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DESOBEDIÊNCIA
EMBARGO DE OBRA NOVA
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário
Os atos administrativos gozam do benefício de “execução prévia” e, por isso, se o arguido não imputa vícios geradoras de nulidade, o ato administrativo que determinou o embargo da obra e cuja desobediência constitui o crime por que vem condenado é eficaz.
Texto Integral
Recurso Penal 750/11.6T3OVR.C1.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Na Comarca do Baixo Vouga, Ovar, Juízo de Instância Criminal, Juiz 2, foi julgado em processo comum, e perante Tribunal singular, o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo a final sido proferida sentença com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar a acusação totalmente procedente e provada e, consequentemente:
a) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à referida taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros);
b) Condenar o arguido nas custas da acção penal, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s, nos termos do disposto no artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III em anexo.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.”
Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição)
1.ª Existe uma contradição na Douta Decisão recorrida entre os Factos provados em 2 e 5 dado que se o embargo foi determinado por ordem do Ex. Sr. Presidente da Câmara (Facto provado em 2), não o pode ser igualmente por despacho do Ex.º Sr. Vereador C… (Facto provado em 5), desconhecendo-se assim e em concreto por ordem de quem foi determinado o embargo da obra em causa e qual a que terá sido desrespeitada pelo recorrente;
2.ª Tratando-se de factos provados e contraditórios entre si, contradição essa que resulta evidente do texto da Douta Decisão recorrida, deverá sei ordenada nos termos do n.º 1 do artigo 426 do CPP, a realização de novo julgamento quando à referida matéria;
3.ª Compulsada a fundamentação da matéria de facto, não consta uma única referência. mediata ou imediata, a propósito da verificação do elemento subjectivo e dos meios de prova relativos a tal factualidade, questão primordial em face da prova produzida nos autos, discorrendo-se unicamente na mesma em relação à factualidade objectiva;
4.ª Se da análise crítica não resulta, desde logo, o "porquê" de se afirmar a presença do elemento subjectivo do tipo desobediência, não se pode garantir que na decisão se tenha seguido, em matéria de apreciação da prova, um processo lógico e racional;
5.ª Não tendo sido feita a indicação nem o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal no que diz respeito à matéria de facto a que supra se alude, a sentença é, inquestionavelmente, nula (artigo 379.° n.º 1 a) do CPP);
6.ª Considerando que o quantitativo diário da pena de multa (no caso, €7.00) é fixado pelo tribunal em função da situação económica do arguido e dos seus encargos pessoais (artigo 47º n.º 2 do CP), o que resultou demonstrado na Douta Decisão recorrida a este propósito é de que "O arguido exerce a actividade profissional de industrial de madeiras" (Facto provado em 14);
7.ª Nada mais se tendo demonstrado ou produzido qualquer outra prova sobre a situação pessoal e condições sócio-económicas do Recorrente (designadamente quanto aos seus rendimentos e encargos) e sem que se tenha solicitado relatório social estamos perante uma ostensiva insuficiência para a decisão da matéria de facto no que diz respeito ao quantum diário fixado, vício este previsto no artigo 410.° n.º 3 a) do CPP e que deverá ser declarado com todas as suas legais consequências;
8.ª O “thema decidendum” respeita aos requisitos necessários para que ao Recorrente possa ser assacada a responsabilidade criminal pelos factos de que vem acusado e contidos no tipo incriminador no corpo do artigo 348.°, n.º 1 do Código Penal, por referência ao artigo 100°. n.º 1 do RJUE;
9.ª Para se verificar o crime de desobediência ter-se-ão que verificar os seguintes elementos: (1) ordem ou mandado; (2) legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; (3) competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; (4) regularidade da sua transmissão ao destinatário e (5) violação dessa ordem ou mandado;
10.ª Para averiguar se tal ordem ou mandado foi emitida por quem tinha legitimidade ou autoridade para tal há que verificar se a este lhe foi feita a referida delegação de competências ou de poderes nessa matéria já que a mesma é da competência própria do Presidente da Câmara Municipal (artigos 68.° n.º 2 m) da Lei n.º 169/99. de 18/09 e 102° do RJUE);
11.ª Esta questão remete-nos para o facto necessário de que essa delegação de competências tenha sido efectuada e forma como tem de ser efectuada quer do ponto de vista formal quer substancial para assim ser adequada a ter eficácia externa. nomeadamente na esfera jurídica de terceiros que pela mesma se sintam ou possam ser afectados nos seus direitos;
