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ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA
ACTO SEXUAL DE RELEVO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário
I - À luz do regime previsto pelo art. 178.º do CP, na redação dada pela Lei n.º 99/2001, de 25.08, a legitimação do Ministério Público para proceder criminalmente contra o agente de factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de Abuso sexual de crianças sem que tenha havido queixa por banda do respetivo titular, não dispensa, em princípio, uma fundamentação expressa que demonstre, consoante as exigências que no caso se façam sentir, que essa intervenção não é arbitrária, antes se pauta, estritamente, pela prossecução do interesse da vítima. II - Toques nas pernas, beliscões nas nádegas, apalpões nas coxas e, ainda que de raspão, o dedo sobre a zona vaginal da menor integram o conceito de ato sexual de relevo. III - Constitui importunação sexual o ato pelo qual o professor pede à aluna que feche os olhos, seguido da colocação do dedo dele nos lábios da menor, forçando-o a entrar na boca dela. IV - Apesar da extinção do procedimento criminal (por caducidade do exercício do direito de queixa), agora declarada, deve manter-se a condenação no pedido de indemnização civil assente na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Texto Integral
Recurso Penal nº 93/08.2JAPRT.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1.Relatório
Na 2ª vara criminal das varas Criminais do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu, quanto à menor C…, absolver o arguido de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171° n° 1, e condená-lo, pela prática de um crime de importunação sexual contra menor de 14 anos, p. e p. pelos arts. 171° n° 3 al. a), por referência ao art. 170º, quanto à menor D…, condená-lo, pela prática de um crime continuado de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171° nº 1, 30° n° 2 e 79°, e, quanto à menor E…, condená-lo, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171° nº 1, todos preceitos do C. Penal, nas penas de, respectivamente, 9 meses, 2 anos e 6 meses e 18 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada ao pagamento, no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado do acórdão, das quantias fixadas a título de indemnização cível às demandantes cíveis e em que também foi condenado.
Relativamente aos pedidos de indemnização cível deduzidos contra o arguido, foram julgados parcialmente procedente o da demandante D… e procedentes os das demandantes C… e E… e o demandado condenado a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de 6.000 €, 2.500 € e 1.000 €, todas a título de compensação por danos não patrimoniais e acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação e até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando para que seja revogado e substituído por outro que o absolva dos crimes por que foi condenado, para o que apresentou as seguintes conclusões:
Questão prévia. Pedido de alteração da matéria de facto. Princípios da imediação e oralidade. 1ª
Os poderes de cognição do Tribunal da Relação (quanto à matéria de facto), não se apresentam beliscados ou diminuídos neste processo pelos princípios da imediação e oralidade, que se entende constituir privilégio da 1ª Instância, sendo de idêntica amplitude no que toca à livre apreciação da prova. Com efeito, a convicção do tribunal assentou apenas nos depoimentos das ofendidas e no da testemunha G…. As ofendidas prestaram “declarações para memória futura”, sem a imediação do tribunal de julgamento. Os outros depoimentos - excepto o da referida G… - são de “ouvir dizer”, de pessoas que não presenciaram directamente os factos, ou que depõem sobre efeitos destes, tendo-os como pressuposto. 2ª
O que vale por dizer que, soçobrando a matéria de facto imputada ao Recorrente na acusação, tais depoimentos de “ouvir dizer” caem com ela, na medida em que lhes falece o suporte em que assentavam. 3ª
É o que sucede com o depoimento da testemunha do pedido cível da D…, psicóloga H…, e com o dos pais da D… - depoimentos centrais para o tribunal recorrido, que neles forjou a sua convicção -: se não forem verdadeiras as declarações da ofendida D… (e as da G…), o depoimento destas testemunhas sobre os efeitos de tais factos na esfera da ofendida implodem necessariamente. Depoimento de G… 4ª
O depoimento de G…, único de prova directa, não mereceu o crédito do tribunal, isto apesar de o mesmo tribunal lhe ter elogiado “a personalidade forte, segura, revelando-se uma adolescente educada, bem formada, firme e assertiva nos seus relatos, depondo com manifesta espontaneidade, criando no tribunal total credibilidade”, como se diz na “Apreciação crítica do prova”, a fls. 32 do acórdão. [Esta testemunha dizia que viu o arguido pôr a mão na coxa da D…, no decurso de uma aula que teve lugar em 17 de Janeiro de 2008]. 5ª
O tribunal preferiu a versão da ofendida D…, de que tinha sido “mão na anca”, e não “mão na coxa”, fundando tal conclusão no argumento que consta de fls. 19 do acórdão. Ou seja, o mesmo tribunal que abona e encarece o carácter da G…, considera que esta testemunha se enganou no único ponto em que o seu depoimento é contrário à versão do arguido e que se reporta aos factos da acusação. Apesar de as versões da D… e da G… se excluírem mutuamente, e posto que a da D… seja tão falsa como a da G…, o tribunal rejeitou a versão desta última. 6ª
E fê-lo apesar de esta testemunha ter reiterado, 9 vezes, 4 delas a instância da Juiz-presidente, que vira a mão do arguido pousada na coxa da D…. “Na parte de cima da coxa e com a mão algo descaída para a parte interna da coxa ... para dentro, é assim?”, perguntou-lhe a Juiz-presidente; ao que a testemunha, ao contrário de I…, responde por 3 vezes: “Sim.” (min. 7:14-7:39).Isto é, não se enganou: pela insistência, quis mesmo dizer o que disse - embora fosse falso, como o tribunal concluiu. 7ª
De qualquer forma, quer pela desconsideração desta parte do depoimento da G… por parte do tribunal colectivo, quer pela sua inverosimilhança, o certo é que o único depoimento estranho às declarações das ofendidas que incide sobre os factos da acusação se evidencia como forjado no que toca a esse ponto central. A G… quis “carregar nas tintas”, situando o pretenso toque numa zona erógena, a face interna da coxa. Outra testemunha de acusação, a J…, reportou ao tribunal a versão que a própria G… lhe havia transmitido: que vira o arguido pôr a “mão na anca” da D… (min. 8:59). 8ª
Do seu depoimento, extrai-se também que nunca, até à aula de 17 de Janeiro de 2008, a testemunha se dera conta de qualquer particular interesse manifestado pelo arguido em relação à aluna - e ofendida – D… (Do depoimento da G… [min. 19:40]). 9ª
A falsidade do depoimento da G… dá-se também quando volta a incorrer em grave e irreconciliável contradição: depõe no sentido de que só começou a reparar no facto de o arguido procurar reter a D… na sala, no fim das aulas, após o episódio de 17 de Janeiro - e que verificou várias vezes a D… ter ficado retida. Mas, por outro lado, assevera que, na semana seguinte a esse episódio, acompanhou a par e passo a D…, também para impedir novas tentativas por parte do arguido de reter a D… - o que terá logrado, impedindo-a de permanecer na sala. E também que, após essa semana, em que nada houve, a D… só foi a mais uma aula do arguido - e em que nada houve, igualmente [Depoimento da G…, 7:50 a 8:58; 9:18 a 9:37 e 11:01 a 13:03]. 10ª Ora, não é possível compatibilizar as duas faces deste depoimento, dando a D…, por um lado, como retida na sala após 17 de Janeiro e mostrando, ao mesmo tempo, como era impossível a D… ter ficado retida na sala após 17 de Janeiro. O depoimento é, portanto, também por aqui, necessariamente falso. (Como o tribunal já concluíra, a propósito da parte do corpo da D… em que o arguido colocara a mão). 11ª
À falta de outras testemunhas, a D… escolheu a G… para sufragar esta parte da sua história. O que esta satisfez, com pormenor. Mas a história da G… - e da D…, de que a da G… é contributo - desfaz-se a si própria. 12ª
Estranha-se, nessa medida, o resumo efectuado pelo tribunal das declarações da G.., na “motivação dos factos provados”,a fls. 19 e 20 do acórdão, quanto à presença da D… nas aulas do arguido após o pretenso episódio de 17 de Janeiro, resumo esse que não corresponde, nesse ponto, ao teor das suas declarações e que não detectou essa contradição insanável intrínseca a tais declarações. 13ª
Assim, desvalorizado pelo colectivo este único depoimento, sobram, como único fundamento efectivo para a fixação da convicção do tribunal quanto a tais factos, os depoimentos das ofendidas. Quanto às testemunhas do Recorrente, estas depõem, não directamente sobre a materialidade dos factos que foram considerados provados, mas sobre a credibilidade dos depoimentos das ofendidas e a impossibilidade da respectiva versão. Da ofendida E…. Matéria de facto. 14ª
A condenação do arguido a 18 meses de prisão, por ter desferido um apalpão nas nádegas da ofendida F…, é bem a imagem distintiva do sentido de desmedida e desproporcionalidade que marca e que fere a sentença. 15ª
A matéria de facto pertinente a esta ofendida consta dos ns. 3, 14, 15, 19 (em parte), 20, 25 e 26 dos “Factos provados”. O nº 3 nenhuma reserva merece; e os nsº 25 e 26 reportam efeitos dos comportamentos imputados ao Recorrente nos nsº 14 e 15 dos “Factos provados” - pelo que, na eventual insubsistência destes, aqueles caem por natureza. 16ª
O colectivo avaliou erroneamente a prova, no que concerne aos nsº 14, 15, 19 e 20 dos mesmos “Factos provados”. É que - como melhor se explicitou supra, nas alegações recursivas - a menor tinha efectivamente as calças sujas de um pó preto de um trabalho feito durante a aula; não deu a menor importância ao gesto do arguido, nem se sentiu intimidada ou envergonhada (donde decorre, aliás, e como é evidente, que daqui não lhe advieram quaisquer danos psíquicos e morais, tão fantasiados, estes, como o alegado abuso que o não foi). Isso só sucedeu retrospectivamente, por contaminação “do que aconteceu à D… e à C…”: é o que resulta das suas primeiras declarações prestadas ao Ministério da Educação. 17ª
Tais declarações constam dos documentos juntos com a Contestação, não foram impugnados e, na medida em que integram a Contestação, documento enquadrador da Defesa, devem considerar-se admissíveis, ao contrário do julgado (fls. 40 do acórdão), nos termos dos artsº 164º e 165º do CPP - que o acórdão viola. 18ª
Neste contexto, no fim de uma aula, mesmo que tivesse ocorrido um episódio como o que consta da acusação, para limpar o pó das calças da menor, isto é, com motivo imprevisto, estando as calças na verdade sujas de pó preto, não se vê como se possa configurar um acto para satisfazer os instintos libidinosos do arguido. 19ª
Se a situação ocorreu, foi um acto maquinal, ao qual não se pode atribuir qualquer significado - por não o ter, de facto. Tanto assim que a própria aluna não lhe conferiu então qualquer conotação, isto é, não o sentiu como ofensivo, só se lembrando dele 8 meses mais tarde. Mais natural é a explicação que a própria menor deu inicialmente, antes de entrar no comboio conduzido pela D…: que se tratara apenas de limpar as calças, que estavam sujas da aula. 20ª
Nestes termos, por erro de julgamento, deve ser considerada não provada a matéria de facto dada como provada pelo colectivo, nos n.sº 14 e 15 dos “Factos provados”; ou, em alternativa, considerado provado apenas que o Arguido procurou limpar os calções da E…, que se encontravam sujos, como ficou demonstrado, a crer nas próprias declarações da ofendida, que o arguido apresentou como razão explicativa. 21ª
Pela mesma razão, e uma vez que o facto de o objectivo da mera limpeza dos calções arredar qualquer intenção ou conotação sexual ao comportamento imputado ao arguido/Recorrente, deverá ser considerada não provada, por erro de julgamento, a matéria de facto que o Tribunal considerou provada, sob o nº 19 e 20 dos “Factos provados”, no que a esta ofendida se refere. Pedido Cível (Factos ns.º 25 e 26) 22ª
Quanto ao pedido cível, a matéria alegada nos artsº 20º a 30º do respectivo articulado, e que foi levada aos ns.º 25 e 26 dos “Factos Provados”, é contraditada pelo próprio relatório de psicologia forense junto aos autos e insubsistente no quadro supra alegado, de a menor não ter sequer atribuído qualquer conotação ao alegado acto praticado pelo arguido. 23ª
Se não conferiu conotação sexual ao gesto que atribuiu ao Recorrente, não poderia ter sofrido danos que têm como pressuposto a consciência de ter sofrido uma agressão. Consciência que não teve, até porque não sofreu qualquer agressão por parte do Recorrente. Daí que tais factos, ns.º 25 e 26, devessem ter sido julgados não provados. Da ofendida E…. Matéria de direito. 24ª
Nos termos do art.º 178º, 4., o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que, no seu artº 178º, 1., fazia depender de queixa o procedimento criminal pelo crime o art.º 172º, n.º 1., do mesmo Código. Pelas razões já explicadas, o Tribunal da Relação deverá julgar extinto o procedimento criminal, quanto a esta ofendida, por caducidade do direito de queixa e prescrição do procedimento criminal. 25ª
O acórdão recorrido incorreu na nulidade insanável do art.º 119º, b), do Código do Processo Penal, a qual deverá ser declarada. O sentido da interpretação dada pelo tribunal recorrido ao art.º 178º, 4., do Código Penal padece também de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 29º, 4., e 32º, n.º 5, da Constituição da República. O acórdão incorre, pois, em errada interpretação e aplicação dos referidos normativos legais e constitucionais. Insubsistência do “acto sexual de relevo” 26ª
O facto assacado ao arguido, um apalpão na nádega, não constitui “acto sexual de relevo” - nem sequer acto sexual, ou com conotação sexual - que é pressuposto constitutivo do tipo legal de crime. O que se passou não tem significado, não tem espessura para integrar a acção típica, pelo que o tribunal interpretou e aplicou indevidamente o art.º 172º, n.º l, do CP (actualmente 171º, 1., do mesmo Código), ao julgar subsumíveis no tipo os factos assim configurados. 27ª
Da condição pessoal da menor E…, e bem assim da do arguido, ressuma que ambos pertencem estratos sociais mais elevados, de bom nível social. Nesses meios, um “apalpão”, como diz a acusação, não constitui seguramente uma técnica de sedução ou de aproximação de cariz sexual. Nem, a bem dizer, em meio nenhum. 28ª
Pelo contrário: um “apalpão” nas nádegas, se tivesse ocorrido, pode ser qualificado como comportamento de mau gosto, ao nível do piropo ou do assobio - mas não como “acto sexual de relevo”, para satisfazer instintos libidinosos, reservado tal conceito que está a actos que colidam com valores bem mais importantes do que a mera descortesia. 29ª
Tal como refere Figueiredo Dias - Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p.447, “a intenção libidinosa consiste na intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si ou em outrem, a excitação sexual ...”. Não seria, patentemente, o caso, mesmo que o episódio tivesse ocorrido. 30ª
A doutrina tem defendido a irrelevância dos actos bagatelares: ver Actos e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1993, p. 251, onde o mesmo Professor Figueiredo Dias considera a irrelevância penal de um “beliscão passageiro”. 31ª
E ainda no sentido da posição do Recorrente: v. Teresa Pizarro Beleza, “O Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código Penal”, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, vol. l, Lisboa, CEJ, 1996, p. 168: “acto sexual de relevo: um beliscão passageiro não preencherá o tipo...”
Em reforço do entendimento exposto: v. ainda Rui Pereira. “Liberdade Sexual”, Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, nº 11, 1996, p. 46 : “O “acto sexual de relevo” abrangerá, seguramente, o coito oral e a masturbação. Não abarcará, em contrapartida, os meros “beliscões” e “apalpões”. Da ofendida D…. Matéria de facto. Factos provados e não provados. 32ª
Os factos que o colectivo deu como provados relativamente à ofendida D… constam dos nsº 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 19 (em parte), 20, 21, 27, 28, 29 e 30, sendo que os nsº 27 a 30 se reportam aos efeitos dos factos imputados ao Recorrente na esfera da D… - pelo que, se insubsistirem os factos constantes dos nsº 5 a 13 e 19 a 21, caem por si os que deles são apresentados como efeitos. 33ª
Ora, os factos dos nsº 5 a 13, e 19 a 21não ocorreram, devendo ser considerados não provados, ao contrário do que foi o entendimento do colectivo, resultando a sua especificação pelo tribunal o quo de errónea avaliação e ponderação da prova produzida em 1ª instância. 34ª
A matéria levada à acusação, dentre a que a ofendida D… imputou ao Recorrente e que reportou à Polícia Judiciária, em 4.2.2008, e que confirmou no depoimento para memória futura, em 23.9.2009, foi dada como provada sob os ns.º 5 a 13 de Factos Provados: não-provada ficou a matéria referida em 2.2.A), fls. 16; 35ª
Mas há também matéria não levada à acusação, dentre a que a ofendida D… reportou no depoimento para memória futura, em 23.9.2009, e para além da referida à Polícia Judiciária, em 4.2.2008, nomeadamente a referida no ponto 16, b), g) e h) das alegações.
