COMPETÊNCIA DO JUIZ PRESIDENTE DOS TRIBUNAIS COLECTIVOS
Sumário


I - Não pode o Juiz, no decorrer da audiência, concretamente no início desta, declarar que na acusação não estão descritos elementos que tipificam o crime porque o arguido vem acusado, designadamente não está descrito o quadro fáctico da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente e, na sequência, declarar o tribunal singular incompetente para julgar o crime que considerou não ser o continuado mas em concurso de infracções, pois que assim altera a qualificação jurídica sem fazer preceder do imposto pelo art. 358° do Código de Processo Penal.
II - Nos termos do disposto nos art. s 105° e ss. e 108° da LOT, 322°, 323°, 348°/3/6, 365°, do Código de Processo Penal, não tem o Juiz Presidente dos Tribunais Colectivos poderes para proferir o despacho agora em recurso, por o Tribunal ser colectivo, isto é, um órgão colegial e ao apreciar da competência do Tribunal o Juiz Presidente do Tribunal Colectivo agiu fora do limites da sua jurisdição.
III - O despacho do Meritíssimo Juiz Presidente dos Tribunais Colectivos configura o que se classifica doutrinalmente como um acto a non judice porque praticado para além da jurisdição; são actos praticados pelo juiz sponte sua, com usurpação do direito de jurisdição do Tribunal Colectivo; a decisão é tomada fora do tribunal sendo inexistente tal despacho.

Texto Integral

Rec. nº. 947/03, vindo de Arganil
***
Acordam os Juizes da Secção Criminal da Relação de Coimbra:

______ O RECURSO

O presente recurso vem interposto pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO
e refere-se à decisão do Tribunal de Arganil, que declarou a incompetência do Tribunal Colectivo.
Na motivação, diz nas conclusões:
(Transcrição via scanner)
II - EM CONCLUSÃO:
1 - No despacho de pronúncia são descritas e imputadas ao arguido José Alberto Faria uma pluralidade de resoluções e de acções ilícitas e dolosas unitariamente revesti das de tipicidade criminal e puníveis nos termos do disposto no art.º. 373°., n°. 1. do Código Penal, com moldura penal de 2 anos de pena de prisão ou com pena de multa até 240 dias, sem que o Mº. Pº. houvesse usado da faculdade prevista no art.º. 16°., n°. 3, do CPP, pelo que ficou ultrapassada a questão da competência do Tribunal singular para julgamento.
2 . Não obstante haver sido ordenada a autuação como Processo Comum para intervenção do Tribunal singular e designada data para audiência de julgamento, o despacho que tal determinou não transitou em julgado no que à qualificação jurídica dos factos respeita, razão pela qual, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo criminal e do direito do arguido à preparação da defesa, não ficou a Mma. Juiz da comarca, condicionada a aceitar o enquadramento jurídico dado, naquela decisão instrutória, aos factos imputados ao arguido.
3 - O arguido, foi notificado do despacho a declarar a incompetência do Tribunal Singular para julgamento, ficando, assim, salvaguardado o seu direito de defesa.
4- A competência para julgamento, no caso, é do Tribunal Colectivo,
5- o despacho recorrido violou, por isso, o disposto nos artºs.14°., n°. 1, b}, 15°.,16°., n°.3, . a contrario, 32°., n°. 1, 311º., n°. 1,338°., n°. 1, 119°., al. e} e 4°., todos do có-digo de Processo Penal, art.º. 672°. do Código de Processo Civil, artº.. 373°., n°. 1 (por referência ao disposto no art.º. 386°., n°. 1 al. a)do Código Penal e art.º. 74°., do Despacho Normativo no. 97/83, de 22/04.
Nestes termos e pelo mais que V. Ex.as. Venerandos Juizes-Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao recurso e, consequentemente, revogando o despacho recorrido e reconhecendo a competência do Tribunal Colectivo para proceder à audiência de julgamento, far-se-á ...

