●. No regime de comunhão de adquiridos a casa construída no terreno próprio da autora, na pendência do casamento mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.
●. No regime de bens de comunhão de adquiridos considera-se bem próprio do cônjuge, por força da titularidade de bens próprios, o proveniente de acessões, sem prejuízo da compensação, devida pelo cônjuge proprietário, ao património conjugal comum ou ao outro cônjuge, conforme o caso.
●. As custas do recurso serão satisfeitas pela parte que nele sucumbe: o recorrente (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).
Inconformado com a sentença o réu apresenta recurso que remata com as seguintes conclusões:
1 – Quanto à matéria de facto o tribunal a quo entendeu que os autos condensam os elementos fácticos necessários para o conhecimento imediato do mérito da ação sem carecer da produção de outras provas, ora com o devido respeito, tal não se verifica, nem podia o tribunal a quo ter seguido tal caminho para chegar à decisão final sob pena de um non liquet e a nulidade da decisão cf. Art.º 608. º e 615.º do CPC.
2 - Deverá ser ordenado ao tribunal que tome posição quanto à questão do direito de propriedade sobre a casa aqui em apreço, decidindo assim sobre a questão material, analisando os factos da petição inicial, à luz da impugnação produzida em contestação pelo réu, após a produção da prova aduzida pelas partes e atentando ao ónus da impugnação especificada observado pelo réu.
3 - Para chegar à decisão aqui em crise o tribunal a quo funda-se apenas na presunção decorrente do registo a favor da autora, ora tal presunção pode ser nos termos da lei ilidida, desígnio que só poderá ser alcançado pela produção de prova, nomeadamente testemunhal em audiência de julgamento, o que não se conforma com a decisão aqui posta em crise por parte do apelante.
4- Sendo o objeto dos autos e causa de pedir o direito de propriedade exclusiva da autora, no que respeita ao prédio rustico que adquiriu por doação, determinar que a construção da casa hoje nele implantada foi promovida a custeada pelo ex. casal, é pertinente para a decisão, determinar sem mais que não existe necessidade de produzir qualquer prova leva à sentença ora em crise que, com o devido respeito, é nula por falta de fundamentação.
5 - A prova requerida é pertinente e nuclear ao objeto dos autos, com a decisão proferida o tribunal violou o disposto no artigo 588º do C.P.C. e deve ser substituída por outra que determina a produção da prova requerida em audiência de julgamento.
6 - Quanto ao direito de propriedade exclusivo da autora, a presente ação é uma ação de reivindicação sobre um prédio urbano sobre o qual a própria autora reconhece ter havido contribuição por parte do réu no que á construção diz respeito.
7 - Nos n.ºs 22.º a 26.º da petição inicial é a própria autora que começa por reconhecer a contribuição do réu nas despesas tidas pelo ex. casal para a construção da casa para terminar por requerer ao tribunal a nomeação de um perito que faça essa avaliação das despesas do ex. casal.
8 - Sem qualquer fundamento legal, o tribunal a quo desatende esta parte da petição inicial e do pedido, especificadamente impugnada pelo réu, e toma apenas posição quanto à questão do direito de propriedade da autora quanto à casa em apreço.
9 - Prescreve o artigo 1403º, nº1, do CC, que “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.
10 - Por sua vez, nos termos do nº2 do mesmo artigo “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”, ora, vertendo ao caso dos autos, constata-se que a autora e o réu encontravam-se casados sob o regime supletivo da comunhão de adquiridos.
11 - Assim sendo, em caso de dúvidas sempre haveria que se concluir no sentido de que o imóvel em discussão não se encontra na propriedade exclusiva da autora, antes devendo ter-se o mesmo como pertencente em compropriedade a ambos os cônjuges.
12 – Face ao alegado pelas partes, que poderia com grande probabilidade ser confirmado pela prova a produzir, houve nos vinte anos de casamento uma contribuição conjunta para o património conjugal do qual faz parte a casa aqui em apreço, cujo prédio aonde foi construída foi adquirido por doação dos pais da autora na constância do casamento, que durou 20 anos durante os quais ambos construíram e fruíram de todos os modos a casa que foi de morada de família até à dissolução do vínculo conjugal.
13 - Como também houve uma utilização conjunta do imóvel, quer pela autora, quer pelo réu, os quais sempre se comportaram publicamente como únicos e exclusivos proprietários do imóvel em discussão, sem oposição, perante todos e ininterruptamente, desde a data da doação do respetivo prédio rustico.