A história da D… não resiste à prova dos factos: prova directa e indirecta. 36ª
Matéria referida no nº 15, a) destas alegações: não pode ser dada como provada. Desmentem-na todos os colegas de turma, a começar pela G…, amiga particular e colega de carteira da D…, testemunha de acusação e que foi quem desencadeou todo o presente processo [min. 19:40 a 20:09]. Também a J…, a min. 15:50 do seu depoimento; K… [min. 3:49 a 4:12]; M… [min. 4:27 a 4:37]. 37ª
Ora, perante esta unanimidade dos depoimentos dos colegas de turma da D…, entre eles o da sua grande amiga G…, que nunca deram conta de nenhuma manifestação de interesse especial do Recorrente pela D…, durante as aulas, sendo certo que tal se notaria, se tivesse existido, já que a G… se deu conta de um interesse particular pela L…, que não era, como a D…, sua colega de carteira, parece não dever subsistir a alegação da D… a que nos vimos referindo, devendo, em consequência, ser dado como não provado o facto do n.º 5º dos “Factos provados” (por erro de julgamento). 38ª
Facto nº 15, b), destas alegações: também estas acusações não resistem à prova produzida pelo Recorrente no processo, É que esse comportamento do Recorrente, com a frequência semanal que lhe é atribuída, é de realização impossível. Em lº lugar, nunca nenhum dos colegas de turma, ao longo de dois anos lectivos, deu conta de a D… ficar para trás, no fim da aula, dentro da sala, sozinha com o professor, durante todo o intervalo, de 15 minutos, umas vezes; outras, durante 10 minutos - uma vez por semana! E a D… tinha o seu grupo de amigos, com quem passava o recreio, e a sua grande amiga, G…, que haveriam de estranhar as ausências sistemáticas e padronizadas da D…. Cfr. depoimento de M… [min.5:51 a 6:36; 8:14 a 9:04]; de J… [min. 11:11 a 11:45]; e K… [min. 5:20 a 5:56]. 39ª
Em 2º lugar, a mera possibilidade ou viabilidade de um professor ficar sozinho com um aluno, dentro da sala, com a porta fechada, durante os intervalos, com a frequência e o carácter sistemático referido pela D…, é afastada com grande clareza pelos depoimentos do Director da Escola, N…, bem como pelo da funcionária da Escola, O…. Cfr. N… [min. 4:23 a 5:56 e 6:05 a 7:15] e O… [2:11 a 2:40; 3:28 a 3:39 e 3:55 a 5:23]. 40ª
O depoimento da D… e da sua “entourage” não é credível quanto à alegada saída da sala por ordem alfabética, que cai com as declarações da mãe, P… (min. 3:46) K… (min. 4:22 a 5:19) e do M… (min. 4:57 a 5:46) e documentos (pautas da turmas do 7º e 8º anos), juntos pelo Reocorrente; deverá, por conseguinte, com fundamento em erro de julgamento, o Tribunal da Relação considerar não-provados os factos que, sob os nsº 6. 7, 8. 9 e 10. o colectivo deu como provados. 41ª Quanto ao facto referido no nº 15, c) da Motivação, facto esse constante da Acusação pública, e que o colectivo deu como não-provado, o que e provou é que se trata de uma imputação falsa, que afecta a credibilidade da ofendida. Soçobra diante da prova produzida: cfr. os depoimentos das testemunhas de acusação, G… (19:40-19:45); J… (7:19-7:27); Q… (6:14-6:21); S… (7:04-7:14). E das de defesa, K… (3:49-4:12) e M… (4:27-4:56). 42ª O nº 15, d) desta Motivação - o pretenso episódio de 17 de Janeiro de 2008, presenciado pela T…. No único facto que o tribunal considerou provado, em que é invocada prova directa, os depoimentos da ofendida e da testemunha não condizem, como se explicitou nas conclusões 5ª a 10ª. Com fundamento er erro de julgamento, deverá, por isso, o Tribunal da Relação considerar não provado o facto que, sob o nº 11 dos factos provados, o tribunal da lª instância deu como provado. 43ª O nº 15, e) da presente Motivação, enuncia-se a última imputação da D… que foi levada à acusação pública. Também esta acusação é falsa, tendo a prova a tal respeito sido avaliada erroneamente pelo tribunal recorrido, que a deu como provada nos nsº 12 e 13 dos factos provados, que os deveria ter julgado não provados. É facto que depende, lógica e substancialmente, dos anteriores, e que é contraditado pelo doc. n.º 19, junto com a contestação. 44ª
Quanto às acusações da D… que o M.ºP.º não acompanhou - cfr. n.º 16, f), g) e h) da motivação, trata-se de factos que se provou serem materialmente impossíveis, e falsos, que abalam sobremaneira o crédito da ofendida, e nos quais o tribunal recorrido não se deteve e nem sequer ponderou. Tais factos não resistem à prova: quanto à alínea f), cfr. depoimento de N… (min, 8:10 a 11:03); O… (min. 5:28 a 6:20); e também P…, que, conhecedora já da Contestação do Recorrente, transferiu os putativos encontros para a hora de almoço, cfr min. 3:46 desta testemunha; alínea g): este facto, a ofendida só o refere nas DMF, nunca antes (fls. 126 dos autos); e também depoimento de N… (min. 11:07 a 12:58 e 16:16 a a 16:22); alínea h): facto que surge por contaminação da narrativa da C…. 45ª
Neste processo, a defesa tem de assentar na descredibilização dos depoimentos das ofendidas e o ataque a tais depoimentos só pode ser “de cernelha”, isto é, oblíquo, de lado, pela prova da improbabilidade ou impossibilidade da verificação de tais factos.
Só assim é possível falar-se em “igualdade de armas” entre acusação e defesa, princípio esse também consagrado na Constituição da República”. 46ª
No sentido da necessidade de uma revisão total da matéria de facto dada como provada, não se pode deixar de ter presente dois ou três pontos mais relevantes: a) a “total credibilidade” que ao tribunal mereceu a testemunha G… (fls. 19 do acórdão), quando afiança que a mesma viu o Recorrente pôr a mão “do que lhe pareceu” ser a coxa da D…, modalização que não tem o mínimo apoio nas suas declarações, que são expressaas e inequívocas quanto a este facto. Onde a credibilidade da testemunha, que o colectivo descortinou? b) a punição disciplinar do U…, que o tribunal erigiu em “cabala”, sendo certo que o Recorrente nunca sugeriu sequer qualquer concertação entre as ofendidas, conquanto resulte claramente do depoimento de P… que foi esta - por iniciativa da filha - que arrastou a C… para este processo. Não há coerência entre o que o acórdão diz a fls. 16 e o que diz a fls. 37/38; c) a fls. 18, no resumo de depoimento da mãe da D…, o colectivo refere que a dita testemunha já se tinha apercebido de uma alteração comportamental da D… no 7º ano. Tal não é exacto (cfr. min. 8:41). 47ª
O Recorrente não logrou provar a explicação para a ofensiva da D…, assevera o colectivo. Mesmo que fosse verdade, era à acusação que competia provar a prática dos actos pelo Recorrente, o que não foi capaz - In dubio pro reo ainda é princípio constitucional, que foi violado pelo acórdão. 48ª
A D… não desceu drasticamente as notas - cfr. pautas de avaliação juntas pelo Recorrente. 49ª Todos estes pontos, que necessariamente conduzem à inidoneidade dos meios de que o colectivo se serviu para a avaliação da prova e para o estabelecimento da sua convicção, para além de reforçarem a necessidade de revisão da decisão do colectivo quanto à matéria de facto, no que se refere aos factos materiais da acusação, tratados nos números anteriores da presente Motivação, conduzem igualmente ao reforço da necessidade de revisão dos factos dos nsº 19, 20, 21, 27 a 30, que o Tribunal da Relação deverá igualmente dar como não provados. 50ª
Não se concebe, por outro lado, como é que o tribunal filia a sua apreciação do tema do abuso sexual de menores e a sua influência no juízo sobre a prova num artigo respigado na Internet, de um Dr. V…, médico, da Administração Regional de Saúde do Centro, personagem cujas credenciais e especialização são desconhecidas. 51ª
Também se equivoca o colectivo quando, a fls,. 39, fala em abusos “sobre as alunas ofendidas” (no plural) em dado timing. É falso - mesmo de acordo com a prova fixada na lª instância! 52ª
E decorre de equívoco, e de errada interpretação e aplicação do direito, o facto de o tribunal não ter comparado "depoimentos prestados em sede de processo disciplinar ... com os prestados em sede de audiência de julgamento ou nestes autos, já que tal lhe está vedado., por tal não lhe ser legítimo. Semelhante interpretação viola os artigos 164º, 165º e do art.º 355º (visto que não estão abrangidos por proibição de prova), todos do CPP. D…. Matéria de direito. 53ª
Mas mesmo a subsistência da matéria de facto dada como provada pelo colectivo não é idónea para a condenação. O bloco de factos provados - toques, beliscões, apalpões - não configura “acto sexual de relevo”, nem tão-pouco “acto com conotação sexual”. Trata-se, na descrição das circunstâncias do facto, de situações precárias, instantâneas e fugazes, de que se encontra ausente qualquer significado objectivamente sexual. Não configura, no entanto, o tipo legal do artº 171º, 1 do Código Penal, por que foi condenado, e que nunca teria aplicação aos factos. 54ª
Em sufrágio do que ficou invocado no referido nº 2, refira-se ainda o contributo doutrinal do Senhor Juiz José Mouraz Lopes, que, in “Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal”, Coimbra Editora, 2008, p. 29, escreve o seguinte: “Importa não esquecer que o “acto sexual de relevo” terá de configurar, em primeiro lugar, um acto sexual. Mas não só. É o carácter grave, “de importância” do acto que o faz transportar para o iter criminis, quando é este acto que está em causa no tipo de crime.” “Assim, entendemos que os actos de passar a mão nas nádegas, v.g. “apalpão”, passar a mão na perna, por si só não configuram um crime de coacção sexual.” 55ª
O mesmo Autor (op. cit., p. 109) reitera o referido entendimento, nos termos seguintes: “Verificado o contacto de natureza sexual, importa sublinhar que não basta a sua existência, só por si, para configurar o tipo de crime. O contacto tem que decorrer através de alguma forma de pressão, aperto, compressão ou coacção que configure um acto que de uma forma inequívoca cerceie a liberdade sexual da vítima”.
Não existindo esse “mínimo” que identifique, objectivamente, esse constrangimento não se pode configurar, à luz do tipo de crime, uma acção típica.” Nessa perspectiva, também o alegado passar o dedo pela zona vaginal da ofendida - a mãe da D… refere “virilhas” -, “de raspão”, sem qualquer enquadramento ou contextualização, que a acusação omite, contém os elementos de precariedade e instantaneidade que afastam o tipo legal. 56ª
Da mesma forma, Rui Pereira sufraga o entendimento de que, de acordo com as concepções sociais dominantes, passar as mãos pelas coxas ou pelos seios de uma mulher não pode enquadrar-se na categoria de acto sexual de relevo. No mesmo sentido, Sénio Manuel dos Reis Alves, in “Crimes Sexuais”, Coimbra, 1995, anotação ao artº 163º, p. 8/9: “... a existência de acto sexual implica, sempre, o envolvimento dos órgãos genitais de, pelo menos, um dos intervenientes. Logo, o acariciar dos seios não é um acto sexual (e muito menos de relevo)...” 57ª
Pelo que, afastado o carácter relevante dos actos praticados, segundo a prova da 1ª instância, pelo Recorrente, sempre ficaria excluída, pelo menos até 15 de Setembro de 2007 - data da entrada em vigor do novo Código Penal -, isto é, o início do ano lectivo de 2007/2008, qualquer criminalização dos actos alegadamente praticados pelo Recorrente, no que se refere à ofendida D…, na medida em que os mesmos não constituem “actos sexuais de relevo”, ficando excluídos do crime de abuso sexual de crianças, tal como este crime era configurado na lei velha. Mas as bagatelas por que o arguido foi condenado nem como actos meramente sexuais (sem relevo) subsistem, por lhes faltar espessura e significado para tal. Da ofendida C…. Matéria de Facto 58ª
Relativamente à ofendida C…, a matéria de facto dada como provada pelocolectivo consta dos nsº 4, 16, 17, 18, 19 (em parte), 20, 22, 23 e 24 dos “Factos provados”. 59ª
No entanto, tal factualidade deve ser modificada pela Relação - por subsistir errode julgamento quanto a ela -, nos termos seguintes: nº 16 - Deverá ser modificada a parte final, do modo seguinte: “... e após ter pedido à menor C…, sua aluna, que ali ficasse, o arguido sentou-se ao lado da aluna, numa carteira, junto à porta da sala, que se encontrava aberta, com visibilidade directa para o corredor. nº 17 - Deverá ser reformulado nos termos seguintes: “Após manter alguma conversa com a aluna, o arguido pediu-lhe para fechar os olhos, tendo seguidamente passado um dedo pelos lábios daquela.” nº 18 - Modificado para “o arguido deixou a menor sair da sala quando a mesma o quis fazer.” nº 19 - Dado como não provado nº 20 - Dado como não provado nsº 22 a 24- Dados como não provados, 60ª
Quanto aos factos dos nsº 16 e 18, o consta do depoimento para memória futura que a ofendida dá um contorno bem diferente da situação: a porta esteve sempre aberta; havia visibilidade do interior para o exterior e, simetricamente, do exterior para o interior (o que é corroborado por N… (min. 20:02 a 20:56); não houve qualquer “bloqueamento da saída”; 61ª
Quanto ao facto do nº 17: o Recorrente passou o seu dedo pelos lábios da C…, uma única vez, para um despiste sumário da toma de substâncias de risco; a ofendida refere que o Recorrente tentou introduzir esse dedo dentro da sua boca: cfr. depoimento de W… (min. 5:08 a 5:31; 5:57 a 6:33; e, flagrantemente, 14:12), depoimento que o tribunal colectivo apreciou truncadamente, apenas na parte (irrelevante) relacionada com o decurso da reunião; DMF da ofendida D…, pelas razões expostas nos ns.º 16, h) e 27 da Motivação. 62ª
Quanto ao facto dos nsº 19 e 20: não pode ser aceite, por não ser verdadeira e por não resultar dos autos, a intenção atribuída ao Recorrente, de satisfazer os seus instintos libidinosos, conferindo uma conotação sexual ao seu comportamento: cfr. depoimento de X… (quanto ao estado de ânimo da C…), min. 3:17 a 5:23; depoimento da C… perante o inspector da PJ em 30.06.2009 63ª
Um outro facto que afasta qualquer intenção libidinosa é a manifesta intenção do Recorrente ter pretendido despistar um eventual consumo de substâncias tóxicas por parte da C…, o que tem consistência e apoio no depoimento da testemunha Y…, Coordenadora da Equipa Pedagógica que trabalhava no EP … (min. 4:15- min. 6:14). 64ª
Quanto aos factos dos nsº 22 a 24, também não devem ser dados como provados, por subsistir, quanto a eles, erro de julgamento: cfr. DMF da C…, no que respeita concretamente, à pacífica continuação da frequência das aulas do Recorrente, o que ela negou (cfr. também does n.9 5 e 6 juntos com a Contestação); e nesta falsidade (com o acrescento de aí se dizer que chumbou de ano, quando realmente passou) foi coonestada pela mãe (Z…) - cfr. artsº 26º, 27º e 28º do pedido cível e (depondo em Juízo contra a verdade material) o seu depoimento a min. 8:07 a 8:38; fls. 46 e ss. dos autos; cfr. tb. declarações do pai da ofendida -fls. doc. n.º 7. Da ofendida C…. Matéria de Direito 65ª
O colectivo já se aproximou da posição defendida pelo Recorrente, na sua Contestação, de que os factos ocorridos com a menor C… não possuíam espessura e densidade criminal, muito menos a correspondente ao crime de que vinha acusado, do artº 171° 1 do Código Penal. Nessa medida, o colectivo alterou a qualificação jurídica para importunação sexual. 66ª
Ainda falta, no entanto, caminhar até à absolvição, na medida em que o crime de importunação sexual, correspondente, no essencial, ao antigo crime de atentado ao pudor, exige uma representação sexual da actuação do agente. Como vimos na análise da prova, não existe, no caso dos autos, essa representação por banda do Recorrente. Nem o facto tem espessura do ponto de vista sexual, mas aqui não cabem factos causadores de um simples incómodo ou arrelia.
Quanto aos demais fundamentos, remete-se para as referências da doutrina e da jurisprudência constantes da parte desta Motivação relativa às ofendidas E… e D….
Respondeu o MºPº, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido.
Duas das recorridas também apresentaram resposta, pugnando ambas pela manutenção da decisão recorrida, para o que ofereceram as seguintes conclusões
- a C…:
A) - É pelas conclusões que se afere a pretensão do recorrente e se delimita o objecto do recurso - artigo 412°, n° l do CPP - devendo este ser rejeitado sempre que tal não aconteça - artigo 420° n° l, al. c) do CPP. A.l) - Contudo, nas conclusões formuladas no recurso apresentado pelo arguido, não se referencia qualquer intenção de alteração da decisão proferida em 1a instância em relação à aqui ofendida C…, o que, difere das suas alegações (pontos 30 a 36), que abrangem também a decisão relativa à ofendida C…. B) - Assim, deve o arguido/recorrente ser convidado a apresentar as conclusões relativas à ofendida C… no prazo legal, sob pena do recurso ser rejeitado em relação à menor C…,nos termos do artigo 417°, n° 3 do CPP. B.l) - E porque, o convite ao aperfeiçoamento “não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação” - artigo 417° n° 4 do CPP, a ofendida C… vem apresentar as suas contra-alegações à motivação do recurso apresentado pelo arguido, mas que faz, só e apenas, para o caso do arguido corrigir a sua omissão, e apresentar as conclusões que estão omissas, se assim não for, deve o recurso quanto à C… ser liminarmente rejeitado. C) - Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto devem ser cumpridas as formalidades exigidas no artigo 412° n°s 3 e 4 do CPP, ónus esses, que o arguido não cumpriu, já que, não especificou o dia da sessão em que foram produzidos os depoimentos, nem sequer o momento em que estes iniciaram ou terminaram, há até o depoimento de uma testemunha que nem sequer foi transcrito, e outra cujo nome nem aparece identificado, C.l.) - não dando dessa forma, cumprimento à exigência legal de indicação concreta das especificações exigidas, tal como consignadas na acta - art. 412°, n° 4 do CPP,
foi o que aconteceu com o depoimento das testemunhas:
1 – W… chamado à colação no ponto 32 das alegações de recurso;
2 – X… referenciada no ponto 33;
3 – Y… citada no ponto 34.b);
4 – AB… no ponto 36;
5 - E o “depoimento da mãe da C… em juízo” sic a ponto 36.
Ora, D) - Como é sabido, o incumprimento desse ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto - neste sentido vide acórdão n° 140/2004, processo n° 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, n° 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4,153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, l, 44 e 45. “E se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos n°s. 3 e 4 do art. 412.° do CPP. não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.” -Acórdão do S.TJ de 05-06-2008 in www.dgsi.pt (sublinhado nosso).
Deve ter-se assim como assente a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
E, ainda que assim não fosse: E) - Para ver alterada a matéria constante dos pontos 16 e 18 - o recorrente não indicou quais as concretas provas que imporiam decisão diversa da reccorrida, limitando-se a justificar a alteração pretendida através de “uma formulação agora proposta pelo recorrente” (?!) - sic no ponto 31 da motivação de recurso. F) - Também quanto à alteração do ponto 17 da matéria de facto, o arguido convoca o depoimento da testemunha (indirecta) W…, que a nada assistiu, só tendo estado presente na reunião ocorrida no conselho executivo da escola, e tal como consta das transcrições constantes das alegações do arguido, demonstrou não ter já, grande memória sobre o que se passou nessa reunião: “a ideia que eu tenho é essa, pronto” (...) “a ideia que eu tenho seguinte” (...) “é a sensação que eu tenho, pronto” (…) “pareceu-me que” (...) “a ideia com que fiquei é que tudo teria ficado esclarecido”. G) - Quanto à pretensa alteração dos pontos 19 e 20, o arguido quer fazer crer que não resulta dos autos a intenção libidinosa e a conotação sexual do seu comportamento, porque: “a C… encontrava-se com efeito abatida e em baixo”, situação que - só a directora de turma e o arguido afirmam, (embora os depoimentos não coincidam em relação aos motivos da alegada tristeza).
