ALTA CLÍNICA
COMUNICAÇÃO
PENSÃO POR INCAPACIDADE
JUROS DE MORA
Sumário

I - No âmbito dos acidentes de trabalho, a comunicação da alta clínica é a um ato formal que só é válido se observar os requisitos estabelecidos por lei.
II - Sem a prática desse ato de modo válido não se inicia o prazo de caducidade do direito de ação de que é titular o sinistrado.
III - O art. 135.º do C.P.T. consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
IV - Os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efetiva entrega pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.

Texto Integral

Recurso de Apelação: nº 941/08.7TTGMR.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
1 – B…, residente na Rua …, nº …, em …, …, Brasil, instaurou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A., com sede no …, nº .., em Lisboa, e D…, com sede na …, …, alegando, em breve resumo, que no dia 01/09/2004, quando trabalhava ao serviço deste clube, como jogador profissional de futebol, e disputava um lance com um colega, sofreu um violento trauma no joelho direito que lhe provocou lesões e sequelas que o incapacitaram, num primeiro momento, de modo temporário, mas, depois, permanentemente, para o exercício daquela sua atividade profissional.
À data, auferia € 85.000 anuais ao serviço da sua empregadora, a qual por sua vez, tinha transferido para a primeira Ré a sua responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho consigo ocorridos.
Sucede que as RR. nem o trataram convenientemente, nem lhe comunicaram oportunamente a sua situação clínica, o que o levou a custear o referido tratamento, apesar de manter ainda algumas das sequelas originadas pelo referido acidente.
Pretende, pois, que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe o seguinte:
A) A primeira Ré:
a) Uma indemnização referente à sua incapacidade temporária para o trabalho desde o 31º dia subsequente à data do sinistro até ao 18º mês seguinte, atualizada, que à data computa em, € 77.349,64.
b) Uma pensão anual e vitalícia de pelo menos € 50.400, por incapacidade parcial para o trabalho que lhe vier a ser atribuída e que deve ser considerada permanente e absoluta para o exercício para a profissão habitual de futebolista, a partir do fim do 18º mês seguinte à data do sinistro (01/03/2006).
c) Um subsídio por elevada incapacidade permanente a arbitrar, decorrente da IPP a atribuir;
d) Uma indemnização a arbitrar por danos não patrimoniais, decorrente do dano psicológico que se vier a determinar em função do exame pericial de foro psiquiátrico e psicológico como consequência direta das lesões sofridas em virtude do acidente descrito;
e) O pagamento de todos os tratamentos médicos, medicamentosos e de fisioterapia necessários à sua recuperação física e psicológica, que à data são ainda insuscetíveis de quantificação;
f) A quantia de € 981,229, relativa a transportes;
g) Outras quantias referentes a despesas médicas e medicamentosas por si realizadas e a realizar, a quantificar;
h) Os respetivos juros.
B) O segundo R.:
A quantia de € 4.958,35, a título de indemnização referente à incapacidade temporária para o trabalho desde a data do sinistro até ao 30º dia seguinte.

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2 - Contestou a Ré seguradora, refutando esta pretensão, desde logo por entender que o direito de ação exercido pelo A. nestes autos se encontra extinto por caducidade. Isto, por ter passado mais de um ano após a data em que lhe foi dada alta clínica, ou seja, o dia 08/06/2005.
Mas mesmo que assim não se entenda, defende que ao A. foi prestada toda a assistência clínica de que o mesmo carecia, não podendo estabelecer-se qualquer nexo entre as sequelas de que o mesmo se queixa atualmente e o acidente pelo mesmo referido.
Pede, assim, a procedência da arguida exceção de caducidade ou, subsidiariamente, a improcedência desta ação por não estarem demonstrados os pressupostos de facto em que o A. baseia a sua pretensão.
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3 - Verificada a regularidade da instância e selecionada a matéria de facto assente e controvertida, realizou-se a audiência de julgamento, que culminou com a leitura das respostas aos quesitos, sem qualquer reclamação.
4 - Foi, então, proferida sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade arguida pela Ré seguradora e condenadas ambas as RR. a pagarem ao A. o seguinte:
A) A Ré empregadora, uma indemnização no valor de € 4.958,35;
B) A Ré seguradora, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 2.975, com início no dia 07/06/2005 “e os juros de mora, à taxa legal, sobre essa quantia pecuniária”.
5 - É contra o assim decidido que recorre a Ré seguradora, terminando as suas alegações do modo seguinte:
a)“A decisão do Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto deve ser alterada no que se refere ao quesito 3º, em que deveria ter sido dado como provado que, através do Dr. E… as RR. comunicaram ao A. a data da sua alta e que se encontrava curado sem desvalorização.
b)Da mesma maneira, na resposta ao quesito 4º (conjunta com a do 2º) foi dado como Provado apenas que o médico responsável pelo departamento médico da empregadora (Dr. E…) assinou o documento de fls. 91 cujo teor se dá por reproduzido, quando tal quesito deveria ter recebido a resposta de Provado.
c)O quesito 6º deve ser dado como Provado na medida em que se refira à efetiva comunicação ao A., em junho de 2005, da sua alta médica, por se encontrar curado e totalmente apto para o seu trabalho, alta que lhe foi dada pelo médico assistente.