12.ª Dispõe o artigo 35° do Código do Procedimento Administrativo que a delegação de poderes ou de competência terá obrigatoriamente que ser feito por um "acto de delegação de poderes", o que significa que esse acto terá necessariamente de ser escrito, o qual corno refere, o artigo 37°. n.º 1. do mesmo Código terá de "especificar os poderes que são delegados" - o que reforça a necessidade de tal acto de delegação ter de ser obrigatoriamente escrito, circunstância essa que se mostra. de facto comprovada nos autos;
13.ª A lei exige necessariamente um outro formalismo e que é a exigência constante dos artigos 38º e 123,° n.º 1 a), ambos do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, a de que "o órgão delegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação”;
14.ª Intrinsecamente ligada a esta obrigatoriedade está a montante a necessidade de que aquele acto de "delegação de poderes" ter de ser obrigatoriamente publicado ou publicitado. nos termos no artigo 91° da citada Lei n.º 169/99 que obriga a que a delegação de poderes de qualquer órgão autárquico terá de se publicada no boletim da autarquia. quando exista ou por editais afixados nos lugares de estilo. tal qual o exige. como norma geral para os órgãos em geral da administração. o artigo 37° n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo;
15.ª Estas exigências da Lei não são de menor importância pois que os actos como os de "delegação de poderes" que não tenham sido publicados na forma prevista na lei, deixam de ter qualquer eficácia externa como dispõe o artigo 130º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo ao referir que "a falta de publicidade do acto. quando legalmente exigida. implica a sua ineficácia" isto é, não produzem quaisquer efeitos na esfera jurídica de terceiros;
16.ª Assim, no caso dos autos, atento o conjunto das normas administrativas referidas, constata-se (vide documento de fls. 3 a 6) a falta da menção de que o despacho do Ex.º Sr. Vereador C… que decidiu o embargo da obra em causa foi realizado ou por ele emitido no uso de competência delegada do Ex.º Sr. Presidente da Câmara …, o que faz presumir desde logo a sua não publicidade. nos termos exigidos pela lei e, consequentemente, a sua ineficácia;
17.ª A comunicação do acto administrativo, in casu do embargo, deve obrigatoriamente conter para além da autoridade que o praticou, a menção da delegação de poderes do Presidente da Câmara Municipal o que, no caso dos autos, de todo em todo não existiu;
18.ª Como resulta do documento de fls. 71 e seguintes e dos autos, não se mostra comprovada a publicação da delegação de poderes em causa, condição essencial para a eficácia desses actos sendo, aliás, este um dos aspectos em que claramente se manifesta o acima referido princípio da legalidade estrita dos actos administrativos de toda a administração pública;
19.ª O embargo da obra deve seguir o procedimento previsto no mesmo artigo 102.° n 2 a 8 do RJUE e as notificações previstas deverão ser feitas nos termos fixados nos artigos 66° a 73° do CPA ex vi do disposto no artigo 122.° do mesmo Código, designadamente nos termos do artigo 68.° do aludido diploma legal, o que não aconteceu no caso, como resulta do teor do auto de embargo que faz fls. 5 e 6;
20.ª A decisão do embargo deve ser fundamentada. atento o dever de fundamentação de todo o acto administrativo destinado a afectar direitos de terceiro, in casu do Recorrente, expresso no artigo 124º do CPA e com os requisitos previstos no artigo 125º também do CPA o que, como resulta óbvio do documento de fls. 3 a 6, a mesma não existe pois nem sequer foi dada a conhecer ao Recorrente;
21.ª Não se encontram reunidos os necessários elementos objectivos que a norma incriminadora faz depender a incriminação dos factos ao Recorrente, ou seja, que tal ordem ou mandado tenham sido emanados da autoridade ou órgão competente e que a mesma, necessariamente consubstanciada numa decisão de uma autoridade administrativa, seja legal quer substancialmente quer formalmente;
22.ª Carece a ordem ou mandado dos elementos objectivos e subjectivos tipificados na norma incriminadora do artigo 348°, n.º 1 a) do Código Penal e, assim, tanto basta para que o Recorrente não possa ser condenado pelo crime de que vem acusado;
23.ª A Douta Decisão recorrida violou o disposto no artigo 266,° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 47º n.º 2 e 348º n.º 1 a) do Código Penal: os artigos 7º e 374º n.º 2 do Código do Processo Penal: os artigos 3º nº. 1, 37º nº. 2, 38º, 68º, 123º n.º 1 a) e 130º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 91.° da Lei n.º 169/99 de 18/09;
24.ª A Douta Decisão objecto de recurso fez, pois, uma incorrecta aplicação da Lei e do Direito;
25.ª Pelo que deve ser revogada.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V Ex. doutamente suprirão e por tudo quanto antecede, deverá ser concedido provimento ao recurso, deferindo-se a pretensão exposta, revogando-se a douta decisão censurada, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.