___ A RESPOSTA DO ARGUIDO
Diz:
(Transcrição via scanner)
José Alberto Cardoso Faria, arguido nos presentes autos, notificado nos termos do artº. 413 do CPP, do despacho que recebeu o recurso interposto pela Senhora Procuradora-Adjunta diz:
I ° - Salvo o devido respeito, que é muito, pelos autores dos actos, quer o despacho de admissão de recurso de fIs. 416 quer o requerimento de recurso de fIs. 411 e seguintes, incorrem em erro manifesto de interpretação dos actos processuais neles em apreço.
2° - No despacho de fls. 404 a- 405 vº a Vara Mista de Coimbra considerou-se incompetente para conhecer do crime imputado ao arguido.
3°- No despacho proferido em audiência de julgamento a fls. 379 o Tribunal da Comarca de Arganil considerou-se também incompetente para conhecer do crime imputado ao arguido.
4°- Nos termos do disposto no artº. 34 do CPP quando dois ou mais tribunais se considerarem incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao arguido há conflito negativo de competência.
5° - O conflito de competência deve ser resolvido pelo tribunal de menor hierarquia com jurisdição sobre os tribunais de conflito e deve ser suscitado por qualquer interveniente processual ou mesmo pelo tribunal (artº. 35 do C.P.P.).
Em conclusão: entende o arguido que a questão em apreço deverá ser decidida processualmente como conflito negativo de competência nos termos de direito, supra citados