d)O concreto meio de prova que justifica estas alterações da decisão quanto a estes pontos da matéria de facto é o depoimento prestado pela testemunha Dr. E…, médico, responsável pelo departamento clínico do D… cujas declarações se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, sob duas referências: a primeira, do minuto 00:00:01 ao 00:04:06, que nada tem de interesse. A segunda, registada do minuto 00.00.01 ao 00:25:04 em que todo este segundo excerto releva na parte que vai do minuto 00;00;01 ao 11:00:00 assim como do minuto 23:19 até final.
e)Este meio de prova – depoimento de testemunha que é o médico que assistiu o sinistrado – é de resto o único que se coaduna com o teor do documento de fls. 91 – Boletim de Alta do Autor.
f)Assim sendo, como é, com as requeridas alterações da decisão quanto à matéria de facto não pode manter-se a douta decisão em crise, devendo ser julgada procedente por provada a arguida exceção da caducidade.
g)Sem prescindir, o certo é que se apurou que o A. só voltou a treinar e a jogar depois do médico assistente o ter dado como apto para o efeito, em junho de 2005.
h)Resulta ainda dos autos que apenas em 2008 o A. deu entrada em juízo à participação do presente acidente de trabalho.
i)Entende-se, porém, que não obstante não se ter conseguido provar que foi entregue ao A. o Boletim de Alta, tal não obsta à caducidade do seu direito de ação.
j)É que, contrariamente ao Doutamente decidido, na esteira, de resto, da Jurisprudência que se conhece sobre o tema, do artigo 32º LAT não decorre que o prazo de caducidade do direito de ação só começa a correr depois da efetiva entrega ao sinistrado do boletim de alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe fora conferida a alta.
k)A letra da lei ao dizer no Art. 32º da Lei 100/97 -“alta formalmente comunicada…“ não significa efetiva entrega ao sinistrado de um documento – o boletim de alta.
l)Com tal interpretação da lei está o intérprete a fazer exigências – que seja entregue o boletim de alta – que o legislador não fez para que se iniciasse o prazo de caducidade.
m)Se o legislador quisesse fazer semelhante equivalência teria dito expressamente no artigo 32º da Lei 100/97 que “o direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da entrega do boletim de alta ao sinistrado”.
n)Não o tendo feito o legislador, é ilícito que o faça o intérprete, pois que tal leitura ou interpretação não tem o mínimo de correspondência verbal na letra da lei, sendo por isso ilegal – cfr. nº 2 do artº 10º CCiv.
o)Ainda que tal interpretação tivesse alguma correspondência, ainda que imperfeita, no texto legal, a verdade é que desconsidera em absoluto o pensamento legislativo e, sobretudo, as condições específicas em que é aplicada., pelo que sempre seria proibida, nos termos do nº 1 do referido artigo 10º CCiv.
p) É que os futebolistas profissionais, como o Apelado, são uma estirpe muito especial de trabalhadores que constituem o principal ativo financeiro das suas entidades patronais.
q)Daí que, protegendo os seus ativos, os cubes de futebol disponham, como aconteceu no caso dos autos com o A. de gabinetes médicos próprios, os quais integrando especialistas em ortopedia e em medicina desportiva lhes conferem as maiores garantias de que os seus atletas recuperam o melhor possível das inevitáveis lesões que os afetam.
r)No caso dos autos, sem prejuízo da assistência e intervenção cirúrgica prestados por terceiros o A. sempre foi seguido e tratado pelo Dr. E…, médico do D….
s)Está apurado nos autos que no mês de junho de 2005 tal médico do D… comunicou ao A. que o considerava apto para treinar e para jogar.
t)O que o A. apenas fez depois de lhe ser comunicado que estava curado, apto para o efeito.
u)Em suma, o A. sabia que apenas voltou a treinar e a jogar porque o médico do clube o considerou apto para o efeito, ou seja, quando lhe deu alta.
v)Dado que só volvidos mais de 3 anos sobre junho de 2005, altura em que lhe foi comunicada a sua alta, é que o A. participou o presente acidente ao Tribunal do Trabalho, é evidente que quando o fez estava de todo o modo caduco o seu direito de ação.
w)Deve tal exceção perentória ser declarada procedente por provada com a consequente absolvição da R. do pedido.
x)É injusta e ilegal, porque contra legem a condenação em juros quanto ao capital de remição.
y)Os juros de mora em casos como o dos autos em que existe o direito a uma pensão anual e vitalícia mas que é obrigatoriamente remível devem contar-se, relativamente a cada mês de pensão, desde a data do seu vencimento até à data em que se efetua o pagamento do capital de remição –isto, naturalmente, assumindo que este vai ser pago atempadamente, na data designada para o efeito.
z)A pensão anual e vitalícia foi-se vencendo todos os meses, desde o dia seguinte ao da alta, tal como decorre do artº 17º nº 4 da LAT.
aa)O capital de remição apenas se vence no momento que, para sua entrega, vier a ser designado – cfr. artºs 149º, 150º e nº 3 e 4 do artº 148º do C.P. Trabalho.
bb)Solução que não só não é afastada como é confirmada pelo artº 805º nº 2 al. a) Cód. Civil – os juros de mora devem ser calculados sobre cada um dos momentos em que, mensalmente, se venceu a pensão, e apenas até à data em que for pago o capital da sua remição pois que apenas tais obrigações tinham prazo certo (artº 17º nº 4 LAT) e se venceram.
cc)O próprio artº 135º CPTrabalho confirma tal solução, pois que o seu texto refere expressamente que “Na sentença final o juiz ….. e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
dd)Ora, o pagamento do capital de remição das pensões anuais arbitradas ao sinistrado não estava nem está ainda hoje em atraso.