O MP junto do Tribunal “a quo” respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção integral da sentença recorrida
O Ex.º Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra absteve-se de emitir parecer sobre a questão de fundo, por entender ser competente para tal o Tribunal da Relação do Porto.
Proferida decisão sumária do relator, declarando incompetente o Tribunal da Relação de Coimbra para conhecer do recurso interposto nos autos, foi ordenada a remessa a este Tribunal da Relação do Porto.
Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º, 2 do CPP o recorrente respondeu, mantendo a posição defendida no recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação 2.1 Matéria de facto
A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos:
“A. FACTOS PROVADOS
Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento e, discutida a causa, provaram-se os seguintes factos:
1. No dia 14 de Abril de 2011, pelas 11h30m, na Rua …, em …, Ovar, onde estava presente, o arguido foi pessoalmente notificado, por fiscais da Câmara Municipal … para, sob pena de cometer um crime de desobediência, suspender os trabalhos de elevação de um muro de vedação em 0,50m a que procedia naquele local, sem possuir a devida licença.
2. Porém, apesar de notificado de que devia suspender tais obras e ter ficado ciente de que, não o fazendo, cometia um crime de desobediência, o arguido continuou com os trabalhos até final, concluindo a obra, não obstante o embargo efectuado por ordem do Senhor Presidente da Câmara ….
3. Com efeito, quando no dia 10 de Outubro de 2011 os fiscais regressaram à referida Rua …, verificaram que as obras no muro já não estavam no estado em que se encontravam na data do embargo (ou seja, faltando as massas e o reboco de revestimento no interior e exterior do muro, na parte em que foi elevado), mas estavam, sim, concluídas.
4. O arguido determinou-se voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que, dessa forma, desobedecia, como queria e conseguiu, a uma ordem legítima, emanada de autoridade competente, que lhe havia sido regularmente notificada, bem sabendo que, assim, praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis.
MAIS SE PROVOU QUE:
5. O acto de embargo supra referido foi objecto de despacho proferido pelo Exmo. Senhor Vereador C…, tendo sido precedido de levantamento de auto de notícia de verificação de infracção, datado de 04 de Abril de 2011.
6. Na data de levantamento do auto de notícia o arguido não se encontrava presente no local da obra.
7. Do auto de embargo a que se faz referência em 1. (reproduzido a fls. 5/6) mencionou-se que “O estado actual dos trabalhos é o seguinte: para conclusão das obras falta colocação de massas, tanto no interior como no exterior do muro, na parte que foi elevada”, aí se fazendo constar que: “O embargo das obras é total e implica a suspensão imediata dos trabalhos”, cominando-se que “(...) a desobediência à ordem de embargo e de suspensão dos trabalhos (...) é susceptível de constituir crime de desobediência, nos termos do artigo 348.º do Código Penal”.
8. Tal auto mostra-se assinado pelo arguido.
9. Em reunião camarária ocorrida no dia 05/11/2009, foi deliberado aprovar, por maioria, a proposta de delegação de competências reproduzida a fls. 72 a 78, em cujo ponto 28. Se prevê a delegação de competências relativamente à prática de “todos os actos administrativos susceptíveis de delegação e subdelegação no âmbito do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, instituído pelo Dec-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pela Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro (...)”.
10. Por seu turno, por despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Câmara
Municipal … em 05 de Novembro de 2009 foi decidida a “subdelegação e delegação de competências nos vereadores” ali se determinando a nomeação do Exmo. Senhor Vereador Dr. C… para a coadjuvação na realização de tarefas atinentes à gestão urbanística, para cujo desempenho lhe foi concedida a competência, nomeadamente, prevista no ponto 28. supra referido em 9. e, bem assim, nomeadamente, a competência para “Embargar obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos nas situações previstas no artigo 102º” do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), o qual foi objecto da deliberação n.º …/2009, conforme teor de fls. 79 a 83.
11. As competências referidas em 9. e 10. foram mantidas por despachos do Exmo.
Senhor Presidente da Câmara Municipal proferidos em 06 de Julho de 2011 e 20 de Setembro de 2011, conforme teor de fls. 84 a 87 e 88 a 91.
