não conduzissem à preterição de disciplina própria do ordenamento juslaboral, dando, a título de exemplo, a inserção no contrato de trabalho de uma cláusula segundo a qual o contrato cessa se determinado financiamento, que a entidade patronal tem fundadas razões para crer que será obtido, não se concretizar[36].
A cláusula em apreciação está estabelecida em defesa de ambos os contraentes, tutelando legitimamente o interesse de ambas as partes, na medida em que no que concerne ao clube empregador, face à ausência de patrocínio de que dependia a existência da equipa, fica sem possibilidade financeira e monetária de cumprir os seus compromissos com os atletas, bem como dos próprios praticantes que caídos numa situação em que a entidade empregadora se torna incumpridora, não têm qualquer interesse em cumprir até ao fim um contrato. Por outro lado, tal cláusula não está dependente de qualquer acto ou comportamento próprio da entidade empregadora, não estando o seu surgimento dependente de qualquer atitude fraudulenta do clube para se eximir às suas responsabilidades para com os praticantes desportivos.
Aliás, a manutenção dos contratos de trabalho desportivo dos Autores nesta situação de quase indigência da entidade empregadora levaria certamente a um fim contrário ao termo estabilizador do contrato, como seja, assegurar a verdade desportiva.
Não vislumbramos, assim, que esta cláusula resolutiva, face ao seu concreto conteúdo, ao teor da própria condição, lese direitos e garantias dos aqui Autores, praticantes desportivos, enquanto trabalhadores.
E, sempre ressalvando o devido respeito, não contemplamos nos argumentos aduzidos na sentença recorrida, razões suficientes para inverter esta nossa opinião. Em primeiro lugar, não nos parece curial considerar que foi apenas a Ré a pretender transferir o risco assumido no contrato de patrocínio, uma vez que todas partesaceitaram essa transferência, de livre vontade e no seu interesse recíproco. Como não faz sentido, defender que a Recorrente podia controlar a ingestão de substâncias dopantes pelos corredores da equipa, quando não se demonstrou que o podia fazer e, como se sabe, muitas das vezes não é fácil proceder a essa detecção, a não ser com análises laboratoriais criteriosas e avançadas cientificamente, sendo certo que o que está em causa é a cessação do contrato de patrocínio e não propriamente a questão do doping.
Também não colhe o argumento de que no caso concreto a verificação de tal condição levava à violação do prazo mínimo obrigatório da celebração do contrato previsto no artigo 8º, nº 1 da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, que configura norma imperativa. Se é certo que o contrato de trabalho desportivo não pode ter duração inferior a uma época desportiva nem superior a oito épocas, conforme dispõe o normativo anteriormente referido, tal não implica que o mesmo não possa terminar antes do decurso desse prazo se se verificarem algumas das razões elencadas nas alíneas a) a g) do nº 1 do artigo 26º, nº 1 da Lei nº 28/98 de 26 de Junho. Uma coisa é a estipulação do limite mínimo, outra, bem diferente, são as causas de extinção.
No sentido da admissibilidade deste tipo de cláusulas podemos ver o Contrato Colectivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores[37] de que no seu artigo 41º, nº 1, alínea d) dispõe que o contrato de trabalho desportivo caduca nos casos previstos neste CCT ou nos termos gerais de direito, nomeadamente, verificando-se a condição resolutiva aposta ao contrato, nomeadamente se for convencionada a extinção do contrato em caso de descida de divisão do clube ou sociedade desportiva, ou na eventualidade de determinada verba ser oferecida ao clube e ao jogador por parte de outro clube interessado nos seus serviços.
Assim sendo, o contrato de trabalho dos Autores, cessou em virtude da caducidade, nos termos do artigo 26º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/98 de 26 de Junho.
2.2.5. De qualquer forma, sempre diremos, que mesmo não defendendo esta tese, os contratos sempre teriam cessado por caducidade em virtude de se ter verificado uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Ré em receber o trabalho dos Autores.
Vejamos, então:
Como já dissemos anteriormente, uma das causas de extinção do contrato de trabalho desportivo é a caducidade – artigo 8º, nº 1, alínea a) da Lei nº Lei nº 28/98 de 26 de Junho. Face à remissão feita pelo artigo 3º da referida Lei há que trazer à colação a alínea b) do artigo 387º do Código do Trabalho, o qual dispõe que o contrato de trabalho caduca, além dos termos gerais[38], em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.