Não vislumbramos como é que o “apoio de um professor a uma aluna” se traduz no comportamento que o próprio arguido admitiu(?) pedindo-lhe para fechar os olhos e passando-lhe os dedos nos lábios (??!).
A tristeza de uma aluna, não justifica o comportamento reprovável do arguido, tocando partes intimas do corpo da menor, como o são os lábios, com a única intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos. G.l.) - Ainda que o arguido vá buscar provas que não tenham sido produzidas e examinadas em audiência - art 355°, n° l do CPP, até porque, se tratam de declarações que não podiam ser lidas em audiência tal como dispõe o art. 356° n° l al. b) do CPP - como acontece com as declarações da menor produzidas em inquérito perante inspector da P.J - estas seriam sempre inócuas e irrelevantes para a história contada pelo arguido. H) - No ponto 34.b) das suas alegações, o arguido regressa à teoria da técnica utilizada como despiste de droga: “técnica da secura de lábios”, invocando para tal, um depoimento que não transcreve (Y… - Professora de …). H.l.) - Demais que, só o arguido “vislumbrou” na aluna, a possibilidade desta estar drogada, “a testemunha de defesa AC…, professora, colega de trabalho e amiga do professor, confrontada com a possibilidade da C… andar a tomar estupefacientes, logo afirmou que não via aquelas alunas drogadas” sic a fls. 35 do douto acórdão (sublinhados nossos). I) - E, se o arguido o fez junto à porta da sala ou não, é irrelevante, pois o próprio já o admitiu que o fez, e diga-se até que, tendo em conta o “funcionamento do intervalo”, seria até inteligente estar junto à porta (não só porque se aperceberia de alguém que dali se aproximasse, como também faria com que o funcionário não entrasse na sala), ou seja, permitiria uma maior controle sobre a situação, saberia sempre se seria visto ou não. J) - Por fim, diga-se que, no pedido cível da menor, esta não alega que não foi mais às aulas, antes diz que, começou a “manifestar resistência em ir à escola e mesmo, a recusar-se a ir às aulas de geografia”, ou seja, a menor não queria ir à escola nem às aulas, o que é diferente de não ter ido.
- a E…:
A) - O arguido impugna matéria de facto, apontando prova que inócuapara o efeito de formação da convicção do tribunal, na medida em que, não foi produzida nem examinada em audiência - artigo 355° n° l do CPP, é o caso das declarações prestadas pela menor perante o instrutor do processo de inquérito no Ministério da Educação.
Trata-se de leitura proibida de autos edeclarações– “a contrário” do artigo 356° n°s 2 e 5 do CPP,
bem como, processos de natureza e jurisdições diferentes. A.1) - Demais que, o facto de ter havido documentação da prova, não afasta de forma alguma, a regra consignada no artigo 127° do CPP, ou seja, a regra da livre apreciação da prova.
Não foi assim apresentada prova válida que justifique decisão diversa,
e o incumprimento do ónus (artigo 412°, n° 3 do CPP) acarreta a impossibilidade do tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto - neste sentido vide acórdão n° 140/2004, processo n° 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, n° 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, l, 44 e 45.
Não sendo permitindo sequer o convite ao aperfeiçoamento - Acórdão do S.T.J de 05-06-2008 in www.dgsi.pt
Devendo manter-se como assente a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo. B) - A matéria alegada nos artigos 20° a 30° do PIC e 25° e 26° dos factos provados, não é contraditada pelo relatório de psicologia forense constante de fls. 212 e 213 dos autos, onde se lê que: “uma manifestação significativa de sentimentos de rejeição e dificuldades em lidar com as emoções (...) manifestação de ansiedade e agressividade pontuais dentro do intervalo normativo. As suas narrativas apresentam um limitado recurso à imaginação e fantasia. (...) parecendo o seu discurso credível e verdadeiro. Parece existir alguma sintomatologia depressiva que eventualmente será reactiva à evocação de situações de abuso e aos sentimentos de sofrimento e constrangimento que tal memória suscita. Com vista a garantir a estabilidade sócio-emocional e a segurança da menor, deve ser assegurada a não proximidade do professor”.(sublinhados nossos) B.1) - A ofendida atribuiu conotação ao acto e tanto assim foi, que o contou à mãe, e à amiga AD…, tal como consta de fls. 23 do douto acórdão.
A própria testemunha AD… “afirmou que quando aquela lhe contou o que se passou com ela, recordou-se que, efectivamente a E…, a certa altura mudara o seu comportamento” — sic a fls. 23 do acórdão. C) - Nos estratos sociais mais elevados, um professor dar dois apalpões nas nádegas da aluna menor não é coisa “irrelevante", “normal”, “comum”, “vulgar” ou “ligeira”, antes pelo contrário (!!)
crianças pertencentes a esses estratos são normalmente muito protegidas/defendidas,
são pessoas que têm prefeita consciência de como se devem ou não comportar,
e do que devem ou não permitir, tendo muitas vezes um pudor mais elevado do que pessoas de baixos estratos sociais. C.l) - Tanto assim é que, a menor estranhou o comportamento e interpelou o professor, que lhe “terá respondido a rir, que tinha os calções sujos” sic a fls. 10 do douto acórdão.
Um apalpão nas nádegas, no contexto em que aconteceu, constitui seguramente uma aproximação de cariz sexual.
Apesar de não poder ter qualquer contacto físico com os alunos, o arguido teve-o, e repetidamente (por 2 vezes) e em zonas intimas, como o são as nádegas (!)
Não se trata de um “beliscão”, um “apalpão” nos braços, num “roçar de raspão”,
mas de um acto consciente, repetido, querido, libertino e depravado D) - Atendendo à data da prática dos factos, dispunha o n° 4 do artigo 178° do CP vigente à data (versão da Lei n° 99/2001 de 25 de Agosto) que: “(...) quando os crimes previstos no n° 1 forem praticados contra menor de 26 anos, pode o Ministério Público dar inicio ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”
E portanto, “sempre que da promoção da acção penal resulte evidente benefício em termos de protecção da vítima adolescente o M.P. deve intervir.” - Cfr. Prof.a Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 594.
"Foi clara a intenção do legislador de conceder ao M°P° a prevalência na apreciação do interesse da vítima sobre a capacidade geralmente con ferida, a esse propósito, aos svus representantes lesais vorque não confiou que estes pudessem sempre fazê-lo com isenção e de forma a acautelar os superiores interesses do menor, por razões relacionadas com a natureza destes crimes e com as circunstâncias que as mais das vezes os rodeiam e que poderiam determinar a não apresentação de queixa, paralisando assim o desencadeamento do procedimento criminal. Por outro lado, entregou ao M°P° a função de realizar o interesse do menor, conferindo-lhe uma natureza não compatível com a sua mera gestão particular.Neste capítulo e com tal finalidade, verificadas que sejam as condicionantes de actuação que consagrou no art. 178°,n.°4 CP, passou a ter por público o interesse do menor, o que não surpreende se reputarmos este como um dos valores que a Lei Fundamental quis proteger....” - Ac. da Relação de Lisboa datado de 08-07-2004 in www.dgsi.pt. (sublinhados e sombreados nossos) D.l) - O MP tinha legitimidade para dar inicio ao procedimento criminal na ausência da queixa pelo representantes legais,
bem como, não necessitava de fundamentar expressamente o uso de tal faculdade, atenta a criminalidade em questão.
Insignificantes serão os motivos pelos quais os representantes legais da menor não agiram, a verdade é que não o fizeram, quando o deviam ter feito, pois os interesses da menor assim o exigiam, por isso a intervenção do MP foi legal, essencial e legitima porque protegeu a menor, acautelando os seus interesses.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, a Exmª Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no qual se limitou a dizer afigurar-se-lhe não assistir razão ao recorrente, tal como demonstrado pelo MºPº na 1ª instância, cuja resposta subscreveu inteiramente “e à qual nada mais de útil se nos oferece acrescentar”.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente apresentado resposta na qual, aproveitando-se[1] do facto de aquele parecer ter acompanhado a resposta do MºPº na 1ª instância, veio rebater as imprecisões/incorrecções que nela considera existirem: que não sustentou que não tem significado o que se passou entre ele e a ofendida E…, mas sim que nada se passou entre ambos, não tendo, não obstante, a factualidade atinente, a ter ocorrido, densidade penal, para além de nem sequer dever ter sido vertida na acusação e objecto de julgamento por ter caducado o direito de queixa; que a posição do MºPº, ao defender que a prova da prática dos factos em juízo permite concluir que a decisão de dar início ao procedimento criminal por parte do titular do inquérito foi inteiramente de encontro aos interesses da vítima, esvaziaria o campo de aplicação do art. 115º nº 1 do C. Penal, então em vigor, nos casos previstos no art. 178º do mesmo diploma, não sendo ademais aceitável, do ponto de vista constitucional, que o requisito constitutivo de um pressuposto de procedibilidade seja retroactivamente preenchido por factos procedimentalmente posteriores; que a retaliação por ter sancionado disciplinarmente um aluno amigo de infância da ofendida D… apenas foi aventada como explicação possível para as acusações desta ofendida, nunca tendo referido, nem hipoteticamente, que tenha havido uma coligação das ofendidas contra si; que a impossibilidade de ocorrência dos factos vertidos na acusação, em face da organização e regras do estabelecimento de ensino que, como pretendeu demonstrar, não consentiam um comportamento de assédio com a frequência e dilatação temporal descritas, respeita apenas às situações que envolvem a ofendida D…; que a leitura dos depoimentos de N… e de O…, respectivamente director e funcionária da escola, na parte relativa às regras de permanência de professores e alunos na sala durante os intervalos, é oposta ao respectivo teor; que a ofendida D… mentiu acerca de vários aspectos – tanto os comportamentos de assédio reportados a horário em que tinha um “furo”, mas em que o recorrente comprovadamente estava a dar aulas, o episódio em que a teria chamado à sala de professores para dar toques físicos, e o episódio da passagem de um dedo nos lábios, idêntico ao que ouviu da ofendida C…, em que o MºPº também não acreditou e por isso nem sequer levou à acusação, como os numerosos e sistemáticos toques físicos durante as aulas, que não foram considerados como provados, como também quanto à matéria vertida nos pontos 6 a 10 dos factos provados, que foi erradamente valorada, ao arrepio do teor dos depoimentos do director da escola e da funcionária O… – o que contamina todo o seu depoimento, pois “quem mente uma vez, mente sempre”, e lhe retira a credibilidade necessária para prevalecer sobre a presunção de inocência de que o recorrente beneficia, tanto mais que sobre os factos a ela respeitantes não há outra prova; que a desconsideração das declarações prestadas pelas ofendidas e por outras testemunhas no processo disciplinar que correu termos na Inspecção-Geral do Ministério da Educação para efeitos de comparação com os que prestaram nestes autos viola o princípio da igualdade de armas entre o MºPº e o recorrente até porque, na acusação, foram juntas como meio de prova documental as conclusões do processo de inquérito preliminar do processo disciplinar instaurado ao recorrente, além de que, tendo sido juntos com a contestação e tendo sido determinada, a requerimento seu, a junção do processo disciplinar, tais elementos, sendo meios de prova legítimos, embora não se impusessem ao tribunal em sede de valor extraprocessual das provas, tinham de ser objecto de ponderação em sede de julgamento para aqueles efeitos; que a subsistência do depoimento da testemunha H… depende da convicção de que a ofendida D… não mente – e esta mentiu -, o mesmo sucedendo com o da testemunha G… que, apesar de ter sido considerado totalmente credível, assim não foi considerado quanto à zona corporal da ofendida em que o recorrente teria colocado a mão, tendo o tribunal optado pela versão da ofendida; que existe incoerência entre a posição do MºPº e os pressupostos de direito que invocou para a suportar, pois os actos dados como provados relativamente às ofendidas C… e E… têm natureza bagatelar e nunca poderiam ser, no contexto, preliminares de cópula, carecendo de densidade penal para poderem ser considerados actos sexuais de relevo; que o mesmo sucede em relação à ofendida D…, quer porque houve erro de julgamento na decisão da matéria de facto porque ela mentiu, mas também porque não é crível, face às regras da experiência comum, que durante um período tão longo, com aparente assentimento e sem reacção de hostilidade por parte dela, não tivesse havido intensificação da natureza dos contactos e aprofundamento da intimidade da relação; que o relevo dado às perícias médico-legais na formação da convicção do tribunal é injustificado, quer porque são padronizadas, sem atenderem à individualidade de cada situação, quer porque se limitam a repetir como hipóteses de verdade a mera descrição dos factos que é veiculada pelas menores/ofendidas e seus pais, quer ainda porque nenhuma das ofendidas, quando foi objecto da perícia, manifestava qualquer sintomatologia reactiva aos factos imputados ao recorrente; que, não tendo a ofendida E… atribuído significado sexual ao comportamento imputado ao recorrente, não tendo por isso sentido o gesto como ofensivo, não se descortina fundamento para a condenação na indemnização cível; e que, o facto de estarem em discussão pedidos indemnizatórios constitui argumento em reforço do exame da prova documental que apresentou de acordo com as regras adjectivas correspondentes à responsabilidade civil em sede de produção de prova.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos:
1) Nos anos lectivos de 2006/2007 e 2007/2008, o arguido B… foi docente da Escola …, sita no Porto, onde leccionava as disciplinas de … e … (esta última à turma 8 o E).
2) A menor D… nasceu em 4.05.1994 e frequentava no ano lectivo de 2007/2008 o 8o ano da Turma ., onde o arguido B… leccionava … (tal como no ano anterior) e era Director de Turma.
3) A menor E… nasceu em 9.04.1994 e frequentava no ano lectivo 2007/2008 o 8o ano da Turma ., sendo o arguido B… o professor de … e de área Projecto.
4) Por sua vez, a menor C…, nascida em 18.08.1995, estudava, naquele período, no 7o ano, da Turma ., onde o arguido também leccionava ….
5) Da menor D…:
Durante o 1 o período do ano lectivo de 2006/2007, no Estabelecimento de Ensino já referenciado, o arguido começou a dar uma atenção especial à sua aluna D…, que não manifestava de igual forma pelos restantes alunos, traduzido nos sorrisos e contactos físicos frequentes que promovia com aquela, nomeadamente agarrando a anca da menor e pegando-lhe na mão.
6) Em data não concretamente apurada do referido 1 o período escolar, no final de uma aula, o arguido solicitou à menor D… para que permanecesse na sala com o intuito de falar com ela.
7) Durante a conversa, estando a menor D… junto ao quadro e de pé, o arguido aproximou-se da mesma, tocando-lhe em várias partes do corpo. Esforçando-se para que esse comportamento parecesse natural, enquanto falava, o arguido tocou em várias partes do corpo da aluna, aqui menor D…, inicialmente nos braços e mãos, passando depois para as pernas, perturbando a menor através destes contactos físicos.
8) Nas mesmas circunstâncias, semanalmente, após a aula, o arguido repetiu por diversas vezes o mesmo comportamento descrito com a referida menor, passando também a desferir-lhe “beliscões” nas nádegas e apalpões nas coxas.
9) Desde o 1 o período do ano lectivo 2006/2007 até Janeiro de 2008, o arguido continuou com o comportamento supra aludido para com a menor D….
10) Também em dia não concretamente apurado mas que se situa durante o 1o período do ano lectivo de 2007/2008, o arguido, depois de ter pedido mais uma vez à menor D… para que permanecesse na sala de aula após o terminus desta, passou, de raspão, o dedo sobre a zona vaginal da menor, ao mesmo tempo que lhe dizia “está bem menina”.
11) No dia 17 de Janeiro de 2008, durante mais uma aula de …, o arguido aproximou-se da D…, que se encontrava sentada, e colocou as mãos na anca daquela menor, facto que foi presenciado por uma sua colega de turma.
12) Após os factos acima descritos, a menor D… passou a demonstrar medo perante o professor, aqui arguido, face ao comportamento por este assumido.
13) Então, o arguido dizia à menor para não se assustar, pedindo-lhe para não contar a ninguém, ao mesmo tempo que lhe solicitava um beijo, o que a menor sempre recusou, apesar de uma vez a ter agarrado e lhe ter desferido um beijo na face contra a vontade desta.
14) Da menor E…:
Também, no ano lectivo de 2006/2007, na ultima aula da disciplina de … que leccionava ao 7o ano, o arguido, depois de ter ficado sozinho na sala com a aluna E…, aproximou-se pela retaguarda desta e desferiu-lhe um apalpão nas nádegas. Perante a interpelação da aluna, o arguido respondeu-lhe, a rir, que aquela tinha os calções sujos.
15) Acto contínuo, o arguido repetiu o gesto, desferindo um apalpão nas nádegas da menor.
16) Da menor C…:
No dia 1 de Fevereiro de 2008, após uma aula de … que havia leccionado ao 7o ano da Turma ., e após ter pedido à menor C…, sua aluna, que ali ficasse para apagar o quadro, o arguido apoiou-se numa mesa e numa cadeira de modo a bloquear a saída da aluna da sala, a qual já se encontrava também sentada.
17) Após manter alguma conversa com a aluna, o arguido pediu-lhe para fechar os olhos e colocou o dedo nos lábios daquela, forçando-o a entrar na sua boca. Como a menor cerrou os dentes, o arguido mostrou-lhe o seu desagrado com esse comportamento, voltando a repetir tal conduta, o que a menor impediu.
18) O arguido apenas deixou a menor sair da sala após esta ter ameaçado gritar caso não a deixasse sair.
19) Ao actuar da forma descrita, o arguido molestou sexualmente as menores D…, E… e C…, tocando partes dos seus corpos, com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, conhecendo as idades das menores e assim violando o seu direito à autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento das suas personalidades.
20) O arguido B… agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
21) Em relação à menor D…, o arguido actuou no quadro de uma única solicitação externa, movido pela facilidade que lhe era concedida pela circunstância de leccionar semanalmente a disciplina de …, prosseguindo a sua conduta durante o referido período, com base numa suposta situação de impunidade.
22) Como consequência directa da conduta do arguido, a menor C… ficou ansiosa e receosa de enfrentar o professor de geografia, provocando-lhe sentimentos de medo, angustia, receio e até repulsa, o que fez com que começasse a “manifestar resistência” em ir à escola e às aulas de ….