12. Na sequência de pedido apresentado pelo arguido em 14/03/2011 junto da Câmara Municipal …, na qualidade de proprietário do prédio situado na Rua …, em …, para construção de muros de vedação na extensão de 55 m, construção de muros divisórios na extensão de 15 m e abertura de portão com 5 metros, veio a ser emitido, em 30/01/2012, o alvará de obras de construção n.º 22/2012, para construção de muros (divisórios e vedação) em muro confinante com a via pública na extensão de 55 m e para abertura de portão na extensão de 5 m, com início em 30/01/2012 e termo em 02/04/2012, aprovado por Despacho de 12/01/2012.
13. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
14. O arguido exerce a actividade profissional de industrial de madeiras.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhuns.
C. MOTIVAÇÃO
Para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados, o Tribunal procedeu à análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras de experiência comum, nomeadamente, os depoimentos prestados pelos fiscais da Câmara Municipal … (D… e E…), os quais, de forma clara, esclareceram a situação descrita nos autos, referindo, de forma espontânea e precisa a acção empreendida na propriedade do arguido, de elevação do muro e a verificação da falta de licenciamento para o efeito, o que levou a que fosse realizado o embargo da obra, por determinação superior, confirmando o teor de fls. 3 a 6 (auto de notícia e auto de embargo, cujo teor serviu para que se desse como provada a factualidade supra referida nos pontos 1., 5. e 6. e 8.) e o teor da fotografia de fls. 8, que evidencia a construção já finalizada, tendo a mesma sido tirada passados cerca de 6 meses desde a realização do embargo, em acção destinada à verificação estado da obra, tendo então sido constatada a conclusão da mesma, nos termos retratados na fotografia de fls. 8.
Esclareceram, ainda, que o arguido foi notificado pessoalmente de todo o conteúdo do auto de embargo, nomeadamente, o estado das obras e as consequências decorrentes do não acatamento da ordem de embargo (implicando a suspensão imediata dos trabalhos), com expressa cominação de que tal constitui a prática de um crime de desobediência, tendo sido entregue cópia do auto ao arguido, o qual, aliás, assinou na presença dos fiscais, resultando, assim, confirmada a matéria elencada no ponto 8..
Do depoimento dos agentes fiscalizadores e do teor do documento de fls. 7 resultou, ainda, corroborada a matéria elencada no ponto 3..
No que concerne aos depoimentos das testemunha de defesa (F…, G… e H…), os quais procederam à realização dos trabalhos de elevação do muro, as mesmas não mereceram credibilidade por banda do Tribunal, face a que do teor de tais depoimentos resultou a versão de que no hiato de tempo que mediou entre a data de levantamento do auto de notícia e a data de levantamento do auto de embargo as obras foram concluídas, o que já se verificava à data de realização do auto de embargo, pretendendo sustentar, assim, que nenhum desrespeito existiu, face a que as obras se mostravam já finalizadas.
Porém, tal resulta infirmado pelo teor das fotografias reproduzidas a fls. 92/93 (tiradas à data de detecção da infracção) e fls. 94 (tirada à data de verificação do desrespeito do embargo das obras), juntas aos autos na sequência da informação prestada pela Câmara Municipal a fls. 71 e seguintes, para o que foi instada pelo Tribunal (cfr. acta de fls. 63 a 66).
Ora, a fotografia reproduzida a fls. 94 corresponde ao teor da fotografia de fls. 8, que foi identificada pelos fiscais da Câmara como correspondendo às obras já finalizadas, o que foi constatado em data posterior à data em que foi realizado o embargo da obra, mais precisamente, a 10 de Outubro de 2011, conforme se infere da informação constante do documento junto a fls. 7, o que serviu para sustentar o ponto 3. dos factos provados.
Por outro lado, é manifesto que, tendo em conta as regras de experiência comum, acaso se verificasse a circunstância de o muro estar já rebocado, nunca o arguido assinaria o auto de embargo constante dos autos, onde se menciona, quanto ao estado das obras àquela data, que “para conclusão das obras falta colocação de massas, tanto no interior como no exterior do muro, na parte em que foi elevada”, conforme supra se referiu no ponto 7. dos factos provados.
Nestes termos, as testemunhas de defesa não mereceram credibilidade, não tendo resultado sustentada a versão pelas mesmas trazida à audiência de julgamento, nem tendo servido para afectar a credibilidade que mereceu a restante prova coligida nos autos (testemunhas de acusação e prova documental já referida).