ee)A decisão em crise, ao entender de outro modo violou o estatuído nos artºs 135º CPTrab, 17º nº 4 e 5 da Lei 100/97, 56º do DL 143/99 e 9º, 804º e 805º CCiv. pelo que deve ser substituída por outra que declare que sobre o capital de remição não incidem quaisquer juros”.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
6 - Respondeu o A., concluindo do modo seguinte:
a) Toda a matéria de facto foi corretamente decidida, bem com certíssima foi aplicação legal, pelo que a decisão recorrida deve ser integralmente mantida.
b) Ao sinistrado nunca foi comunicada alta médica, nem formal, nem informalmente.
c) Foi confessado a não entrega ao sinistrado do boletim de alta médica (mormente depoimento do próprio médico).
d) Na data que consta do boletim de alta provou-se quer documentalmente, quer pela generalidade das testemunhas, que o sinistrado já não estava em Portugal, uma vez que em tal período gozava férias no Brasil.
e) Depois do fim do campeonato nacional de futebol da 1ª divisão de 2004/2005 está demonstrado que o sinistrado jamais voltou ao trabalho: para além de incapacitado, os futebolistas estavam de férias e não havia atividade no Clube.
f) A documentação enviada pela F… (ofício entrado em juízo a 21.02.11) demonstra quando foi a última atuação do sinistrado (23.04.05) e quando terminou o campeonato.
g) Encontra-se provado que não foi comunicada nem sequer oralmente qualquer alta médica.
h) Encontra-se provado que, pelo menos, até depois da viagem de regresso do sinistrado ao Brasil se encontrava de ITP a 50%.
i) Depois da data de alta inscrita no respetivo boletim (não entregue, nem comunicado ao sinistrado), o A. não voltou a jogar ou a treinar, sendo submetido a tratamentos, atento ao estado do seu joelho.
j) A atribuição da alta médica é um ato formal que obedece a determinados requisitos fixados legalmente, precisamente para a defesa da certeza jurídica e dos mais elementares direitos do sinistrado que tem de conhecer o seu estado clínico e saber a partir de quando pode fazer valer os seus direitos perante os responsáveis pelo sinistro.
k) A alta clínica tem de ser formalmente comunicada ao sinistrado, isto é, obriga a que tem de ser comunicada ao sinistrado uma ordem médica materializada num boletim de alta assinado pelo médico, em que sucintamente descreve as razões da alta e em que expressamente se informa se o sinistrado ficou a padecer de incapacidade ou não, e em caso afirmativo qual.
l) Não basta uma comunicação verbal, sem entrega de boletim de alta para que se considere cumprido o requisito de comunicação da alta médica para efeitos processuais laborais.
m) Não foi alegado, e muito menos provado, que foram transmitidos ao sinistrado os elementos obrigatórios a transmitir no boletim da alta médica.
n) Proferida a sentença, a entidade patronal imediatamente com ela se conformou e logo pagou o montante na parte em que foi condenada, conforme é visível dos documentos ora juntos, e que se encontram também nos autos.
o) Ainda que a alta médica houvesse sido comunicada ao sinistrado (que não foi), e dado que a recorrente Seguradora confessa não ter participado o acidente ao Tribunal por ter considerado o sinistrado curado sem incapacidade, haveria, quanto muito, erro na forma de processo, por força do preceituado no artº 145º, n.º 7 do CPT, e nunca caducidade do direito de ação, uma vez que o prazo de propositura passa a ser de dez anos a contar da notificação formal do boletim de alta médica, sempre se aproveitando todos os atos passíveis de serem aproveitados.
p) Não se verificou qualquer exceção da caducidade do direito de ação.
q) O art.º 32º da Lei 100/97 deve ser interpretado no estrito sentido de que o boletim de alta tem de ser corretamente preenchido e entregue ao sinistrado, não bastando uma conversa entre médico e sinistrado para que tal requisito se cumpra, e que para que o prazo de caducidade do direito de ação se inicie.
r) A falta de entrega do boletim de alta ao sinistrado equivale à falta de atribuição de alta médica.
s) O prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art.º 32º da Lei 100/97, de 13 de setembro só se inicia com a comunicação formal da data da alta clínica ao sinistrado.
t) O artº 32º do DL. 143/99, de 30 de abril, que regulamenta a Lei 100/97, estipula os termos e dizeres que o boletim de alta deve ostentar, o número em que deve ser feito, a imperatividade da sua entrega ao sinistrado.
u) O art.º 63.º do Dl. 143/99, de 30 de abril, comina com a falta de atribuição de alta o desrespeito dos seus formalismos.
v) A especificidade do futebol apenas existe na estrita medida em que diplomas próprios e as cláusulas contratuais das apólices o determinem, valendo quanto ao mais, e no caso dos acidentes de trabalho, o regime geral.
w) Se o médico do D… não atribui alta médica, se os clubes de futebol o não fazem, estão a violar a lei e os mais elementares direitos do trabalhador sinistrado; violam ainda regras contratuais entre clube e seguradora, o que, a provar-se, determina responsabilidade contratual perante ela, que usará, querendo, dos meios de ressarcimento.
x) Não pode evidentemente ser o trabalhador a suportar a falta da comunicação da alta médica.
y) A recorrente usa de duas medidas, uma para si – menos exigente -e outra para o sinistrado. Para si, exige que as comunicações do D… para consigo se façam por escrito; para o sinistrado, e quanto à comunicação do, eventualmente, ato mais importante no processo infortunístico – o da comunicação ao sinistrado da alta médica com todas as consequências daí decorrentes – a recorrente diz bastar uma mera comunicação oral.