____ A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO
Da decisão recorrida, retira-se:
(Transcrição via scanner)
(...)
Nestes autos de processo comum, o arguido José Alberto Cardoso Faria vem acusado, em tribunal singular, pelo cometimento de um crime de corrupção passiva para acto lícito, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 273°, 1, e 386°, 1, a), do Código Penal (fls. 241) .
Requerida a instrução, foi proferido despacho de pronúncia que pronunciou o arguido pela mesma infracção (fls. 320 a 322).
Proferido o despacho a que alude o artigo 311 ° CPP, foi designado dia para a audiência de julgamento pelos factos e infracção a que alude a acusação e o despacho de pronúncia. Na abertura da audiência de julgamento, a Ex.ma juiz, apelando a que o libelo acusatório não descreve os elementos necessários à continuação criminosa, qualifica juridicamente aqueles factos e, invocando que os mesmos integram o cometimento de três crimes de corrupção passiva para acto lícito, julga-se incompetente para julgamento.
Nesta sede processual, incumbe indagar se é admissível esta alteração da qualificação jurídica dos factos e a sua remessa para julgamento em tribunal colectivo.
O nosso ordenamento jurídico processual penal tem estrutura acusatória, o que importa a clara separação entre os órgãos da acusação e do julgamento, acometendo o exercício da acção penal ao Ministério Público. Este princípio, de cariz constitucional (artigo 32°, 5, CRP), foi até reforçado com as últimas alterações introduzidas ao Código de Processo Penal. E, num processo penal de estrutura acusatória, é a acusação que
define o objecto do processo, o qual é integrado pelo factos e pela incriminação
Daqui deriva a limitação do juiz do julgamento ultrapassar o objecto que lhe é sujeito a apreciação, pelo que não pode alterar a qualificação jurídica dos factos. Se o juiz entender que essa alteração se impõe, terá de apelar ao disposto no artigo 311°, 3, e, por falta de manifesto fundamento, não receber a acusação. É que, no caso em apreço, a meritíssima juiz entende que não estão alegados os factos correspondentes à incriminação i efectuada e, nessa medida, a acusação é manifestamente improcedente, que determinaria a que o processo voltasse à fase de inquérito para ser corrigida a acusação.
Perspectivando a questão por uma outra via, não pode deixar de considerar-se que qualificar os factos constantes da acusação como constituindo vários crimes quando a acusação lhe atribui uma continuação criminosa é efectuar uma alteração substancial da acusação Nesse caso, dir-se-á que há um claro erro de subsunção dos factos ao direito, que impõe a rejeição da acusação, permitindo ao acusador a rectificação do erro. Ao ! julgador é vedado assumir a posição de acusador. O juiz tem de ser imparcial relativamente às posições assumidas pela acusação e pela defesa e, por isso, não pode nunca assumir a veste de acusador, ainda que indirectamente, provocando a acusação pelo Ministério Público ou definindo-lhe os termos. Não rejeitando a acusação, terá de designar dia para julgamento, o que foi feito na situação em apreço. Nessa fase, no decurso da produção de prova, poderá .o juiz apelar ao disposto no artigo 359° CPP. E que qualificar os factos acusados como crime continuado como constituindo vários crimes é efectuar uma alteração substancial da acusação, que o tribunal só poderá comprovar com a produção de prova. O que fica dito surge reforçado, no caso, pelo facto de a acusação ter sido sujeita à sindicância do juiz de instrução, que manteve a incriminação constante da acusação.
A estrutura do crime continuado, não obstante realizar plurimamente o mesmo tipo de crime ou vários tipos de crime que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, juridicamente é tratado como um só crime. E, sendo tratado como um caso de unidade de infracção, é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação (artigo 79° CP). Reportada esta asserção aos factos ínsitos à pronúncia, tudo se passa como se o arguido estivesse a ser julgado pelos factos que constituem a conduta mais grave, donde a sua autonomização, pelo menos quanto às duas restantes condutas, não pode deixar de ser tida como alteração substancial.
A alteração substancial dos factos descridos na pronúncia não pode, em princípio, ser tomada em conta pelo tribunal para condenação neste processo, só podendo valer como denúncia para que o Ministério Público proceda pelo novos factos. "In casu", não foi observado o formalismo do artigo 359° CPP. Contudo, mesmo havendo acordo dos sujeitos processuais quanto a esta alteração, como a mesma determinaria a incompetência do tribunal, é forçosa a sua denúncia ao Ministério Público. Quando muito, a haver acordo, poderia o juiz do processo, de competência singular, julgar a conduta mais grave que integra a continuação criminosa e, relativamente aos factos que se reconduzem às duas restantes condutas, incumbiria ao i Ministério Público, face à sua denúncia, prosseguir a correspondente acção penal (artigo 359°, 2, CPP).
I - Pelo exposto, declara-se a incompetência do tribunal colectivo para o julgamento dos factos constantes da acusação.
Em recensão dos autos verifica-se:
- A fls. 236, o Ministério Público acusou José Alberto Cardoso Faria, em processo comum e para julgamento perante Tribunal Singular, imputando-lhe a prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito, na forma consumada e continuada;
- Veio o arguido requerer a abertura da instrução (fls. 277), a qual, depois dos termos veio após debate, a resultar na pronúncia do arguido, terminando a pronúncia do arguido para responder, como ali (fls. 321 vº) se escreve, Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, pronuncio, José Alberto Cardoso Faria (...) por um crime continuado de corrupção passiva para acto lícito ...
- A fls. 327, foi proferido despacho correspondente ao fixado no art. 311º e 312º do Código de Processo Penal, recebendo a pronúncia, pelo mesmo crime fixado na pronúncia, marcando-se julgamento, para o dia 4/11/2002, sempre com intervenção do Tribunal Singular.
- No início do julgamento, fls. 377, a Meritíssima Juiza, considerando que os factos constantes da acusação tipificavam não um crime continuado mas três crimes de corrupção passiva para acto lícito, e por tal, afirma, a pena abstractamente aplicável seria, no máximo, de 5 anos, declara-se incompetente para o julgamento singular, devendo os autos serem julgados pelo Tribunal Colectivo, ordenando a remessa ao Juiz Presidente do Colectivo, para designar data.
- Apoia-se nos arts. 30º/1, 373º/1 do Código Penal, 14º/2/b), 15º, 32º/1 e 119º/e) do Código de Processo Penal.
- Chegados os autos ao Círculo profere o Juiz Presidente o despacho recorrido.

___ PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE TRIBUNAL
Expõe o Senhor Procurador Geral Adjunto:
(Transcrição via scanner)
1. Para ser julgado em Tribunal Singular {fls.321 v.), foi o arguido, José Alberto Cardoso Faria, pronunciado por factos susceptíveis de integrar um crime continuado de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. pelos artº s 30, n° 2, 373°, n.o 1 com referência 386°, n.o 1 a) e 74° aqueles do CP e este do Despacho Normativo n.o 97183, de 22.04- tis. 2301242 e 321 v.
Remetido, na oportunidade, à distribuição no Tribunal competente (fls. 325), foi aquela {pronúncia) recebida e designado dia para o julgamento – fls. 327.
Neste dia, o mesmo Tribunal, considerando que a factualidade descrita integrava, não um, mas três crimes de corrupção, em concurso efectivo de infracções, cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, declarou-se incompetente para o julgamento, enquanto em Tribunal Singular, do mesmo modo que reconheceu tal competência ao Tribunal Colectivo - fls. 377, para cujo presidente remeteu (após trânsito) os autos, a fim de serem indicadas as datas para a sua realização - 378.
2. Neste último { seu presidente) recebidos, após diversas considerações sobre a estrutura acusatória do processo penal, o poder/dever conferido pela lei ao juízo do processo, alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na pronúncia e suas consequências, etc., etc., foi decidido {apenas pela sua presidente) declarar a incompetência do tribunal colectivo para o julgamento dos factos constantes da acusação (pretenderia dizer pronúncia) - fls. 405 v. .
Notificados os sujeitos processuais {fls. 406), veio a Senhora Procuradora interpor recurso deste último, o que fez em tempo, Motivando {fls. 411 e ss. ), tendo concluído pela competência do Tribunal Colectivo para o julgamento dos factos dos autos (fls. 415 e v. )
Recurso admitido - fls, 416.
O arguido apresentou Resposta - fls. 419 e ss.
A nosso ver, existe uma circunstância que obstará ao conhecimento do mérito do recurso, qual seja, a irrecorribilidade do despacho impugnado, por ser proferido por quem não tinha competência para tal (quanto ao conteúdo! à substância! amplitude) e, por isso, equiparável, quando muito, a mero expediente {n.o 1 a! do art.o 401° do CPP) - arts 416° e nºs 1 e 3 c) do artº 417° do CPP.
Com efeito:
3. Disciplinando sobre a composição e competência, em matéria penal, dos diversos tribunais {artºs 105° e ss.), a Lei Orgânica dos Tribunais 1 Lei n.o 3 I 99, de 13.01, contempla no seu artº 108º quais os poderes conferidos ao presidente do tribunal colectivo.
Se o teor das alíneas a) a d) do seu n.o 1 {dirigir as audiências, elaborar acórdãos, suprir deficiências das sentenças e acórdãos, reformá-los, sustentá-Ios, etc.) não oferecerá dúvidas de interpretação,
cremos que a abrangência da alínea e), exercer as demais funções atribuídas por lei não confere a este, ao menos enquanto naquela função 1 de presidente, mas singularmente, declarar ou não a competência do seu Tribunal enquanto órgão colegial,
Não se conhece Lei alguma, incluindo processual, nem o despacho impugnado a evidencia, que lhe confira competência para decisões de semelhante teor .
Aliás, sendo consabido que o Titular do processo é o juízo e juiz da comarca, nem competindo ao presidente do colectivo {na nossa perspectiva e interpretação da lei) designar datas para o julgamento, mas apenas sugerir ou indicar as mesmas (sem embargo de se reconhecer uma certa prevalência do expediente do Colectivo sobre o do Singular),
anota-se que o presente processo apenas lhe foi remetido (ao presidente) para serem designadas datas!
Por isso, o despacho impugnado deve ser havido como res nulius, irrelevante para o processo: eventualmente ainda menos 1 menor, em termos qualitativos, para o processo (já não assim se a opinião fosse inserida na decisão do órgão colegial) que o de mero expediente, que também seria irrecorrível – nº. 1 a) do artº 400° do CPP .
4. É certo não se desconhecer que é à data da acusação ou da pronúncia que deve atender-se, como momento decisivo, para a fixação da competência do tribunal para julgamento do processo penal, singular ou colectivo {Ac. da RP, de 97.02.19, processo 0005503, doc. RP199702190005503, in Net I DGSI),
não sendo possível, logo no início da audiência, operar a convolação da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, por o juiz não dispor, a nenhum título, de credencial para alterar, nesse exacto momento processual, a qualificação anteriormente fixada no despacho proferido em função da alínea a) do n.o 1 do artº. 313° do CPP, já que não é lícito, antes de se proceder ao julgamento, modificar no plano da descrição fáctica e da subsunção normativa o referido despacho - Ac. da RP, de 99.04.14, proc. 9810868, documento n.o RP199904149810868, mesma via,
sendo que esta última solução, não preclude a faculdade de o tribunal voltar a apreciar a questão da competência deste baseada em convolação efectuada em momento processual próprio (cft. último acórdão).
Só que a decisão do Tribunal Singular/do julgamento (que recaiu sobre a sua competência, negando-a), além de não ser impugnada, transitou já.
5. A decisão de admissão do recurso não vincula o Tribunal superior – nº. 2 do artº. 414° do CPP.
Por outro lado, pelo retro exposto, cremos não ocorrer ainda {no caso) qualquer conflito de competência nos termos considerados na Resposta de tis. 419 e v.
Termos em que, ao abrigo do disposto no n.o 1 do artº 420°, com referência ao supra citado e nº 4 a) do 419° do CPP, somos de parecer que o presente recurso deverá ser rejeitado.
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Correram os vistos.
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____________ DECIDINDO