Do teor de fls. 72 a 91 resultou a matéria elencada nos pontos 9. a 11. dos factos provados.
Da análise do teor do CRC de fls. 34 extraiu-se a ausência de antecedentes criminais conhecidos ao arguido, conforme referido em 13.
A matéria elencada no ponto 12. resultou da análise do teor dos documentos juntos a fls. 54/55.
Por último, a matéria elencada no ponto 14 resultou da identificação do arguido em audiência de julgamento.
Assim, a ponderação crítica e conjugada de toda a prova referida, a qual foi produzida de acordo com os critérios legais, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção no sentido dos factos que foram dados como provados, no sentido supra exposto, tendo, assim, o Tribunal ficado convencido de que ao proceder ao reboco do muro nos termos retratados na fotografia de fls. 8/94 o arguido agiu sabendo que desrespeitava a ordem de suspensão imediata dos trabalhos constantes do auto de embargo e ciente que, dessa forma, incorria na prática de um crime de desobediência, conforme ali se cominou.
2.2 Matéria de direito
De acordo com a motivação do recurso e respectivas conclusões, o arguido insurge-se contra a sentença recorrida, por entender que: (i) se verifica contradição entre os factos provados em 2 e 5; (ii) existe deficiente exame crítico da prova quanto ao elemento subjectivo do tipo; (iii) há insuficiência da matéria de facto para a decisão e (iv) falta de verificação dos elementos do tipo.
Vejamos cada um destes aspectos, pela ordem da respectiva arguição.
(i) Contradição entre os factos provados em 2 e 5
Diz o arguido que existe contradição entre os factos provados em 2 e 5, pois se o embargo foi determinado por ordem do Ex.º Presidente da Câmara (facto provado em 2), não o pode ter sido igualmente por despacho do Ex.º Vereador C… (facto provado em 5).
É verdade que no ponto 2 se diz “… não obstante o embargo efectuado por ordem do Senhor Presidente da Câmara …”.
E também é verdade que no ponto 5 se diz que o “acto de embargo foi objecto de despacho proferido pelo Ex.º Vereador C… …”
Perante os factos dados como provados nos referidos pontos (2 e 5), é claro que o recorrente tem razão quanto à existência da alegada contradição. O embargo foi ordenado pelo Presidente da Câmara, ou pelo respectivo Vereador (C…). Mas também é verdade que a contradição pode ser desfeita com toda a facilidade, uma vez que o “Auto de Embargo” está junto ao processo e dele consta que foi levado a cabo em “cumprimento do despacho emanado do Vereador C…”.
Assim, modificar-se-á o ponto 2 da matéria de facto provada, o qual ficará com a seguinte redacção:
“2. Porém, apesar de notificado de que devia suspender tais obras e ter ficado ciente de que, não o fazendo, cometia um crime de desobediência, o arguido continuou com os trabalhos até final, concluindo a obra, não obstante o embargo efectuado por ordem do Vereador da Câmara …, C…”.
Como é evidente, a modificação da matéria de facto é totalmente irrelevante para a decisão da causa.
(ii) Deficiente exame crítico da prova quanto ao elemento subjectivo do tipo.
Alega o arguido que da fundamentação da matéria de facto não consta uma única referência ao elemento subjectivo do tipo e aos meios de prova relativos a tal factualidade.
No ponto 4 da matéria de facto deu-se como “provado” (além do mais) que o arguido se determinou “voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que, dessa forma, desobedecia, como queria e conseguiu, a uma ordem legítima”.
Na motivação da decisão proferida sobre matéria de facto, o tribunal não fez uma ligação dos depoimentos e documentos juntos a cada um dos pontos da matéria de facto, mas fez uma análise crítica (global) “de todas as provas produzidas” e, a partir daí, formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados.
A nosso ver, a descrição e análise dos meios de prova indicados na motivação da decisão sobre matéria de facto é suficiente para se compreender a formação da convicção sobre os elementos subjectivos do tipo.
Na verdade, se alguém é notificado de um embargo e lhe é dada uma ordem expressa de que não pode continuar os trabalhos, sob pena de incorrer num crime de desobediência e, apesar disso, continua com esses trabalhos e desobedece a essa ordem, não há duvida de que agiu voluntária, deliberada e conscientemente.
Aliás, o recorrente nem sequer alega (agora ou no decurso do julgamento) a falta de liberdade na sua acção ou a falta de consciência do que estava a fazer, o que se compreende, pois, em condições normais (e não foi alegado o contrário), as pessoas sabem o que fazem e têm plena consciência das suas acções.