23) Passou a apresentar alterações nos níveis de atenção e concentração, que prejudicaram o seu desenvolvimento académico e chegou a urinar na cama e sentiu distúrbios no sono, tendo tido dificuldades com o sono e com a alimentação.
24) Também no que às relações pessoais diz respeito, as mesmas ficaram igualmente prejudicadas, deixando de se relacionar com a facilidade de antes, nem em casa com a família, nem na escola com os colegas e amigos.
25) Como consequência directa da conduta do arguido, a menor E…, sofreu sintomas depressivos, distúrbios no sono, na alimentação e no relacionamento com os outros, passando a agir com muita irritabilidade e agressividade quer em casa com a família, na escola com os colegas e amigos.
26) A menor sentiu revolta e tristeza fortes e isolou-se.
27) Como consequência directa da conduta do arguido, a menor D… experimentou sentimentos de cariz depressivo, baixa auto-estima, alterações de humor com irritabilidade fácil, perturbações do sono, sinais de angustia e de ansiedade, tristeza persistente, isolamento social e familiar, pesadelos, choro compulsivo, perturbação na vontade, levando ao decréscimo na motivação, tendo assim, fortes implicações na execução de tarefas do quotidiano, défices na capacidade de concentração e consequente prejuízo no desempenho escolar, resistência em abordar a temática do abuso, evidenciando sinais de vergonha ao verbalizar as situações.
28) A menor D…, além de ter tido necessidade de ser acompanhada clinicamente, teve ainda de ser medicamentada com diversos ansiolíticos.
29) Poderá sofrer mazelas psíquicas que perdurarão ao longo da sua vida e que influenciarão a sua formação como mulher.
30) Teve de mudar de escola, separou-se dos seus amigos, saiu do seu ambiente.
31) O arguido é considerado pelos alunos como um bom professor e pelos colegas de profissão como competente, disponível e eficaz, apresentando um percurso académico e profissional exemplar.
32) Mais se provou, quanto às condições de vida do arguido, que:
B… o quarto de sete irmãos, tendo o seu processo de crescimento/desenvolvimento decorrido no núcleo familiar de origem de condição sócio-cultural considerada favorecida.
Os progenitores exerceram a profissão de professores e partilharam o processo educativo dos descendentes onde terão imperado valores como o respeito, solidariedade e a cordialidade.
A dinâmica familiar foi caracterizada como positiva e marcada pela existência de laços de afectividade, tendo os progenitores fomentado e incentivado os descendentes para a aquisição de saberes e sucesso académico.
Ao nível escolar, B… iniciou a frequência do sistema de ensino em idade adequada, tendo frequentado, entre os 6 e 10 anos de idade, um estabelecimento de ensino privado.
Seguidamente, frequentou estabelecimentos de ensino da rede pública, tendo ingressado aos 17 anos de idade no Curso de … da Faculdade … da Universidade do Porto, que concluiu aos 22 anos de idade.
Ao nível profissional, B... iniciou o seu percurso como professor ainda durante a frequência universitária, tendo sido colocado através do então “mini concurso”, no ano 1987, na Escola … e na Escala … no ano 1988, altura em que acumulou funções com o ensino privado — ‘…”.
No ano lectivo de 1990/1991, B… realizou o seu estágio académico na Escola Secundária …, tendo, no ano lectivo seguinte, sido colocado, como professor efectivo, numa escola do Algarve, tentando nos anos seguintes aproximar-se da sua cidade natal.
Nessa altura, passou a manter um modo de vida autónomo da família de origem, apesar de ter sempre permanecido com uma forte ligação à mesma.
No ano lectivo 1991/l992 leccionou numa escola na cidade de Braga e, no ano lectivo de 1993/1994, em Paredes.
Permaneceu vários anos como professor no mesmo estabelecimento de ensino, naquela localidade, onde outros elementos da família também exerceram a profissão de professores, sendo um dos seus irmãos Director do Conselho Executivo.
Durante este período de tempo, B… residiu numa casa propriedade dos progenitores, localizada no concelho de Penafiel, à semelhança de alguns irmãos e outros elementos da família alargada.
Posteriormente, B… passou a exercer a sua profissão em outras escolas localizadas na zona limítrofe da cidade do Porto, designadamente em Matosinhos (tendo leccionado no Estabelecimento Prisional …), … e Vila do Conde.
Desde o ano lectivo de 2006/2007, B… passou a leccionar na Escola Secundaria …, na cidade do Porro, onde ainda permanece na actualidade.
Paralelamente ao exercício profissional, B… tem investido ao nível da aquisição de conhecimento e em actividades extra profissionais.
Desempenhou a actividade de tradutor e frequentou uma Pós-Graduação em Criatividade Aplicada na Universidade …/Espanha e um Mestrado em Administração Escolar na Universidade …/Porto.
Também tem participado na organização de eventos no meio escolar e dedicou-se à escrita, tendo publicado um conto infantil.
Ao nível afectivo, B… teve alguns relacionamentos, tendo o último (com a duração de aproximadamente três anos) terminado recentemente.
No período a que se reportam os factos subjacentes ao presente processo, B… exercia a profissão de professor de … na Escola Secundária …/Porto, situação que semantém até ao presente ano lectivo.
No meio profissional, B… projecta uma imagem associada à competência, empenho, facilidade de comunicação e aceitação social.
B… residia com os irmãos, AE… (42 anos de idade, Professor) e AF… (41 anos de idade, Advogado), assim como com a companheira deste, AG… (45 anos de idade, Psicóloga) e filho desta, AH… (15 anos de idade, estudante).
O núcleo familiar de AF… encontrava-se então nesta residência com carácter provisório.
O agregado familiar residia numa moradia, propriedade dos progenitores, localizada numa zona considerada antiga da cidade do Porto.
O pai, AI… (80 anos de idade, licenciatura em matemática, professor, reformado) e a mãe, AJ… (70 anos de idade, licenciatura em estudos portugueses, professora, reformada) costumam permanecer períodos de tempo nesta habitação, que alternam com outros que passam numa casa localizada em meio rural, no concelho de Penafiel, onde B… residiu quando leccionava na localidade de Paredes.
Em termos económicos, a família subsistia do montante correspondente às reformas dos progenitores e das comparticipações do arguido e irmão, quantias que garantem as despesas mensais.
Os progenitores assumiram sempre as despesas inerentes à habitação e os descendentes que habitam a casa suportam as restantes despesas (como o pagamento mensal da TV cabo).
A sua principal fonte de rendimentos pessoais é o seu salário no valor de 2000€/mês e vivencia uma situação económica e um modo de vida favorecidos.
Actualmente, a situação de FB… não sofreu alterações significativas, com excepção do facto de residir só com o irmão, AE….
Ao nível relacional, B… menciona que mantém um relacionamento afectuoso com os progenitores e irmãos, descrevendo a sua relação com a progenitora de próxima.
Na ocupação do tempo livre, B… privilegia o convívio com a família, permanecendo com regularidade na companhia dos progenitores, irmãos e respectivos núcleos constituídos na casa propriedade dos pais, localizada numa aldeia do concelho de Penafiel, considerada local de encontro, designadamente de fim-de-semana.
Privilegia a leitura, escrita, realização de viagens e a prática de sky, sendo frequente deslocar-se a locais para o efeito.
No que concerne ao seu grupo de pares, o mesmo será constituído fundamentalmente por colegas de profissão e do mesmo estabelecimento de ensino onde lecciona.
B… projecta uma imagem social globalmente positiva e associada ao capital cultural da respectiva família de origem.
Em conclusão, B… apresenta uma trajectória de vida caracterizada por estabilidade ao nível familiar, beneficiando do apoio do seu agregado de origem, bem como profissional, dispondo de uma situação económica estável.
A vertente profissional aparenta assumir um papel central no seu percurso vivencial, tendo investido na sua formação académica e profissional, projectando uma imagem social positiva, associada ao desempenho da sua actividade laboral.
33) Não tem antecedentes criminais.
Consignou-se não se ter provado, com interesse para a decisão da causa e para além de outros factos em oposição ou prejudicados pelos demais, provados e não provados:
A) Que, para além da situação descrita no ponto 11) dos factos provados, o arguido teve qualquer outro comportamento de contacto físico com a menor D…, durante as aulas e na presença dos restantes alunos da Turma.
B) Que a menor D…, com a denúncia que deu lugar aos presentes autos, empreendeu contra o arguido, uma vingança pessoal, já que este propôs a aplicação de uma sanção disciplinar a um aluno, de nome U…, da turma da D…, sendo um dos seus maiores amigos.
A convicção formada pelo tribunal recorrido foi assim explicada:
2.3. Motivação dos factos provados
Como dispõe o art.127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
No caso dos autos, o arguido, em declarações, negou a prática dos factos que lhe são imputados. Referiu que tem uma relação próxima com os alunos, como reforço positivo, para os deixar mais à vontade. Negou, no entanto, as condutas que lhe são imputadas relativas às três ofendidas.
Relativamente à C…, admitiu que lhe encostou os dedos nos lábios, mas com uma diferente motivação. Esclarecendo, referiu que numa aula de entrega de testes a aluna estava apática. Assim e como em reunião da equipa pedagógica, os professores tinham decidido ficar atentos ao comportamento da C…, aluna com dificuldades de aprendizagem, pediu-lhe para ela ficar no fim da aula, o que ela fez. Perguntou-lhe, então, o que é que se passava e passou-lhe o polegar nos lábios, sentiu-os secos e perguntou-lhe o que é que ela tinha tomado. Acrescentou, ainda, que rectificou a correcção de uma resposta do teste e que, em consequência, ela passou de negativa para positiva, o que ela até agradeceu.
Começaram, então, as férias do Carnaval e na primeira aula após férias, a C… faltou à aula. Os pais da C… foram, então, à escola queixando-se que a C… não tinha gostado do que se passara naquele dia da entrega do teste. Referiu que explicou aos pais o que se tinha passado, esclarecendo que a sua atitude foi apenas para fazer um despiste da tomada de substâncias estupefacientes ou químicas, que apreendeu no E.P.P., onde já dera aulas. Depois, a C… foi ter com eles à reunião e o pai dela disse-lhe que ela tinha entendido mal a atitude do professor. A reunião terminou e ele foi dar as aulas a pensar que o assunto tinha ficado encerrado.
Perguntado da razão porque as ofendidas se terão, então, queixado do mesmo, respondeu que talvez tenha sido retaliação por um processo disciplinar que moveu contra um aluno, de nome U…, na qualidade de director de turma, sendo que tal aluno era amigo de infância da D…. Acrescentou que tal aluno era filho dos donos do Colégio Particular onde a mãe da D… é Directora Pedagógica e que esta pediu-lhe para ele não punir aquele aluno.
As menores D…, E… e C… prestaram declarações para memória futura, que constam, respectivamente, de fls. 125/127, 130/132 e 128/129. Estas foram lidas em audiência de julgamento, nada tendo sido requerido pelas partes.
Façamos, agora, para melhor enquadramento da formação da convicção do tribunal, uma breve resenha do que foi sumariamente dito por cada um das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento.
A testemunha de acusação P…, divorciada e professora do 1º Ciclo, mãe da menor D…, assistente, referiu que a filha contou-lhe o que se passara, em finais de 2008, depois da insistência de uma amiga, que lhe disse que ou a D… contava aos pais, ou contava a amiga.
Referiu que a D… disse-lhe que o professor (arguido) já tinha aqueles comportamentos desde o 7º ano, descrevendo-os da forma que a menor declarou em memória futura.
Esclareceu que já se tinha apercebido de uma alteração comportamental, por parte da D…, no ano anterior (7º ano), porém, como a filha estava integrada numa turma muito complicada, os pais atribuíram as alterações a essa circunstância.
Confrontada com a questão do processo disciplinar ao aluno U…, referida pelo arguido, a testemunha assegurou que isso nada tinha a ver com a situação dos autos, negando em absoluto que tivesse ido conversar com o arguido para interceder pelo aluno.
Esclareceu que, após a D… contar tudo, os pais quiseram logo mudar a filha da escola, mas esta não queria sair da escola onde andava com os amigos de infância.
Mesmo assim, a D… esteve cerca de 1 semana sem ir às aulas. Entretanto, iniciaram-se as férias do Carnaval. Após férias, a D… retomou as aulas de …, estando os pais convencidos que o professor não iria voltar a ter tais comportamentos. Mas voltou. Assim, a D… teve mesmo de deixar de ir às aulas com aquele professor. Era aluna de “5” e no fim do 2º período, teve “3” e no fim do 3º período, teve “2”.
No fim do 8º ano, a D… acabou mesmo por mudar de escola.
Referiu que nunca tinha ouvido falar da C… nem da E…, até à data em que soube de tudo.
Relatou uma situação em que a D… telefonou-lhe para ela a ir buscar à escola, e aquelas meninas, pois havia alunos que queriam bater à C…, pois gostavam do professor e ela estava a “levantar falsos testemunhos contra ele”. Referiu que a filha disse-lhe que a C… estava na casa de banho a chorar. A D… não era, naquela altura, amiga da C…, nem da E….
Com a situação dos autos, a D… ficou perturbada. Antes era muito equilibrada, mas, depois, começou a ter problemas a vários níveis, como a dormir e ficou muito ansiosa. Teve que tomar medicação específica para estes estados, o que nunca acontecera antes de Fevereiro de 2008.
Era boa aluna no 8º ano e desceu drasticamente as notas.
A testemunha de acusação G…, 16 anos e actualmente estudante do 11º ano, referiu ter sido aluna do arguido no 7º (2006/2007) e 8º (2007/2008) anos, na turma ..
Era, portanto, da turma da D… e era amiga dela.
Referiu que, no início do 2º período do 8º ano, o professor (arguido), numa aula em que estavam a fazer trabalhos de pares, pôs uma mão por trás da D… e outra por cima do que lhe pareceu ser a coxa dela (a D…, nas declarações para memória futura, referiu que foi na anca, pelo que o tribunal considerou esta parte do corpo, em sede de factos provados, pois, normalmente quem sofre o acto tem mais memória dele, do que quem apenas o viu).
Espantada com a situação, interpelou a amiga e esta disse-lhe que estava “farta”. Quando saíram da sala, a D… disse-lhe que “aquilo” já acontecia desde o 7º ano. Foi, então, que a testemunha disse à D… que ela tinha que contar aquilo à mãe dela, senão contava ela.
Perguntada, referiu que apenas assistiu àquela situação entre o professor e a D…. Referiu, ainda, que ouviu o professor dizer à D…, por diversas vezes, para ficar no fim da aula, para ajudar a apagar o quadro.
Referiu que após as férias do Carnaval, a D… só foi mais uma vez às aulas de …, depois não foi mais.
Relatou uma situação, que ocorreu já depois de a D… lhe ter contado tudo, em que o professor pediu à D… para ficar no fim da aula, para lhe ajudar a limpar o quadro e a testemunha disse à amiga para continuar a andar, o que ela fez, não tendo ficado.
Assegurou que a D… ficou muito nervosa com toda esta situação.
A testemunha referiu ter saído também da escola, ao mesmo tempo que a D… e dada a situação que ocorreu.
A testemunha de acusação J…, 16 anos, referiu ter sido aluna do arguido no 7º (2006/2007) e 8º (2007/2008) anos, na turma ..
Era amiga da D… e colegas de turma.
Referiu que depois de se falar do caso da C…, meteram-se as férias do Carnaval, sendo que a D… já tinha começado a faltar.
A testemunha e uma amiga desconfiaram que se estava a passar alguma coisa com a D… e perguntaram à G…, que confirmou.
Referiu que o arguido era um bom professor, acessível.
Saiu da escola, porque os pais acharam melhor, dadas estas suspeitas com o professor.
A testemunha de acusação P…, 16 anos, referiu ter sido aluna do arguido no 8º (2007/2008) ano, na turma ..
Referiu que era amiga da D…, mas que depois de despoletar esta situação, deixou de ser amiga dela.
Disse que tem a melhor opinião sobre o professor.
A testemunha de acusação S…, 17 anos, actualmente aluno do 11º ano, referiu ter sido aluno do arguido no 7º (2006/2007) e 8º (2007/2008) anos, na turma ..
Referiu que era amigo da D… e que agora estão um pouco afastados, mas só porque ela mudou de escola.
Disse que nunca “viu nada”, referindo-se às suspeitas contra o professor, sendo que, para ele, aquele sempre foi um bom professor, empenhado e com uma relação próxima com os alunos.
Referiu que mesmo tendo aquela opinião sobre o professor, duvida que a D… minta, pelo que conhece dela …estando, assim, dividido.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante D…, AL…, seu pai, divorciado, consultor comercial, referiu que a D… estava numa ansiedade brutal, quando lhes contou os factos. Disse que ela ficou com muita dificuldade em dormir, de concentração, insegurança, etc. Tiveram de recorrer a ajuda de uma especialista, para conseguir um pouco mais de estabilidade, que lhe receitou medicação específica, como Xanax, assegurando que, antes dos factos, a D… nunca tomou esse tipo de medicamentos.
Acrescentou que notou algum afastamento da D…, em relação a ele, talvez por ser homem…Mas, actualmente, a D… superou já esta desconfiança, não estando tão afastada.
Esclareceu que logo que a filha contou tudo, ele e a mãe da D… logo quiseram tirar a D… daquela escola, mas a filha não queria, dizendo que não tinha culpa do que lhe acontecera. Mas, no final do ano lectivo, foi inevitável e ela teve mesmo que sair daquela escola.
Hoje, apesar de integrada na nova escola, a D… continua a apresentar alguma instabilidade, mas já não tem sido necessário manter o acompanhamento psicológico.
Referiu que antes de a D… contar o que lhe acontecera, ele e a mãe já tinham notado alguma coisa no comportamento da filha, mas acharam que era por causa dela andar numa turma algo problemática.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante D…, H…, psicóloga e professora universitária, referiu ser especialista na temática de abusos sexuais e acompanhou a menor, como terapeuta (que é há cerca de 22 anos), seguindo-a desde finais de Fevereiro de 2008, até Abril/Maio do mesmo ano.
Referiu que avaliou a D…, pelo seu discurso, os sintomas que apresentava, os sentimentos, os comportamentos e concluiu que a menor passou efectivamente por uma experiência de índole sexual e estava em sofrimento por essa experiência.