14 - Considerando também o preceituado no artigo 1296º do CC, pode concluir-se que autora e réu, à falta de outro título, adquiriram já o imóvel por usucapião, sendo certo que, à falta de outra prova, deverá considerar-se que o mesmo se encontra em compropriedade, em quotas qualitativa e quantitativamente iguais.
15 - A usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião (Oliveira Ascensão, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, ROA, Ano 34, p. 43/46).
16 - Com efeito, a usucapião traduz-se na constituição do direito real correspondente a certa posse, desde que esta se prolongue, com certas características, pelo período de tempo fixado na lei; é um modo de aquisição originária de direitos reais e baseia-se no facto do homem: a própria posse e a invocação do seu decurso (cf. Menezes Cordeiro, Parecer sobre Servidões legais e direito de preferência, p. 74).
17 - Nos termos do art.° 1287º, do C. Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos de gozo, mantida durante certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação.
18 - Nos termos do art.° 1296°, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé, e de vinte anos, se for de má-fé. A posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art.º 1260°, nº 1). Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência (art.° 1261°, nº 1). Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art.° 1262º).
19 - O pedido do aqui Apelante é precisamente o de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o referido prédio.
20 - A este propósito ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-12-2014, "III – O douto acórdão entendeu (ainda) ser adequado aplicar à situação a acessão da posse a que alude o art. 1256.º do CC, sendo que, para esta aplicação, não se exige que a posse seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido. IV - Esta construção foi certa, pois para que a acessão da posse, a que alude o art. 1256.º do CC, se verifique, basta que o atual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a transferência se baseie em ato (translativo) formalmente válido. Neste caso, essa posse não será titulada e de má-fé pelo que, caso o atual possuidor queira beneficiar da acessão na posse, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), a posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada (posse de “menor âmbito”)."In www.dgsi.pt
21 - O direito de propriedade é o direito real máximo mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa, este conceito resulta do disposto no artigo 1305º do Código Civil que atribui ao titular do direito de propriedade os mais amplos poderes de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem.
22 - Dispõe o artigo 1316º do Código Civil que a propriedade se adquire “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”; a forma de aquisição pode, pois, ser derivada ou originária, o aqui Apelante invoca a aquisição originária (usucapião).
23- Ora, se o aqui apelante invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.
24 - De harmonia com o disposto no art. 1287º do Código Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação; exige-se, desta forma, para que a usucapião tenha lugar, que haja posse e que tal posse se mantenha por um certo lapso de tempo (cf. Henrique Mesquita, in ‘Direitos Reais’, pág. 112).
25 - A posse, que vem expressamente definida no artigo 1251º do Código Civil, é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (corpus) e o faz com intenção de agir como titular desse direito (animus).
26 - Por detrás da atuação do possuidor pode não haver qualquer direito que a legitime ou justifique, traduzindo-se a posse numa simples situação de facto, a que a ordem jurídica, todavia, reconhece vários efeitos, que podem consistir, quando a situação possessória se prolongue por certo período de tempo, na sua conversão ou transformação numa situação jurídica definitiva, pela via da usucapião; fala-se, a este propósito, em “posse formal ou ius possessionis”.
27 - Em regra, porém, o possuidor tem também a titularidade do direito que exerce possessoriamente; é a chamada “posse causal ou ius possidendi”; nesta segunda modalidade, a posse é apenas o lado material ou exterior de determinado direito, “a sua face concreta ou a sua expressão no plano da realidade física. Dito de outro modo, a posse causal é o direito em ação” (cf. neste sentido, Antunes Varela e Henrique Mesquita, in RLJ, Ano 127º, p. 26).
28 - O mais importante efeito da posse é a presunção da titularidade do direito possuído (cf. artigo 1268º do Código Civil). Havendo conflito de presunções, uma derivada do registo (artigo 7º do Código de Registo Predial) e outro emergente da posse (artigo 1268º, nº 1, do Código Civil), prevalece este último que só cede no confronto com a presunção derivada de registo anterior ao início da posse (cf. Acórdão do STJ de 19/12/92, in BMJ 414-545).
29 - Para que a posse conduza à aquisição do direito possuído é indispensável que a posse seja pacífica e pública (cf. artigo 1297º do Código Civil), sendo os restantes caracteres da posse – boa fé e registo – simples factores de determinação do tempo da posse para efeitos de aquisição por usucapião (cf. artigos 1294º a 1296º do Código Civil), o que se verifica no caso concreto e seria demonstrado pela prova a produzir pelo apelante.
