O conhecimento efectivo da propositura da acção contra determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva .
II – O Regulamento (CE) nº 1348/2000, de 29/05/2000, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extra-judiciais, em vigor desde 31/05/2001, admite como meios de citação : a) citação por via diplomática ou consular ; b) citação por agentes diplomáticos ou consulares ; c) citação por correio ; d) pedido directo de citação.
III – Inviabilizada a citação por carta registada com A/R e por via consular, não é de admitir a citação por via postal simples – artºs 238º e 236º-A, do CPC – quando o Réu resida no estrangeiro .
IV – A citação por via postal simples, com prova de depósito da carta foi pensada para os citandos comprovadamente residentes em Portugal, como resulta do elemento sistemático .
V – A não ser que se considere sanada, os interessados podem arguir a falta de citação a todo o tempo, antes ou após o trânsito em julgado, na instância declarativa ou na executiva, pois o que varia é o procedimento – reclamação ou recurso ordinário até ao trânsito ; recurso extraordinário de revisão após o trânsito ; e por embargos à execução fundada em sentença .
2º)- Resulta dos autos, que a morada indicada na p.i. não corresponde à morada correcta da Ré, em particular à morada em que residia nos meses de Maio a Agosto de 2002.
3º)- Resulta dos autos, que a Ré não recebeu nenhuma das cartas enviadas pelo Tribunal;
4º)- Resulta dos autos, não ter sido a Ré citada através de carta registada na (sua) morada indicada na p.i., por não, ser essa a morada correcta da Ré, sem qualquer culpa da sua parte, nem se procedeu à sua identificação perante funcionário dos CTT, e muito menos foi feita, após esta (inexistente) recepção, qualquer advertência ao outro cônjuge.
5º)- Face a esta falta de citação, deveria o tribunal ter procedido a citação por carta rogatória ou carta registada, uma vez os Réus residirem no estrangeiro - França -, ao não tê-lo feito foi violado o disposto no artigo 247°, n°3 do CPC.
6º)- Houve pois falta de citação da Ré, pois não foram cumpridas as formalidades da lei, nulidade que é de conhecimento oficioso — art. 194°, 201° e 202° do Código de Processo Civil.
7º)- Deveriam os autores terem sido convidados para alegar e provar que de boa fé, a morada indicada na p.i. era a correcta segundo a normalidade das coisas, o que não foi feito, pelo que foram violados os artigos 342° e 224 do C. Civil.
8º)- Atenta a gravidade do efeito cominatório atribuído a uma potencial revelia do Réu, expresso na verdadeira “condenação de Preceito;
9º)- Atenta a dificuldade (ou a verdadeira impossibilidade prática) de a Ré ilidir a presunção de depósito da carta depositada no seu receptáculo postal do respectivo domicilio, demonstrando em termos — em termos suficientemente convincentes — um facto negativo, numa matéria em que, pela natureza das coisas, não é plausível a existência de prova testemunhal idónea de não ter ocorrido o depósito da carta simples, certificado tabelarmente pelo distribuidor do serviço postal, é ainda manifesto que o autor de tal “certificação” não pode considerar-se um funcionário público provido de fé publica.
10º)- É manifestamente excessiva e desproporcionada a aplicação de citação por via postal simples a toda e qualquer acção, independentemente da sua natureza e do valor dos bens em litígio, em particular numa acção de direitos reais, como é a dos autos.
11º)- Assim, o legislador com o DL 183/00, confessadamente fez prevalecer sobre o interesse da Ré na seriedade da citação o interesse do autor na rapidez;
12º)- Até porque a citação por carta simples não dá a garantia mínima de que a Ré foi intimada e advertida de que contra si foi instaurado um processo — ou mesmo que, tendo chegado ao seu conhecimento, tenha chegado em tempo útil para exercer o seu inalienável direito de defesa.
13º)- Pois não se pode concluir de boa fé que à Ré foi dado conhecimento do processo e que foi chamada a defender-se ou que tal foi feito a tempo de poder vir defender-se.
14º)- Ora, a interpretação dada ao n° 2 do art. 238° do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na p.i., coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a autora é emigrante em França, onde reside, afigura-se inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição de indefesa” e do “processo equitativo”, afirmados no art. 20° da Constituição da Republica Portuguesa. Neste sentido, cf. Ac. Tribunal Constitucional de 12 de Julho de 2003, proferido nos autos do processo 305/01, e alegações do Sr. Procurador Geral Adjunto, Lopes do Rego, naqueles autos.