z) O legislador impôs a comunicação formal com entrega do boletim de alta precisamente porque ciente dos importantes efeitos que com a mesma nascem e da necessidade de não se levantarem dúvidas de que ao sinistrado foi dado a conhecer a sua cura ou as sequelas com que ficou.
aa) A unanimidade das decisões jurisprudências preconizam, como nós, que o prazo de caducidade do direito de ação para efetivação das prestações emergentes de acidente de trabalho só começa a correr a partir da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado, ou seja, a partir da entrega ao sinistrado do boletim de alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe foi conferida alta.
bb) O médico assistente deve formalmente dar a conhecer ao sinistrado, através de boletim em duplicado, a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões, o que a não ser observado acarreta a falta de alta médica.
cc) A exigência da comunicação formal é um requisito ad substantiam.
dd) O Tribunal a quo aplicou corretamente o direito ao condenar a recorrente em juros sobre o capital de remição desde a data da alta médica até ao efetivo e integral pagamento.
ee) No caso em apreço trata-se de pensão anual é obrigatória remida.
ff) As indemnizações por IPP vencem-se no dia seguinte ao da alta, dia a partir do qual os juros terão de ser cálculos.
gg) Trata de uma pensão que logo que fixada é automaticamente feito o seu cálculo, retroagindo-se o seu vencimento ao dia seguinte ao da alta (art.º 17º, no 4º da LAT).
hh) A prestação que é devida ao sinistrado – e que a responsável foi condenada a pagar – é o capital de remição duma pensão, e não a própria pensão, conforme o artº 17º da LAT, que em nenhures prevê que na incapacidade permanente e parcial inferior a 30% a responsável é condenada a pagar uma pensão até ao momento em que, com base nela, se calcule um capital de remição, momento a partir do qual (ou talvez a partir da data designada para a entrega do capital de remição) a condenação se converte numa condenação a pagar o capital.
ii) O artº 135º do Código de Processo do Trabalho, atual artº 135º, “é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora.
jj) Tem caráter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor, bastando que se verifique o mero atraso no pagamento, parecendo tratar-se de uma mora objetiva.
kk) Tendo a recorrente sido condenada a pagar o capital de remição, deve sobre ele pagar juros, desde a liquidação retrotraída ao dia seguinte ao da alta, por força do artigo 17 nº 4 da Lei 100/97, até à sua entrega”.
ll) A recorrente age em abuso de direito, uma vez que não cumpriu o dever de comunicar ao trabalhador a alta médica, nem tão pouco ao Tribunal o acidente de trabalho, contribui decisivamente para que a sua condenação se desse muito tempo depois, lapso no qual usufrui das respetivas verbas em seu benefício, e em prejuízo do sinistrado, pretendendo não compensá-lo dos juros desde o dia seguinte à alta”.
Termina pedindo que seja mantida a sentença recorrida.
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7 - Já neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se também no sentido da manutenção da sentença recorrida.
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8 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - ÂMBITO DO RECURSO
Ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do C. P. Civil, “ex vi” do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, al. a), e 87.º do C. P. Trabalho).
E, assim, as questões a decidir nestes autos são as seguintes:
1 - Em primeiro lugar, saber se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto, por parte do tribunal recorrido.
2 - Em segundo lugar, determinar se caducou o direito de ação exercitado pelo A. nestes autos.
3 - E, por fim, decidir se a Ré seguradora deve ser condenada no pagamento de juros de mora sobre o capital de remição atribuído ao A. e, na afirmativa, desde que data.
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III - É a seguinte a factualidade que foi julgada provada pelo tribunal recorrido:
1- O A, B…, e a 2ª Ré, D… celebraram, no dia 6/5/2004, um contrato de trabalho desportivo como jogador profissional de futebol, que vigorou desde 1/7/2004 a 30/6/2005, nos termos constantes do documento de fls. 154 a 157 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- O A. auferia da 2ª Ré a retribuição anual de € 85.000.
3- No dia 1/9/2004, pelas 16h30m, no relvado do …, em …, o A. intervinha num treino de futebol ao serviço da 2ª ré, quando, na disputa de um lance com um colega de profissão, sofreu um choque no seu joelho direito.
4- Em consequência do sucedido, o A. sofreu traumatismo, derramamento articular, lesão do menisco, dor e impotência funcional nesse joelho.
5- Em consequência dessas lesões, o A. foi sujeito a uma intervenção cirúrgica (artroscopia com lavagem) a esse joelho, em 10/9/2004.
6- Em consequência dessas lesões, o A. esteve com incapacidade temporária:
- absoluta entre 2/9/2004 e 23/2/2005;
- parcial de 50% entre 24/2/2005 e 8/6/2005.
7- O A. recebeu da 2ª Ré, através dos seus serviços clínicos, cuidados médicos.
8- No dia do sinistro, a 2ª Ré participou à 1ª Ré (à data, tinha a denominação “G…” e agora “Companhia de Seguros C…, S.A.”) o descrito sinistro.
9- As Rés haviam celebrado entre si um contrato de seguros de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº ……., através do qual aquela transferira para esta a responsabilidade pela reparação de, eventuais, acidentes de trabalho, a partir do 31º dia seguinte ao mesmo, relativamente ao A., à data e à retribuição aludidas em A a C (atuais itens 1 a 3) – cfr. os documentos de fls. 92 a 110 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10- Apesar do descrito em G (atual item 7), a 1ª Ré nunca chamou o A. para aferir o seu estado clínico.