30- Delimitado que se encontra o quadro jurídico dos presentes autos, vejamos agora quais factos alegados e que devem ser dados como provados: 1.ºSem prejuízo do supra dito, o Réu impugna o teor do artigo 17.º a 27.º da p.i., por não corresponder à verdade dos factos que a Autora apenas por recebido por doação o prédio rustico aonde se encontra a casa de morada de família aqui em apreço, seja a sua única proprietária. 2.º Impugna o Réu os factos alegados nos artigos 7º a 27.º da p.i., que são uma negação de realidade dos factos ocorridos durante 20 anos de casamento e de trabalho durante os quais Autora e Réu construíram a casa de morada de família fruto do trabalho de ambos, são estes os temas da prova a que o tribunal " a quo" foi indiferente.
31 - Estes factos, dos artigos 7 a 27 da petição inicial, e impugnados pelo réu em contestação não foram analisados pelo tribunal " a quo", de outra forma teria concluído linearmente pela necessidade de produzir prova sob pena de não dirimir o objeto da presente ação.
32 - A decisão do tribunal " a quo" limita-se a discorrer sobre os efeitos patrimoniais dos regimes de bens no nosso ordenamento jurídico e sobre a presunção decorrente do averbamento da construção na descrição do prédio aqui em apreço por força do art.º 7.º da CRP, nunca descendo ao caso concreto; fazendo tábua rasa de todos os outros factos da ação.
33 - Os factos alegados nos 7 a 27 da petição inicial impugnados pelo apelante são os factos essenciais e devem ter uma resposta negativa por parte do tribunal, ao decidir como decidiu o tribunal o disposto no artigo 5º do C.P.C. e os seus basilares princípios.
34 - Não podia o Tribunal “a quo” ter decidido, como decidiu, sem apreciar qualquer prova além da certidão de registo predial do imóvel em apreço, bem pelo contrário como exposto.
35 - A douta sentença violou, nesta parte, o disposto nos artigos nos artigos 342.º, 1287.º, 1296.º. 1305.º, 1403.º do Código Civil, 590.º, 596º, 411º e 547º Código de Processo Civil, e seus basilares princípios.
36 - Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” cometeu erro na indagação dos factos e erro na apreciação da matéria de facto dada como provada, pelo que violou o disposto nos artigos 5º, 596º, 413º e 609º do Código de Processo Civil.
37 - O douto despacho saneador recorrido tem de ser substituído por outro que julgue improcedente a exceção de caso julgado, prosseguindo os presentes autos os seus termos legais, pelo que o douto despacho saneador violou, nesta parte, o disposto no artigo 615º, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal “a quo” esta obrigado e limitado pelos factos articulados pelas partes (artigo 5º do C.P.C.), violando também o disposto nos artigos 588º, 619º, 580º, 581º, 621º, 628º, 576º, 577º e 578º, todos do Código de Processo Civil e seus basilares princípios.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. (s) Exa. (s) doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, revogada a douta decisão em crise, tudo com as legais consequências.
Assim se fazendo Correta e Sã Justiça.
Contra-alegou a requerida propugnando pelo convite a formular novas conclusões uma vez que apresenta como conclusões arrazoados longos e confusos. Caso assim não se entenda, deverá julgar-se improcedente a apelação e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo e a subir de imediato.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:
Na primeira instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
Sopesando-se e valorando-se a força probatória plena do assento de casamento de fls. 14-15, da certidão de fls. 16-17, da escritura pública de fls. 20-24 e da certidão registal de fls. 43-44 (artºs. 269.º/1, 270.º/1 e 271.º/1, do Código Civil), o Tribunal considera como provados os seguintes factos pertinentes:
1. A Autora J e o Réu A celebraram casamento católico em 29.12.1991, sem convenção antenupcial.
2. Por escritura de Justificação e Doações exarada em 21.8.1996 no Cartório Notarial de Vila Real, os primeiros outorgantes J e mulher M declararam doar à terceira outorgante J o prédio rústico sito no lugar x, inscrito na matriz sob o artigo...
3. Pela ap. 31 de 1996/11/05, afigura-se inscrita a favor de J, casada com A no regime de comunhão de adquiridos, a aquisição do prédio urbano sito em…, freguesia de Vale de Nogueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º… e inscrito na matriz sob o artigo…, por doação de J.