Daqui resulta que nem toda a impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa da cessação do contrato de trabalho por caducidade. Esta somente ocorrerá quando essa impossibilidade seja, cumulativamente, superveniente, absoluta e definitiva. Devendo entender-se por:
a) superveniente, a impossibilidade que seja posterior à celebração do contrato de trabalho. A impossibilidade originária, anterior ou contemporânea da celebração do contrato, gera a sua nulidade e não a sua caducidade, como decorre dos artigos 280º, nº1, e 401º, nº1, do Código Civil;
b) absoluta, a impossibilidade que se não traduza na mera impossibilidade relativa ou económica. A difficultas praestandi, manifestada na simples dificuldade ou onerosidade de prestar o trabalho ou de o receber, não extingue o contrato, porquanto a nossa lei afastou a chamada doutrina do "limite do sacrifício", pela perigosa incerteza e pelos inevitáveis arbítrios a que dava lugar a sua aplicação prática;
c) definitiva, a impossibilidade que não seja apenas temporária, uma vez que esta importa a suspensão - e não a extinção - do contrato de trabalho.
Além do mais, e por regra, a impossibilidade deve ser ainda total e não apenas parcial, posto que esta última pode comportar a modificação do contrato e não, necessariamente, a sua extinção por caducidade.
A sentença recorrida entendeu que os factos apurados não são susceptíveis de demonstrar a impossibilidade absoluta e definitiva que se tornou juridicamente irreversível. Diz que dos mesmos resulta que a equipa dependia quase totalmente do patrocínio que a G…, S.A. lhe prestava, e não totalmente, e que sem a receita resultante do patrocínio da G…, S.A. a equipa não tinha viabilidade. Por outro lado, é facto que a Ré logrou demonstrar que a equipa nunca mais participou em qualquer competição ou exerceu qualquer actividade, tendo inclusivamente abandonado a competição em que estava a participar na altura em que foram divulgados os casos de doping e que extinguiu a equipa de facto. Além do mais, acrescenta, a Ré não procedeu à extinção da equipa em termos federativos e que apenas veio a deliberar a sua extinção em 30.12.2010.
Salvo melhor opinião, não concordamos com o decidido. Conforme refere o Exº Procurador-geral no seu parecer, antes da extinção formal da Ré, a G… cessou o seu patrocínio (ponto 22); o qual representava a quase totalidade da receita que permitia o funcionamento da equipa (ponto 35); sem a receita resultante do patrocínio da G…, S.A. a equipa não tinha viabilidade (ponto 36); a dependência da equipa do patrocínio da G…, S.A. era do conhecimento dos Autores e de todos os demais corredores e pessoal da equipa (ponto 37); a Ré, em consequência, extinguiu a equipa (ponto 38); sendo que equipa nunca mais participou em qualquer competição ou exerceu qualquer actividade, tendo inclusivamente abandonado a competição em que estava a participar na altura em que foram divulgados os casos de doping (ponto 39).
Entendemos que estes factos encerram uma situação de absoluta e definitiva de a Ré receber o trabalho dos Autores.
E, como diz a própria recorrente nas suas alegações, se a equipa não tinha viabilidade e foi extinta, abandonando inclusivamente a prova em que estava a participar, é óbvio que a impossibilidade, para além de superveniente, era absoluta (a equipa não tinha viabilidade) e definitiva (a equipa foi, de imediato, extinta).
Por outro lado, a circunstância de a Ré não ter procedido à extinção da equipa em termos federativos é meramente formal e não serve, por isso, para qualificar a sua impossibilidade de receber o trabalho dos Autores, que deve ser aferida por factores de ordem material e substancial.
No caso presente, importa também salientar que se não deve confundir a extinção da Associação (ocorrida após a extinção da equipa) com a extinção da equipa de ciclismo. O que determinou a impossibilidade da Ré receber o trabalho dos Autores (corredores da sua equipa de ciclismo profissional) foi a extinção da equipa e não a da associação. É que quando esta se deu aquela já se tinha verificado.
2.2.6. Por último, no que concerne à ineficácia da cessação do contrato de trabalho por falta de comunicação à F…, diremos o seguinte:
Resulta do artigo 29º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho que «a eficácia da cessação do contrato de trabalho desportivo depende da comunicação às entidades que procedem ao registo obrigatório do contrato, nos termos do disposto no artigo 6.°» (nº 1) e que «a comunicação deve ser realizada pela parte que promoveu a cessação, com indicação da respectiva forma de extinção do contrato (nº 2).
Em primeiro lugar deveremos atender que estamos a falar da eficácia do trabalho desportivo e que a comunicação deve ser realizada pela parte que promoveu a cessação. Ora, em caso de caducidade do contrato de trabalho não existe nenhuma promoção da cessação do contrato, mas sim a verificação de uma situação ou condição de facto que determina o referido efeito jurídico – a caducidade do contrato. Não nos aprece, assim, salvo melhor entendimento, que nestes casos estejamos perante uma promoção da cessação do contrato de trabalho desportivo por alguma das partes.