11- A 1ª Ré pagou ao A. a quantia total de € 32.642,34 a título de indemnização relativa ao período de incapacidade temporária de 2/10/2004 a 8/6/2005 (a seguir aos 30 dias de franquia a cargo da 2ª Ré).
12- No âmbito deste processo (iniciado a 27/9/2008), o A. foi submetido, no dia 27/1/2009, a exame no Gabinete Médico-Legal de Guimarães, segundo o qual, apresentava como sequelas no membro inferior direito: cicatrizes cirúrgica planas normocrómicas de dois centímetros uma na face interna outra na face externa do joelho, edema peri articular ligeiro e hipotrofia muscular de dois centímetros (50/52) – cfr. o teor de fls. 120 a 124 aqui dado por reproduzido.
13- A fase conciliatória deste processo findou, sem êxito, nos termos e pelas razões constantes do auto de fls. 137-139 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.
14- Em virtude das lesões sofridas e após o dia 6/6/2005, o A. ficou com sequelas às quais corresponde uma incapacidade permanente parcial de 5%.
15- O médico responsável pelo departamento médico da empregadora (Dr. E…) assinou o documento de fl. 91 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16- Foi fixada ao sinistrado:
- uma incapacidade para o trabalho temporária absoluta desde 1/9/2004 a 23/2/2005;
- uma incapacidade para o trabalho temporária parcial de 50% desde 24/2/2005 a 6/6/2005 – data da alta;
- e, a partir desta última data, uma incapacidade para o trabalho permanente parcial de 5%.
17- O autor nasceu no dia 18/3/1971 – cfr. fls. 212 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1- Do alegado erro de julgamento:
Este pretenso erro manifestar-se-ia nas respostas do tribunal recorrido aos quesitos 3º, 4º e 6º.
Concretamente, na perspetiva da Recorrente, o quesito 3º deveria ter recebido a resposta de que se encontra “provado que, através do Dr. E… as RR. comunicaram ao A. a data da sua alta e que se encontrava curado sem desvalorização” e os quesitos 4º e 6º deveriam ter sido julgados provados sem qualquer restrição.
Recordemos, então, para melhor compreensão, o teor da Base Instrutória, que é constituída apenas por seis quesitos, e, em seguida, as respostas que aos mesmos foi dada pelo tribunal recorrido.
Assim, a Base Instrutória tinha o seguinte teor:
“1º
Em virtude destas lesões sofridas, o autor continuou incapacitado para o trabalho após o dia 8/6/2005?
Neste dia, as rés cessaram, sem justificação, os tratamentos médicos ao autor?
As rés tão pouco comunicaram ao autor a data da alta clínica e respetiva desvalorização?
(ou) No dia 8/6/2005, o médico assistente (Dr. E…) que lhe fora designado pela seguradora e que colaborava com a empregadora, deu alta ao autor, lavrando o respetivo boletim (de alta sem qualquer desvalorização)?
Nesse mesmo dia, foi entregue ao autor em[1] exemplar desse boletim de exame e alta?
E em virtude disso, o autor retomou o seu trabalho?

A estes quesitos o tribunal recorrido respondeu do modo seguinte:
“1º e 6º - Provado apenas que, em virtude das lesões sofridas e após o dia 6/6/2005, o autor ficou com sequelas às quais corresponde uma incapacidade permanente parcial de 5%.
2º e 4º - Provado apenas que o médico responsável pelo departamento médico da empregadora (Dr. E…) assinou o documento de fl. 91 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3º e 5º - Não provados”.
Já vimos que a Recorrente diverge destas respostas, no que tange aos quesitos 3º, 4º e 6º. Propõe uma outra resposta ao quesito 3º e a resposta inversa da que foi dada aos quesitos 4º e 6º.
Pois bem, quanto à resposta sugerida para o quesito 3º, é manifesto que a mesma não pode ser acolhida. Desde logo porque tem o sentido oposto àquele que é perguntado.
Questiona-se, com efeito, nesse quesito (3º) – que se baseia na alegação do A.- se as Rés “tão pouco”, ou seja, nem sequer, comunicaram ao A. a data da sua alta clínica e desvalorização. E a resposta sugerida vai exatamente em sentido contrário; isto é, que as Rés fizeram essa comunicação. Portanto, essa afirmação não está contida dentro do sentido daquele quesito. O que não pode legalmente ocorrer.
Mas, mesmo que assim não fosse, cremos que a dita resposta não pode ser acolhida, por falta de prova que a fundamente. Tal como as demais respostas sugeridas, relacionadas com os quesitos 4º e 6º.
O que se pretendia saber nestes quesitos é se no dia 08/06/2005, o médico assistente (Dr. E…) deu alta clínica ao A., lavrando o correspondente boletim de alta, após o que aquele jogador retomou as suas funções.
Ora, a referida testemunha, no seu depoimento em juízo, não conseguiu precisar nem a data concreta em que comunicou ao A. que o mesmo já estava apto definitivamente para o trabalho, nem a data em que preencheu o boletim de alta, nem mesmo se o A. retomou, ou não, ainda nessa época desportiva, as suas funções de jogador. Aliás, referiu, logo no início do seu depoimento, que os jogadores, são integrados na equipa de futebol, ainda quando estão afetados com incapacidade parcial. O que, não sendo de estranhar, deixa em aberto a questão de saber como e quando é que os mesmos jogadores tomavam conhecimento de que tinham obtido a alta definitiva. Isto quando é certo que aquela testemunha, único médico, à data, da equipa profissional principal[2], nunca teve o hábito de entregar aos jogadores o boletim escrito de alta definitiva.