Discute-se neste recurso
A competência do Tribunal
Importa desde já analisar o despacho correspondente ao art. 311º do Código de Processo Penal, para depois nos debruçarmos sobre os outros dois despachos: o da Meritíssima Juíza no início do julgamento e o do Meritíssimo Juiz Presidente dos Tribunais colectivos.

O despacho correspondente ao art. 311º do Código de Processo Penal

Como acima se descreve, a fls. 327, foi proferido despacho correspondente ao fixado no art. 311º e 312º do Código de Processo Penal, recebendo a pronúncia, pelo mesmo crime fixado na pronúncia, marcando-se julgamento, para o dia 4/11/2002. sempre com intervenção do Tribunal Singular
Tal despacho transitou em julgado fixando-se o objecto e forma do processo
Assim, por esta decisão, fixou-se que. pelos factos constantes da pronúncia, o arguido responderia perante juiz singular pela prática de um crime de corrupção passiva para acto licito
Ao afirmar-se que se fixa o objecto do processo quer significar-se que, face á estrutura acusatória do processo penal (art. 32º/5 da Constituição da República Portuguesa), se fixam os factos criminosos, a qualidade e posição processual do arguido e os termos do processo.
De tal modo se determina o objecto que. os autores (Germano
M. Silva, Curso ... I, 336), falam de uma caracterização qualitativa - referente a pessoa acusada, aos factos descritos e á sua qualificação jurídica, e de uma caracterização quantitativa — a pena pedida para o caso, no seu limite máximo
E escreve o autor.
‘A partir da acusação o objecto do processo é a pretensão que se caracteriza quanto ao seu conteúdo substancial por duas dimens6es: uma dimensão qualitativa e uma dimensão quantitativa.
A caracterização qualitativa faz-se através da pessoa acusada1 do arguido, e dos factos descritos (e a sua qualificação jurídica, nos termos descritos) na acusação. A caracterização quantitativa pela pena pedida para o caso, no seu limite máximo1 pedido que é formulado expressa ou implicitamente na acusação ou em requerimento posterior, nos termos do art. 16º do Código de Processo Penal”.
Estes são os limites do conhecimento do Juiz. do julgamento.
A matéria decidida neste despacho transitou em julgado.
Nada impede porém que o juiz do processo possa, atento ao disposto no art. 338º do Código de Processo Penal reapreciar a questão da competência: a referência no n0 1 deste preceito a questões prévias, atinge não só questões de natureza substantiva com as adjectivas, entre estas as da competência