No tocante à projecção de tal situação na vida futura da menor, referiu que a D… deixou de querer ter contacto físico com o pai, sentia culpa e confusão, questionava-se porquê que aquilo lhe tinha acontecido a ela. A menor perdeu a confiança numa figura de referência, como é um professor e isso leva-a a recear que o Mundo, afinal, não é seguro. Se ela vai manter essa insegurança, a testemunha não pode assegurar, mas a D… pode vir a ter dificuldades de relacionamento futuro, íntimo e de relacionamento social.
Baseada no seu saber profissional e científico, assegurou que a D… não ficcionou estes abusos de que se queixa, antes os tendo sofrido efectivamente. A D… não inventou esta história, apresentando um discurso coerente e adequado, pela sua história de vida e outros testes técnicos específicos que lhe fez, como desenhos, escalas, etc...
Refere que aconselhou a D… a deixar de ir às aulas de …, o que esta acabou por fazer.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante D…, AM…, professora reformada e formadora, referiu ser amiga da mãe da D…, conhecendo esta desde pequena. Referiu, ainda, ter já sido formadora do arguido, numa acção de formação. Esclareceu que a mãe da D… telefonou-lhe desesperada, precisando de se aconselhar quanto à forma de actuar perante o que se estava a passar com a filha. Foi a testemunha que indicou à mãe da D…, a Drª H…, por ser especialista nessas questões, tendo-a também aconselhado a apresentar queixa do professor.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante E…, AN…, sua mãe, referiu que a sua filha só contou o que se passou com ela, depois da C… contar o que lhe aconteceu.
Esclareceu que a E…, a partir de uma certa altura, refugiava-se mais no seu quarto, não queria sair e as notas baixaram. Estava mais revoltada e nervosa.
Está convencida que a filha não contou antes o que se passou com ela, porque se sentia um pouco culpada e não sabia que havia outras meninas também a passar pelo mesmo.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante E…, AD…, 16 anos, estudante na escola …, referiu ter sido aluna do arguido no 7º . e 8º ..
Referiu conhecer a D…, a E… e a C…, sendo amiga de todas.
Disse que a E… contou-lhe a cena dos calções e que a D… contou-lhe também tudo o que se passou com ela.
No tocante à E…, a testemunha afirmou que quando aquela lhe contou o que se passou com ela, recordou-se que, efectivamente, a E…, a certa altura, mudara o seu comportamento. Assegurou que nunca duvidou da veracidade do que a E… lhe contou.
Perguntada, afirmou parecer-lhe também que a D… não mentiu, conhecendo-a bem desde pequena.
Referiu que a E…, com a situação que vivenciou, ficou muito afectada, cabisbaixa.
Afirmou que, “antes disto” todos os alunos consideravam o arguido um bom professor, até as menores ofendidas.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante C…, Z…, sua mãe, referiu que num determinado dia, a mãe da D… telefonou-lhe a dizer que estava a acontecer alguma coisa com a sua filha.
Foi, então, à escola e encontrou a sua filha muito nervosa, à saída da escola, na companhia da mãe da D….
A C… soluçava, não tinha um discurso calmo, encontrando-se completamente alterada. A testemunha levou-a para casa e já ali, contou-lhe tudo.
Ela e o marido foram de imediato à escola, dirigindo-se ao conselho executivo. Ali, o professor foi chamado e confirmou-lhes o que a C… tinha dito, de lhe ter metido o dedo na boca, mas explicou que apenas o tinha feito porque lhe achou os olhos vidrados e pensou que a aluna estivesse a tomar estupefacientes.
Acrescentou que ela e o marido não acreditaram nas palavras do professor, pois não tinham notado qualquer diferença na filha, que indicasse que andava a tomar drogas.
Perguntada, negou peremptoriamente que o marido tivesse dito à C… que ela entendeu mal a conduta do professor (versão apresentada pelo arguido em julgamento). Acrescentou mesmo que a C… foi depois chamada à reunião e quando confrontada com a explicação do professor, ela logo disse que não acreditava nele.
Referiu que, com a situação vivenciada, a filha ficou com um grande desequilíbrio psíquico e físico, urinou na cama, teve pesadelos, ficou apática, deixou de comer, não queria ir para a escola, estar com os colegas, etc…
Afirmou que a filha ainda foi à aula seguinte de …, mas não conseguiu ficar lá e saiu. Porém, como os pais não queriam que a filha perdesse o ano, pediram-lhe para ela voltar a ir às aulas, o que ela fez, acabando por passar de ano.
A C… não queria sair da escola, pois lá tinha um grupo de amigos muito sólido e queria enfrentar o problema, superá-lo. Mas continua a lidar mal com a situação, ainda hoje. Recorreram a apoio psicológico, por parte da psicóloga da escola.
A testemunha do pedido cível arrolada pela demandante C…, AO…, 16 anos, referiu ter sido aluna do arguido no 7º ..
Referiu ser amiga da C…, não conhecendo a E…, nem a D….
Esclareceu que a C… desabafou com ela, logo que retomaram as aulas, após as férias do Carnaval.
Afirmou que presenciou a cena da C… ter ido para a casa de banho chorar. Depois disso, a C… contou tudo o que lhe aconteceu.
Assegurou ter acreditado na C….
Perguntada, respondeu que gostava do professor, que era “fixe” e que não contava com uma coisa daquelas, vindo de um professor daqueles.
Confrontada com a possibilidade de a C… estar a mentir, respondeu que ela não tinha razão para mentir, ate porque o arguido era dos professores preferidos da C….
Esclareceu que a C…, antes dos factos, era muito divertida e depois ficou triste, “com medos”, tendo alterado o seu comportamento nas aulas de …, passando a sentar-se no fundo da sala.
A testemunha de defesa AP…, 16 anos, actualmente aluno do 10º ano, referiu ter sido aluna do arguido no 7º (2006/2007) ano, na turma ..
Referiu não conhecer a D…, mas apenas a E… (com quem andou no 8º . e 9º .), mas não se dava especialmente com ela, tal como conhece a C… (com quem andou no 7º . e 8º .), mas também não era muito próxima dela.
Perguntada, referiu nunca se ter apercebido que a C… andasse alheada ou a tomar medicação.
A testemunha de defesa AQ…, 16 anos, actualmente aluna do 10º ano, referiu ter sido aluna do arguido no 7º (2006/2007) ano, na turma ..
Referiu não conhecer a D…, nem a E…, mas apenas a C…, por terem andado na mesma turma (7º .), tendo sido colegas de carteira.
Recordou-se do episódio com a C…, que esteve a chorar na casa de banho, referindo que ela só não foi à aula seguinte, mas depois retomou as aulas.
Quanto à aula que ela faltou, esclareceu que a C… foi inicialmente à aula, mas disse-lhe “não consigo estar aqui” e saiu.
Referiu que o professor tinha uma relação próxima com os alunos, era dedicado e em geral os alunos gostavam dele.
Assegurou que a C… não andava triste ou abatida, pelo contrário, era uma menina feliz.
A testemunha de defesa K…, 16 anos, actualmente aluno do 11º ano, referiu ter sido aluno do arguido no 8º . ou 9º ., não se recordando exactamente.
Referiu ter sido colega de turma da D… e não conhece a C… nem a E….
Disse que a impressão geral da turma era de que o professor era excelente, nunca tendo visto nenhum comportamento menos adequado, por parte dele.
No que respeita ao que se passava no final das aulas, a testemunha nada soube elucidar, pois referiu que era sempre dos primeiros a sair.
A testemunha de defesa M…, 17 anos, actualmente aluno do 11º ano, referiu ter sido aluno do arguido no 7º . e 8º ..
Referiu conhecer a D…, por terem sido colegas de turma, não conhecendo a E… e conhecendo só de vista a C….
Referiu que o arguido era o seu professor preferido. Era amigo dos alunos e sempre os ajudava.
Disse nunca ter visto nenhum comportamento estranho do professor com as alunas.
A testemunha de defesa AS…, professora há cerca de 17 anos, referiu conhecer o arguido porque leccionaram ambos na Escola de paredes, sendo, pois, colegas de profissão. Referiu não conhecer nenhuma das menores ofendidas.
A testemunha destacou as qualidades pedagógicas do arguido, afirmando tratar-se de um professor que faz tudo para levar avante todos os projectos, mostra disponibilidade e empenho, é próximo dos alunos.
Referiu que o arguido era assessor do conselho executivo e que foi-lhe mesmo dado um Louvor, por parte do Presidente do Conselho Executivo.
Acrescentou que o arguido publicou já um livro sobre temas de geografia, para crianças.
Perguntada, respondeu que desde 2005 que não acompanha o percurso profissional do arguido.
A testemunha de defesa AC…, professora, colega de trabalho e amiga do arguido, referiu ter sido professora de … da D…, no 7º e 8º anos, bem como da E…, do 7º ao 9º anos. Apenas conhece a C… de ser aluna da escola, mas nunca foi professora dela.
Referiu ter feito parte da equipa pedagógica que tratou do caso do U…, no entanto, não se recorda se houve processo disciplinar contra o aluno ou sequer se este foi sancionado.
Sublinhou que não se apercebeu de qualquer animosidade, quer por parte dos encarregados de educação desse aluno, nem tão pouco de quaisquer reacções negativas por parte dos colegas do aluno.
A testemunha mostrou alguma antipatia para com a antiga aluna, D… e a sua encarregada de educação, com quem terá tido problemas ao nível da avaliação, chegando, assim, a dizer ao tribunal acreditar que ela mentiu, quanto aos factos que imputa ao professor. Porém, quando confrontada com a situação concreta de um professor poder tocar nos lábios de uma aluna, para se certificar que aquela não estaria sob os eventuais efeitos de droga, referiu, com assertividade, que não via “aquelas alunas drogadas!”…Depois, referiu pôr o dedo na boca da aluna “não é possível”.
Tal como referiu não ser normal um professor poisar a mão na coxa de uma aluna.
A testemunha de defesa, N…, professor, Director da Escola …, referiu ser colega de profissão do arguido e não conhecer as menores ofendidas.
Referiu que, em inícios de 2008, esteve de baixa e que quem o ficou a substituir foi a Drª AT…, prima do arguido.
Esclareceu que, nos intervalos, os funcionários têm de fazer o serviço às salas de aula. Logo, se algum professor ficar constantemente na sala, o funcionário comunicaria à Direcção.
Afirmou que o arguido, do ponto de vista funcional, é um bom profissional e tem bons resultados e, do ponto de vista relacional, nunca teve qualquer queixa.
Perguntado, respondeu que se um professor ficar na sala, para tratar de casos complicados, desde que não seja o intervalo todo, o funcionário não estranhará e logo, não reportará à Direcção.
A testemunha de defesa W…, professor de …. e colega de profissão do arguido, referiu não conhecer pessoalmente as ofendidas.
Esclareceu que foi chamado a uma reunião, pela Presidente do Conselho Executivo, em com os encarregados de educação de uma aluna. Referiu ao tribunal a explicação dada pelo arguido (a que o mesmo apresentou em audiência), tendo ficado convencido que tudo tinha ficado resolvido naquela reunião.
Confrontado com a situação concreta de um professor tocar na boca de uma aluna, ainda que desconfiando que a mesma pudesse estar drogada, a testemunha referiu que ele não teria essa actuação. Se fosse com ele, relataria a situação à directora de turma.
A testemunha de defesa, X…, professora e colega de profissão do arguido, desde o ano lectivo 2007/2008, referiu ter sido professora do 7º . (turma da C…), sendo a directora de turma e não conhecer as restantes ofendidas.
Referiu que a C… andava numa profunda tristeza, o que lhe foi alertado por uma das professoras da turma. Confrontou, então, a aluna, que lhe disse que andava frustrada pois trabalhava muito e não se via compensada pelo esforço.
Assim, na reunião periódica que havia entre os professores, abordou a questão e sugeriu que todos dessem umas “palavrinhas” de incentivo à aluna.
Perguntada, respondeu que o arguido contou-lhe que a C… tinha interpretado mal uma conduta dele.
Acrescentou, ainda, que nunca foi referida a hipótese de a aluna tomar medicação.
A testemunha de defesa, O…, assistente operacional, referiu conhecer o arguido na qualidade de funcionária da escola …, conhecendo as alunas ofendidas, pela mesma razão.
Esclareceu que os professores são os últimos a sair das salas de aulas e, depois, durante os intervalos, os funcionários percorrem as salas.
Referiu que se, durante o intervalo, um professor estiver na sala com um aluno, o funcionário segue o seu caminho e vai tratar da sala seguinte e, mais tarde, volta lá, negando que nestas situações tenha de reportar as mesmas à Direcção. Só se um professor ficar sistematicamente na mesma sala, durante todo o intervalo, é que o funcionário tem de reportar isso à Direcção, pois não pôde fazer o seu trabalho.
Perguntada, respondeu que os intervalos duram cerca de 15 minutos, havendo corredores com 10 salas.
A testemunha de defesa, Y…, professora aposentada, referiu ter sido colega de profissão do arguido, no E.P.P., durante 1 ano, em data que não conseguiu concretizar, mas certamente anterior a 2008 e afirmou não conhecer nenhuma das ofendidas.
Referiu que no E.P.P. faziam-se várias reuniões em que se aprendia, designadamente, como despistar situações de influência de substâncias estupefacientes.
Conjugadamente com a prova testemunhal supra elencada, o tribunal considerou a prova documental e pericial junta aos autos, com destaque para os exames periciais de psicologia forense das menores ofendidas, juntos a fls. 184 e ss. (relativo à C…), 211 e ss. (relativo à E…) e fls. 214 e ss. (relativo à D…).
Apreciação crítica da prova e formação da convicção do tribunal
O tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, apoiando-se, desde logo e maxime, nas declarações para memória futura, prestadas pelas menores ofendidas, D…, E… e C…, constantes de fls. 125/127, 130/132 e 128/129, lidas em audiência de julgamento, nada tendo sido requerido pelas partes.
No âmbito das suas declarações, as menores descrevem, de forma que consideramos espontânea, os factos relatados no texto acusatório, usando de uma linguagem própria e adequada às suas idades cronológicas, fazendo-o num discurso que reputamos de sincero e respondendo às questões que lhes iam sendo colocadas de modo coerente e convicto.
A acrescer e contribuir para a credibilidade que estas declarações já por si nos merecem, sublinham-se os exames periciais realizados à personalidade das menores, destacando-se dos mesmos as seguintes partes:
- quanto à D…: que esta tem um “quociente intelectual global acima dos valores médios, tendo em conta o grupo etário no qual se insere”, apresenta “valores de ansiedade manifesta com intensidade média alta”, bem como “verificam-se indicadores significativos de ansiedade e agressão, que poderão estar associadas às experiências vivenciadas pela menor”;
- quanto à E…: “considera-se que a capacidade de testemunho da E… não se encontra condicionada pela existência de processos perturbados de pensamento ou características de personalidade, parecendo o seu discurso credível e verdadeiro”;
- quanto à C…: “parece-nos que existe credibilidade no testemunho da menor”; “Não apresenta quaisquer dificuldades cognitivas que pudessem sugerir dificuldades na leitura das suas vivências”; “apresenta comportamento alterado (…) após os factos alegadamente ocorridos, denunciando perturbação psicológica, tais como alterações de sono e apetite, episódios de enurese, diminuição da expressão social, capacidade volitiva comprometida, diminuição do rendimento escolar, dificuldades da adaptação ao contexto escolar, alterações dos níveis de atenção e concentração e irritabilidade e ansiedade aumentadas; (…).
Estes exames periciais, pela sua leitura integral mostram-nos, pois, também, alguns sinais, comportamentos ou atitudes, por parte das menores ofendidas, que igualmente nos habilitam a concluir no sentido acusatório, pois são sinais típicos que a criança abusada tende a manifestar.
São sinais comportamentais da criança abusada, a depressão ou dificuldades em dormir (pesadelos frequentes), manifestação de incómodo em ser tocada, alterações súbitas do comportamento como agressividade, recusa de carinhos, medo de ir à escola, brincar com outras crianças, evitamento de uma determinada pessoa que pode até ser um familiar muito próximo (vd., a este propósito, Dr. V…, Administração Regional de Saúde do Centro – Abuso Sexual Infantil, in Violência.online).
Mais se destaca, no que respeita à concreta credibilidade da menor D…, o depoimento da testemunha H…, psicóloga e professora universitária, terapeuta há cerca de 22 anos, especialista na temática de abusos sexuais e que referiu ter acompanhado a situação da D…, após esta relatar os factos. Esta testemunha, de um modo que reputamos de objectivo, rigoroso e credível, baseada no seu saber profissional e científico, após várias consultas e testes técnicos específicos realizados à menor, assegurou ao tribunal que a D… não ficcionou os abusos de que se queixa, não tendo inventado uma história, antes os tendo sofrido efectivamente.
Igualmente muito relevantes foram as declarações da mãe e do pai da D…, P… e AL…, bem como de uma sua grande amiga e colega de turma, a testemunha G….
Com efeito, estas testemunhas depuseram com conhecimento pessoal e directo, resultante das suas ligações com a D…, familiar e de amizade, tendo deposto em moldes que reputamos de sinceros, isentos e rigorosos, logrando, por isso, convencer o tribunal da veracidade das suas afirmações.
De notar que os pais da D… referiram que já se tinham apercebido de uma alteração comportamental, por parte da filha, no ano anterior (7º ano), porém, como a filha estava integrada numa turma muito complicada, atribuíram as alterações a essa circunstância.
Por sua vez, a G…, amiga da D…, relatou ao tribunal um episódio que a própria presenciou, no início do 2º período do 8º ano, em que o arguido pôs uma mão por trás da D… e outra por cima do que lhe pareceu ser a coxa dela (a D… disse que foi na anca), esclarecendo que foi na sequência desta situação, que a testemunha estranhou, que a D… acabou por contar o que se andava a passar com ela, desde o 7º ano. A D…, ao relatar à testemunha o que vinha a acontecer desde o ano anterior, referiu que estava “farta”, o que faz presumir inequivocamente a prática reiterada, por parte do arguido, dos abusos contra ela.
No âmbito do depoimento da testemunha G…, destacou-se a sua personalidade forte, segura, revelando-se uma adolescente educada, bem formada, firme e assertiva nos seus relatos, depondo com manifesta espontaneidade, criando no tribunal total credibilidade.
Sublinha-se aqui também o depoimento da testemunha S…, amigo de turma da D…, no 7º e 8º anos, o qual, não deixando de elogiar o arguido, como professor, afirmou duvidar que a D… minta, pelo que conhece dela. O mesmo, aliás, disse a testemunha AD…, a quem a D… contou pessoalmente o que se passou, assegurando que a D… não mente, conhecendo-a desde pequena.
