CITAÇÃO : MODOS DE A EFECTUAR. FALTA DE CITAÇÃO. MODOS DE ARGUIÇÃO DESSE VÍCIO .
Sumário

O conhecimento efectivo da propositura da acção contra determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva .
II – O Regulamento (CE) nº 1348/2000, de 29/05/2000, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extra-judiciais, em vigor desde 31/05/2001, admite como meios de citação : a) citação por via diplomática ou consular ; b) citação por agentes diplomáticos ou consulares ; c) citação por correio ; d) pedido directo de citação.
III – Inviabilizada a citação por carta registada com A/R e por via consular, não é de admitir a citação por via postal simples – artºs 238º e 236º-A, do CPC – quando o Réu resida no estrangeiro .
IV – A citação por via postal simples, com prova de depósito da carta foi pensada para os citandos comprovadamente residentes em Portugal, como resulta do elemento sistemático .
V – A não ser que se considere sanada, os interessados podem arguir a falta de citação a todo o tempo, antes ou após o trânsito em julgado, na instância declarativa ou na executiva, pois o que varia é o procedimento – reclamação ou recurso ordinário até ao trânsito ; recurso extraordinário de revisão após o trânsito ; e por embargos à execução fundada em sentença .

Texto Integral

1

APELAÇÃO nº523/04
( 3ª Secção cível )
Relator – Jorge Arcanjo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

Os Autores –A e mulher B– instauraram, no Tribunal judicial da Comarca de VILA NOVA DE FOZ CÔA, a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus –C e mulher D.
Alegaram, em resumo:
São proprietários de três prédios rústicos, a favor dos quais se constituiu, por usucapião, uma servidão de passagem, de pé e carro ( prédios dominantes ) e sobre o prédio dos Réus ( prédio serviente ).
Em Dezembro de 2001, os Réus obstruíram o caminho de servidão, tendo os Autores mandado reparar o troço obstruído, no que despenderam a quantia de € 87,54.
Pediram cumulativamente a condenação dos Réus:
a) - A reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre os prédios descritos no artigo 1º da petição inicial;
b) - A reconhecerem o direito de servidão de passagem dos autores sobre o prédio dos réus a pé, com animal à rédea e com carrinhas, tractores e outras máquinas agrícolas nos moldes e traçados descritos;
c) - A absterem-se de impedirem a passagem dos autores pelo prédio dos réus, em consequência do reconhecimento do supra referido direito de servidão;
d) - A pagarem aos autores a quantia de € 87,54 a título de indemnização pelos prejuízos por eles causados com a obstrução do caminho.

Os Réus foram citados por via postal simples, com prova de depósito.
Apenas o Réu marido apresentou contestação ( fls.51 ), mas os Autores, na resposta, suscitaram a sua extemporaneidade.
O Réu marido arguiu, então, a nulidade da citação de ambos os Réus.
Por despacho de fls.96 a 99, decidiu-se julgar improcedente a nulidade da citação do Réu e a sua ilegitimidade para invocar a nulidade da co-Ré.
Agravou o Réu desta decisão, que subiu em separado, mas a Relação, por acórdão de 27/5/2003 ( processo apenso ) confirmou a decisão recorrida.
Por despacho de fls.154, não se admitiu a contestação do Réu marido, por ser extemporânea e como a Ré mulher também não contestou, considerou-se confessados os factos articulados pelos Autores, nos termos do art.484 nº1 do CPC.
Em 15/7/2003 foi proferida sentença ( fls.166 ), que, na parcial procedência da acção, decidiu:
a) - Reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos descrito nos artigos 1º, 2º e 3º da matéria de facto provada;
b) - Reconhecer que sobre o prédio inscrito na matriz rústica, freguesia e Concelho de Vila Nova de Foz Côa, sob o artigo 3038º, sito em Vergeira, composto por terreno de pastagem com oliveiras, com a área de 2,200 m2, a confrontar a norte e nascente com Júlia B. Carvalho, sul com António C. Fanego e poente com José Augusto Casal, prédio que é da propriedade dos réus, está constituída uma servidão de passagem a favor dos prédios identificados nos artigos 1º, 2º e 3º, servidão essa a pé, com animal à rédea, com carrinhas, tractores e máquinas agrícolas, de acordo com o traçado referido nos artigos 7º e 8º dos factos provados, constituída por usucapião e também legalmente.
c) - Condenar os Réus a pagarem aos Autores a quantia de 87,54 € a título de indemnização pelos prejuízos por eles causados com a obstrução do caminho, a que acrescem os juros de mora calculados desde a data da citação e até efectivo pagamento, à taxa de 7% até 30/4/2003 e a partir de 1/5/2003 à taxa de 4%.

Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º)- Resulta dos autos - da p.i. e dos documentos de fls. 142 a 146 e doc. 1 que se junta - que a Ré é emigrante, reside em França, em 28 A Av. Paty, 93.240 Stains.

2º)- Resulta dos autos, que a morada indicada na p.i. não corresponde à morada correcta da Ré, em particular à morada em que residia nos meses de Maio a Agosto de 2002.

3º)- Resulta dos autos, que a Ré não recebeu nenhuma das cartas enviadas pelo Tribunal;

4º)- Resulta dos autos, não ter sido a Ré citada através de carta registada na (sua) morada indicada na p.i., por não, ser essa a morada correcta da Ré, sem qualquer culpa da sua parte, nem se procedeu à sua identificação perante funcionário dos CTT, e muito menos foi feita, após esta (inexistente) recepção, qualquer advertência ao outro cônjuge.

5º)- Face a esta falta de citação, deveria o tribunal ter procedido a citação por carta rogatória ou carta registada, uma vez os Réus residirem no estrangeiro - França -, ao não tê-lo feito foi violado o disposto no artigo 247°, n°3 do CPC.

6º)- Houve pois falta de citação da Ré, pois não foram cumpridas as formalidades da lei, nulidade que é de conhecimento oficioso — art. 194°, 201° e 202° do Código de Processo Civil.

7º)- Deveriam os autores terem sido convidados para alegar e provar que de boa fé, a morada indicada na p.i. era a correcta segundo a normalidade das coisas, o que não foi feito, pelo que foram violados os artigos 342° e 224 do C. Civil.

8º)- Atenta a gravidade do efeito cominatório atribuído a uma potencial revelia do Réu, expresso na verdadeira “condenação de Preceito;

9º)- Atenta a dificuldade (ou a verdadeira impossibilidade prática) de a Ré ilidir a presunção de depósito da carta depositada no seu receptáculo postal do respectivo domicilio, demonstrando em termos — em termos suficientemente convincentes — um facto negativo, numa matéria em que, pela natureza das coisas, não é plausível a existência de prova testemunhal idónea de não ter ocorrido o depósito da carta simples, certificado tabelarmente pelo distribuidor do serviço postal, é ainda manifesto que o autor de tal “certificação” não pode considerar-se um funcionário público provido de fé publica.

10º)- É manifestamente excessiva e desproporcionada a aplicação de citação por via postal simples a toda e qualquer acção, independentemente da sua natureza e do valor dos bens em litígio, em particular numa acção de direitos reais, como é a dos autos.

11º)- Assim, o legislador com o DL 183/00, confessadamente fez prevalecer sobre o interesse da Ré na seriedade da citação o interesse do autor na rapidez;

12º)- Até porque a citação por carta simples não dá a garantia mínima de que a Ré foi intimada e advertida de que contra si foi instaurado um processo — ou mesmo que, tendo chegado ao seu conhecimento, tenha chegado em tempo útil para exercer o seu inalienável direito de defesa.

13º)- Pois não se pode concluir de boa fé que à Ré foi dado conhecimento do processo e que foi chamada a defender-se ou que tal foi feito a tempo de poder vir defender-se.

14º)- Ora, a interpretação dada ao n° 2 do art. 238° do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na p.i., coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a autora é emigrante em França, onde reside, afigura-se inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição de indefesa” e do “processo equitativo”, afirmados no art. 20° da Constituição da Republica Portuguesa. Neste sentido, cf. Ac. Tribunal Constitucional de 12 de Julho de 2003, proferido nos autos do processo 305/01, e alegações do Sr. Procurador Geral Adjunto, Lopes do Rego, naqueles autos.

15º)- Na verdade, tal interpretação normativa fragiliza, em termos desproporcionais, a posição da Ré, submetendo-a inapelavelmente a um gravoso efeito cominatório se não logra ilidir, em termos suficientemente convincentes, a presunção de efectivo recebimento e cognoscibilidade do teor da carta de citação alegadamente depositada na sua caixa postal, onerando-a com a prova de um facto negativo, em matéria em que é plausível a inexistência de prova testemunhal convincente, susceptível de ser indicada pela interessada na arguição da falta ou nulidade da citação.