O despacho proferido no início do julgamento

Veio a Meritíssima Juiza no decorrer da audiência. no início desta, declarar que na acusação não estavam descritos os elementos que tipificam o crime porque o arguido vinha acusado. designadamente não estava descrito o quadro fáctico da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente e, na sequência, declarou o tribunal singular incompetente para julgar o crime que considerou não ser o continuado mas em concurso de infracções.
Assim, alterou a qualificação jurídica
Ora, não pode o Juiz alterar a qualificação jurídica sem fazer preceder do imposto pelo art. 358º do Código de Processo Penal.
O Supremo Tribunal de Justiça, www.stj.pt99P776 - JSTJ00036758, decidiu pela seguinte forma: Após as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº.. 59/98, de 25 de Agosto e que, além do mais, aditaram ao artigo 358º, o seu nº. 3, não podem subsistir dúvidas de que, quando no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, mesmo quando o Tribunal entenda dever “alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (nº. 3 do artigo 358, do Código e Processo Penal), é aplicável o estatuído no n0. 1 do citado art. 358º.
Assim, o despacho de fls. 377. que deu outra qualificação jurídica aos factos. alterando e agravando os limites máximos da pena, desta consideração retirou a Meritíssima Juiza a outra que julgou incompetente o Tribunal Singular.
A decisão proferida ê sobre a competência do Tribunal, sendo que a que se refere á alteração da qualificação jurídica é preparatória desta
De notar que. no caso dos autos a decisão não é proferida ao abrigo do art. 311º do Código de Processo Penal - este foi o despacho anteriormente aqui analisado, mas já no decorrer da audiência. quanto muito no âmbito do art. 338º do Código de Processo Penal.
Não podia a Meritíssima Juiza proceder, nesta fase processual, á alteração da qualificação jurídica sem dar cumprimento (tratando-se de alteração não substancial) ao n0. 1 do art. 358º do Código de Processo Penal, como ê jurisprudência hoje uniformemente seguida no Supremo Tribunal de Justiça e da qual é exemplo o acórdão acima citado
Porém, como acima também já se expôs, o despacho proferido pela Meritíssima Juiza é sobre a competência do Tribunal, vindo a apreciação dos factos para apreciação desta matéria e sobre a competência tinha efectivamente a Meritíssima Juiza momento no inicio da audiência, para apreciação, ao abrigo do citado art. 338º do Código de Processo Penal.
E se a decisão sobre a competência repousa numa reflexão que implicava um procedimento especificamente tratado no art. 358º do Código de Processo Penal, o certo é que a mesma decisão transitou em julgado.
Entendemos que o processo utilizado pela Meritíssima Juiza de Arganil não foi o mais correcto, porém deixou a decisão sobre a competência de ser passível de censura, por ter transitado em julgado.
O despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo
Não existe o despacho do Juiz Presidente do Tribunal Colectivo.
Como bem afirma o Mui Digno Procurador Geral Adjunto. nos termos do disposto nos arts. 105º e ss. e 108ºda LOT. 322º, 323º, 348º/3/6, 365º, do Código de Processo Penal. não tem o Juiz Presidente dos Tribunais Colectivos poderes para proferir o despacho agora em recurso, por o Tribunal ser colectivo, isto e. um órgão colegial.
Ao apreciar da competência do Tribunal o Juiz Presidente do Tribunal Colectivo agiu fora do limites da sua jurisdição.
Não se trata de acto nulo (v Cavaleiro Ferreira, Curso de Direito Processual Penal, Lisboa. 1981. 1,268 e ss) mas sim de acto sem existência jurídica.
O despacho do Meritíssimo Juiz Presidente dos Tribunais Colectivos configura o que se classifica doutrinalmente como um acto a non judice porque praticado para além da jurisdição: são actos praticados pelo juiz sponte sua, com usurpação do direito de jurisdição do Tribunal Colectivo: a decisão é tomada fora do tribunal.
Ora. (cfr. ob. cit.) a inexistência não precisa de ser declarada, o actos inexistentes não transitam não tem qualquer eficácia, não carecem de ser anulado. A inexistência é verificada e a única maneira de a atacar é solicitar a realização do acto ao tribunal que o podia praticar.
Sendo inexistente o despacho do Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, o único despacho que perdura no processo é o do Meritíssima Juíza do Tribunal Colectivo, que transitando em julgado, julgou competente para o julgamento o Tribunal Colectivo.
Fica, consequentemente. competente para o julgamento de José Alberto Cardoso Faria, o Tribunal Colectivo da Comarca de Arganil
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Nestes termos
acorda-se em revogar o despacho recorrido, julgando competente para proceder ao julgamento de José Alberto Cardoso Faria, o Tribunal Colectivo da Comarca de Arganil.
Sem custas.
Coimbra 2003/05/07

Barreto do Carmo – Relator
Ribeiro Martins – 1º Adjunto
Angelo Morais – 2º Adjunto
Ferreira Dinis – Presidente