Não se ignora que a referenciada testemunha, Dr. E…, disse em julgamento que ele próprio comunicou esse facto ao jogador em causa, tal como o fazia em relação aos demais. Mas além de não ter especificado as circunstâncias concretas (de tempo, modo e lugar) em que o fazia em relação à generalidade dos jogadores, também não o conseguiu precisar relativamente ao A., o que põe em causa não só a certificação dessas circunstâncias em relação a este caso concreto, mas também a ocorrência da referida comunicação.
Bem decidiu, pois, o tribunal recorrido ao não ter dado ao depoimento da citada testemunha o relevo probatório pretendido pela Recorrente. Ou seja, compulsadas as razões enunciadas na decisão recorrida, não se vê motivo para a modificar nos pontos de facto concretos indicados pela Recorrente.
Em suma, não se deteta o apontado erro de julgamento.
Passemos ao ponto seguinte:
2 - Da alegada caducidade do direito de ação exercitado pelo A. nestes autos.
Reconhecendo embora que, neste caso concreto, não se provou a entrega ao A. qualquer boletim de alta definitiva[3], pretende a Recorrente, ainda assim, que se reconheça que ao A. foi formalmente comunicada a data da sua alta definitiva. E, portanto, tendo decorrido mais de um ano desde essa data até à participação que deu origem a esta ação, o seu direito extinguiu-se por caducidade.
Não cremos, todavia, que assim seja.
Desde logo porque não está demonstrada a comunicação da alta clínica a que a Recorrente faz referência. Nem por via do boletim de alta, nem por outra via qualquer. A matéria de facto julgada provada não retrata essa comunicação.
Por conseguinte, por este prisma, já estaria comprometida a sua tese.
Mas, sempre o estaria por outro.
Com efeito, a alta clínica a que faz referência a lei (art. 32.º da Lei n.º 100/97 de 13/09 e, atualmente, art. 179.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 04/09) é uma comunicação formal; isto é, os seus requisitos estão legalmente estabelecidos (à data, pelo art. 32.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 143/99 de 30/04 e, atualmente, pelo art. 35.º n.º 2 da Lei nº 98/2009), pelo que a ausência dos mesmos compromete a validade de tal comunicação (art. 220.º do C. Civil).
Esta é, de resto, a solução já hoje expressamente prevista no art. 175.º n.º 1 da Lei nº 98/2009.
Mas também já era a solução predominante no âmbito de vigência da Lei n.º 100/97 e do Dec.-Lei n.º 143/99, aplicáveis a este caso.
Como refere Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. pág. 152, “quando (…) o art. 32.º n.º 1 da Lei invoca a alta clínica como evento a partir do qual se conta o prazo de prescrição, deve entender-se (…) como a alta clínica devidamente notificada às partes interessadas (especialmente ao sinistrado) através da entrega de duplicado do boletim de alta. Somente a partir de então fica o sinistrado habilitado a exercitar os seus direitos se não concordar, quer com a situação de cura clínica, quer com o grau de incapacidade que lhe tenha sido atribuído”.
Como se referiu no Ac. RC de 20/10/2005, Pº 1830/05, consultável em www.dgsi.pt, “correspondendo a cura clínica à situação em que as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, (…), só pelo boletim de alta, (…), a entregar ao sinistrado, e naturalmente pela data nele aposta como sendo a da cura clínica, se poderá, válida e eficazmente, aferir o início do decurso do prazo de caducidade”.
Não tendo sido entregue (não se tendo feito prova da entrega) ao sinistrado do boletim de alta, o prazo de caducidade não chega a iniciar-se.
Assim se doutrinou, v.g., nos Acórdãos do S.T.J. de 8 de junho de 1995, publicado no BMJ 448/243 (e também na C.J./S.T.J. Ano III, Tomo II, pg. 296) e de 3 de outubro de 2000, publicado na C.J./S.T.J., Ano VIII, Tomo III, pg. 267, com fundamentação cuja bondade não vemos por que enjeitar.
Na realidade, ter-se notícia de que lhe foi dada alta clínica pelos serviços médicos da responsável Seguradora não significará – e menos necessariamente – que o sinistrado passou a ter pleno conhecimento da sua situação clínica.
Esta só pelo teor do “boletim de alta” é objetivamente conferível.
Como se escreveu no acima identificado Aresto do S.T.J. de 3.10.2000, citando Carlos Alegre, (vide ora a sua reflexão plasmada na nota ao art. 32.º da NLAT, 2.ª Edição), a declaração médica de cura clínica constitui, por força da lei, um ato formal, constante de um documento chamado boletim de alta, do qual um exemplar deve ser entregue ao sinistrado.
A cura clínica, formalmente consubstanciada no falado boletim de alta, não é algo – como judiciosamente aí se diz – “que se presuma ou de que se tome conhecimento por uma qualquer outra forma”.
É, pois, também esta orientação que temos por certa para o caso em apreço.
De modo que não tendo sido entregue ao A. o boletim de alta clínica até à data da propositura da presente ação, não se encontra extinto, por caducidade, o correspondente direito. Ou seja, é de manter, também nesta parte, a sentença recorrida.