16º)- E sendo certo que — inexistindo no caso em apreço, um domicílio contratual estipulado pelas partes — não é razoável impor à Ré, um dever de comunicação aos autores de quaisquer mudanças de residência ou ausências prolongadas, e submetê-la ao ónus de controlar permanentemente o expediente postal que, porventura, seja depositado na correspondente caixa postal.

17º)- Logo, a proibição de indefesa, implica que sejam desaplicadas (art. 270º da Constituição da Republica Portuguesa) as normas relativas à citação por via postal simples (quer quando é feita a nível principal, quer quando assume a natureza residual).

18º)- Tal desaplicação por inconstitucionalidade material implica assim que a citação postal seja feita sempre por carta registada com aviso de recepção, nunca se podendo recorrer à carta simples, o que não foi o caso dos autos.

19º)- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa do n° 2 do art. 238° do Código de Processo Civil, realizada nos autos recorrido;

20º)- E consequentemente, declarar-se todo o processado nulo, e proceder-se a nova citação da Ré nos termos e de acordo com a lei;

21º)- Até porque, como já se disse, o Juiz, para além de averiguar da conformidade da citação à lei, deve também averiguar da sua conformidade ao direito, quando ainda para mais, salvo melhor opinião, tal citação não foi feita em conformidade com o Direito.

22)- Mais, a decisão do Tribunal através do seu despacho de fls. 65, viola o princípio da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, vertida no actual Código de Processo Civil bem como o Principio da Adequação.

23º)- Foi ainda violado de forma clara o princípio do contraditório, e em última análise, o preceito constitucional que diz art. 3°, 9°, al. b) e 20° da C.R.P.

24º)- Conclui-se da seguinte forma: “citação da Ré por carta simples padece de inconstitucionalidade material, constituindo exemplo de escola de violação da PROIBIÇÃO DE INDEFESA” — cf. Lopes do Rego, alegações referidas supra.

Pelo exposto, deve declarar-se a interpretação dada ao n° 2 do art. 238° do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na p.i., coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a autora é emigrante em França, onde reside, inconstitucional por violação dos princípios da proibição de indefesa e do processo equitativo, afirmados no art.20 da Constituição.

Contra-alegaram os Apelados, sustentando, em síntese, por um lado, a ausência de nulidade, e, por outro, deverá a mesma considerar-se sanada, por a Ré não a arguir logo que interveio no processo, não sendo o recurso meio idóneo, para o efeito.


II - FUNDAMENTAÇÃO

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, as questões essenciais que importa decidir, são as seguintes:
a) - Se ocorre a nulidade de falta de citação da Ré;
b) – Caso a mesma se verifique, se a nulidade está ou não sanada.

1ª QUESTÃO:

Do processo resultam provados os seguintes elementos:
a) - Na petição inicial, os Autores indicaram os Réus como emigrantes, residentes em 65 Maurice Grandoing, Cite Victor Hugo, 93430 Villetaneuese, França.
b) - Em 11/2/2002, foi expedida carta registada com aviso de recepção, para esta morada, com vista à citação da Ré, a qual veio devolvida, por não ter sido reclamada ( fls.30 ).
c) - Por despacho de fls.32, foi ordenado o cumprimento do art.238 do CPC e solicitado ao Consulado Português em França, a citação da Ré.
d) - O Consulado de Portugal em Nogent Sur Marne, informou não ter procedido à citação da Ré, em virtude da sua não comparência, apesar de haver sido convocada.
e) - Na sequência das diligências realizadas no âmbito do art.238 do CPC, resultou apenas a informação de fls.40 ( datada de 12/4/2002 ) onde se menciona ter a Ré domicílio fiscal em Estrada Nacional, 102, Vila Nova de Foz Côa.
f) - Em 29/5/2002, foi remetida carta simples com prova de depósito para a morada anterior de Vila Nova de Foz Côa.
g) - O distribuidor do serviço declarou ter procedido ao depósito da carta no receptáculo da morada indicada, em 31/5/2002.

A citação é “ o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender “ ( art.228 nº1 do CPC ).
O conhecimento efectivo da propositura da acção contra determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório e da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
Como salientou o Tribunal Constitucional no Acórdão nº960/96 ( DR II Série de 19/12/96 ), “ a violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses “.
Porque a Constituição não impõe um modelo predeterminado para o processo judicial entre particulares, nem o direito à efectiva tutela judicial implica a garantia de uma certa forma de citação, o legislador ordinário goza, por isso, de ampla margem de discricionariedade neste domínio, embora deva subordinar-se ao cumprimento dos princípios fundamentais, como o do contraditório e da igualdade, de modo a garantir um “ processo equitativo “.

