CUSTAS JUDICIAIS
TAXA DE JUSTIÇA
PETIÇÃO INICIAL
PAGAMENTO DE VALOR INFERIOR AO FIXADO
CONSEQUÊNCIAS
Sumário

Não estando comprovado o pagamento do exacto montante da taxa de justiça devida (petição inicial) deve ser concedido o prazo de 10 dias para a regularização do pagamento em falta.

Texto Integral

PROC. N.º 1025/12.9TJVNF-A.P1
REL. N.º 787
Relator: Henrique Araújo
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

“B…, Lda.”, com sede na Estrada Nacional …, n.º …., …, Guimarães, deduziu oposição por embargos à declaração de insolvência da “C…, Lda.”, nos termos do artigo 40º do CIRE.

Com esse articulado juntou comprovativo do pagamento de taxa de justiça no montante de 183,60 €, de acordo com a Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Judiciais.

O Mmº Juiz, sob a informação da secção de processos de que a taxa de justiça devida era a fixada na Tabela II-A, no valor de 275,40 €, despachou do seguinte modo:
“Tratando-se de embargo à insolvência a taxa de justiça devida era a da tabela I-A do RCP e não a que foi liquidada (ver artigo 7º n.º 8 do RCP)
Ora atento o disposto no n.º 2 do art. 150º A do CPC, a taxa de justiça paga em valor inferior ao fixado é considerada não paga.
E a consequência para a falta de pagamento da taxa de justiça inicial é o desentranhamento da petição de embargo, o que se determina.”

A embargante recorreu desse despacho, tendo o recurso sido admitido como sendo de apelação com efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso, a apelante pede que se revogue o despacho acima transcrito, com base nas seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que não admitiu a petição de embargo à declaração de insolvência da sociedade “C…, Lda.”, apresentada pela embargante e ordenou o seu desentranhamento, com fundamento no pagamento da taxa de justiça em valor inferior ao devido, sem que tal decisão fosse estribada em qualquer normativo legal.
2. Dispõe o artigo 150º-A /2 CPC: “a junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.”
3. In casu, a embargante juntou documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de valor alegadamente inferior ao devido, omissão equivalente à falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, pelo que, antes de mais, haveria que devolver ao apresentante a insuficiente quantia depositada.
4. O legislador cominou a falta de junção da taxa de justiça nos termos do disposto no artigo 150º A nº 3, do CPC: “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486º A, 512º B e 685º D”, normativo este que, por maioria de razão, é aplicável à situação dos autos; logo, não há que recusar a apresentação ou mandar desentranhar a peça processual em causa, antes se devendo esperar que a parte que apresentou a peça processual comprove o pagamento devido da taxa de justiça, cujo depósito pressupõe não ter sido efetuado in totum.
5. Dispõe o nº 3 do artigo 486º CPC que: “na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou comprovação desse pagamento, no prazo de dez dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em dez dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC”.
6. Reza o nº 5 do citado normativo processual que, “findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no nº 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 508º, convidando o réu a proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.”
7. Finalmente, o nº 6 culmina o regime estatuindo que se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação (…).
8. O regime para o caso de ter faltado ou de ser insuficiente a quantia depositada a título de taxa de justiça pode resumir-se assim:
- Primeiro, há que aguardar dez dias sobre a data da apresentação da peça processual em causa a fim de que a parte que a apresentou comprove o respetivo depósito (artigo 150º-A nº 3 CPC);
- Segundo, a secretaria deve notificar o apresentante para efetuar o pagamento em falta acrescido de multa de igual montante à taxa de justiça devida, no prazo de dez dias (artigo 486º-A nº 3 CPC);
- Terceiro, findo este prazo sem comprovação do pagamento, o juiz convida o apresentante a proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa devidas, além de nova multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial;
Quarto, finalmente, decorrido aquele prazo, sem que a parte efectue o pagamento, o tribunal determina o desentranhamento da peça processual em causa.
9. O facto da embargante ter junto um comprovativo de pagamento da taxa de justiça em valor inferior ao devido não pode determinar, de imediato, a prolação do despacho que ordene o desentranhamento da petição de embargo; aliás, nada na lei comina tão singela omissão com tão grave sanção, pois só no caso de persistência do incumprimento por parte da embargante deveria o juiz a quo ter determinado o desentranhamento da petição de embargo.
10. O legislador, principalmente com as reformas que tem vindo a introduzir desde 1995, tem procurado evitar todo o tipo de decisões que põem termo ao processo por razões meramente formais, sendo também esse o princípio norteador dos nossos Tribunais Superiores, em particular nas decisões relativas à falta de pagamento de preparos.
11. Na situação em apreço, porém, tendo a embargante liquidado a taxa de justiça, embora de valor inferior ao devido, e apresentado o respetivo comprovativo, deveria ter-lhe sido dada a oportunidade de completar o valor em falta, sem aplicação de qualquer multa.
12. Com o entendimento expresso no despacho recorrido ficaria irremediavelmente cerceado, por meras razões formais de entendimento sobre custas judiciais, o direito que a embargante pretendera exercer através da petição de embargo.
13. A interpretação que o Tribunal a quo fez das disposições legais nesta matéria, no sentido de que a junção de documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido, com a apresentação da petição de embargo, implica o desentranhamento da mesma, é inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, da proibição da indefesa, do processo equitativo e da proporcionalidade, que brotam do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, configurando uma solução – mais uma, infelizmente – completamente desadequada e desproporcionada, inviabilizando completamente o acesso à pretensão de defesa dos direitos, pondo em causa de forma ostensiva o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, caso o meritíssimo juiz a quo não proceda à reforma do douto despacho recorrido, que determinou o desentranhamento da petição de embargo, deve o presente recurso ser recebido e julgado provado e procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que decida o prosseguimento dos autos, com a notificação da embargante para que efetue o pagamento da taxa de justiça devida em falta e a respetiva apresentação aos autos do comprovativo, com o que se fará inteira JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente – artigos 684º e 685º-A, n.º 1, do CPC – a única questão que importa decidir é saber se, antes de ser ordenado o desentranhamento do articulado da recorrente, deveria esta ser notificada para efectuar o pagamento da parte da taxa de justiça em falta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que têm interesse para a decisão do recurso são os que se descreveram no antecedente relatório.