No entanto, todas estas questões só teriam sentido, se não tivéssemos admitido como válida a aludida condição resolutiva, ou mais rigorosamente, a cláusula resolutiva.
Por todas estas razões, procede o recurso da sentença, devendo, em consequência, a Ré, aqui Recorrente, ser absolvida dos pedidos em que foi condenada.
◊◊◊
3. As custas da acção ficam a cargo dos Autores, ficando as custas do recurso a cargo da Recorrentes e Recorridos, em partes iguais (artigo 446º do CPC).
◊◊◊ ◊◊◊ ◊◊◊
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em:
A) Julgarem improcedente o recurso interposto do despacho interlocutório com a referência 781462, datado de 22/3/2011.
B) Julgarem procedente o recurso interposto da sentença e, em consequência, revogarem a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré B… dos pedidos em que foi condenada.
C) Condenarem os Autores no pagamento das custas da acção e a Recorrente e Recorridos no pagamento das custas do recurso, em partes iguais (artigo 446º do Código de Processo Civil).
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 12 de Novembro de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
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[1] Montante diverso do primeiramente peticionado (€ 24.999,96), mas que resulta da redução efectuada pelo Autor durante a audiência de discussão e julgamento de 15/09/2011.
[2] A sentença em parte, e nomeadamente o segmento da decisão, foi rectificada, conforme se exara no ponto 13.
[3] Cfr. VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel e NORA, Sampaio e, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente Processos n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, Processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido podemos ver o Acórdão desta Relação de 14/06/2004, Processo 0453258, www.dgsi.pt.
[5] A qual foi revogada pela Lei de Bases do Desporto (LBD) aprovada pela Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, cuja, no entanto, também foi revogada pela Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD), aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro.
[6] AMADO, João Leal, Vinculação versus Liberdade, o Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra, 2002, pp. 67 e segs.
[7] AMADO, João Leal, obra. cit., pp. 79 -80.
[8] MARTINEZ, Pedro Romano, Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, Coimbra, p. 698.
[9] Cf., neste sentido, AMADO, João Leal, obra cit., p. 258, e «Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho desportivo», Temas Laborais, 2, Coimbra, 2007, pp. 152 e segs., esp. pp. 168 -169.
[10] Processo nº 0612342, www.dgsi.pt.
[11] Cfr. MESTRE, Alexandre Miguel - Desporto e União Europeia, Uma Parceria Conflituante? 2002, págs. 52, 53 e 114 e MEIRIM, José Manuel [et.al.] - Comunidade Europeia e desporto, Sub judice,1994, n.º 8, págs. 118 a 120.
[12] Cfr. AMADO, João Leal - O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as «indemnizações de transferência», Questões Laborais, Ano V-1998, 12, págs. 226 a 240, maxime, págs. 238 e 239, in O andebol, o hóquei, o profissionalismo e o trabalho desportivo, Questões Laborais, Ano VII-2000, 15, págs. 43 a 56, maxime, págs. 49 a 52 e in Pode um jogador de voleibol ser um trabalhador por conta de outrem? (nótula ao Acórdão da Relação de Lisboa, secção cível, de 3/12/96), Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 53, págs. 68 a 71.
[13] Cfr. AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, 2002, pág. 58, nota 100.
[14] VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 6. ed. Almedina, 1995. v. II. p. 276.
[15] Cfr. CORDEIRO, António Menezes. Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, p. 599.
[16] Aplicável ao caso face ao estatuído no artigo 7º, nº 1 e 5º, alínea d) da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[17] No mesmo sentido dispõe o artigo 135º do Código do Trabalho de 2009.
[18] Segundo MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 661 e ss. a consagração expressa dos fundamentos legais que justificam a aposição de termos resolutivos aos contratos de trabalho embora represente uma limitação à liberdade de estipulação contratual, permite garantir que o princípio à segurança no emprego não é posta em causa.
[19] Sobre a posição doutrinária ao longo dos tempos poderemos ver, entre outros, AMADO, João Leal. Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pp. 110 a 123 e do mesmo Autor Contrato de trabalho e condição resolutiva (Breves considerações a propósito do Código do Trabalho), Temas Laborais, Coimbra Editora, 2005, pp. 41 a 55.
[20] Nesse sentido CORDEIRO, António Menezes. Ob. cit., pp. 599-600 e BAPTISTA, Albino Mendes. A aponibilidade da condição resolutiva ao contrato de trabalho, Revista do Ministério Público nº 74, Ano 1998, pp. 121 e ss.