Com a reforma do Código de Processo Civil pelo DL 183/2000 de 10/8, abriu-se a possibilidade da citação por via postal simples em dois casos:
a) – Utilizada a título principal, na acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito ( art.236-A nº1 );
b) – Utilizada a título residual, nos casos de se frustrar a citação por vai postal registada, se a residência, local de trabalho, ou tratando-se de pessoas colectivas, a sede ou local onde funciona normalmente a administração do citando constar da Base de Dados dos Serviços de Identificação Civil, Segurança Social, Direcção Geral dos Impostos e Direcção Geral de Viação ( art.238 do CPC ).

Sobre a citação de residentes no estrangeiro, dispõe o art.247 nº1 do CPC que deve observar-se o estipulado nos tratados e convenções internacionais.
Considerando que a acção foi instaurada em 7/2/2002, é aplicável o Regulamento (CE) n.º 1348/2000, do Conselho de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extra-judiciais, em vigor desde o dia 31 de Maio de 2001.
O Regulamento consagra o princípio da transmissão descentralizada e directa dos actos ( art.2º e 4ºnº1 ), segundo o qual os actos serão transmitidos de e para os funcionários, autoridades ou outras pessoas designadas com competência para transmitir e receber os actos judiciais ( entidades de origem e entidades requeridas ).
No âmbito da transmissão descentralizada e directa, vigoram os princípios da cooperação, da celeridade e simplicidade formal na transmissão e da recusa da recepção do acto.
Para além da transmissão directa entre as entidades de origem e entidades requeridas, com ou sem intervenção auxiliar da entidade central, o Regulamento admite outros meios de transmissão e de citação, expressamente previstos na Secção II: (1) transmissão por via diplomática ou consular ( art.12º ); (2) citação ou notificação por agentes diplomáticos ou consulares ( art.13º );(3) citação ou notificação pelo correio ( art.14º );(4) o pedido directo de citação ou notificação ( art.15º ).
Não obstante prever uma pluralidade de meios de transmissão, o Regulamento não estabelece qualquer prioridade ou hierarquia entre eles, embora por força do princípio da celeridade se deva adoptar o que for mais rápido e eficaz.

Inviabilizada a citação da Ré, primeiro por carta registada com aviso de recepção e depois por via consular, procedeu-se à citação por via postal simples, com prova de depósito da carta ( arts.238 e 236 –A do CPC ), que a lei considera como citação pessoal ( art.233 nº2 alínea b) do CPC ).
Considerando, porém, que a Ré reside em França, assim foi indicado pelos Autores e confirmado pelo Consulado de Portugal, que só não concretizou a citação da Ré por não dispor de meios legalmente coercivos para a fazer comparecer, não podia ter lugar a citação por via postal simples, ao abrigo dos arts.238 e 236-A do CPC.
Em primeiro lugar, porque o Código de Processo Civil contem norma especial sobre a citação de residentes no estrangeiro ( art.247 ), e sendo aplicável o Regulamento, uma vez frustrada a citação por carta registada com aviso de recepção e por via consular, teriam que se esgotar os outros meios nele previstos para a citação, designadamente a transmissão directa.
Só não seria assim se do processo constassem elementos seguros no sentido de que a Ré já não residia em França, o que não é suficiente a simples consulta à base de dados.
Neste sentido, ao abordar o tema “ O Regulamento (CE ) nº1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000 – Princípios e Aproximação à Realidade Judiciária “, escreveu o Senhor Desembargador SALAZAR CASANOVA:
“ Uma outra questão que se suscita é a de saber se, frustrada a citação por via postal, pode ser recusada ao interessado uma nova tentativa de citação a efectuar ou por um dos outros meios de citação directa (via consular, pedido directo) ou por transmissão directa entre as respectivas entidades de origem e requerida.
“ O facto de se ter frustrado a citação por carta registada com aviso de recepção não constitui impedimento a que se procure a citação utilizando outro meio previsto no Regulamento pois a lei portuguesa, como as demais legislações europeias, tem horror à revelia.
“ Se, face ao teor da carta devolvida, pairar a dúvida sobre se afinal o destinatário não reside no local indicado ou se, residindo, não levantou a carta, parece que se impõe que se proceda a nova tentativa de citação.
“ No entanto, e no caso de se recorrer à transmissão directa entre entidade de origem e entidade requerida, poderá solicitar-se que se proceda à citação por oficial de justiça e não por carta registada com aviso de recepção, meio já utilizado ingloriamente.
“ Se resultar do aviso postal que o destinatário não reside na morada indicada não parece que se justifique tentar nova citação no mesmo local pois, assim se procedendo, desrespeita-se o artigo 1.°/2 visto que o Regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.
“ Em caso de dúvida a opção deve ser a da citação pelo meio de transmissão directa tanto mais que, como se disse, se nos afigura que o Regulamento não admite que se solicite a colaboração da entidade central e das entidades requeridas, fora do âmbito do próprio processo de citação em execução, no sentido de averiguarem o paradeiro de citandos/notificandos no seu território” ( Comunicação apresentada no dia 18 de Janeiro de 2002 no Auditório do Centro Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, no âmbito do Seminário sobre “ Cooperação judiciária Internacional em Matéria Civil e Criminal “ e publicada na Revista da Ordem dos Advogados ano 62, Dezembro de 2002 ).
Em segundo lugar, a citação por via postal simples, com prova de depósito ( tanto a nível principal, como residual ) foi pensada para os citandos comprovadamente residentes em Portugal, como resulta do elemento sistemático.
Com o devido respeito, não acolhemos o argumento aduzido no Acórdão desta Relação ( processo apenso ) no sentido de que a citação por via postal simples, com depósito da carta, está legitimada pelo Regulamento ao permitir o uso de qualquer meio adequado ( art.4º nº2 ).
Desde logo, esta norma visa a transmissão e citação de actos judiciais entre Estados – Membros, como decorre do art.2º do Regulamento e, por outro lado, no caso da transmissão directa é que a entidade requerida pode proceder à citação por carta simples, se a entidade requerente não pretender uma citação por oficial de justiça.