No que concerne à menor E…, foram muito relevantes as declarações da sua mãe, AN…, permitindo ao tribunal concluir, de forma inequívoca, perante o que afirmou em audiência, que a menor E… apenas contou o que se passou com ela, depois da C… contar o que lhe aconteceu, como que apenas ganhando consciência, nessa altura, mercê da sua inocência, própria da idade, do que efectivamente lhe acontecera.
Ora tal atitude por parte da E…, assim como a da D…, de apenas contarem os factos posteriormente, é perfeitamente normal e aceitável, pois não podemos olvidar que se tratam de jovens de 12/13 e 13/14 anos, à data dos factos.
Nestas idades, é até natural que as menores apenas tivessem descoberto ou tido a certeza da anormalidade da situação que vivenciaram, depois de ouvirem uma outra menor a queixar-se, relatando história idêntica, caracterizada por todos como anormal e inaceitável.
É consabido que a criança/adolescente vítima de abusos sofre profundamente com medo, culpa e remorso. Normalmente quem pratica o abuso é uma pessoa que ela ama ou admira e, por isso, geralmente nem entende o que está a acontecer, avaliando a situação como normal…até um dia…
Por isso mesmo, neste tipo de criminalidade, não se torna necessário o seu acompanhamento consciente pela vítima e muito menos se exige a compreensão por ela do significado sexual do acto e ainda menos a apreensão do seu carácter sexualmente “imoral”.
Também consideramos muito importante o depoimento da testemunha AD…, que referiu que a menor E… contou-lhe a “cena dos calções”, sendo que, nessa altura, a testemunha recordou-se que, efectivamente, a E…, a certa altura, mudara o seu comportamento. A testemunha assegurou que nunca duvidou da veracidade do que a E… lhe contou, baseada no conhecimento que tem do modo de ser da mesma.
A isenção e sinceridade desta testemunha foram manifestas, não tendo a mesma deixado de elogiar o arguido como professor, referindo que até as menores ofendidas gostavam muito dele!
Também no que respeita à menor C…, consideramos muito relevantes as declarações da sua mãe, que relatou o episódio em que a C… chorou muito, na casa de banho da escola, tendo sido ali chamada pela mãe da D…. A C… acabou por lhe contar, já em casa, o que se passara. De todo o relato da mãe da C…, que nos pareceu sincero e objectivo, concluímos que a menor, naquele dia, efectivamente, teve de passar por uma experiência forte, pois assim o denunciava o seu comportamento muito alterado e choroso.
Ademais, a mãe da C…, com o mesmo grau de credibilidade, quando confrontada com a versão do arguido, no tocante à descrição da reunião que ocorreu na escola, na sequência deste episódio, negou em absoluto que a questão tenha ficado resolvida e as explicações do professor aceites, negando totalmente que o marido tenha dito à C… que ela entendeu mal a conduta do professor (versão apresentada pelo arguido em julgamento).
Sublinha-se que a credibilidade deste relato não foi abalada pelo depoimento testemunhal prestado por W…, professor de … e colega de profissão do arguido, que referiu ter estado presente naquela reunião, pois que o mesmo não demonstrou ter grande memória sobre estes factos, apenas referindo ter ficado convencido que tudo tinha ficado resolvido, o que é possível, já que, ao que parece, as pessoas envolvidas eram civilizadas e não terminaram a reunião “à estalada”.
A mãe da C… assegurou, com firmeza, convicção e credibilidade, que ela e o marido não acreditaram nas palavras do professor, pois não tinham notado qualquer diferença na filha, que indicasse que andava a tomar drogas. Razão porque, depois, acabou por ser apresentada queixa contra o professor.
Repare-se que a própria testemunha de defesa, AC…, professora, colega de trabalho e amiga do arguido, confrontada com a possibilidade de a C… andar a tomar estupefacientes, logo afirmou que não via “aquelas alunas drogadas!”…
Pareceu-nos, por outro lado, aceitável a explicação que a mãe da C… deu quanto ao facto de a menor ter continuado a frequentar as aulas de … até ao final do ano, pois corria o risco de perder o ano. De todo o modo, é muito revelador o comportamento da menor no primeiro dia de aulas depois daquele episódio, não tendo a mesma conseguido ficar lá.
Igualmente importante foi o depoimento da testemunha AO…, amiga da C… e sua colega de turma no 7º ., que referiu ao tribunal que a C… desabafou com ela, logo que retomaram as aulas, após as férias do Carnaval. Esta testemunha afirmou que presenciou a cena da C… ter ido para a casa de banho chorar e que esta contou-lhe, então, tudo o que lhe aconteceu. Assegurou ter acreditado na C….
A isenção e objectividade desta testemunha foram igualmente notórias, tendo a mesma também elogiado o professor, dizendo que o mesmo era “fixe” e que não contava com uma coisa daquelas, vindo de um professor daqueles.
Confrontada com a possibilidade de a C… poder estar a mentir, logo afirmou que esta não tinha razão para mentir, até porque o arguido era dos professores preferidos da C….
Esta testemunha referiu ao tribunal que a C…, que antes dos factos era muito divertida, depois ficou triste, “com medos”, tendo alterado o seu comportamento nas aulas de …, passando a sentar-se no fundo da sala – o que revela bem, concluímos nós, que a menor estava contrariada naquelas aulas, apenas cumprindo aquilo que considerava ser a sua obrigação, que era ir às aulas e passar o ano.
Diga-se, ainda, a propósito do estado físico e psicológico da C…, que várias foram as testemunhas que deram um quadro bem diferente do que foi traçado pelo arguido, nas suas declarações.
Como vimos, a AO… assegurou que a C…, que antes dos factos era muito divertida, só depois dos factos é que ficou triste, “com medos”.
A própria testemunha de defesa, AP…, que foi colega de turma da C…, no 7º . e de quem referiu não ser muito próxima, afirmou nunca se ter apercebido que a C… andasse alheada ou a tomar medicação.
O mesmo se diga relativamente à testemunha de defesa, X…, professora e colega de profissão do arguido, tendo sido a directora de turma do 7º ., turma da C…, a qual, afirmou que nunca foi levantada a hipótese de a aluna tomar medicação.
Também a testemunha de defesa, AQ…, que foi colega de turma da C…, no 7º ., tendo sido colegas de carteira, assegurou que a C… não andava triste ou abatida, pelo contrário, era uma menina feliz. Relatou, ainda, que no dia a seguir ao episódio na casa de banho, a C… entrou na aula, mas saiu, dizendo-lhe “não consigo estar aqui” - o que manifesta bem o estado de ânimo da menor C…, que fugia já do contacto com o professor.
Neste contexto, só podemos interpretar o depoimento da testemunha X…, directora de turma da C…, que mencionou ter reparado numa tristeza, por parte da menor, como referindo-se ao estado de espírito da aluna quanto ao seu desempenho lectivo, porquanto fez referência ao facto de aquela ter manifestado frustração pelas notas, pois considerava que trabalhava muito. É que, para além do arguido e desta testemunha, mais ninguém se referiu a este estado de tristeza, por parte da C…. Ora, como foi referido em audiência, a C… era uma aluna com algumas dificuldades na aprendizagem, o que explica, aliás, o facto de os seus pais terem receado que esta pudesse perder o ano se deixasse de ir às aulas de …. Por tudo o que acima se disse, consideramos inteiramente credíveis as versões das menores ofendidas, em detrimento da versão do arguido, que não logrou criar credibilidade ao tribunal, nem tão-pouco criar dúvidas quanto a tal factualidade.
E não se diga, contra esta conclusão, que o arguido é um bom professor.
Com efeito, os elogios feitos ao arguido, como professor - e foram vários, desde alunos a colegas de profissão -, não são idóneos a afastar a credibilidade criada quanto à prática, por parte do mesmo, dos abusos de que vem acusado, pois tratam-se de patamares diferentes de uma mesma pessoa: o arguido como professor e o arguido como homem.
A circunstância largamente referida em audiência de julgamento, de o arguido ser um bom professor, do ponto de vista técnico-profissional, não abala a credibilidade criada ao tribunal, nos moldes acima explanados, quanto à prática, pelo arguido, dos abusos contra as três menores, D…, E… e C….
Como é consabido, o abusador típico (pedófilo) é um indivíduo aparentemente normal, inserido na sociedade. Costuma ser “uma pessoa acima de qualquer suspeita” aos olhos da sociedade, o que facilita a sua actuação. Geralmente age sem violência, actuando de forma a conquistar a confiança da criança (repare-se que o arguido era mesmo dos professores preferidos das menores).
O abusador é uma pessoa comum, que mantém preservadas as demais áreas de sua personalidade, ou seja, é alguém que pode até ter uma profissão destacada, pode ter uma família e até ser repressor e moralista, pode ter bom acervo intelectual, enfim, aos olhos sociais e familiares pode ser considerado um indivíduo normal ou até exemplar. É no entanto perverso e faz parte da sua perversão enganar a todos sobre sua parte doente (vd. Dr. Fernando Gomes da Silva, in ob.cit).
Por outro lado, quanto à versão do arguido, que nega os abusos contra as menores, explicando as queixas destas num contexto de vingança pessoal contra ele, na sequência de um processo disciplinar que moveu contra um aluno, amigo de infância da D…, não logrou o arguido convencer o tribunal da mesma, a qual revela-se absolutamente incredível.
O arguido relatou tal episódio ao tribunal, pretendendo demonstrar o estado de animosidade que se instalou contra si, na sequência do mesmo, tendo até a mãe da D… ido interceder junto dele, a favor do aluno; deixando no ar a ideia de que a D… terá inventado os factos, por vingança contra ele, por ter sancionado o seu amigo de infância.
Ora, esta explicação do arguido é totalmente descabida de sentido, de lógica, de verosimilhança, o que resulta à saciedade do próprio depoimento da professora de …, AC…, que nem deu relevo à situação.
Com efeito, esta testemunha, que referiu ter feito parte da equipa pedagógica que tratou do caso do U…, revelou não se recordar se houve processo disciplinar contra o aluno ou sequer se este foi sancionado. Acrescentou, ainda, não se ter sequer apercebido de qualquer animosidade, quer por parte dos encarregados de educação desse aluno, nem tão pouco de quaisquer reacções negativas por parte dos colegas do aluno, em relação ao processo.
Parece que só o arguido deu tamanha importância àquele processo…
Ademais, a testemunha de acusação, P…, mãe da D…, de um modo que consideramos sincero, negou em absoluto que tivesse ido conversar com o arguido para interceder pelo aluno U…, afastando peremptoriamente que este episódio tenha o que quer que seja a ver com a situação que se discute nos autos.
Acrescente-se, aliás, que este cenário de vingança, por parte das alunas, que o arguido estrategicamente tentou desenhar é também afastado pela circunstância de as ofendidas não terem laços entre si, pois nem se conheciam até os abusos se começarem a revelar.
Refira-se, por outro lado, que o facto de vários alunos terem vindo a julgamento afirmar nunca terem percepcionado nenhum comportamento menos adequado do professor, não permite ao tribunal tirar conclusões quanto ao facto de o arguido ter ou não praticado os abusos contra as ofendidas já que, pelas declarações (memória futura) destas, resulta evidente que aquele procurava essencialmente momentos em que estava sozinho com as alunas.
E, no tocante à tentativa de demonstrar, por parte da defesa, que o arguido não podia ter ficado com as alunas ofendidas na sala, depois do fim das aulas, por razões de regras da escola, a mesma falhou totalmente.
A própria testemunha de defesa, N…, Director da Escola …, apesar de inicialmente não ser muito claro, sendo até perceptível alguma falta de isenção e rigor, acabou por admitir que os funcionários apenas reportariam à Direcção situações de permanência, durante o intervalo, de professores, na sala de aula, com alunos, se tal ocorresse durante todo o intervalo e de forma repetida.
O mesmo resultou também do depoimento da testemunha de defesa, O…, funcionária da escola, a qual admitiu que se, durante o intervalo, um professor estiver na sala com um aluno, o funcionário segue o seu caminho e vai tratar da sala seguinte e, mais tarde, volta lá, referindo que nestas situações nada tem o funcionário de reportar à Direcção. Só se um professor ficar sistematicamente na mesma sala, durante todo o intervalo, é que o funcionário tem de reportar isso à Direcção, pois não pôde fazer o seu trabalho.
Perguntada, respondeu que os intervalos duram cerca de 15 minutos, havendo corredores com 10 salas.
Ora, perante estas explicações, não vemos como resulta abalada a afirmação das alunas ofendidas, de que o professor, por vezes, lhes pediu para ficaram no final da aula, para ajudarem a apagar o quadro, ocorrendo os abusos nesse “timing”…
Relativamente aos factos que o tribunal considerou provados e que são estritamente subjectivos (intenções, motivações, afecções ou paixões), estes, porque são apenas percepcionáveis pelo próprio sujeito e, por isso mesmo, designados “subjectivos”, resultam da análise dos factos objectivos.
Com efeito, porque as intenções ou motivações do agente, não são, por natureza, susceptíveis de prova directa, é possível inferi-las dos aspectos objectivos em que se materializa a acção, através do significado que tais actos têm na respectiva comunidade social.
Ora, no caso dos autos, os actos dados como provados, praticados pelo arguido, de tocar nas diversas partes dos corpos das menores, nos termos ali expendidos, permitem ao tribunal concluir, de forma inequívoca, a intenção daquele de satisfazer os seus instintos libidinosos.
No que concerne às consequências dos abusos nas menores, invocadas em sede dos pedidos cíveis, consideramos todos os depoimentos das testemunhas dos pedidos cíveis, conjugadamente com os relatórios periciais das ofendidas e com as suas próprias declarações para memória futura, de onde igualmente sobressaem os seus estados de ânimo. Mais se consideraram os documentos de fls. 323 e 324 (facturas de farmácias), quanto ao pedido cível da menor D….
Não descuramos a circunstância de as consequências destas situações de abuso sexual de menores serem de difícil diagnóstico e ainda de mais difícil previsibilidade: não deixa marcas físicas, na maioria das vezes, mas marca a criança para toda a vida com repercussões na vida adulta em relação à sua socialização e sexualidade.
Registamos que o tribunal, ao contrário da defesa do arguido, em sede da sua contestação escrita, não comparou depoimentos prestados em sede de processo disciplinar que correu termos na Inspecção-Geral da Educação, do Ministério da Educação, com os prestados em sede de audiência de julgamento ou nestes autos, já que tal lhe está vedado, pois tratam-se de processos de natureza diferente e que correram termos em jurisdições diferentes.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal valorou o C.R.C. de fls. 355 e, quanto às suas condições sócio-económicas, considerou-se o relatório social de fls. 641 e ss.. 2.4. Motivação dos factos não provados
As factualidades descritas nas alíneas A) e B) dos factos não provados, decorrem de falência probatória no seu sentido, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, nos moldes acima explanados e para onde aqui nos permitimos remeter, para evitar repetições.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro de julgamento;
- caducidade do direito de queixa, prescrição do procedimento criminal, nulidade insanável do art. 119º al. b) do C.P.P. e inconstitucionalidade material por violação dos arts. 29º nº 4 e 32º nº 5 da C.R.P.;
- subsunção jurídica dos factos.
Iremos conhecer destas questões de acordo com a respectiva ordem de precedência lógica.
Antes, porém, vamos apreciar a questão prévia suscitada pela recorrida C…, que veio sustentar que, em virtude de não se vislumbrar nas conclusões do recurso, e ao contrário do que foi vertido nos pontos 30 a 36 das alegações, qualquer intenção de alteração da decisão recorrida no que a si própria diz respeito, não foram formuladas conclusões de acordo com o imposto no nº 1 do art. 412º do C.P.P.[4], razão pela qual entende que o recorrente deve ser convidado a apresentá-las, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 417º e sob pena de o recurso ser rejeitado na parte correspondente.
Conferidas as conclusões do recurso, verificamos que, no que concerne à ofendida C…, o recorrente pretende a alteração da decisão de facto (58ª a 64ª) e bem assim a da decisão de direito (65ª e 66ª) e, embora tenha rematado o recurso com o pedido de absolvição “dos crimes de abuso sexual de menor”, veio, a fls. 839, antes de proferido o despacho de admissão do recurso, requerer a rectificação do “lapso material” constante da fórmula utilizada no encerramento da motivação no sentido de se considerar que o efeito revogatório pretendido, tal como dela resulta à evidência e de forma congruente, “implica a absolvição dos três crimes de abuso sexual de menores, por que foi condenado em 1ª instância – que, na nomenclatura do C.P., constitui ainda uma modalidade de abuso sexual de crianças”.
Embora não tenha incidido qualquer despacho sobre esse requerimento, certo é que, de facto, resulta inequivocamente, quer da motivação, quer das conclusões do recurso, que a pretensão do recorrente abrange também a absolvição em relação ao crime de importunação sexual de que é ofendida a referida C… e pelo qual também veio a ser condenado (operada que foi a convolação do crime de abuso sexual que, pela prática dos factos a ela respeitantes, lhe vinha imputada na acusação) e que certamente só por lapso não foi efectuada essa concretização/discriminação a final, na formulação do pedido.
Devendo, assim, ser aceite a rectificação pretendida, fica sanada a questão, sem necessidade de qualquer convite – pois o efeito que este se destinava permitir alcançar já foi obtido por antecipação.
3.1. O recorrente veio, tal como já o havia feito na contestação, e no que concerne à recorrida E…, invocar a caducidade do procedimento criminal, por extinção do direito de queixa, na medida em que, ao tempo a que se reporta o único facto que lhe foi imputado e que tem aquela recorrida como ofendida (meados de Junho de 2007, correspondente ao fim do ano lectivo de 2006/2007), o procedimento criminal pelo crime de abuso sexual de crianças, então p. e p. pelo nº 1 do art. 172º do C. Penal, dependia de queixa e esta não foi apresentada, dentro do prazo de 6 meses, por quem tinha legitimidade para o efeito, nem tão pouco o MºPº invocou qualquer interesse da menor, não devidamente assegurado pelos seus representantes legais para, fundamentadamente, por despacho autónomo, dar início oficioso ao procedimento. Decorrentemente, sustenta que o acórdão recorrido incorreu na nulidade insanável da al. b) do art. 119º do C.P.P., padecendo igualmente a interpretação que foi dada ao art. 178º nº 4 do C. Penal de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 29º nº 4 e 32º nº 5 da C.R.P., por tratar a prescrição, por extinção do direito de queixa, na vigência do art. 178º nº 1 do C. Penal com a redacção que o DL nº 99/01 de 25/8 como se aplicasse o mesmo art. 178º com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/2007 de 4/9.