4. Por sentença proferida na acção de divórcio n.º…, que correu termos na Secção de Família e Menores do Tribunal da Comarca de Vila Real, transitada em julgado em 24.4.2015, foi decretado o divórcio de J e A e homologado o acordo entre as partes que consignou “A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido até à partilha”.
*
O Direito:
Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que o recorrente redigiu as suas alegações, dividindo-as em parágrafos com numeração, depois escreveu a expressão “conclusões” e a seguir repetiu na quase totalidade as alegações.
Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se (no relevante) a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação decidimos, no entanto, prosseguir e apreciar a questão.
O conhecimento do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da seguinte questão: se podia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu sem apreciar qualquer prova acerca dos factos alegados pela autora nos artºs 7º a 27 da p.i além da certidão de registo predial do imóvel em apreço e desta forma pronunciar-se sobre a titularidade do prédio.
Apreciemos, pois.
A questão acerca da titularidade de prédio urbano construído durante o casamento em prédio rústico pertença de um dos cônjuges não é nova e nem sempre tem sido analisada e tratada de forma unanime pela doutrina e jurisprudência.
A tese constante da decisão recorrida, aliás bem fundamentada foi sustentada por esta Relação em recentes decisões - ver acórdãos proferidos com datas de 12.03.2015 e 28.05.2015 nos processos nº 388/12.8 TJVNF.G1 e TBVCT.G1 disponíveis em www.dgsi.pt.
Aplicando essa orientação ao caso em apreço por com a mesma se concordar concluímos que vistos os factos apurados parece-nos suficientes e bastantes para que o Tribunal proferia a decisão recorrida.
Com efeito, apurou-se que o casamento da autora e réu – entretanto já dissolvido por divórcio – foi contraído segundo o regime de comunhão de adquiridos (artº 1717 do Código Civil) - ponto 1º dos F.P.
Neste regime de bens há – ou pode haver – bens próprios e bens comuns. No tocante à composição destas duas massas patrimoniais, resulta da lei que são bens próprios de cada um dos cônjuges, entre outros, os bens que estes levam para o casamento, os que lhe advierem por sucessão ou doação e os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior (artº 1722 nº 1 a) a c) do Código Civil).
Mas constituem bens próprios de cada um dos cônjuges também os adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se como frutos destes, sem prejuízo, todavia da compensação devida ao património comum (artº 1728 nº 1 do Código Civil). Estes últimos bens são próprios, por virtude da sua ligação, material ou jurídica com outros bens próprios do cônjuge, pelo que aquisição, por este cônjuge, não resulta de um direito anterior – mas de um direito, que posteriormente lhe é atribuído, com base na relação de conexão existente entre os novos bens e os bens de que ele já era titular. Uma tal relação de conexão entre os bens próprios originários e os bens adquiridos ex-vi legis, tem este resultado: a integração dos últimos no património próprio do cônjuge que, sob certo aspecto, pode considerar-se como uma expansão do direito de propriedade exclusiva desse cônjuge – neste sentido ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª edição, Coimbra Editora, 1992, pág. 433.
Este enunciado seria suficiente para mostrar o desacerto deste recurso. Mas a conclusão da falta de acerto do recurso continua exacta - mesmo que se entenda que o caso deve ser enquadrado à luz da figura da acessão.
De facto, um primeiro núcleo de bens que, por força da titularidade de bens próprios, a lei considera também bens próprios, é o proveniente de acessões – expressão, que neste contexto, compreende as várias modalidades que a acessão pode revestir (artº 1728 nº 2 a) do Código Civil). Mas se essa aquisição por um dos cônjuges dos bens resultantes tiver sido feita à custa do património conjugal ou se a acessão obrigar a indemnizar e a indemnização for paga à custa de bens comuns, o cônjuge beneficiado terá de compensar, adequadamente, o património conjugal comum.
Quer dizer: mesmo que a construção, por ambos os cônjuges, de um prédio urbano em prédio de um só deles, se deva qualificar como acessão – como parece entender, de certo modo, o recorrente - aquele prédio nunca adquiriria a qualidade de bem comum, dado que, por força de regra específica do regime de bens sobre que foi contraído o casamento de autora e réu o bem resultante da acessão reverteria sempre para o cônjuge proprietário do bem em que registou a intervenção – sem prejuízo, em qualquer caso, da compensação devida por esse cônjuge ao património comum ou ao outro cônjuge. E só esta compensação – e não o imóvel - é que deve figurar no inventário/partilha para ser conferida como dívida do cônjuge proprietário ao património comum - se a construção do imóvel tiver sido feita por ambos os cônjuges, portanto, à custa do de bens comuns, nos termos defendidos pelo recorrente (artº 1689 nº 1 do Código Civil).