Contudo, mesmo que se admitisse a citação por via postal simples, a verdade é que não havendo coincidência entre a residência da Ré, para a qual foi endereçada a citação por carta registada com aviso de recepção, com a indicada na base de dados, o art.238 nº3 do CPC determina a citação por via postal simples para cada um desses locais.
Acontece que, no caso concreto, apenas foi remetida via postal simples para a morada de Foz Côa e já não para a morada em França, afectando, assim, a presunção de que foi efectivamente recebida, ou seja, de que dela teve conhecimento para exercitar o direito de defesa.
O tribunal a quo, por despacho de fls.154 considerou válida e regularmente citada a Ré, através de aviso postal simples, com prova de depósito, e como não contestou submeteu-a ao efeito cominatório semi-pleno ( art.484 nº1 do CPC ), reafirmando esta posição na sentença recorrida ( fls.167 ), ao julgar válida a instância, designadamente, por o processo não enfermar de “nulidades do primeiro grau “.
Consideram os apelantes que, a norma do nº 2 do art. 238 do C.P.C., na interpretação dada pelo tribunal a quo, é materialmente inconstitucional, por violação do art.20 da Constituição.

A propósito do problema do juízo de conformação constitucional do regime legal da citação por vai postal simples, LOPES DO REGO, embora não subscreva o entendimento de que será sempre e necessariamente colidente com a Lei Fundamental, defende que ele pode implicar em determinadas situações processuais - ponderando a avaliação global das garantias de defesa, o valor atribuído a tal citação, os ónus impostos ao réu e as demais cominações e preclusões associadas à revelia, - “ uma desproporcionada e injustificada restrição ao direito de defesa, colidindo com os princípios da igualdade e do contraditório ( que a jurisprudência constitucional sempre considerou ínsitos no direito de acesso aos tribunais ) e com a garantia do “ processo equitativo “, proclamada pela versão actual do art.20 da Constituição “ ( RMP ano 23, nº91, pág.161 e 162 ).
O Tribunal Constitucional no Acórdão nº287/03, de 29/5/03 ( disponível em http:/tribunal constitucional.pt//jurisprudência.htm ), acolhendo a argumentação do parecer do Procurador Geral Adjunto LOPES DO REGO ( loc.cit.), decidiu - “ julgar inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição da indefesa“ e do “processo equitativo“, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238º nº 2 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de, em acção declarativa que se segue ao procedimento de injunção em que se frustrou a notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido, e não havendo estipulação de domicílio no contrato de que emerge a pretensão condenatória, dever o réu ser imediatamente citado por via postal simples, sem que o tribunal deva averiguar previamente, por consulta das bases referenciadas no n.º 1 do mesmo artigo 238º do CPC, se a residência indicada pelo credor coincide com o teor dos registos públicos constantes daquelas bases“.
Já no Acórdão nº91/04 de 10/2/2004 ( disponível na mesma base de dados ), o Tribunal Constitucional, embora concordando com a doutrina do Acórdão nº287/03, entendeu, porém, que a norma do art.238 não era inconstitucional, no caso concreto, “ em que foram efectuadas todas as diligências previstas na lei – nomeadamente a consulta das bases de dados nela citadas –, remetidas cartas não só para a morada correspondente ao local onde alegadamente foram prestados os serviços de construção civil geradores do crédito reclamado, mas também para todas as outras moradas conhecidas e em que se não vislumbra, no processo, qualquer indicação de que a recorrente tenha um qualquer outro domicílio, ponderando os princípios referidos no acórdão transcrito, a solução legislativa em causa, tal como foi interpretada, não ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do demandado“.