O DIREITO

A apelante opôs embargos à sentença declaratória da insolvência de “C…, Lda.”, com fundamento no artigo 40º do CIRE.
Apresentou o seu articulado por via electrónica, juntando comprovativo da taxa de justiça liquidada.
No entanto, o montante da taxa de justiça mostrou-se inferior ao legalmente previsto, circunstância que determinou a inadmissibilidade da petição de embargos nos termos que constam do despacho recorrido.
Será que a decisão proferida na 1ª instância deve ser revogada?

O Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro, introduziu uma profunda reforma no regime das custas judiciais, tendo como objectivo central a simplificação.
Em relação ao pagamento da taxa de justiça, escreveu-se no preâmbulo do referido diploma:
“Para evitar a duplicação da prática de actos por parte dos particulares e da Administração, optou-se por eliminar o sistema de pagamento da taxa de justiça em duas fases – taxa de justiça inicial e subsequente –, prevendo-se agora o pagamento único de uma taxa de justiça por cada interveniente processual, no início do processo. Deste modo, e porque o prosseguimento da acção, incidente ou recurso estão dependentes do pagamento prévio da taxa de justiça única, evitam-se igualmente os inúmeros casos de incumprimento que têm dado origem à multiplicação das pequenas execuções por custas instauradas pelo Ministério Público.”
A taxa de justiça é o montante devido pelo impulso processual do interessado – artigos 447º do CPC e 6º, n.º 1, do RCP.
Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 447º-A, do CPC, o seu pagamento é devido pela parte que demanda, na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido.
Conforme determina o artigo 13º do RCP, a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, sendo paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento, em conformidade com o disposto no artigo 14º do RCP.
Sobre o pagamento da taxa de justiça veja-se o que dispõe o artigo 150º-A, do CPC:
1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2 - A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
3 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 685.º-D.
4 - Quando o acto processual seja praticado por transmissão electrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A.
5 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e o acto tenha sido praticado directamente pela parte, é a parte notificada para que proceda à junção de comprovativo de pagamento ou da concessão de apoio judiciário, sob pena de ficar sujeita às cominações legais.
6 - No caso previsto no n.º 4, a citação só é efectuada após ter sido comprovado o pagamento da taxa de justiça nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou ter sido junto aos autos o referido documento comprovativo.
Do disposto nos nºs 1 e 3 deste preceito decorre que o regime sancionatório aplicável à petição inicial quanto à falta do pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto é distinto do aplicável às restantes peças processuais.
No caso dos autos, o articulado apresentado pela apelante corresponde e funciona como uma petição inicial, na medida em que através dele a embargante assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar os fundamentos da sentença que declarou a insolvência da “C…”.
Sendo assim, vejamos mais em pormenor o regime sancionatório de que falámos.
Quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário[1], a secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, nos termos do estabelecido no artigo 474º, alínea f); se a secretaria, por qualquer razão, o não fizer, deverá ser ordenado o desentranhamento da petição e a sua devolução ao autor.
Contudo, de acordo com a previsão do artigo 476º, pode ainda assim o autor apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Constata-se que o embargante juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido, o que equivale à falta de pagamento da taxa de justiça, conforme determina o n.º 2 do citado artigo 150º.
O Mmº Juiz entendeu que “a taxa de justiça paga em valor inferior ao fixado é considerada não paga” e, nessa circunstância, mandou desentranhar a petição de embargos – v. despacho de fls. 11.
Cremos que, ao fazê-lo, não interpretou correctamente o determinado na lei, pelo que esse despacho não pode manter-se.
Na verdade, tendo verificado que não estava comprovado o pagamento do exacto montante da taxa de justiça devida, justificava-se conceder ao embargante o prazo de 10 dias, para regularizar o pagamento da taxa de justiça em falta, por analogia com o regime previsto no já citado artigo 476º CPC.
É este, aliás, o entendimento largamente maioritário da jurisprudência[2].
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III. DECISÃO

Assim, na procedência da apelação, revoga-se o despacho recorrido, devendo o tribunal da 1ª instância actuar em conformidade com o acima exposto.
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PORTO, 27 de Novembro de 2012
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
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[1] Excepto no caso previsto no n.º 5 do artigo 467º.
[2] Cfr., a título meramente exemplificativo, o acórdão desta Relação de 12.09.2001, no processo n.º 1013/07.7TBPFR-B.P1 e os acórdãos da Relação de Lisboa de 27.09.2011 e de 09.11.2010, nos processos n.º 3627/10.9TCLRS.L1-7 e 1363/08.5TBMTJ-B.L1-7, respectivamente, todos em www.dgsi.pt.