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3 - Dos juros de mora
Admitindo embora que sobre o capital de remição se vençam juros de mora, não aceita, porém, a Recorrente que esses juros se comecem a vencer no dia seguinte ao da alta clínica. Isto porque, em síntese, dependendo a entrega do referido capital de um procedimento oficial a que é alheia, não lhe é imputável qualquer atraso nessa entrega.
Conforme o disposto no artigo 135º, do C.P.T., na sentença o juiz, além do mais, fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações em atraso.
Dúvidas não há de que estamos perante uma norma imperativa que impõe ao juiz a obrigatoriedade de condenação em juros de mora mesmo que não tenham sido pedidos.
Na verdade, estamos perante direitos indisponíveis daí que o legislador tenha criado um regime especial para a mora no âmbito dos acidentes de trabalho.
Conforme se refere no Acórdão do S.T.J. de 03/03/1999, BMJ, 485º, 216, <<(…) II – Tal regime pode considerar-se excepcional em relação às normas contidas nos arts. 804.º e 805.º do Cód. Civil, constituindo mais um caso de protecção especial aos sinistrados e que se sobrepõe ao regime de mora das obrigações estabelecidas pela lei geral. (…) IV – O nº4 da base XVI da Lei nº 2127 é bem claro no sentido de fixar os momentos em que começam a vencer-se as indemnizações e pensões, e não apenas os momentos em que esses direitos se <<constituem>> na esfera jurídica do sinistrado. É a partir desses momentos que começam a contar-se juros de mora relativos a reparações em dinheiro não cumpridas>>.
Aliás, tem sido este o entendimento desta Relação.
Conforme se escreve no Ac. RP de 04/06/2012, processo n.º 105/10.0TTVRL.P1 - <<Trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. (…) Assim, trata-se mais de reintegrar – com juros – o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento>>.
Neste sentido ver, ainda, entre outros, os Acórdãos do STJ de 14/04/1999, CJ, STJ, 1999, 2.º, 262; do STJ de 09/06/1999, BMJ, 488.º, 334 e da RL de 24/05/2006, da RP de 14/07/2008; da RP de 13/11/2008; da RC de 23/04/2009 e da RP de 18/10/2010 – disponíveis em www.dgsi.pt..
Assim, tendo em conta que a pensão por incapacidade permanente e temporária começou a vencer-se no dia seguinte ao da alta (n.º 4, do art. 17.º, da Lei n.º 100/97 de 13/09) e, sendo certo, que aquela condenação em juros é independente de a culpa no atraso do pagamento ser imputável ao devedor, bem como da interpelação deste para cumprir, os juros são devidos desde aquela data do seu vencimento, ou seja, desde 07/06/2005 e calculados sobre o respetivo capital de remição pois, a partir da mesma, o devedor incorreu em mora e este mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia (n.º 1, d), do art. 17.º da Lei nº 100/97 de 13/09).
Confirma-se, pois, na íntegra a sentença recorrida, com o esclarecimento de que os juros moratórios nela referidos, são os vencidos e vincendos, sobre o valor do capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta e até à entrega efetiva do mesmo.
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Sumário:
1- No âmbito dos acidentes de trabalho, a comunicação da alta clínica é a um ato formal que só é válido se observar os requisitos estabelecidos por lei.
2- Sem a prática desse ato de modo válido não se inicia o prazo de caducidade do direito de ação de que é titular o sinistrado.
3- O art. 135.º do C.P.T. consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
4- Os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efetiva entrega pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.
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V - DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, mantém-se a sentença recorrida com o esclarecimento de que os juros moratórios nela referidos são os vencidos e vincendos sobre o valor do capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta (07/06/2005) e até efetiva entrega do mesmo.
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Custas pela apelante.
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Porto, 2012/11/12
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
José Carlos Dinis Machado da Silva
João Diogo de Frias Rodrigues (vencido quanto aos juros conforme declaração que anexo)
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[1] Presumimos que se pretendia dizer “um”.
[2] Havia outro médico, mas não para esta equipa, segundo referiu a mesma testemunha.
[3] Conclusão i).
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Declaração de voto:
Votei vencido no que diz respeito à questão dos juros de mora, pelas razões seguintes:
Nesta temática, que tem sido objeto de controvérsia jurisprudencial, coexistem, no essencial, duas orientações:
Uma primeira – que tem sido a dominante e que fez vencimento também neste caso -, de acordo com a qual os juros de mora são sempre devidos, desde que haja atraso na entrega do capital de remição. Ou seja, desde que tenha sido excedida a data de vencimento desse capital e independentemente de culpa do devedor ou de tal pedido ter sido, ou não, formulado pelo credor (o sinistrado ou os beneficiários legais).
E uma segunda, que, além desse atraso, exige também que a falta de entrega atempada da referida prestação seja imputável ao devedor. Só nessas circunstâncias são devidos juros de mora sobre o capital de remição.
A divergência entre ambas as teses radica essencialmente na articulação entre regimes jurídicos diversos.
Enquanto a primeira defende que o artº 135º do C.P.Trabalho (quer na versão atual, quer na anterior, introduzida pelo Dec. Lei nº 480/99 de 09/11 e, já antes, o artº138º do C.P.Trabalho, aprovado pelo Dec. Lei nº 272-A/81 de 30/09), estabelece um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações, que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artºs 804º e 805º do Código Civil, a segunda das teses tem a visão oposta. Isto é, a mora só se verifica se o retardamento na entrega do capital dessas prestações for imputável ao devedor.