Por conseguinte, segundo a jurisprudência constitucional, o regime legal da citação postal simples só e materialmente inconstitucional nas situações em que afecte desproporcionadamente o direito de defesa.
Nesta perspectiva, e tal como sustentam os apelantes, a interpretação dada ao nº 2 do art. 238 do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na petição inicial coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a Ré é emigrante em França, e não se tendo esgotado todos os meios de citação previstos no Regulamento (CE) n.º 1348/2000, do Conselho de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extra-judiciais, é claramente inconstitucional, por violação dos principio da “proibição de indefesa” e do “processo equitativo”, contidos no art. 20 da Constituição da Republica Portuguesa.
Deste modo, conclui-se pela nulidade de falta de citação da Ré, cominada no art.195 a) e e) do CPC.


2ª QUESTÃO:

A segunda questão consiste em saber se a nulidade está sanada, por a Ré haver interposto recurso da sentença.
Dispõe o art.196 do CPC, “ Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta de citação, considera-se sanada a nulidade “.
A Ré assim que interveio no processo arguiu a nulidade, mas fê-lo, não por reclamação dirigida ao tribunal a quo, mas antes em via de recurso.
Logo, importa analisar se o recurso é meio idóneo para arguir a referida nulidade.
A não ser que se considere sanada, os interessados podem arguir a falta de citação a todo o tempo, antes ou após do trânsito em julgado, na instância declarativa ou na executiva, pois o que varia é o procedimento – reclamação ou recurso ordinário até ao trânsito, recurso extraordinário de revisão, após o trânsito, e nos embargos à execução fundada na sentença.
Entendemos que desde que haja despacho ou sentença em que, explícita ou implicitamente, se pondere o acto da citação, sancionando-o, a nulidade pode ser alegada em recurso.
Com efeito, o tribunal pronunciou-se expressamente no despacho de fls.154, mas na sentença, ao afirmar-se inexistir nulidades, considerou implicitamente a validade da citação, sendo certo que aí poderia conhecer da nulidade, dado o art.202 do CPC.
Com a sentença esgotou-se o poder jurisdicional, nos termos do art.666 nº1 do CPC, pelo que a nulidade da citação ficou sancionada por ela.
Sendo assim, o meio próprio para arguir a nulidade passou a ser o recurso ( cf. Prof. ALBERTO DOS REIS, Comentários, vol.II, pág.507, Prof. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.393; Ac STJ de 24/3/92, BMJ 415, pág.552, de 9/3/93, BMJ 425, pág.448 ).
Conforme se decidiu no Ac do STJ de 26/2/98 ( www dgsi ), a Relação não pode escusar-se a apreciar a questão da nulidade da citação edital do réu para a acção, posta na apelação da sentença da 1ª instância, sob pena nulidade por omissão de pronúncia.
É certo que os Apelados invocam o acórdão desta Relação ( processo apenso ) que considerou sanada a nulidade da falta de citação do Réu marido, mas os fundamentos nele expressos são diversos, visto que o Réu interveio no processo a contestar, sem arguir logo tal invalidade processual.
Em resumo, procederá a apelação, declarando-se a nulidade da falta de citação da Ré – que deverá ser repetida em conformidade com o exposto, - com a consequente nulidade do processo depois desse acto, nulidade que apenas se reporta à Ré, pois quanto ao Réu marido já houve decisão transitada em julgado.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a apelação e revogando-se a sentença recorrida, declara-se a nulidade de falta de citação da Ré PALMIRA DIREITO, que implica a nulidade do processo a partir desse acto.
2)
Condenar os Apelados nas custas.
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COIMBRA, 22 de Junho de 2004.