15º)- Na verdade, tal interpretação normativa fragiliza, em termos desproporcionais, a posição da Ré, submetendo-a inapelavelmente a um gravoso efeito cominatório se não logra ilidir, em termos suficientemente convincentes, a presunção de efectivo recebimento e cognoscibilidade do teor da carta de citação alegadamente depositada na sua caixa postal, onerando-a com a prova de um facto negativo, em matéria em que é plausível a inexistência de prova testemunhal convincente, susceptível de ser indicada pela interessada na arguição da falta ou nulidade da citação.
16º)- E sendo certo que — inexistindo no caso em apreço, um domicílio contratual estipulado pelas partes — não é razoável impor à Ré, um dever de comunicação aos autores de quaisquer mudanças de residência ou ausências prolongadas, e submetê-la ao ónus de controlar permanentemente o expediente postal que, porventura, seja depositado na correspondente caixa postal.
17º)- Logo, a proibição de indefesa, implica que sejam desaplicadas (art. 270º da Constituição da Republica Portuguesa) as normas relativas à citação por via postal simples (quer quando é feita a nível principal, quer quando assume a natureza residual).
18º)- Tal desaplicação por inconstitucionalidade material implica assim que a citação postal seja feita sempre por carta registada com aviso de recepção, nunca se podendo recorrer à carta simples, o que não foi o caso dos autos.
19º)- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa do n° 2 do art. 238° do Código de Processo Civil, realizada nos autos recorrido;
20º)- E consequentemente, declarar-se todo o processado nulo, e proceder-se a nova citação da Ré nos termos e de acordo com a lei;
21º)- Até porque, como já se disse, o Juiz, para além de averiguar da conformidade da citação à lei, deve também averiguar da sua conformidade ao direito, quando ainda para mais, salvo melhor opinião, tal citação não foi feita em conformidade com o Direito.
22)- Mais, a decisão do Tribunal através do seu despacho de fls. 65, viola o princípio da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, vertida no actual Código de Processo Civil bem como o Principio da Adequação.
23º)- Foi ainda violado de forma clara o princípio do contraditório, e em última análise, o preceito constitucional que diz art. 3°, 9°, al. b) e 20° da C.R.P.
24º)- Conclui-se da seguinte forma: “citação da Ré por carta simples padece de inconstitucionalidade material, constituindo exemplo de escola de violação da PROIBIÇÃO DE INDEFESA” — cf. Lopes do Rego, alegações referidas supra.
Pelo exposto, deve declarar-se a interpretação dada ao n° 2 do art. 238° do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na p.i., coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a autora é emigrante em França, onde reside, inconstitucional por violação dos princípios da proibição de indefesa e do processo equitativo, afirmados no art.20 da Constituição.
Contra-alegaram os Apelados, sustentando, em síntese, por um lado, a ausência de nulidade, e, por outro, deverá a mesma considerar-se sanada, por a Ré não a arguir logo que interveio no processo, não sendo o recurso meio idóneo, para o efeito.
A propósito do problema do juízo de conformação constitucional do regime legal da citação por vai postal simples, LOPES DO REGO, embora não subscreva o entendimento de que será sempre e necessariamente colidente com a Lei Fundamental, defende que ele pode implicar em determinadas situações processuais - ponderando a avaliação global das garantias de defesa, o valor atribuído a tal citação, os ónus impostos ao réu e as demais cominações e preclusões associadas à revelia, - “ uma desproporcionada e injustificada restrição ao direito de defesa, colidindo com os princípios da igualdade e do contraditório ( que a jurisprudência constitucional sempre considerou ínsitos no direito de acesso aos tribunais ) e com a garantia do “ processo equitativo “, proclamada pela versão actual do art.20 da Constituição “ ( RMP ano 23, nº91, pág.161 e 162 ).
O Tribunal Constitucional no Acórdão nº287/03, de 29/5/03 ( disponível em http:/tribunal constitucional.pt//jurisprudência.htm ), acolhendo a argumentação do parecer do Procurador Geral Adjunto LOPES DO REGO ( loc.cit.), decidiu - “ julgar inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição da indefesa“ e do “processo equitativo“, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238º nº 2 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de, em acção declarativa que se segue ao procedimento de injunção em que se frustrou a notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido, e não havendo estipulação de domicílio no contrato de que emerge a pretensão condenatória, dever o réu ser imediatamente citado por via postal simples, sem que o tribunal deva averiguar previamente, por consulta das bases referenciadas no n.º 1 do mesmo artigo 238º do CPC, se a residência indicada pelo credor coincide com o teor dos registos públicos constantes daquelas bases“.