Aliás, pode ainda dizer-se que a aquisição por acessão a favor do património comum do casal sempre ofenderia o princípio da imutabilidade do regime de bens (art. 1714º/1), em caso como este que não é exceptuado por lei, pois o caso não cabe nas excepções previstas nos nºs 2 e 3 desse artigo 1714º ou no artigo 1715º ou em qualquer outro. E ofenderia porque o terreno pertence ao património próprio da autora, mas por virtude da suposta acessão transitaria para o património comum, desfalcando aquele.
“A jurisprudência em geral tem negado ou afastado a figura da acessão quando se verifica uma incorporação por ambos os cônjuges, casados em comunhão de adquiridos, em terreno só de um.
Isto, segundo se argumenta, por o cônjuge incorporador, não titular do terreno, ter uma ligação jurídica com este, em virtude de ser casado com o proprietário do terreno e também porque a casa assim construída até pode ser a morada da família.
No entanto, a ligação relevante para excluir a acessão, tem de assentar numa relação directa com a coisa, por exemplo, usufruto, comodato, locação, etc.” - Cf. Acórdão da Rel. do Porto de 9-1-2006, 0556400, www.dgsi.pt.
Tem-se, assim, vindo a defender, na sequência da lição de P. Lima e A. Varela, que só pode haver acessão quando as obras são feitas por quem não tinha uma relação jurídica com a coisa beneficiada, sendo aplicável o regime das benfeitorias quando tal relação exista. Cf. P. Lima e A. Varela no CC Anotado, III, em anotação ao artigo 1340º; acórdãos da Relação de Coimbra de 30.3.82 (CJ 1982-t.2), 31.10.89 (CJ 1982-t.4) e 24.11.98 (CJ 1982-t.5) e do S.T.J. de 31.5.83 (BMJ 327º), 8.2.96 (CJ/STJ 1996- t.1), 25.3.96 (CJ/STJ 1996- t.1) e 25.5.99 (BMJ 487º).
“Como vem decidindo este Supremo (cf. acórdão de 8.6.93 na CJ/STJ ano I, tomo 2, p. 146), para que ocorra o fenómeno da acessão industrial imobiliária no quadro da situação típica prevista no artigo 1340º, é necessária a exclusividade da actuação do terceiro, autor da obra, estando excluída no caso de comparticipação do proprietário do terreno, ou da pessoa relacionada juridicamente com o terreno”. Cf. Acórdão do STJ de 8.2.1996, na CJ/STJ de 1996, tomo 1, pág. 80 e ss.
Consequentemente, não se pode concluir que o casal tenha adquirido a propriedade do prédio por acessão e que, por essa via, o prédio seja bem comum.
Não se pode legitimamente afirmar que o terreno era alheio ao casal, pois que o dono do terreno era membro do casal e ele foi co-autor da incorporação.
Logo, independentemente da equação dos valores económicos, o casal não pode ter adquirido o prédio urbano em causa, por acessão.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 8/06/2010, “A conclusão de uma casa já na pendência do matrimónio, em regime de comunhão de adquiridos, casa essa que começara a ser construída por um dos cônjuges, em terreno só seu, antes do casamento, parece à primeira vista configurar uma acessão que tornaria essa casa património comum, mas, para tanto, falta pelo menos o carácter alheio dos bens incorporados na obra de conclusão da casa, uma vez que depois do casamento esses bens eram comuns”. Cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 8/06/2010, Processo nº 737/07.4TBCSC-D. L1-1, in www.dgsi.pt.
De tudo exposto, incontroverso resulta que na situação vertente, sendo a Autora proprietária do prédio rústico, afastada está a aplicação da acessão industrial imobiliária, uma vez que as obras não foram implantadas em terreno alheio” - neste sentido acórdão desta Relação de 12/03/2015 supracitado.
Concluímos assim que mesmo considerando a hipótese apontada pelo recorrente, ou seja, apurando-se que o prédio urbano foi construído por ambos os cônjuges, em terreno da propriedade só de um deles, o prédio não se integra no património conjugal comum solução que é irrecusavelmente imposta, pelo regime de bens sob que, no caso, se considera celebrado o casamento da autora e réu.