Em apoio da primeira das teses sempre foram invocados dois tipos de argumentos: um literal, ligado à redação das normas processuais indicadas, e outro relacionado com a natureza e função especifica das prestações em causa.
Tais prestações, com efeito, para esta tese, têm um caráter próximo das que decorrem das obrigações de alimentos, e, por isso mesmo, justificam uma proteção acrescida do credor das mesmas, ao ponto de impor o reconhecimento oficioso de juros de mora sobre todas as prestações objetivamente em atraso.
Já, ao invés, para a segunda das teses que indicámos, nem a redação atual do artº 135º do C.P.Trabalho consente semelhante diferenciação, nem a natureza das ditas prestações, só por si, a justifica.
E é esta última a orientação que seguimos.
Começando por analisar o artº 135º do C.P.Trabalho, quer na redação atual, quer na anterior, verificamos que na mesma foi introduzida uma ressalva que o artº 138º do C.P.Trabalho, aprovado pelo Dec. Lei nº 272-A/81 de 30/09, não continha.
Assim, enquanto este último preceito estipulava que o juiz na sentença “fixa os juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”, na norma primeiramente indicada (artº 135º do C.P.Trabalho) essa obrigação do juiz só é imperativa se os juros de mora “forem devidos”. Isto é, se estiverem verificados todos os pressupostos para a sua atribuição segundo o regime geral da lei civil. O que nos remete diretamente para o regime constante dos artºs 804º e 805º do C.Civil.
Ora, nesse regime a primeira norma a ter em conta é o disposto no artº 804º nº 2 do C. Civil, sendo o qual, o devedor só se considera “constituído em mora quando por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efetuada no tempo devido”.
Ou seja, exige-se não só que uma prestação esteja em falta, mas ainda que essa falta seja imputável ao devedor. Só nesse caso o retardamento do débito é ilícito e culposo e, consequentemente, só então o devedor se encontra em mora.
Note-se, todavia, que estamos a falar sempre de uma prestação certa, líquida e exigível.
“Se a prestação não é certa, porque cabendo a sua determinação ao credor ou a terceiro, estes ainda não efetuaram a escolha, não há mora do devedor, porque o retardamento no cumprimento procede de causa que não lhe é imputável.
(…)
Se a obrigação é ilíquida (por não estar apurado o montante da prestação) também a mora se não verifica, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento”[1].
Poderia, assim, ser-se tentado a defender que sendo o cálculo do capital de remição uma operação de liquidação à qual o devedor do mesmo é alheio, só depois de realizado esse cálculo pela secretaria judicial e designada pelo Ministério Público a data para a entrega de tal capital, se poderia falar em mora por parte daquele devedor (cfr. artº 148º nºs 3 e 4 e 149º do C.P.Trabalho).
Mas não é assim.
Da conjugação do disposto no artº 17º nº 5 da Lei nº 100/97 de 13/09 e artº 47º do Dec. Lei nº 143/99 de 30/04[2], resulta que a entidade responsável é obrigada a atribuir ao sinistrado uma pensão provisória, a partir do dia seguinte ao da alta, pensão essa que é calculada em função da desvalorização atribuída pelo médico assistente e da retribuição garantida, sendo os montantes pagos a tal título considerados aquando da fixação final dos direitos do sinistrado.
Ou seja, as prestações que contribuirão para a formação do capital de remição aquando da alta definitiva são devidas e líquidas antes do cálculo desse capital. E, por conseguinte, caso não sejam pagas oportunamente, ou seja, até ao terceiro dia de cada mês (artº 51º nº1 do Dec. Lei nº 143/99 de 30/04), o respetivo devedor entra em mora, incorrendo no pagamento dos correspondentes juros, nos termos previstos nos artºs 805º nº2 al. a) e 806 nºs 1 e 2 do Código Civil.
Concordamos, assim, com a orientação defendida no Ac. da RLx de 16/12/2009, Pº 904/08.2TTLRS.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, segundo o qual, “são devidos juros de mora contados à taxa legal sobre cada uma das prestações mensais devidas e calculadas nos termos dos artºs 17º n.ºs 4 e 5 da Lei 100/97 e 47º nº 2 do DL 143/99, desde o 3º dia do mês seguinte à data da alta, data em que se venceu a 1ª das prestações mensais - e até ao momento da fixação da pensão definitiva.
Quanto ao período que decorre entre a data da fixação da pensão definitiva (que, no caso concreto, constitui um capital de remição) e a data da entrega desse capital de remição, entendemos não serem devidos juros porquanto o cálculo do montante devido será a efetuar pela secretaria nos termos do artº 148º do CPT, e, enquanto esse cálculo não for efetuado e determinada a data para a entrega do capital, o devedor não se encontra em mora”.
No caso em apreço, ao sinistrado, todavia, não foi atribuída qualquer desvalorização permanente por parte do seu médico assistente, nomeado pelas Rés.
Por conseguinte, nenhuma pensão provisória lhe era devida, nos termos supra referidos, pelo que, a mora, a existir, só poderia ocorrer após a data que vier a ser designada para a entrega do capital de remição.
Confirmaria, pois, a sentença recorrida, embora com o esclarecimento de que os juros moratórios nela referidos, são apenas os vincendos desde a data que vier a ser designada para a entrega do capital de remição.
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[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol II, 5ª ed., pág. 114 e 115.
[2] Aqui aplicáveis, por serem os diplomas legais que vigoravam à data do acidente em apreço (cfr. artº 188º da Lei nº 98/2009 de 04/09.

João Diogo de Frias Rodrigues