Já no Acórdão nº91/04 de 10/2/2004 ( disponível na mesma base de dados ), o Tribunal Constitucional, embora concordando com a doutrina do Acórdão nº287/03, entendeu, porém, que a norma do art.238 não era inconstitucional, no caso concreto, “ em que foram efectuadas todas as diligências previstas na lei – nomeadamente a consulta das bases de dados nela citadas –, remetidas cartas não só para a morada correspondente ao local onde alegadamente foram prestados os serviços de construção civil geradores do crédito reclamado, mas também para todas as outras moradas conhecidas e em que se não vislumbra, no processo, qualquer indicação de que a recorrente tenha um qualquer outro domicílio, ponderando os princípios referidos no acórdão transcrito, a solução legislativa em causa, tal como foi interpretada, não ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do demandado“.
Por conseguinte, segundo a jurisprudência constitucional, o regime legal da citação postal simples só e materialmente inconstitucional nas situações em que afecte desproporcionadamente o direito de defesa.
Nesta perspectiva, e tal como sustentam os apelantes, a interpretação dada ao nº 2 do art. 238 do C.P.C., na parte em que considera a Ré devida e legalmente citada, na acção declarativa de condenação, sem que a morada indicada na petição inicial coincida com a das bases de dados e quando resulta dos autos que a Ré é emigrante em França, e não se tendo esgotado todos os meios de citação previstos no Regulamento (CE) n.º 1348/2000, do Conselho de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extra-judiciais, é claramente inconstitucional, por violação dos principio da “proibição de indefesa” e do “processo equitativo”, contidos no art. 20 da Constituição da Republica Portuguesa.
Deste modo, conclui-se pela nulidade de falta de citação da Ré, cominada no art.195 a) e e) do CPC.
2ª QUESTÃO:
A segunda questão consiste em saber se a nulidade está sanada, por a Ré haver interposto recurso da sentença.
Dispõe o art.196 do CPC, “ Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta de citação, considera-se sanada a nulidade “.
A Ré assim que interveio no processo arguiu a nulidade, mas fê-lo, não por reclamação dirigida ao tribunal a quo, mas antes em via de recurso.
Logo, importa analisar se o recurso é meio idóneo para arguir a referida nulidade.
A não ser que se considere sanada, os interessados podem arguir a falta de citação a todo o tempo, antes ou após do trânsito em julgado, na instância declarativa ou na executiva, pois o que varia é o procedimento – reclamação ou recurso ordinário até ao trânsito, recurso extraordinário de revisão, após o trânsito, e nos embargos à execução fundada na sentença.
Entendemos que desde que haja despacho ou sentença em que, explícita ou implicitamente, se pondere o acto da citação, sancionando-o, a nulidade pode ser alegada em recurso.
Com efeito, o tribunal pronunciou-se expressamente no despacho de fls.154, mas na sentença, ao afirmar-se inexistir nulidades, considerou implicitamente a validade da citação, sendo certo que aí poderia conhecer da nulidade, dado o art.202 do CPC.
Com a sentença esgotou-se o poder jurisdicional, nos termos do art.666 nº1 do CPC, pelo que a nulidade da citação ficou sancionada por ela.
Sendo assim, o meio próprio para arguir a nulidade passou a ser o recurso ( cf. Prof. ALBERTO DOS REIS, Comentários, vol.II, pág.507, Prof. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.393; Ac STJ de 24/3/92, BMJ 415, pág.552, de 9/3/93, BMJ 425, pág.448 ).
Conforme se decidiu no Ac do STJ de 26/2/98 ( www dgsi ), a Relação não pode escusar-se a apreciar a questão da nulidade da citação edital do réu para a acção, posta na apelação da sentença da 1ª instância, sob pena nulidade por omissão de pronúncia.
É certo que os Apelados invocam o acórdão desta Relação ( processo apenso ) que considerou sanada a nulidade da falta de citação do Réu marido, mas os fundamentos nele expressos são diversos, visto que o Réu interveio no processo a contestar, sem arguir logo tal invalidade processual.
Em resumo, procederá a apelação, declarando-se a nulidade da falta de citação da Ré – que deverá ser repetida em conformidade com o exposto, - com a consequente nulidade do processo depois desse acto, nulidade que apenas se reporta à Ré, pois quanto ao Réu marido já houve decisão transitada em julgado.