Deste modo, não tendo sido alegada qualquer circunstância que, acidentalmente, tivesse privado o arguido de entender e querer o que estava a fazer (do conhecimento da sua acção), a justificação da prova do elemento subjectivo do tipo (dolo) decorre da prática dos factos e das regras da experiência comum. Deste modo, qualquer justificação adicional seria meramente redundante.
(iii) Insuficiência da matéria de facto (provada) para a decisão
Alega ainda o arguido que a taxa diária da pena de multa foi fixada em € 7,00 (sete euros), apenas com a prova de que “o arguido exerce a actividade profissional de industrial de madeiras…” (facto n.º 14), não tendo o tribunal produzido prova sobre os seus rendimentos e encargos e sem ter solicitado relatório social.
Também neste ponto o arguido não tem razão; tendo em vista a aplicação de uma pena de multa, os factos que o Tribunal apurou são suficientes, tendo em conta que, perante factos tão exíguos, optou por uma taxa diária a rondar o mínimo legal (€5,00).
Entendemos assim que os factos fixados foram suficientes para a escolha de uma tão baixa taxa diária da multa, ou seja, a exiguidade da matéria de facto, neste ponto, em nada prejudicou o arguido.
Deste modo, também neste segmento improcede o recurso.
(iv) Falta de verificação dos elementos do tipo.
O arguido insurge-se ainda contra a falta (não verificação) de elementos do tipo (conclusões 8ª a 25ª), alegando que a ordem inerente ao embargo e cuja desobediência constituiu o crime por que foi condenado, não era legal, por falta de publicação do acto de delegação e subdelegação de poderes e por falta de fundamentação.
Antes de mais, deve dizer-se que toda a argumentação do arguido/recorrente é inconcludente. Na verdade, o acto que determinou o embargo, ainda que ferido dos vícios que lhe foram apontados, por se tratar de um acto administrativo (cfr. art. 120º do CPA), era eficaz.
Com efeito, todos os vícios que o arguido aponta ao acto que determinou o embargo e que continha a ordem à qual desobedeceu, eram geradores de mera anulabilidade – cfr. arts. 133º e 135º do CPA.
Ora, de acordo com o art. 127º do CPA, um acto administrativo é eficaz desde que reúna todos os seus elementos constitutivos ou, como diz a lei, o acto considera-se praticado “logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do acto, para esse fim (isto é, para efeitos de eficácia), qualquer motivo determinante de anulabilidade” – cfr. art. 127º do CPA. Ou seja, um acto administrativo, ainda que ferido de vícios geradores de mera anulabilidade, é eficaz (privilégio da execução prévia). Sendo eficaz, a ordem nele contida é material e formalmente válida, enquanto não for anulado o respectivo acto.
Por isso, a jurisprudência tem entendido (e a nosso ver, com todo o acerto) que, na dúvida sobre a legalidade do acto, “mantém-se o dever de obediência”, pelo menos até ao desfecho do meio processual onde a legalidade (anulabilidade) do acto seja impugnada – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-11-2006.
Os actos administrativos gozam do benefício de “execução prévia” e, por isso, o prosseguimento de obra embargada integra o crime de desobediência, já que se trata de uma ordem transmitida na forma legal, substancialmente legitima e dimanada de autoridade competente - Acórdão da Relação de Coimbra, de 16-01-85, citado pelo MP na resposta ao recurso.
Daqui resulta que, não tendo o arguido recorrente imputado ao acto vícios geradores de nulidade, o acto administrativo que continha a ordem é eficaz e, sendo assim, essa ordem é formalmente e substancialmente legítima, pois o acto anulável produz efeitos até ser anulado.
Deste modo, é irrelevante para o processo-crime saber se, no caso, a delegação e subdelegação de poderes (cuja existência se deu como provada) foram ou não publicadas nos termos legais e em que medida a falta de publicação afecta a validade do acto. São questões que o arguido discutirá, se assim o entender, na sede própria, isto é, no processo administrativo adequado, mas que seguramente não são geradoras de nulidade (cfr. Art. 133º do CPA).
O mesmo se diga quanto á falta de fundamentação do acto, pois tal vício também é gerador de mera anulação.
Nestes termos, sendo o acto em causa eficaz, e tendo o arguido sido notificado da ordem (de embargo), com a respectiva cominação (crime de desobediência) e tendo ainda voluntária, livre e deliberadamente desobedecido a essa ordem, é evidente que cometeu o crime por que foi condenado.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Porto, 21/11/2012
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando