CONDOMÍNIO
DELIBERAÇÕES
TÍTULO EXECUTIVO
CRÉDITO EXEQUENDO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Cabe ao administrador do condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo.
II - È título executivo a acta onde se delibera a contribuição do condómino e o prazo de pagamento.
III - A validade do título está dependente da consagração da obrigação necessariamente primeira em relação a uma outra que liquide a quantia devida.
IV - A liquidação da dívida não precisa sequer e ser deliberada, mesmo que deva ser apurada.

Texto Integral

Processo n.º 7549/10.5YYPRT-A.P1

Recorrente – B…
Recorrido – Condomínio …

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância e a decisão em recurso
O C… veio deduzir oposição à execução em que é exequente o Condomínio …, B…, em apenso que, conforme fls. 51 e 52, foi incorporado nestes autos, veio igualmente deduzir oposição, contra o mesmo exequente e pretende que a execução, quanto a si, seja julgada extinta.

O executado fundamenta a sua oposição nos seguintes e sintetizados motivos:
- Nas deliberações de 16.06.2009 e de 23.03.2010 não consta a data de vencimento ou o prazo estabelecido para efeito de quaisquer quotizações aprovadas e, além das quotizações respeitantes ao 2.º semestre de 2009 e ao ano 2010, não consta dos autos qualquer deliberação respeitante a contribuições para o condomínio em qualquer outro período, designadamente o reclamado.
- Sem prescindir, o oponente adquiriu a fração em 19.01.2011 e esta encontra-se sujeita a graves infiltrações de água oriunda das canalizações comuns do prédio, que provocaram já a derrocada de cerca de 0,5m2 do teto do gabinete da gerência, com vários prejuízos. Reclamou às sucessivas administrações a reparação da fuga de água, deparando com a inércia das mesmas. Acresce que há também danos de impermeabilização, objeto de sucessivas denúncias. Em conformidade, mostra-se "clamorosamente ofensiva dos limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito do condomínio a receber as prestações do condomínio oponente, quando se recusa a efetuar as reparações necessárias à eliminação da causa das referidas infiltrações e dos danos por estas causadas"

O exequente contestou (fls. 75 e ss.). Defende que os documentos juntos são título executivo. Com efeito, para as atas assumirem força executiva é necessário desde logo, que fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino: a ata da assembleia de 16 de junho de 2009, aprovou o orçamento do condomínio para o ano de 2009 que foi previamente apresentado aos condóminos, bem como a relação de dívidas, conforme resulta dos documentos juntos com o requerimento executivo; a assembleia de 23 de março de 2010 aprovou o relatório de contas referente ao período de 2010, tendo sido distribuída previamente aos condóminos cópias desse relatório, conforme consta da ata, no ponto 1, e aí constava o montante da contribuição correspondente à fração do executado, bem como o quantitativo total em dívida e o período temporal a que reportava. Em conformidade – acrescenta – "dos documentos emerge que a obrigação é certa, já que do título se ficam a conhecer o objeto e sujeitos, é exigível, pois está vencida, e é líquida, porquanto se acha determinado o seu quantitativo", bem sabendo o oponente que o vencimento das quotizações é trimestral, aliás como resulta das atas". Mais, o facto de no relatório anual surgir, normalmente, como documento anexo, os valores concretamente em dívida pelos condóminos é meio meramente contabilístico apenas para efeito de prestação de contas", ou seja, a ata em que se determina o montante anual a pagar será sempre título executivo, na medida em que fixa a contribuição, não exigindo que contenha, mas podendo constar e resultar da ata, a dívida ou dívidas do condómino relapso; porém, "a ata deverá ser tida logo título executivo, na medida em que fixa o montante da contribuição de cada condómino, com a ressalva, de, naturalmente, não ser impugnada pelo condómino, caso em que, então, deverá ser entendido como a ela ter aderido, reconhecendo, portanto a dívida", e o oponente esteve presente na assembleia de 23 de março e não impugnou a ata de 16 de junho.
- Quanto às penalizações, foram aprovadas em assembleia e constam do regulamento em vigor, pelo que são devidas. Quanto ao mais do alegado, não sendo esta a ocasião para a sua discussão, sempre se diz que "as sucessivas administrações de condomínio têm feito intervenções no que respeita às infiltrações, tendo o oponente já sido indemnizado pelos prejuízos sofridos, quer pela administração anterior quer pela presente administração".

Os autos foram saneados e, fixado o valor da causa, prosseguiram para julgamento. Realizado o julgamento, fixou-se a matéria de facto, provada e não provada[1], em decisão fundamentada[2] (fls. 136/138). Foi proferida sentença que, relativamente ao ora recorrente, decidiu o seguinte: "julgo parcialmente procedente a oposição deduzida por B… e julgo extinta a execução quanto ao montante de €7.021,14 pedidos no requerimento executivo, prosseguindo a execução quanto ao restante".

1.2 – Do recurso
Inconformado, o oponente veio apelar. Pretende a revogação parcial da "sentença, ordenando-se a extinção da execução na quantia excedente a 462,91€, e o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 462,91€" e formula as seguintes Conclusões:
1 - A douta sentença recorrida julgou incorretamente os pontos de facto supra referidos e integralmente aqui dados por reproduzidos e integrados[3].
2 - A ata da reunião da assembleia do condóminos que tiver deliberado sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio, ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar no prazo estabelecido a sua quota parte, constitui título executivo nos termos dos artºs 6º nº 1 do DL 268/94 e 46 nº 1 d) CPC, apenas e só quando delas conste o prazo estabelecido para o pagamento.
3 - Por falta do requisito referido na conclusão antecedente, as atas que instruem a execução não constituem títulos executivos, quanto à quantia de 3.499,73€, constante do anexo 3 à ata de 23.3.2010, tendo assim a douta sentença recorrida, ao decidir em contrário, violado os citados artºs 6º nº 1 do DL 268/94 e 46 nº 1 d) CPC.
4 - Aos títulos a que é atribuída eficácia executiva nos termos do artº 46-1 d) CPC, são aplicáveis os requisitos de certeza exigibilidade e liquidez estabelecidos no artº 802 CPC, verificando-se pelas atas juntas à execução, ainda que pudessem ter eficácia executiva nos termos do artº 6º 1 do DL 268/94, o que sem conceder apenas como hipótese de raciocínio se concebe, não gozar do caráter de certeza da obrigação (pelos motivos antes apontados), no que respeita à quantia de 3.499,73€ inscrita como “saldo inicial” no anexo 3 da ata de 23/3/2010, tendo assim a douta sentença recorrida, violado, também esse preceito legal.
5 - Ao considerar a passagem “devo 3.499,73€ ao condomínio”, atribuída ao recorrente na ata de 23/3/2010, como declaração confessória e atribuindo-lhe o valor de confissão, o Mº Juiz violou os artºs 357-1 e 355-4 CC.
6 - Ainda que se considerassem as atas juntas aos autos revestidas de força executiva, hipótese que sem conceder se concebe, não constando dos factos dados por provados o tempo devido para o pagamento da quantia de 3.499,73€ indicada no anexo 3 à ata de 23.3.2010, nem ter havido interpelação do recorrente para proceder aos pagamentos nela contidos, não se demonstrou a constituição em mora do recorrente, nem a data em que poderia ter ocorrido.
7 - Não constando das atas as datas de vencimento da alegada dívida registada como “saldo inicial” no anexo 3 à ata de 23/3/2010, nem tão pouco os valores que supostamente compõe a importância de 3.499,73€, tal como não constam dos factos dados por provados, faltam os pressupostos de facto que permitem calcular os eventuais juros devidos, falecendo caráter de certeza ao valor de 468,08€ indicado no requerimento executivo, não se encontrando os pressupostos de cálculo naquelas atas ou na factualidade dada por provada.
8 - Igualmente não constando da factualidade dada por provada nos autos ter havido interpelação do ora apelante para pagamento das quotas de condomínio respeitantes ao período de 1.7.2009 a 31.12.2010, não se demonstrou a constituição em mora do ora apelante quanto a esses pagamentos.
9 - Mesmo na hipótese que sem conceder se concebe de se considerar que a douta decisão recorrida julgou acertadamente terem as atas juntas aos autos eficácia executiva, a Douta Sentença quando não julga extinta a execução quanto aos juros peticionados, violou do ponto de vista substantivo, os artºs 804-2, 805-1 e 806 CC.
10 - Na hipótese equacionada na conclusão anterior, a douta sentença recorrida violou ainda, do ponto de vista substantivo o artº 802 CPC, dado não serem exigíveis, nem líquidos os valores peticionados a título de juros moratórios.
11 - A sentença ao considerar dispor a exequente de título executivo, para “o restante” peticionado, compreendendo os 3.639,03€, 468,08€ e juros vincendos, violou os citados artºs 6º DL 268/94, e os artºs 46 nº 1 d) e 802 CPC.
12 - A exequente só dispõe de titulo executivo quanto às quantias de 139,29€ respeitante ao ano de 2009 e de 323,62€, do ano de 2010, num total de 462,91€, pelo que a Sentença recorrida, ordenando o prosseguimento da execução em valor excedente à referida quantia de 462,91€, violou os citados artºs 6º DL 268/94, e os artºs 46 nº 1 d) e 802 CPC.

O recorrido respondeu ao recurso. Vem dizer, em síntese, o seguinte: - Dispõe o art.º 6.º do DL n.º 268/94 “que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui titulo executivo contra o proprietário que deixe de pagar no prazo estabelecido a sua quota parte"; - Não assiste razão ao recorrente quando alega que não consta, expressamente, qualquer referência ou indicação do prazo para o cumprimento da obrigação, uma vez que, conforme resulta da sentença “Para as atas assumirem força executiva é necessário, desde logo, que fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino. Isto é, a ata em que se determina o montante anual a pagar pelo condómino será titulo executivo, na medida em que fixa a sua contribuição, não exigindo que contenha, mas podendo constar e resultar da ata, a dívida ou dívidas do condómino relapso, mas as dividas já existentes, apuradas e conhecidas (…); - Mais, resulta claramente dos títulos executivos juntos e do alegado no requerimento executivo que a ata de 16 de junho de 2010 aprovou o orçamento do condomínio para o ano de 2009 que foi previamente apresentado aos condóminos, bem como a relação das dívidas existentes; - A Assembleia de 23 de março de 2010 aprovou o relatório de contas referente ao período de 2010, tendo sido distribuída previamente aos condóminos cópia desse relatório e aí constava o montante da contribuição correspondente à fração do recorrente, bem como, o quantitativo total em dívida e o período temporal a que se reportava, bem como na Assembleia de 2010 as contas relativas a esse ano e as quotizações em dívida nesse momento, foram aprovadas; - Dos documentos juntos emerge que a obrigação é certa, já que do título executivo se ficam a conhecer o objeto e sujeitos. É exigível, na medida que está vencida, e é líquida, porquanto se acha determinado o seu quantitativo, sabendo o recorrente que as quotizações se venciam trimestralmente, aliás como resulta das atas; - Pela análise das atas resulta fixado o montante que o executado está obrigado a pagar e o seu vencimento, verificando-se perfeitamente de fls. 22 a 26 e 29 que estão delimitados os períodos temporais a que se referem os débitos reclamados, tal como foi afirmado em Audiência pela testemunha arrolada pelo recorrido e pelos depoimentos de parte, conforme resulta da audição das gravações; - Mais, a ata em que se determina o montante anual a pagar pelo condomínio será sempre título executivo, na medida em que fixa a sua contribuição, não exigindo que contenha, mas podendo constar e resultar da ata, a dívida ou dívidas do condómino relapso, mas dívidas já existentes, apuradas e conhecidas; - O executado esteve presente na Assembleia de 23.03.2010 e não impugnou a ata de 16.06.2009; - Pelo que esteve bem o Meritíssimo Juiz quando na sentença decide “Consta expressamente da ata de 23 de março de 2010, junta a fls. 16 da execução, que a administração do condomínio remeteu para os quadros três (Balanço da frações do exercício de 2009) apresentado na reunião que dá a real dimensão dos valores que se encontram em divida relativos às quotizações dos condóminos em mora no final do ano, tendo a apresentação de contas sido votada e aprovada por maioria, com a abstenção, entre outras, do condómino da fração AV”; - Mais, ao contrário do que alega, o recorrente, conforme resulta da sentença, confessou-se devedor: “o opoente confessa-se devedor de €3.499,73 ao condomínio. Tal quantia consta do Balanço das frações do exercício de 2009 (junto a fls. 22 da execução) …” tendo o Juiz interpretado e bem, aquela declaração como uma confissão de dívida; - Ao contrário do que quer fazer crer o recorrente quando refere “desde logo basta atentar que aquela declaração atribuída ao ora recorrente, surge no ponto 2 da ordem de trabalhos, respeitante à eleição da administração do condomínio para o ano de 2010….”, tal declaração foi escrita pelo próprio punho do recorrente em carta entregue à administração, datada de 23/3/10, carta essa assinada pelo recorrente, em que o próprio escreve “Devo 3.499,73 euros ao Condomínio”; - Não assiste igualmente razão quanto aos juros vencidos e vincendos, juros contabilizados desde o vencimento das quotizações até à data da execução, tendo o recorrido sido sempre interpelado para o pagamento e da necessidade do seu cumprimento.

O recurso foi recebido nos termos legais e, nesta Relação, o processo correu Vistos. Nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso
Definidas pelas conclusões do recorrente, as questões que importa resolver são as seguintes:
1.3.1 – Se a sentença fixou incorretamente determinados pontos da matéria de facto.
1.3.2 - Se as atas que instruem a execução não constituem títulos executivos (quanto à quantia de 3.499,73€, constante do anexo 3 à ata de 23.3.2010).
1.3.3 - Se não podia considerar-se uma declaração confessória a passagem “devo 3.499,73€ ao condomínio”, atribuída ao recorrente na ata de 23.3.2010.
1.3.4 - Se, mesmo que se considerassem as atas revestidas de força executiva, não constando dos factos dados por provados o tempo devido para o pagamento da quantia de 3.499,73€ indicada no anexo 3 à ata de 23.3.2010, nem tendo havido interpelação do recorrente para proceder aos pagamentos nela contidos, não se demonstrou a constituição em mora, nem a data em que poderia ter ocorrido.
1.3.5 – Se, por consequência, faltam os pressupostos de facto que permitem calcular os eventuais juros devidos, falecendo caráter de certeza ao valor de 468,08€ indicado no requerimento executivo.

2 - Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto, na qual se sublinha a parte que respeita ao ora recorrente:
A) Em 16 de junho de 2009 realizou-se uma assembleia geral do condomínio do edifício sito na Rua …, .., no Porto, nos termos e com o conteúdo constantes de fls. 7 a 10 da execução apensa.
B) Em 23 de março de 2010 realizou-se uma assembleia geral do condomínio do edifício sito na Rua …, .., no Porto, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 15 a 21 da execução apensa.
C) Entre C1…, S.A., e B… foi celebrado um contrato de locação financeira imobiliária nº …….., nos termos e com o conteúdo constante de fls. 12 a 22.
D) Em 21 de janeiro de 2011 foi registada na conservatória do registo predial a aquisição por B… da fração AV, correspondente a uma loja na cave, com entrada pelo nº … da Rua …, no Porto.
E) Por carta registada com aviso de receção datada de 15 de março de 2010, a D…, Lda., enviou ao C… notificação nos termos e o conteúdo constante a fls. 44 e 45.
F) Por carta registada com aviso de receção datada de 25 de janeiro de 2011, a D…, Lda., enviou ao C1…, S.A., notificação nos termos e o conteúdo constante a fls. 47.
G) Com data de 16 de setembro de 1998 foi registada na conservatória do registo predial a aquisição da fração AV, correspondente a uma loja na cave, com entrada pelo nº …. da Rua …, no Porto, a favor da E…, S.A.
H) Com data de 16 de julho de 2004 foi registada na conservatória do registo predial a locação financeira da fração AV, referida em G, pelo período de 7 anos, com início em 17 de julho de 2003, a favor de B….
I) A fração AV teve problemas de infiltração de água, tendo sido pagas ao opoente B…, a título indemnizatório, as verbas constantes de fls. 107 a 110.

2.2 – Aplicação do direito.
1.3.1Se a sentença fixou incorretamente determinados pontos da matéria de facto.
A questão colocada, pressupõe uma outra, anterior e de cariz processual, que importa esclarecer. Consiste em saber se o recorrente está ou não a impugnar a matéria de facto.

A impugnação da matéria de facto está condicionada ao cumprimento de determinados ónus de alegação, desde logo, e nos termos conjugados dos artigos 712, n.º 1 e 685 – A do CPC (na redação aplicável) à indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente sobre esses pontos de facto.

O recorrente não cumpriu o ónus acabado de referir, porquanto, desde logo, o que o mesmo contesta não são os factos que constam dos documentos para os quais remete o despacho que, na 1.ª instância, fixou a matéria de facto relevante, mas a interpretação, as conclusões ou as ilações que a sentença retira dos mesmos documentos.

Importa dizer que a aplicação do direito aos factos provados será o caminho normal de qualquer sentença; já não o é, porém, deduzirem-se os factos relevantes a partir da aplicação do direito. Quando assim ocorre será caso de apurar se a matéria de facto não se revela contraditória, obscura ou, como normalmente sucederá, deficiente e de chamar à colação o disposto no artigo 712, n.º 4 do Código do Processo Civil. No entanto, mesmo quando tal ocorre, a previsão anulatória prevista no citado preceito cederá, sempre que o tribunal de recurso dispõe de todos os elementos probatórios que fundaram a decisão da 1.ª instância.

No caso presente, constam do processo todos esses elementos, já que dele consta, relevantemente, o requerimento executivo. Por outro lado, e não menos importante, não obstante a remissão feita para os documentos, o que verdadeiramente está em causa na oposição e no recurso é saber se esses documentos – e em que medida ou por que montante – constituem título executivo e, por isso, é a partir deles que se aprecia o mérito da apelação.

No fundo, a questão é sempre a enunciada em 1.3.2: Se as atas que instruem a execução não constituem títulos executivos, mormente na parte em que o recorrente discorda (quanto à quantia de 3.499,73€, constante do anexo 3 à ata de 23.3.2010 e, consequentemente, os juros), pois, no restante, o apelante fora já absolvido ou aceita.

Para apreciar a questão principal (existência de título executivo) e as subsequentes (confissão e juros) vamos enumerar o conjunto de factos que, relativos ao oponente, se extraem diretamente do requerimento executivo e das atas, em especial da de 23 de março e seus anexos. Assim:
1 – No requerimento executivo o recorrido, depois de invocar a sua legitimidade, veio referir o seguinte:
a) A executada Banco é proprietária da fração autónoma designada pela letra "AV", sendo o executado locatário, uma vez que em 17.07.2003 foi realizado entre os executados contrato de locação financeira da fração;
b) Por deliberação da assembleia de condóminos de 23.03.2010, foi acordado proceder à cobrança de dívida das quotizações em atraso;
c) Foi aprovado ainda, na assembleia de 16.06.2009, o orçamento para vigorar no restante ano de 2009, sendo o valor total a distribuir de acordo com as respetivas permilagens, conforme consta do respetivo orçamento que se junta e se dá como reproduzido;
d) Sendo fixado o montante de 269,21€ como quotização trimestral relativamente à fração AV, num total anual de 1.076,84€ para os anos de 2006, 2007 e 2008 e 1.º semestre de 2009, o montante de 69,66€ como quotização trimestral para o ano de 2009, conforme consta do anexo da respetiva ata n.º 34 e da relação de dívidas, que se juntam e aqui se dão como reproduzidos;
e) E para o ano de 2010 o montante de 69,66€ no 1.º semestre e de 92,15€ no segundo semestre, conforme consta do anexo da respetiva ata n.º 35, que se junta e ser dá como reproduzido;
f) Foram igualmente aprovadas, em 23.03.2010, as contas relativas ao ano de 2010 e quotizações em dívida nesse momento, conforme consta do anexo da respetiva ata n.º 35, que se junta e se dá como reproduzido;
g) Apesar de vencidas tais mensalidades e de devidamente interpelados para procederem ao pagamento das respetivas prestações do condomínio, os executados não procederam ao seu pagamento;
h) Os executados tomaram conhecimento das deliberações aprovadas nas citadas reuniões, não as tendo impugnado;
i) No dia 23.03.2010 estava em dívida o montante de 3.639,00€, conforme consta da respetiva ata n.º 35, fls. 8, que se junta e se dá como reproduzida;
j) Ao que acresce o montante de 323,62€, relativo às quotizações de 2010;
l) Num total de 3.962,64€;
m) Estando em dívida atualmente a quantia total de 807,63€ relativa ao 1.º a 3.º trimestre de 2008, no montante de 1.076,84€ do ano de 2007 no montante de 1.076, 84€, do ano de 2008 no montante de 538,42€, do 1.º semestre de 2009 no montante de 139,32€, do 2.º semestre de 2009 no montante de 139,32€ do 1.º semestre de 2010 e no montante de 184,30€ do 2.ª semestre de 2010;
n) Ao montante em dívida acrescem a título de penalidade a quantia de 7.021,14€, correspondente a 5% ao mês sobre o valor do recibo, conforme regulamento do condomínio, aprovado e em vigor;
o) Ao valor em dívida acrescem juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde o respetivo vencimento, até efetivo e integral pagamento;
p) Sendo que, até à presente data, os juros vencidos ascendem ao montante de 468,09€;
q) Totalizando a quantia devida o montante de 11.451,85€;
r) As atas de assembleia de condóminos que se juntam, constituem título executivo, nos termos do artigo 46, al. d) do CPC e Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
2 – O recorrido intentou a execução para pagamento das seguintes quantias:
2.1 - 3.639,02€, referentes em dívida à data de 23/3/2010 (artigo 11 do requerimento executivo);
2.2 - 323,62€ referentes a quotizações de 2010 (artigo 12 do requerimento executivo);
2.3 - 7.021,14€ referentes a penalizações (artigo 15 do requerimento executivo);
2.4 - 468,08€ referentes a juros vencidos contados à taxa legal de 4% desde o respetivo vencimento, até à data da instauração da execução (artigo 17 do requerimento executivo) e
2.5 - Juros vincendos à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.
3 – Conforme ata da assembleia realizada a 17.06.2009 (fls. 218 a 222):
a) Estiveram presentes os condóminos que assinaram a lista de presenças anexa à ata e representam 34,8% do capital investido;
b) A ordem de trabalhos era a seguinte: (…) 3 – Discussão e aprovação do orçamento do condomínio para o ano de 2009, bem como deliberação sobre a repartição das despesas pelas diversas frações que constituem o condomínio (artigo 14.º do Regulamento); 7 – Outros assuntos do interesse geral do Condomínio;
c) "Ponto três: Foram distribuídos pelos presentes dois orçamentos e explicadas as diferenças entre eles: enquanto o Orçamento (1) não fazia distinção entre frações habitacionais e garagens, o Orçamento (2) fazia essa separação, tendo em atenção o estipulado no Art.º 14 do Regulamento do Condomínio. Uma vez prestados todos os esclarecimentos solicitados foi aprovado pelos presentes o Orçamento m(2) apresentado pela D…, em anexo, a vigora a partir de 1 de julho de 2009, com os seguintes votos contra e abstenções: - votos contra das frações W e X, por o seu proprietário considerar que as suas quotas, apesar de terem baixado, continuam a ser muito altas; - abstenção das frações F, AX, BWQ, CR, DH, DP, DY, EE e EK, representadas pelo Sr. F…, por considerar muito elevado o peso da rubrica portaria no total do Orçamento, sugerindo a eliminação do serviço de porteiro durante o dia. Esta opinião foi no entanto imediatamente contestada por outros condóminos presentes que consideram fundamental a existência de um serviço de portaria permanente".

4 – Do anexo de fls. 223 consta – ainda que riscada – a fração AV com a Quota anual de 457,86€ e a trimestral de 114, 47€.
5 – A fls. 224 consta a Quota anual da Fração AV como sendo 278,65€ e a trimestral de 69,66€.
6 – Da ata respeitante à assembleia de 23.03.2010 (fls. 227 a 233) consta o seguinte:
a) Estiveram presentes ou devidamente representados por procuração os condóminos identificados na lista de presenças anexa à presente ata, representando um terço do capital investido;
b) "Primeiro ponto: Apresentação, discussão e aprovação de contas respeitantes ao segundo semestre de 2009. A senhora Presidente, ao abordar o primeiro ponto da ordem de trabalhos foi imediatamente interrompida pelo S. Eng. B…, condómino da fração AV, o qual alegando que não sendo a sala onde se realizam as reuniões propriedade do condomínio, a mesma poderia ser adquirida por usucapião, passando assim a pertencer a este condomínio, pretendendo igualmente expor a leitura de uma carta que o mesmo se fazia acompanhar na Assembleia. No entanto, e com muita insistência, dado que o mesmo pretendia continuar a usar da palavra, a Sra. Presidente e a Dr. G… informaram que esses assuntos não eram objeto da ordem de trabalhos, remetendo-o para tecer essas considerações quando se chegasse ao ponto seis, ao que o mesmo respondeu que queria que todos ouvissem o que tinha para dizer, porque no fim da reunião podia já não haver ninguém na sala (…) A administração do condomínio remeteu para o quadro três (Balanço das frações do exercício de 2009) apresentado na reunião que dá conta da real dimensão dos valores que se encontram em dívida, relativos às quotizações dos condóminos em mora no fim do ano. Submetida a votação a apresentação de contas foi aprovada com vinte e três vírgula oitenta e sete por cento dos votos a favor e nove vírgula quarenta e seis por cento de abstenções correspondentes aos proprietários das frações DX, AV, AX, CR, DH, DP, DY, EE, EK, F, L e BQ.";
c) "Segundo ponto: Eleição da Administração do condomínio para o ano de 2010. De seguida a senhora Presidente passou à leitura do segundo ponto e o condómino da fração "AV" perguntou o que pretendia fazer esta administração, ao que a Dra. H… respondeu que iria continuar a querer receber as quotizações em falta, que os custos com essas cobranças seriam imputados aos condóminos devedores, iria pagar atempadamente a fornecedores e fazendo as obras necessárias e prioritárias. Colocada à votação, a administração foi eleita com trinta e um vírgula sete por cento dos votos a favor e um vírgula sessenta e três por cento dos votos contra, correspondente ao condómino da fração AV, que a título de declaração de voto passou a ler a carta que se passa a transcrever: "(…)Sou proprietário da fração AV. Devo 3.499,73 euros ao condomínio. Tenho há vários anos o teto do interior da loja com um buraco de meio metro quadrado e dois baldes a aparar água. A alcatifa suja e pobre. Vive-se sem salubridade. Para usar o meu gabinete passo por cima de baldes e por vezes caem-me pingas de água na cabeça. A pala exterior continua a deixar passar água. Já tinha cordado com a anterior administração pagar o valor em dívida logo que que as anomalias estejam reparadas ou pagar ao empreiteiro por conta do condomínio desde que este gerisse a obra e o orçamento. Solicitei uma reunião a esta administração que me mandou duas senhoras mal dispostas, que nem sequer se dignaram verificar as anomalias. Afinal os condóminos são clientes ou fornecedores da nova administração. Parece que temos o papel invertido. Quem paga ba estes senhores para trabalharem para nós?".
d) "Quarto ponto: Apresentação, discussão e aprovação do orçamento das receitas e despesas para o ano corrente – dois mil e dez. De seguida, a senhora Presidente passou a ler o ponto quatro que versa sobre a apresentação, discussão e aprovação do orçamento das receitas e despesas para o corrente ano (…) Colocado à votação, o orçamento foi aprovado com vinte e três vírgula setenta e sete por cento dos votos a favor e nove vírgula cinquenta e seis por cento de abstenções relativas às frações DF, AV, AX, CR, DH, DP, DY, EE, EK, F, L e BQ".
e) "Sexto ponto: Deliberação sobre outros assuntos que sejam propostos no decorrer da Assembleia. A advogada, no seu uso da palavra, deu a conhecer à assembleia não só a situação dos processos judiciais em curso como as diligências encetadas, via CTT, para recuperação dos valores em dívida junto dos condóminos em mora, verificando-se que nalgumas situações os pagamentos acabaram por ser realizados (…) No que se refere à fração AV, em que é executado o C1…, SA este foi condenado ao pagamento das quotas em dívida, prestou caução e apesar de terem interposto recurso para a Relação foi rejeitado (…) A advogada, na sequência da declaração de voto realizada pelo condómino da fração AV, explicou à assembleia que em oito de outubro de 2009 o mesmo enviou carta à administração que passou a ler: Solicitamos o favor de com caráter de urgência seja marcada uma reunião tendo em vista esclarecer a dívida do condomínio (…). Em 2 de novembro foi enviado um mail propondo uma reunião, mas nunca foi respondido. Cerca de três semanas depois tentou-se novo contacto e atendeu um funcionário que ficou de transmitir o recado. Em doze de janeiro de 2010 o condómino da fração AV enviou nova carta, com o seguinte conteúdo (…): a fim de serem resolvidos definitivamente toda a problemática estre a loja e condomínio agradecemos marcação de reunião com urgência (…). Em conformidade, a advogada explicou que a D… lhe solicitou para responder ao conteúdo da carta pela simples razão dessa fração ter um processo executivo para cobrança de dívida de quotas de condomínio. Assim a advogada informou que enviou o seguinte "FAX" a 18.01.2010: (…) que nos encontramos disponíveis para a realização da reunião no próximo dia 21 de janeiro de 2010, pelas 15 horas (…) A advogada explicou aos presentes que nesse dia e hora se deslocou ao local referido e não se encontrava lá o Sr. Eng., tendo o funcionário da loja telefonado e informado que mandaria alguém em seu lugar (…) Passados quase quinze minutos a advogada foi perguntar ao funcionário se ainda ia demorar muito, ao que o mesmo voltou a ligar tendo o Eng. dito ao seu funcionário para ele ir mostrando as instalações às pessoas presentes. Na sequência do sucedido a advogada disse que os presentes se recusavam a visitar as instalações, informando o funcionário da loja que se haviam ali deslocado para uma reunião (…) Continuou a advogada a explicar que em 11.03.2010 o condómino da AV enviou outra carta, que passou a ler: Solicitei uma reunião na minha loja a fim de ser verifico no local as razões que nos levam desde há anos a não pagar condomínio (…) Para nosso espanto mandaram-nos uma ou duas emissárias que erradamente se recusaram a conhecer o teor da reunião solicitada. Se nada for resolvido até à próxima reunião de condomínio, lá iremos para em plena reunião esclarecer este assunto e dar a conhecer a todos os condóminos a qualidade de serviços que uma Excelência nos pretendem dar (…). A advogada no seguimento da leitura desta carta, explicou mais uma vez que a administração do condomínio esteve presente, juntamente com a advogada., à hora, dia e no local agendado para a reunião, quem não esteve lá foi o condómino da fração AV (…) Ninguém mais desejando usar da palavra, a senhora Presidente deu por encerrada a sessão (…)".
7 - A fls. 234, como anexo da ata da assembleia consta um "balanço das frações do exercício de 2009. No respeitante à fração AV, em nome de Eng. B…, consta: "Saldo inicial – 3499, 73"; "Período de 01.07.2009 a 31.12.2009 – Débito: 139,29; Crédito: 0,00"; "Saldo Final – 3.639,02".
8 – A fls. 238, como "quotas do 1.º semestre e do 2.º semestre" consta, relativamente à fração AV, respetivamente, "69,68" e "92,15".
9 - Na "Relação de dívidas", a fls. 241, consta, em relação à fração AV:
a) Dívidas até 2006 – 2.830,85 – C1…;
b) Dívidas de 2006 a 2010 – 3.499,73 – B… (Eng.).

Prosseguindo.

Feito o esclarecimento que antecede, correspondente à enumeração dos factos para que remetem as alíneas a) e b) do despacho que fixou a factualidade relevante e da sentença que a repetiu, importa aplicar o direito, tendo-os em conta.

1.3.2 - Se as atas que instruem a execução não constituem títulos executivos (quanto à quantia de 3.499,73€, constante do anexo 3 à ata de 23.3.2010).
A primeira questão que o recurso suscita é a de saber se o Condomínio se muniu de título executivo bastante quando intentou a execução a que estes autos se opõem. Importa saber como respondeu a 1.ª instância a esta mesma questão. Na sentença sob censura, depois de se apreciar a oposição do Banco executado, deixou-se escrito o seguinte:
"Dispõe o artº 6º do DL nº 268/94 que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. Por seu turno, o artº 1424º nº 1 do Código Civil refere que salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. Para as atas assumirem força executiva é necessário, desde logo, que fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino. Isto é, a ata em que se determina o montante anual a pagar pelo condómino será sempre título executivo, na medida em que fixa a sua contribuição, não exigindo que contenha, mas podendo constar e resultar da acta, a dívida ou dívidas do condómino relapso, mas as dívidas já existentes, apuradas e conhecidas – Ac. RP de 16/05/2007, processo nº 0732268, Relator Gonçalo Silvano, in dgsi. Também no Ac. RP de 17/01/2002, processo nº 0131853, relator Sousa Leite, in dgsi, se decidiu que o nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94 de 25/10 não faz depender a eficácia das atas da assembleia de condóminos, como título executivo, da inserção nas mesmas do quantitativo relativo à dívida ao condomínio, por parte daqueles condóminos contra os quais o administrador venha a instaurar a competente acção judicial. A acta da reunião da assembleia de condóminos em que tenha sido aprovado o montante das despesas a satisfazer por cada um daqueles constitui título executivo, integrável no domínio dos títulos executivos particulares. No mesmo sentido vão os acórdãos da mesma Relação de 21/04/2005, processo nº 0531258, relator Ataíde das Neves e processo nº 0450201, de 19 de fevereiro de 2004, relator Pinto Ferreira, todos in dgsi. A exequente alegou no seu requerimento executivo que foram aprovadas na assembleia de 2010 as contas relativas a esse ano e as quotizações em dívida nesse momento, conforme consta do anexo da acta nº 35. Consta expressamente da acta de 23 de março de 2010, junta a fls. 16 da execução, que a administração do condomínio remeteu para o quadro três (Balanço das frações do exercício de 2009) apresentado na reunião que dá a real dimensão dos valores que se encontram em dívida relativos às quotizações dos condóminos em mora no final do ano, tendo a apresentação de contas sido votada e aprovada por maioria, com a abstenção, entre outras, do condómino da fração AV. Aliás, na mesma acta (fls. 17 da execução), o opoente confessa-se devedor de €3.499,73 ao condomínio. Tal quantia consta do Balanço das frações do exercício de 2009 (junto a fls. 22 da execução), para onde a acta junta a fls. 16 da execução remete expressamente. O opoente esteve presente na assembleia de condóminos realizada em 23 de março de 2010 e não impugnou (artº 1433º do CC) as deliberações ali tomadas (resultando até dali que se absteve), razão pela qual não é este processo a sede própria para vir discutir o por si alegado, designadamente no artº 12 da sua oposição, quanto à alegada exclusão de tal ponto na ordem de trabalhos.
Quanto à alegada omissão da data de vencimento ou prazo das quotizações (artº 16º da p.i. do opoente), verifica-se dos elementos anexos às actas (fls. 22 a 26 e 29) que estão delimitados os períodos temporais a que se referem os débitos reclamados. De igual forma, a alegação contida no artº 17º da p.i. sobre a omissão de deliberação para outros períodos que não 2009 e 2010, soçobra a alegação do opoente. Como já supra referi, consta expressamente da acta, fls. 16 da execução, a remessa para os elementos anexos, Balanço das fracções do exercício de 2009, os valores em dívida relativos às quotizações dos condóminos. Como se decidiu no AcRL de 7 de julho de 2011, processo nº 42780/06.9YYLSB. L1-2, relatora Teresa Albuquerque, in dgsi, atas (…) em que a assembleia de condóminos delibera, enquanto expressão da vontade coletiva do condomínio, que em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinado montante, referente a um ou vários anos, explicitando a origem das diversas parcelas que compõem esse montante abrangem, por definição, porque as pressupõem, as pretéritas deliberações das assembleias em que resultou fixada a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, e a que título, bem como o prazo do respetivo pagamento. Improcedem, assim, as alegações do opoente quanto aos montantes pedidos por quotizações".

Vejamos.

No caso presente está em causa, enquanto título executivo, um documento particular, concretamente a ata de assembleia de condóminos e, nos termos do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei 268/94, de 25 de outubro, “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

O Decreto-Lei 268/94 procurou, como esclarece o seu preâmbulo, "soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”.

Saber exatamente quais as atas das assembleias de condóminos que constituem títulos executivos bastantes ou, no fundo, que requisitos devem ter as mesmas, é questão que não tem obtido resposta uniforme da jurisprudência.

E a questão relevante é saber se apenas são título executivo as atas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, ou se também o são as atas que traduzam uma deliberação que liquida os montantes em dívida por cada condóminoC:\Documents and Settings\fa00140\Os meus documentos\Jurisprud%E2%94%9C%C2%ACncia\C%E2%94%9C%C2%A1vel\2%E2%94%AC%C2%AC Sec\Dr. Carlos Gil\Proc. n%E2%94%AC%E2%95%91 15710 CARLOS GIL.doc - _ftn8.

No primeiro caso, se assim o podemos dizer, exige-se o documento que consubstancia a obrigação; no segundo caso, é bastante o documento que a liquida, ainda que, naturalmente pressupondo a obrigação.

Não considerarmos "que a detenção de um título executivo em que o devedor não teve intervenção não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo por isso ao Administrador do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo, quando os mesmos sejam impugnados pelo devedor[5]", mas já entendemos que a teleologia do diploma que instituiu este título executivo, pretendendo "soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal" não significa que sejam as atas de liquidação, também elas, título executivo.

Importa referir, com efeito, que a eficácia se obtém quando a ata onde se delibera a contribuição do condómino e o prazo de pagamento, necessariamente primeira em relação a uma outra que liquide a quantia já devida, pode desde logo ser dada à execução. Sem qualquer prejuízo para o Condomínio, acrescente-se, pois a liquidação pressupõe e necessita dessa ou dessas primeiras deliberações.

Entendemos, por outro lado, com todo o respeito por outra e melhor opinião, que a validade do título está dependente da consagração da obrigação, que não propriamente da dívida. E que a letra do artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei 268/94, fazendo referência ao prazo estabelecido, também nos encaminha para este entendimento. Também a referência às quantias "devidas", em nosso entendimento, tem o sentido obrigacional e não o de quantias "em dívida".

Neste entendimento, a liquidação da dívida não precisa sequer de ser deliberada, mesmo que deva ser apurada. O título deve ser a deliberação que lhe impor, ao proprietário, determinada obrigação, um pagamento de certo montante e em determinado prazo.

Acrescentamos (sem prejuízo do que se disse anteriormente a propósito da divergência jurisprudencial e colhendo o labor levado ao acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2012, já citado) que nenhum dos acórdãos desta Relação do Porto, referidos na decisão da 1.ª instância, defende coisa diversa do que ora dizemos. Defende-o, é certo, o acórdão da Relação de Lisboa, que também é citado, mas discordamos da interpretação por ele dada ao n.º 1 do citado artigo 6.º do Decreto-Lei 268/94.

No caso presente, como resulta dos factos enumerados, a ata junta ao requerimento executivo, e só a segunda delas releva na oposição do recorrente, por remissão para o seu anexo, apenas liquida as prestações que, até então, estariam em dívida. Nada é junto – e nem sequer concretamente alegado no requerimento executivo – que permita conhecer a deliberação ou deliberações que determinaram a prestação do condomínio ou o prazo do seu pagamento.

Em conformidade, entendemos que o título (ata) não é um título executivo válido, salvo na parte – e aí como tal reconhecido pelo próprio oponente – em que estipula as contribuições concretas e futuras.

1.3.3 - Se não podia considerar-se uma declaração confessória a passagem “devo 3.499,73€ ao condomínio”, atribuída ao recorrente na ata de 23.3.2010.
Da conclusão precedente procederia, é bem de ver, a apelação do oponente. No entanto, importa colocar a questão da "confissão da dívida".

A decisão da 1.ª instância, tendo considerado título executivo válido as atas dadas à execução, igualmente considerou, na fundamentação da decisão, que, para mais, o executado havia confessado a dívida.

Tal conclusão funda-se na passagem, constante da de 23.03.2010, em que o executado decidiu ler uma carta, onde, além do mais, escrevera "(…)Sou proprietário da fração AV. Devo 3.499,73 euros ao condomínio. Tenho há vários anos o teto do interior da loja com um buraco de meio metro quadrado e dois baldes a aparar água. A alcatifa suja e pobre. Vive-se sem salubridade. Para usar o meu gabinete passo por cima de baldes e por vezes caem-me pingas de água na cabeça. A pala exterior continua a deixar passar água. Já tinha cordado com a anterior administração pagar o valor em dívida logo que que as anomalias estejam reparadas ou pagar ao empreiteiro por conta do condomínio desde que este gerisse a obra e o orçamento. Solicitei uma reunião a esta administração que me mandou duas senhoras mal dispostas, que nem sequer se dignaram verificar as anomalias. Afinal os condóminos são clientes ou fornecedores da nova administração. Parece que temos o papel invertido. Quem paga a estes senhores para trabalharem para nós?".

O recorrente insurge-se contra a interpretação da 1.ª instância, que viu naquela declaração uma declaração confessória. Vejamos.

É inequívoco que o recorrente, na reunião da assembleia de condóminos, se declarou devedor ao condomínio de uma determinada quantia. Essa quantia, por ele concretizada, corresponde precisamente ao valor que a Administração do Condomínio inscreve na "Relação de dívidas" (anexo à ata, agora a fls. 241). Terá tal declaração um valor confessório?

Entendemos que sim: a declaração em causa foi feita em documento particular dirigido à Administração do condomínio e o conteúdo desse mesmo documento particular foi levado à ata da assembleia do condomínio pelo próprio declarante (358 do Código Civil – CC).

E se é certo que a declaração confessória da dívida é acompanhada da narração de outros factos que a parte contrária não aceitou (artigo 360 do CC), estes distinguem-se do reconhecimento da dívida, propriamente dito. Ou seja, o oponente reconhece inequivocamente a dívida ao condomínio (no exato valor por este reclamado) e apenas faz depender o seu cumprimento – que não a sua existência – de uma prestação devida pelo condomínio. Dito de outro modo, esses outros factos – que acompanham a confissão – não a tornam ineficaz.

Entendemos, por isso, que a confissão do oponente é válida e eficaz e, como consta da ata dada à execução, permite que esta seja considerada, nessa parte, título executivo válido.

Em conformidade e por esta razão, improcede a apelação quanto à quantia confessada e que, enquanto capital devido, era a única em causa nesta apelação.

As demais questões que o recurso suscitava (1.3.4 - Se, mesmo que se considerassem as atas revestidas de força executiva, não constando dos factos dados por provados o tempo devido para o pagamento da quantia de 3.499,73€ indicada no anexo 3 à ata de 23.3.2010, nem tendo havido interpelação do recorrente para proceder aos pagamentos nela contidos, não se demonstrou a constituição em mora, nem a data em que poderia ter ocorrido; 1.3.5Se, por consequência, faltam os pressupostos de facto que permitem calcular os eventuais juros devidos, falecendo caráter de certeza ao valor de 468,08€ indicado no requerimento executivo) podem apreciar-se conjuntamente e prende-se a eventual falta de interpelação do devedor e o consequente início da mora.

Nesta parte, atendendo à matéria de facto provada (que a aquela para que se remete na decisão da 1.ª instância e que aqui se enumerou) devemos dar parcial razão ao executado.

Efetivamente, não nos parece resultar dos títulos dados à execução o momento de constituição em mora do recorrente.

No entanto, ela aconteceu necessariamente antes da propositura da ação executiva, conforme resulta do facto n.º 1, alínea g). Dito de outro modo, o momento da interpelação, que sempre ocorria com a citação na execução, pode fixar-se em ocasião anterior à do requerimento executivo e, por isso, os juros são devidos desde esta ocasião (instauração da execução).

Em conformidade, e quanto aos juros reclamados pelo exequente – objeto de desacordo nesta sede – a apelação procede no montante correspondente à liquidação anterior à instauração da execução.

Em suma, o recurso é procedente apenas nesta parte, e só nessa deve alterar-se a sentença da primeira instância.

3 – Sumário (da responsabilidade do relator):
A ata da reunião da assembleia de condóminos de onde consta a confissão escrita da dívida de um condómino, declaração por ele elaborada e depois ditada para constitui, em razão do documento que a integra, título executivo quanto ao valor confessado.

4 - Decisão:
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em conformidade, revogando-se parcialmente a decisão da 1.ª instância, substitui-se a mesma e julga-se parcialmente procedente a oposição deduzida por B… e extinta a execução quanto ao montante que excede a quantia de (3.499,73 + 462,91) 3.962,64 (três mil, novecentos e sessenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) que prossegue por este valor, acrescido de juros à taxa legal, desde a instauração da execução e até integral pagamento.

Custas pelo recorrente e pelo recorrido, na proporção, respetivamente, de 8/9 e 1/9.

Porto, 26.11.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos (voto a decisão por concordar com o 2ª fundamento – confissão)
Carlos Pereira Gil (voto a decisão, concordando com o segundo fundamento – confissão e mantendo a posição expressa no acórdão por nós relatado no Tribunal da Relação de Coimbra e citado neste acórdão)
___________________
[1] "J) que o opoente B… tenha aprovado o regulamento de condomínio junto de fls. 85 a 106; K) que o regulamento de condomínio junto de fls. 85 a 106 integre o título constitutivo da propriedade horizontal".
[2] "A matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos referidos nas alíneas respetivas, bem como na análise da certidão da conservatória do registo predial referente à fração AV. No que tange à prova testemunhal, nada de relevante acrescentou ao já constante dos documentos respetivos. De igual forma, o depoimento de parte nada de relevante adiantou, como flui, em relação a uns e outros, da gravação efetuada. Quanto ao regulamento de condomínio, inexiste qualquer documento de onde conste, sequer tacitamente, qualquer adesão do opoente B… ao mesmo, conforme considerações mais desenvolvidas que farei em sede própria, a sentença. Quanto ao mais, por ser irrelevante, conclusivo, consubstanciar matéria de direito ou por ausência de prova nada mais considerei provado".
[3] "a) Que da as atas de 16.6.09 e 23.3.10, (incluindo os anexos), estão delimitados os períodos temporais a que se referem os débitos reclamados, relativamente à totalidade dos créditos reclamados, quando, naquelas atas apenas se contém a definição dos períodos temporais relativamente ao período entre 1.7.09 e 31.12.10. b) Que o anexo 3 da ata de 23.3.10, no que respeita aos valores referidos como “saldo inicial”, contém a delimitação dos respetivos períodos temporais, facto que não resulta da ata. c) Que a “delimitação dos períodos temporais a que se referem os débitos reclamados”, que julga (erradamente) constante das atas, corresponde à data de vencimento ou prazo das quotizações, preenchendo o pressuposto de exequibilidade das atas do condomínio, quando refere “(…)deixar de pagar no prazo estabelecido (…). d) Que o valor de 3.499,73€ indicado no anexo 3 da ata de 23.10.10 traduz um valor certo, quando na mesma ata se consigna, “que havia uma diferença de dez mil Euros entre a relação de dívidas de condóminos que ele tinha recebido da anterior administração e o valor indicado pela presente administração como saldo inicial referente a dívidas dos condóminos” e que “a presente administração só iniciou funções em um de julho de dois mil e nove, pelo que só se responsabiliza pelas contas do segundo semestre de 2009”. e) A declaração atribuída na ata de 23.10.10 ao ora recorrente, em que se diz, “devo 3.499,73€ ao condomínio”, foi erradamente considerada como um declaração confessória, quando, além de não constar de qualquer documento elaborado, subscrito e assinado pelo recorrente, no contexto tem caráter equivoco. f) A sentença recorrida entende dispor a exequente de título executivo quanto aos juros, quando os factos dados por provados não constam os pressupostos da constituição em mora, designadamente a data de vencimento das prestações (salvo no que respeita ao período de 1.7.2009 a 31.12.2010), nem resulta ter sido o recorrente interpelado, incluindo do respeitante ao período de 1.7.09 a 31.12.10. g) A sentença pressupõe erradamente terem os títulos eficácia executiva quanto a um montante de juros moratórios, que foi impugnado (…)".
[4] O acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2012 (Relator, Carlos Gil, dgsi) faz uma pertinente resenha da jurisprudência, indicando as decisões que têm defendido uma conceção mais restritiva das atas da assembleia de condóminos e as outras, que numa visão mais lata se bastam com a ta que retrate a deliberação onde se liquida a dívida. No primeiro sentido – e citamos – "os seguintes acórdãos: do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de junho de 2009, proferido no processo nº 12447/06.4YYPRT-B.P1 e de 06 de setembro de 2010, proferido no processo nº 2621/07.1TJVNF-A.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de fevereiro de 2009, proferido no processo nº 532/05.4TCLRS-7; do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de janeiro de 2010, proferido no processo nº 6924/07.7TBSTB.E1, todos acessíveis no site do ITIJ; afirmam desnecessária deliberação que proceda à liquidação dos montantes em dívida os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de fevereiro de 2011, proferido no processo nº 3507/06.2TBMAI-A.P1 e de 18 de outubro de 2011, proferido no processo nº 2728/07-5TBVFR-A.P1, ambos acessíveis no site do ITIJ". No segundo sentido – e voltamos a citar – "o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de junho de 1998, publicado na Coletânea de Jurisprudência Ano XXIII, 1998, Tomo III, páginas 190 a 192; os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02 de março de 2004, proferido no processo nº 10468/2003-1, de 29 de junho de 2006, proferido no processo nº 5718/2006-6, de 08 de julho de 2007, proferido no processo nº 9276/2007-7; do Tribunal da Relação de Évora, de 17 de fevereiro de 2011, proferido no processo nº 4276/07.4TBPTM.E1".
[5] Usando as palavras do Ac. da Relação de Coimbra de 20.06.2012 (citado na nota anterior).
[6] Sublinhado nosso.