[21] Nesse sentido LEITE, Jorge. Direito do Trabalho II, Coimbra (FDC), 1992/93 (reprint 1999) pp. 84 e ss e MARTINEZ, Pedro Romano. Ob.cit, pp.631.
[22] FERNANDES, António Monteiro. Direito do Trabalho, 13ª ed., Almedina, p. 325.
[23] LEITE, Jorge. Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da U.C., Serviços de Texto, Coimbra – 2004, p. 59.
[24] Corresponde ao artigo 383º do Código do Trabalho de 2003.
[25] Corresponde ao artigo 114º, nº 2 do Código do Trabalho de 2003.
[26] AMADO, João Leal. Ob. Cit., p. 122.
[27] AMADO, João Leal. Ob. Cit., p. 122, nota 150.
[28] Instrumento estabilizador da relação, o contrato a termo perfila-se aqui, por conseguinte, como uma técnica restritiva da concorrência no mercado de trabalho, ditada pela necessidade de tutelar a própria competição desportiva e os fins do ordenamento desportivo- AMADO, João Leal. Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho desportivo. Temas Laborais 2, Coimbra Editora, 2005, p. 163.
[29] O termo aposto no contrato de trabalho desportivo não visa a salvaguarda da protecção dos interesses dos praticantes, mas, justificar-se-á, quanto muito, como mecanismo de protecção do desporto e, porventura, das entidades empregadoras, desempenhando, nestes contratos, o termo a aqui uma importantíssima função estabilizadora, assegurando a estabilidade/manutenção da relação contratual durante o período temporal convencionado – Neste sentido, AMADO, João Leal. Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho desportivo. Temas Laborais 2, Coimbra Editora, 2005, p. 160 e FERREIRA, Bruno Bom. Contrato de Trabalho Desportivo. Algumas considerações, p. 6, consultável em www.verbojuridico.pt.
[30] AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, Coimbra Editora, 2002, pág. 225.
[31] AMADO, João Leal. Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho desportivo. Temas Laborais 2, Coimbra Editora, 2005, p. 167.
[32] AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, Coimbra Editora, 2002, pág. 226.
[33] AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, Coimbra Editora, 2002, pág. 226/227.
[34] Assim nos casos em que as partes convencionem que o contrato cessará caso o praticante dê um certo número de faltas injustificadas ao trabalho; que se dissolverá caso o praticante seja alvo de mais do que x cartões amarelos e/ou vermelhos numa época desportiva; ou que se extinguirá caso se verifique um resultado positivo nos controlos antidopagem a que o praticante se submeta; ou que terminará caso em que o praticante venha a assumir funções dirigentes na respectiva associação sindical; estaremos perante cláusulas ilícitas, não por se analisarem em outras tantas condições - direitos e garantias do praticante desportivo enquanto trabalhador - AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, Coimbra Editora, 2002, pág. 226/227.
[35] AMADO, João Leal. Vinculação Versus Liberdade, Coimbra Editora, 2002, p. 229.
[36] BAPTISTA, Albino Mendes. A aponibilidade da condição resolutiva ao contrato de trabalho, Revista do Ministério Público nº 74, Ano 1998, pp. 131.
[37] Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 33, de 08 de Setembro de 1999.
[38] A disposição citada, ao remeter para "os termos gerais de direito", pretende aludir ao regime previsto nos artigos 790º e seguintes do Cód. Civil, segundo os quais a obrigação extingue-se quando a prestação se tornar impossível por causa não imputável ao devedor, o que sucede sempre que, por qualquer motivo, o comportamento exigível do devedor seja inviável – neste sentido Acórdão do STJ de 20/03/2002, Processo 01S3444, www.dgsi.pt.
__________________ SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC.
I – Intentada uma acção contra uma Associação e tendo esta, na pendência da acção, sido extinta por deliberação da assembleia-geral, os órgãos da sociedade extinta, continuam a estar obrigados a prosseguir os termos ulteriores do processo, em nome da sociedade extinta, para assegurarem a dirimência da lide e do litígio nela pendente, os termos do artigo 184º, nº 1 do Código Civil, não havendo lugar, neste caso, à suspensão da instância a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 276º do Código de Processo Civil.
II - É válida a condição resolutiva (ou melhor a clausula resolutiva) aposta num contrato de trabalho desportivo em que as partes estipularam que “Se, antes do termo do contrato, a G…, S.A. deixar, por qualquer razão, de ser a patrocinadora principal da equipa, qualquer uma das partes poderá denunciar o contrato com efeitos imediatos, sem necessidade de pré-aviso e sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.”