Estas considerações são suficientes para concluirmos que bem andou o Sr. Juiz em proferir saneador sentença com base na admissão por ambas as partes de que o prédio urbano foi construído na decorrência do matrimónio, mas em prédio rústico pertença da autora que o adquiriu por doação e cuja propriedade se encontra registada em seu nome, reconhecendo desta forma que o prédio é propriedade da autora.
A salientar ainda que como bem sabe o recorrente o arresto que cita proveniente do Supremo Tribunal de Justiça não retrata uma situação igual ou semelhante à que estamos a apreciar neste processo sendo completamente descabida a referência ao mesmo.
Também limitando-se o réu na sua defesa a uma impugnação genérica dos factos alegados pela autora não pode pretender em sede de recurso vir alegar factos que a provarem-se lhe permitiriam na sua versão adquirir o imóvel em apreço em compropriedade ou por usucapião. A fase das alegações dos factos já ficou ultrapassada, sendo a invocada aquisição do imóvel por parte da réu questão nova. Tenha-se presente que o nosso sistema de recursos se caracteriza por uma lógica de reponderação e de reexame de decisões proferidas por uma instância precedente, pressupondo, portanto, a existência de decisões sobre a matéria cuja apreciação é pretendida no recurso.
Assim, descontada a apreciação de questões que se prefigurem como de conhecimento oficioso (pois vale aqui, na fase de recurso, também, o disposto no trecho final do nº 2 do artigo 608º do CPC), não constituem objecto legítimo de um recurso questões que, tendo sido introduzidas por quem recorre apenas na respectiva motivação recursória, poderiam ter sido abordadas na instância precedente por suscitação das partes, só não o tendo sido, pela circunstância da parte interessada nessa questão, ter omitido, na conformação dada à lide e na condução desta, essa suscitação, isto não obstante ter (essa parte) disposto de oportunidade para esse efeito e de se tratar de uma questão “latente” – chamemos-lhe assim – em função do objecto temático da acção.
Nestes casos (em que a motivação recursória pretende introduzir questões novas, na acepção aqui indicada) o recurso reduz-se no seu objecto temático às questões efectivamente suscitadas perante o Tribunal a quo e por este resolvidas e, paralelamente, a não apreciação dessas questões (novas) na decisão impugnada, não consubstancia o desvalor previsto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, não traduzindo – como aqui não traduz, desde já se adianta – qualquer nulidade correspondente a algo aparentado a uma omissão de pronúncia.
Descabida e confusa é também a pretensão de que o processo prossiga para fazer prova sob os factos alegados pela autora para depois pedir que as respostas aos mesmos devam ser negativas. Como bem devia saber o recorrente pois encontra-se devidamente representado pelo Sr. Mandatário a resposta negativa a tal factualidade não significa a prova do contrário. Depois não provando a autora a factualidade que alega cujo ónus à mesma incumbe (artº 342º do C- Civil) e não ao recorrente (como o mesmo refere) restaria a factualidade que na decisão recorrida se considerou provada a qual devidamente interpretada como o foi resultava na decisão em apreço.
Igualmente sem sentido o pedido do réu de não verificação da excepção do caso julgado, procedência esta que indeferiu o pedido formulado pela autora de extinção do direito de habitação do réu e que assim lhe foi favorável.
Nos termos expostos, podemos concluir que não se encontra verificada na decisão recorrida as apontadas violações de normas legais.
Destarte, e pelos fundamentos expostos a decisão recorrida não é passível de qualquer censura, devendo, por consequência, ser mantida, nos seus precisos termos.
Improcede, assim, a presente apelação, com custas pelo recorrente que ficou vencido na (s) sua pretensão (ões) (artº 527º nº1 e 2 do CPC).
Síntese conclusiva: Artigo 663, nº 7, do C.P.C.
●. No regime de comunhão de adquiridos a casa construída no terreno próprio da autora, na pendência do casamento mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.
●. No regime de bens de comunhão de adquiridos considera-se bem próprio do cônjuge, por força da titularidade de bens próprios, o proveniente de acessões, sem prejuízo da compensação, devida pelo cônjuge proprietário, ao património conjugal comum ou ao outro cônjuge, conforme o caso.
●. As custas do recurso serão satisfeitas pela parte que nele sucumbe: o recorrente (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).
III.DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ªSecção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo réu António Carlos Gonçalves Escaleira e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Guimarães, 26 de Janeiro de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
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(Maria Purificação Carvalho)
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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
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(José Cravo)