No que concerne à recorrida/ofendida E… (nascida em 9/4/94), foi imputada ao recorrente, na acusação deduzida pelo MºPº em 6/5/10, a prática de um crime p. e p., ao tempo, pelo art. 172º nº 1 e, actualmente, pelo art. 171º nº 1, ambos preceitos do C. Penal, por, durante o ano lectivo de 2006/2007, na última aula da disciplina de …, ter desferido dois apalpões nas nádegas da referida menor.
Não havia sido apresentada nos autos qualquer queixa relativamente a tais factos e nenhuma justificação foi apresentada pelo MºPº para o facto de deduzir acusação contra o recorrente no que concerne ao referido ilícito criminal.
Os factos descritos como consubstanciadores de tal ilícito – reportados a Junho de 2007, quando a ofendida tinha 13 anos - vieram a ser considerados como provados no acórdão recorrido ( pontos 14. e 15. dos factos provados ) e o recorrente condenado pela sua prática. Previamente, a questão relacionada com a falta de apresentação de queixa, suscitada pelo recorrente na contestação, foi apreciada e decidida nos seguintes termos:
O arguido, no âmbito da sua contestação escrita (fls. 423 e ss.), invoca, quanto à menor E…, a não apresentação de qualquer queixa, no prazo de 6 meses, pelo que prescreveu o respectivo direito, nos termos do art. 115º, 1 do Código Penal/95, então em vigor, já que o crime pelo qual vem acusado, à data dos factos, era semi-público.
Cumpre apreciar.
O arguido, no que respeita à menor E…, vem acusado da prática de um crime de Abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, n°l do Código Penal e actualmente p. e p. pelo art. 171°, n° 1 do Código Penal.
Do texto da acusação pública, resulta que os factos imputados ao arguido, no que concerne à menor E…, dizem respeito ao ano lectivo de 2006/2007, tendo alegadamente ocorrido na última aula da disciplina de … que leccionava ao 7o ano.
Ora, efectivamente, na versão vigente à data da prática dos factos, era necessária a queixa, o que deixou de ser com a actual redacção do Código Penal, introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a qual veio consignar aquele crime como público.
Dispunha o nº 1 do art. 178º, do Código Penal/95, sob a epígrafe “Queixa”, que: «1. O procedimento criminal contra os crimes previstos nos artigos 163º a 165º, 167º, 168º e 171º a 175º depende de queixa (…)».
Quer isto dizer que o crime atribuído ao arguido exigia, em regra, queixa, a fim de garantir a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.
Ocorre que o nº 4 do normativo citado dispunha que: «Sem prejuízo do disposto nos nºs. 2 e 3, e quando os crimes previstos no nº 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.» - versão da Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto.
É certo que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores está dividida a respeito da necessidade de fundamentar expressamente a faculdade que é conferida ao MºPº, pelo nº4 do artigo 178º (e antes deste pelo n.º2 do artigo 178º, na sua versão anterior). No entanto, afigura-se-nos com melhores argumentos o entendimento daqueles que sufragam não se impor ao Ministério Público a fundamentação expressa do uso de tal faculdade, atenta a criminalidade aqui em análise (vd., entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 08.07.2004, e os Acs do STJ de 31.05.2000 e de 03.04.2002 - Proc. nº 272/00 e 4628/02, respectivamente, in www.dgsi.pt).
Sublinha-se que Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal, reportando-se à natureza semi-pública do crime em apreço, refere, quanto ao nº 4 do citado art. 178º que: “esta exigência adicional – se o interesse da vítima o impuser – aponta, de forma clara, para uma restrição dos casos em que há promoção pública do processo penal”. Mais considerando que “esta deve ter lugar a título subsidiário, atendendo à razão de ser da natureza semi-pública dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual; ou seja, quando a vítima é menor de 16 anos, o ministério público deve promover o processo apenas quando, na falta de queixa de titulares do direito (artigo 113º), conclua que a protecção do menor impõe a promoção processual e que a existência de um processo não é prejudicial para a pessoa da vítima” (sublinhado nosso).
Ora, no caso sub Júdice, é manifesto que a existência do processo não foi prejudicial para a vítima, antes foi tacitamente aceite pela mesma.
Repare-se que, pela postura da ofendida E… em todo o inquérito, bem como da sua mãe, sua representante legal, que a acompanhou, tendo aquela aderido a todas as convocações que lhe foram sendo dirigidas, quer para prestar declarações, quer para ser sujeita a exame pericial, ao que acresce a postura da mãe da E… em audiência de julgamento e seu depoimento, parece-nos que ressalta à evidência que a actuação do Ministério Público, ao dar início ao procedimento criminal, foi inteiramente de encontro aos interesses da vítima.
Entendemos que a não oposição da ofendida e sua representante legal, “a posteriori”, envolve o implícito reconhecimento de que o M.P. serve os seus desígnios, obedecendo às atribuições que derivam do artº. 53º nº. 1, do C.P.P., de cooperação na descoberta da verdade material, realização do direito, obedecendo a critérios de objectividade, que repudiam marcas de subjectivismo, arbítrio e abuso.
A exigência da observância do prazo de caducidade de 6 meses frustraria, por completo, o âmbito de aplicação da norma do art. 178º, do CP, tornando-a, praticamente, letra morta, que antes se mostra em harmonia com o preceituado no art. 113º, nº 6, do C.P., sobre a legitimidade para o exercício do direito de queixa, consignando que cabe ao Ministério Público, nos casos previstos, na lei dar início ao procedimento quando o interesse da vítima o impuser.
Cremos que este entendimento é o que está mais em consonância com a lei constitucional que, no seu art. 69º, estipula que as crianças têm direito à protecção do Estado e o entendimento contrário conduziria a uma situação de intolerável impunidade, além de tudo, socialmente inaceitável.
Improcede, pois, a invocada falta de legitimidade do Ministério Público, para o procedimento criminal, por falta de exercício do direito de queixa, quanto ao crime relativo à menor E….
É inquestionável, como vem referido neste segmento do acórdão recorrido, que, ao tempo da prática dos factos, o ilícito criminal cuja imputação ao recorrente basearam e cuja previsão legal foi transposta ipsis verbis para o actual nº 1 do art. 171º (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/2007 de 4/9) - diferentemente do que sucede actualmente, em que tem natureza pública face à redacção que o referido diploma legal deu ao nº 1 do art. 178º - dependia, exceptuados os casos previstos nas als. a) e b) do nº 1 da anterior redacção desta norma que para o caso não se revestem de interesse, de queixa, admitindo, no entanto, o seu nº 4 que “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3, e quando os crimes previstos no n.º 1 forem praticados contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.”
O requisito que condiciona o exercício desta faculdade, rectius, poder-dever pelo MºPº, em suprimento de uma falha involuntária ou deliberada do(s) titular(es) do direito de queixa, “o interesse da vítima”, “pressupõe, por um lado, a inércia ou a posição de quem, sendo representante legal daquela, podia e devia exercer o direito de queixa e não o faz por razões alheias ao interesse da mesma e, por outro lado, a existência de razões atinentes à protecção e ao interesse da vítima que exijam ou justifiquem o exercício da acção criminal”[5]. A avaliação deste interesse é casuística, partindo da consideração do superior interesse da concreta vítima ( em cuja ponderação se devem levar em conta, nomeadamente, os prejuízos que para o desenvolvimento da sua personalidade podem decorrer da exposição pública que a perseguição criminal do agente do facto normalmente envolve ), e não do interesse dos menores como bem público[6].
Relativamente ao condicionalismo em que, na ausência de queixa, se considerava legitimada, ao abrigo da faculdade prevista nesta norma, a intervenção do MºPº, não existe, como também vem assinalado no segmento do acórdão recorrido acima transcrito, uniformidade na jurisprudência.
De facto, uma corrente oscila entre a inexigibilidade de qualquer fundamentação expressa ou a suficiência de uma fundamentação perfunctória quando são notórias as razões de facto em que assenta a intervenção do MºPº (refira-se, em abono da verdade, que, em todos os arestos adiante citados, essas razões são por demais evidentes):
“I - A norma do n.º 2 do art. 178.º do CP (redacção da Lei 65/98, de 02-09), por um lado, atribui relevância decisiva ao interesse da vítima menor de 16 anos, quando tal interesse, de um ponto de vista objectivo, impõe o procedimento, de tal forma que, sempre que se verifique, assim, esse interesse, o processo não pode deixar de iniciar-se ou de prosseguir, independentemente do representante legal não apresentar queixa ou de, tendo-a apresentado, desistir dela; por outro, confere ao MP o encargo de, a título subsidiário, promover a realização daquele interesse, iniciando ou fazendo prosseguir o procedimento.
II - A finalidade de ordem político-criminal que se persegue é, sem dúvida, a de impedir situações de chocante impunidade que, justamente, por não estar justificada pela protecção do interesse da vítima, resulta, de todo em todo, socialmente intolerável.
III - Verificados os aludidos pressupostos legais, o MP abrirá o inquérito ou promoverá o prosseguimento do processo, fundamentando a sua decisão, isto é, especificando os respectivos motivos de facto e de direito (art. 93.º, n.º 3, do CPP). Em regra, portanto, para além de invocar o disposto no art. 178.º, n.º 2, do CP, exporá as razões de facto que, em concreto, suportam a conclusão de que o interesse da vítima, objectivamente, impõe o procedimento criminal.
IV - Porém, mesmo que se aceite a tese de que, certamente por se tratar de legitimidade de excepção, faltando a fundamentação da decisão de iniciar ou prosseguir o processo (entendida como ponderação da situação em geral e, de modo particular, das vantagens e inconvenientes para a vítima, a partir de dados objectivos) falta, em princípio, a legitimidade para o promover, afigura-se evidente que, sempre que sejam notórias as razões de facto em que se apoia o MP e a própria exigência do procedimento pelo interesse (objectivo) da vítima, a sua não especificação detalhada, só por si, nunca pode implicar, necessariamente, a ilegitimidade daquele.”[7]
“(…) mesmo a defender-se a tese oposta da necessidade de uma queixa formulada pelos dois pais de um menor por ambos deterem a representação legal do mesmo, que de todo não sufragamos, sempre se consigna que mesmo assim, tendo-se na devida atenção o caso concreto no seu conspecto espácio-temporal e no circunstancialismo que de todo em todo o envolveu, “sempre ao Ministério Público assistiria legitimidade para desencadear o procedimento criminal, representando as queixas apresentadas denúncias através das quais adquiriu a notícia do crime”, (…), sendo ainda de referenciar, no quadro da evidenciada e expressa manifestação de todo um interesse público a reclamar e a justificar uma acção interventiva do MP, as outras comunicações que constam dos autos (…) “solicitando que fossem tomadas «com a máxima urgência as medidas consideradas adequadas à situação e alertadas as autoridades competentes »“ (…), solicitando ao MP que fosse tomada “uma providência cautelar de carácter urgente para salvaguarda de todos os menores eventualmente em risco na instituição”.
E o certo é que no contexto espácio-temporal e concreto dos factos comunicados e levados ao conhecimento do MP, tendo-se na devida atenção e consideração a natureza e gravidade desses mesmos factos, o local onde eram praticados, a idade das crianças afectadas e em risco e todo o circunstancialismo envolvente em que não era nada despicienda a própria acessibilidade do agente, é de todo inquestionável assistir legitimidade ao MP para dar início a um inquérito e promover o consequente procedimento criminal no quadro do disposto no art.º 178, n.º 2 do CP, porquanto é indiscutível subjazer a tal intervenção um não menos indiscutível interesse público, sendo manifesta a existência das “especiais razões de interesse público” a que se reporta tal normativo, face à comunicação e ao conhecimento de situações que contendiam com a autodeterminação sexual de menores de 12 anos, e num infantário/jardim de infância.
Instituições, refira-se, frequentadas por crianças em número alargado, o que natural e consequentemente equaciona e envolve todo um também alargado, e incontornável, capital de confiança dos familiares e da própria comunidade no que contende com a educação e a formação humana e moral dessas mesmas crianças, cuja realidade e processos não podem de modo nenhum ser perturbados e abalados por situações e casos que de per se ponham em risco e em crise a credibilidade, o respeito, a aceitação e a confiança dessas mesmas instituições.
Consequentemente justificando, e de todo em todo, face a razões imperiosas de interesse público, aliás claras, manifestamente notórias e de todo indiscutíveis, a actuação interventiva do MP, cuja legitimidade para promover o processo no caso concreto e em apreço de modo nenhum pode ser questionada, ou sequer posta em crise.
Aliás importará referir-se, a finalizar, acompanhando-se o acórdão recorrido, que “a constatação de tal interesse público na promoção do procedimento criminal não carece de ser expressamente declarada no processo pelo magistrado titular do mesmo” (…), sendo inquestionável e manifesto, como aliás flui dos próprios autos, que tal interesse se encontra bem sinalizado, e de uma forma claramente expressa, pela própria actuação em concreto do MP, a que não deixam de estar subjacentes razões bem notórias e mais do que evidentes para toda uma acção interventiva.
E a verdade é que “sempre que sejam notórias as razões de facto em que se apoia o Ministério Público e a própria exigência do procedimento pelo interesse (objectivo) da vítima, a sua não especificação detalhada, só por si, nunca pode implicar, necessariamente, a ilegitimidade daquele” (Ac. STJ de 31.5.2000 - proc. 272/2000 - 3.ª), como aliás ocorre no caso em análise.
Pelo que, e concluindo, sendo indiscutível e manifesto o interesse público na promoção do procedimento criminal, de que aliás é claro indicador todo o conjunto de elementos recolhidos nos autos que não só espelham esse mesmo interesse como até sinalizam a sua relevância, é de todo em todo inquestionável que assistiria legitimidade ao MP para promover o andamento do processo no quadro do art.º 178, n.º 2, do CP e 69 da CRP, mesmo a não se ter por válidas as queixas deduzidas pelas mães (…).”[8]
“VII. O critério estruturante para aferir da legitimidade excepcional do M.P. é o resultante da ponderação de interesses, entre o benefício da promoção da acção penal para o menor de idade compreendida entre os 14 e os 16 anos, vítima de actos homossexuais e o do prejuízo que derivaria da omissão da acção penal pelo titular do direito de queixa, nos termos do artº. 113º, do CP, deixando impune o agente.
(…)
Sempre que da promoção da acção penal resulte evidente benefício em termos de protecção da vítima adolescente o M.P. deve intervir. (Cfr. Prof.ª Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 594).
Haverá, na opção, que ter presente que o bem jurídico a proteger é o desenvolvimento, sem perturbações, no que à esfera sexual diz respeito.
(…)
O critério fundamentador de tal intervenção subsidiária do M.P. não tem que ser exaustivamente traçado nos autos, porém o M.P. há-de habilitar o Tribunal, fornecendo-lhe razões bastantes, por si só ou em conjugação com o que resulta dos autos, até porque se está em face de pressuposto processual de conhecimento oficioso, não estando o tribunal sujeito a limitação na indagação dos seus contornos, de molde a concluir-se pela vantagem que há em desencadear mecanismos de reacção penal.
O M.P. fundamentou o seu impulso processual afirmando, em considerandos prévios à acusação, e radicando nos indícios probatórios recolhidos nos autos, que à data do início do processo os menores não tinham, ainda, 16 anos de idade, sendo do interesse das próprias vítimas de abuso sexual por adultos, o impulso oficioso, “não havendo elementos nos autos que o desaconselhe”; “aliás os mesmos prestaram declarações esclarecedoras nos autos” e “ouvidos não vieram declarar não pretender procedimento criminal”.
(…)
Ao M.P., na diversidade das suas funções, cabe defender os interesses de determinadas pessoas mais carecidas de protecção, entre elas os menores (…).
Nestes termos é, por demais óbvio, que, perante jovens em situação desestruturada familiarmente, indiciada antes da dedução da acusação, como confirmada no acórdão recorrido, a instauração do processo penal não desempenha qualquer forma de intromissão indesejável no núcleo de poderes familiares manifestamente enfraquecidos, como não belisca a esfera de intimidade privada, cuja devassa os ofendidos “a posteriori”, ou seja após o desencadear da acção penal, não recriminaram, nenhum obstáculo oferecendo ao exercício do procedimento, do qual não se vislumbram prejuízos indesejáveis para os menores.
Não resulta, assim, que o M.P. não tenha efectuado uma ponderação alicerçada em factos objectivos, embora não abundantemente expressos, das razões que o levassem a intervir e a postergar os titulares do direito de queixa, cujo desinteresse pela sorte dos menores se mostra bem implícito nos (…) actos tradutores do mais completo abandono dos seus familiares.
O M.P. titularia grave demissão de funções e inqualificável violação do seu estatuto ao ser-lhe relatado na participação policial, que inicia os autos, de 9 de Dezembro de 1997, que o arguido, “suspeito de pedofilia”, acompanha menores de idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos, “com o aspecto de meninos de rua” e, apesar disso cruzasse as mãos e não iniciasse apurada investigação (…).
Sempre que seja demonstrado o estilo de vida dos menores, e comprovadas as notórias as consequências da respectiva adopção, em manifesto prejuízo para aqueles, à luz de um critério objectivo, que ninguém ouse refutar, ressalta à evidência a legitimidade do M.P., alicerçada no seu interesse, não sendo a apresentação de uma fundamentação menos extensa das razões para intervenção que afastam a legitimidade para iniciar a acção penal, como forma de evitar situações de chocante impunidade, de todo em todo, além do mais, socialmente intoleráveis.
De todo o modo aquela não oposição dos ofendidos, “a posteriori”, envolve o implícito reconhecimento de que o M.P. serve os seus desígnios, obedecendo às atribuições que derivam do artº. 53º nº. 1, do CPP., de cooperação na descoberta da verdade material, realização do direito, obedecendo a critérios de objectividade, que repudiam marcas de subjectivismo, arbítrio e abuso.
Apresentando-se-nos desnecessária a queixa, é antitético com aquela desnecessidade submeter a denúncia do facto criminoso à obediência ao prazo previsto no artº. 115º, nº. 1, do CP, uma vez que o prazo temporal de 6 meses, ali previsto, sobre a data do conhecimento do facto, cobra, apenas, aplicação ao titular do direito de queixa, que o M.P. não é, mas, apenas, promotor do exercício da acção penal, em forma subsidiária, além de que poderia ser extremamente difícil, senão mesmo impossível impôr-se ao M.P. tal observância, dado que, em regra, o condicionalismo da prática do delito lhe chega por via diversa do que tem o conhecimento directo, desinteressado, receoso ou negligente em comunicar-lho.
A exigência da observância do prazo de caducidade frustraria, por completo, o âmbito de aplicação da norma do artº. 178º, do CP, tornando-a, praticamente, letra morta, mostrando-se em harmonia com o preceituado no artº. 113º nº. 6, do CP, sobre a legitimidade para o exercício do direito de queixa, consignando que cabe ao M.P. nos casos previstos na lei dar início ao procedimento quando o interesse da vítima o impuser (na redacção anterior “quando razões especiais de interesse público o impuserem”).”[9]
“(…) não resulta do citado n.º 2 do artigo 178.º do CP a exigência que o MºPº consigne, por despacho ou qualquer outro modo, que pretende actuar ou actue no interesse da vítima de molde a promover o impulso processual sem prévia queixa.”[10]
Diversamente, outros entendem que o exercício da dita faculdade, na sucessiva conformação que lhe foi dada pelos textos legais pertinentes, não prescinde de fundamentação expressa:
“À luz deste Código Penal de 1995 a conduta do arguido (…) integra (…) o crime de abuso sexual de crianças na forma continuada previsto e punível no artigo 172 n. 2 com referência ao artigo 177 n. 1 alínea a) (…)
Também, agora, o procedimento criminal depende de queixa nos termos do artigo 178, cabendo, porém, ao Ministério Público dar início ao procedimento quando a vítima for menor de 12 anos se especiais razões de interesse público o impuserem. Em relação ao Código anterior - o de 1982 - existe agora uma diferença; pois, enquanto o 1., para conferir legitimidade ao Ministério Público, se bastava com a menoridade da vítima - menor de 12 anos - o Código de 1995 faz depender essa legitimidade se “especiais razões de interesse público o impuserem” expressão que, após a Lei n. 65/98 de 2 de Setembro que alterou, de novo, o Código Penal, passou a “o interesse da vítima o impuser”.
Das diferenças havidas nos regimes, flui que a intervenção do Ministério Público deixou de ser automática, não estando apenas dependente da idade, exigindo a Lei, agora, ao Magistrado que pondere a situação e equacione as vantagens e os inconvenientes apoiado em dados objectivos e que os expresse, para que se possa ajuizar se o interesse da vítima aconselha o desencadeamento da acção. Do exame dos autos, não resulta que o Ministério Público tivesse feito qualquer ponderação alicerçada em factos objectivos, não referindo, designadamente porque relegou os titulares do direito de queixa - os referidos no n. 3 do artigo 113 do Código Penal -. Perante tal posição resulta que o Ministério Público não justificou a sua legitimidade para a acção, concordando-se, assim, com o decidido [o arquivamento dos autos por se ter considerado que o direito de queixa dos ofendidos se extinguiu por caducidade, tendo o MºPº perdido a legitimidade para acompanhar o procedimento criminal].[11]
“I - Relativamente a crime a que se aplique o regime do art. 178º do Código Penal, na versão da Lei nº 99/2001, o Ministério Público não pode dar início ao procedimento, ao abrigo do nº 4 desse preceito, depois de a vítima ter completado 16 anos de idade.
II - Além disso, o uso da faculdade prevista nessa disposição legal não dispensa fundamentação expressa.
(…) embora a jurisprudência esteja dividida, a respeito da necessidade de fundamentar devidamente a faculdade que é conferida ao MºPº, pelo nº4 do artigo 178º (e antes deste pelo n.º2 do artigo 178º), o certo é que se nos afigura de longe com melhores argumentos o entendimento daqueles que sufragam dever tal faculdade ser devidamente fundamentada no processo. (excluindo o dever de fundamentação, a título exemplificativo, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 08.07.2004, e os Acs do STJ de 31.05.2000 e de 03.04.2002 - Proc. nº 272/00 e 4628/02, respectivamente)
Anote-se que neste tipo de casos, sendo a legitimidade do Mistério Público uma legitimidade ditada pelo superior interesse da vítima, e portanto aferida de forma casuística, como decorre das leituras dos vários arestos, afins do caso em análise, é ponderado sobretudo o interesse da vítima - que nos casos analisados era tão gritante ou notório, que foi praticamente o único elemento ponderado para dispensar o dever de fundamentar do MºPº - dispensando-se a consideração de outros elementos relevantes para a discussão da questão.
No sentido da necessidade de fundamentação expressa se pronunciou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2007 (…)
E daqui se retira um dever de fundamentação expressa da faculdade atribuída ao Ministério Público - já que no caso, a legitimidade do MºPº, ao contrário do que sucede ordinariamente, é de apreciação casuística, com base num juízo de adequação e oportunidade (vide. Ac. da Relação do Porto de 07.06.06) - sob pena de se correrem riscos de arbitrariedade e subjectividade incompatíveis com os princípios constitucionais da legalidade e da determinabilidade.
No mesmo sentido do citado Acórdão do TC, exigindo expressa fundamentação do despacho do Ministério Público, se pronunciou o AC. do STJ de 07 de Julho de 1999 (…)
Ora, no caso em apreço, diferentemente do que acontecia no caso do Acórdão do Tribunal Constitucional, não sabe este tribunal nem, mais grave ainda, sabe o arguido, com o mínimo de segurança e certeza jurídicas a que título o MºPº iniciou o presente procedimento, se confiando na idade inferior a 16 anos da vítima e portanto, na validade da queixa apresentada pela sua mãe, se pretendendo actuar ao abrigo do artigo 178º, n.º4 do CP, sendo que em obediência à lei, o Ministério Público tem a sua actividade condicionada a requisitos de actuação predefinidos que não se podem confundir com o exercício de um mero poder discricionário, pelo que em obediência ao princípio da legalidade da acção penal impunha-se-lhe que fundamentasse expressamente o respectivo despacho (não existe sequer qualquer despacho do Ministério Público que faça em inquérito referência ao artigo 178º, nº4 do CP), aliás, na exacta medida em que a lei diz que o deve fazer – artigos 97º, n.º4 do CPP em conjugação com o artigo 178º, n.º4 do CP.
E “o dever de fundamentação explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual, da rejeição do segredo nos actos do Estado, na necessidade de avaliação dos actos Estaduais, aqui se incluindo a controlabilidade, a previsibilidade, a fiabilidade e a confiança nos actos do Estado”.
Perante o exposto e resultando, que à data da instauração do procedimento criminal pelo Ministério Público Português, o ofendido já tinha mais de 18 anos de idade (…), mas também que não há queixa válida do ofendido, concluímos que a promoção processual subsidiária do MP, ao tempo, não tinha fundamento, ao abrigo do art. 178º, n.º4 do CP.
A esta falta de fundamento para a promoção subsidiária acresce o facto de o Ministério Público não ter justificado, como sobre si impendia, a legitimidade para a acção, mormente estando em causa um caso com os contornos que referimos e outros - talvez ainda mais impressivos - contidos no inquérito.”[12]
“I – Quando, independentemente do exercício do direito de queixa por parte de quem, à partida, é titular desse direito, por razões de interesse público – relacionadas com o que é a tutela do bem jurídico protegido –, mas inerentes e subjacentes ao interesse da vítima, o Ministério Público tem legitimidade para desencadear e exercer a acção penal, necessário é, contudo, que justifique as razões de facto (objectivas) que o levam à sua intervenção no interesse da vítima, o que bem se compreende ante as consequências para o processo e para quem nele é vítima ou agente de tal exercício da acção penal.”[13]
Este entendimento também foi o seguido pelo Tribunal Constitucional:
“A atribuição desta faculdade ao Ministério Público, devendo ser, como o foi no caso, devidamente fundamentada, também não contende com os princípios da legalidade e da determinabilidade, estando fixadas na lei as condições que possibilitam o exercício da acção penal. A ponderação, a ser feita necessariamente caso a caso, da intensidade do interesse do menor, sendo, como é, rodeada da referida garantia de dever de fundamentação expressa, não permite a acusação de estarmos perante uma situação em que o risco da arbitrariedade e da subjectividade seja incompatível com aqueles princípios constitucionais.”[14]
Por nós, também consideramos que, atenta a excepcionalidade da previsão legal e os interesses em confronto, a legitimação do MºPº para proceder criminalmente contra o agente do facto, sem que tenha havido queixa[15] por banda do(s) respectivo(s) titular(es), não dispensa, em princípio, uma fundamentação expressa, que demostre suficientemente, consoante as exigências que no caso se façam sentir, que essa intervenção não é arbitrária, antes se pauta estritamente pela prossecução do interesse da vítima. Admitimos, no entanto, que uma tal fundamentação não tenha de ser oferecida autonomamente se, e apenas quando, ela se vá colher de forma evidente e inquestionável aos próprios termos da acusação, porque o que é óbvio, transparente, facilmente perceptível, encerra em si mesmo justificação bastante e o mais que se acrescentasse não passaria de tautologia inútil. Só assim pensamos ficarem adequadamente prevenidas as críticas de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da legalidade e da determinabilidade, que, também no presente caso, o recorrente não deixou de veicular.
Em conformidade com a posição assumida, não podemos sufragar o que a respeito desta questão foi decidido no acórdão recorrido. Pois, nem o MºPº ofereceu quaisquer razões para a sua intervenção oficiosa, nem elas se colhem dos termos da acusação ou, sequer, se surpreendem nos autos. Ao invés, a ofendida em questão, ao tempo aluna de um conceituado estabelecimento de ensino da cidade do Porto, frequentado por população estudantil proveniente dos estratos sociais mais elevados, como foi referido durante o julgamento, foi acompanhada ao longo de todo o processo pela respectiva progenitora - que, em momento algum e nomeadamente nos 6 meses subsequentes à data em que teve conhecimento dos factos, exerceu o direito de queixa (e o titular do inquérito também não cuidou de indagar se o pretendia exercer, quiçá por não ter atentado na circunstância de a data dos factos ser anterior em alguns meses àquela em que o crime passou a ter natureza pública) -, não se podendo de forma alguma considerar configurada uma situação de desprotecção que se enquadre no espectro que o legislador pretendeu abranger com a norma a que vimos aludindo. Afastada, desde logo e como quer que se perspective o caso, a legitimação da intervenção do MºPº, é perfeitamente irrelevante a posição que, em relação a ela, a ofendida e/ou os seus representantes legais possam ter adoptado no subsequente decurso do processo.
Donde que assista inteira razão ao recorrente quando se insurge contra a perseguição criminal, e subsequente condenação, de que foi alvo pela prática dos factos que envolvem a E….
De facto, a promoção do procedimento criminal pelo MºPº, relativamente a um ilícito criminal que, à data da prática dos factos que o podiam integrar, tinha natureza semi-pública, fora do quadro legal que, em regra ou verificadas condições excepcionais, lhe confere legitimidade para o efeito, consubstancia a falta de um pressuposto processual que obstaculiza o conhecimento do crime em questão e determina que, nessa parte, e por paralelismo com a consequência jurídica que o processo civil faz corresponder às excepções dilatórias que obstam ao conhecimento do mérito (art. 493º nº 2 do C.P.C.), o recorrente deva ser absolvido da instância. O que determinará que a pena parcelar, de 18 meses de prisão, que foi aplicada ao recorrente pelo crime de abuso sexual de crianças que tinha como ofendida a E… haja de ser retirada da pena única fixada por cúmulo jurídico, do que adiante se cuidará.
Procede, pois, este fundamento do recurso, ficando prejudicada a conexa questão de inconstitucionalidade.
Subsiste, no entanto, a questão de determinar o destino que deve seguir o pedido cível que, fundado na prática dos factos integradores do ilícito penal ilegalmente imputado ao recorrente, foi deduzido nos autos pela representante legal da E…, em nome desta.
Muito embora os contornos do caso se apresentem como atípicos em relação ao círculo de hipóteses para as quais foi concebida a norma do nº 1 do art. 377º do C.P.P. – que certamente não compreenderiam a hipótese de o processo começar “torto de nascença” -, considerada a interpretação fixada pelo Assento nº 7/99 (D.R. Iª série de 3/8/99), conseguimos descortinar várias razões, vantajosas quer do ponto de vista da credibilização da justiça, quer do dos interesses dos sujeitos processuais envolvidos, pelas quais, a nosso ver, aquele pedido deve ser apreciado e decidido de acordo com os mesmos cânones, ou seja, a condenação deve manter-se verificados que se mostrem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual[16],[17]. Desde logo, razões de economia processual aconselham o aproveitamento do processado e o evitar de eventual subsequente instauração de acção indemnizatória nos tribunais civis; depois, a não frustração das legítimas expectativas criadas na demandante e assentes na aparente legalidade do processado, e consequente condicionamento, decorrente do princípio da adesão, de recurso aos tribunais civis; finalmente, as acrescidas garantias de defesa que o processo penal assegura aos demandados que simultaneamente têm a qualidade de arguidos.
Assim, não obstante a falência da condenação em termos criminais, haverá que, e antes de mais, apreciar as razões de discordância que o recorrente apresentou em relação à decisão da matéria de facto, o que faremos em conjunto com a impugnação direccionada aos factos respeitantes às situações que envolvem as outras menores ofendidas. Na eventualidade de inexistirem razões para proceder à sua alteração, e preenchendo a mesma os pressupostos da responsabilidade civil, independentemente da natureza do ilícito criminal a que poderiam ser subsumidos, porque a matéria do pedido cível não podia ser objecto de recurso autónomo em virtude de o valor peticionado (1.000€) o não consentir (cfr. arts. 400º nº 2 do C.P.P. e 24º da Lei nº 3/99 de 13/1, na redacção que lhe foi introduzida pelo art. 3º do DL nº 323/2001 de 17/12), não poderá haver lugar à alteração do montante indemnizatório que o recorrente foi condenado a pagar à demandante.
3.2. O recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto, apontando como incorrectamente julgados os pontos 5. a 13., 14., 15., 17., 18. e 19. a 21., 22. a 30. dos factos provados e indicando as provas que, de acordo com a apreciação que entende ser a correcta, deviam ter determinado decisão diversa.
Tendo o recorrente invocado o erro de julgamento, vamos começar por recordar os termos em que este tribunal pode sindicar a decisão da matéria de facto no quadro da impugnação prevista nos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P.
Na decisão da matéria de facto assume capital importância a regra geral contida no art. 127º, de acordo com a qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”[18]. Sendo a “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»“[19] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional -, impõe a lei (cfr. nº 2 do art. 374º) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[20] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[21] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[22]. Assim, nada impede que o tribunal alicerce a sua convicção nas declarações ou depoimentos de muitas ou de uma só pessoa[23], e trate-se de declarações de arguidos, ofendidos, testemunhas ou partes civis, caso as considere credíveis (apesar do interesse que possam ter no desfecho do processo e que não deixará de ser devidamente sopesado) e plausíveis face às regras da experiência comum e, nalguns casos, a outros elementos de prova que as corroborem. Também nada obsta a que o tribunal o faça apenas relativamente a parte dessas declarações, desconsiderando aspectos das mesmas que não se mostrem tão credíveis ou plausíveis, ou em relação aos quais se suscitem dúvidas razoáveis que não seja possível ultrapassar. A credibilidade da prova que suporta uma versão não é afastada apenas porque evidencia algumas falhas que não comprometem o essencial. Não raras vezes, quando involuntárias, até são essas mesmas falhas que demonstram a sinceridade e a espontaneidade de quem as evidencia. E, por contraponto, quantos relatos muito alinhados, sem qualquer falha, não passam de ensaios cuidadosamente preparados?!
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º, pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[24]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”[25].
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[26]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”[27]. É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”[28]. Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”.[29] Além disso, a reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[30]
Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas ( ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível ) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1ª instância tem suporte na regra estabelecida no art. 127º e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se. Não basta, pois, sustentar que a leitura que o tribunal fez da prova produzida, sendo uma das possíveis, não é a mais adequada; é necessário demonstrar que a análise da prova à luz das regras da experiência ou a existência de provas irrefutáveis não consentiam tal leitura.
Por outro lado, a impugnação da decisão da matéria de facto através da reapreciação da prova gravada obedece a regras que a lei estabelece em detalhe nos nºs 3 e 4 do art. 411º do C.P.P.: exige-se que o recorrente especifique “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, “as concretas provas que impõem[31] decisão diversa da recorrida”, “as provas que devem ser renovadas” (ónus este que, obviamente, só se aplica aos casos em que seja requerida a renovação da prova, o que no presente não sucede); quando se trate de provas gravadas, estas duas últimas especificações “fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º[32], devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.
Revertendo ao caso sub judice, constatamos que, precisamente no que concerne aos ónus de especificação a que acabámos de aludir, as duas recorridas que responderam ao recurso vieram invocar a sua falta de cumprimento cabal por parte do recorrente, na medida em que não especificou o dia da sessão em que foram produzidos os depoimentos chamados à colação, nem sequer o momento em que eles se iniciaram ou terminaram, tal como consignado na acta, não tendo transcrito o depoimento de uma das testemunhas e identificado o nome de outra.
Escrutinado o recurso, é verdade que, num ou noutro ponto, não foi observado estritamente o figurino traçado na lei. No entanto, e no geral, as deficiências registadas não assumem gravidade tal que merecessem ser fulminadas com a rejeição deste fundamento do recurso, tendo sido devidamente indicados os pontos que o recorrente considera terem sido incorrectamente julgados e os meios de prova que, na sua óptica, não foram devidamente valorados e deviam ter conduzido a decisão diversa, e sendo perfeitamente perceptíveis as razões que ofereceu para a sua discordância. Assim, e mantendo uma posição flexível de privilegiar a substância acima da forma, damos por satisfatoriamente cumpridos os referidos ónus e iremos proceder à análise das objecções apresentadas à forma como foi decidida a matéria de facto, análise essa compartimentada, como também o foi no recurso, em relação aos grupos de factos que respeitam a cada uma das três ofendidas.
Antes ainda, há que deixar claro um ponto, que tem a ver com a possibilidade de valorar declarações que não foram prestadas no âmbito deste processo. Estamos a referir-nos àquelas que o foram no âmbito do processo disciplinar que consta dos apensos, juntos aos autos na sequência do requerimento que o recorrente apresentou nesse sentido, e cujo teor este invoca para sustentar parte da sua argumentação.
Chamamos aqui à colação o que vem estabelecido nos preceitos do C.P.P. que a seguir vão transcritos: Art. 355º (Proibição de valoração de provas)
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes. Art. 356º (Leitura permitida de autos e declarações)
1 - Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 318.º, 319.º e 320.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.
2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida tendo sido prestadas perante o juiz nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura;
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.
3 - É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4 - É permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira.
5 - Verificando-se o disposto na alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.
6 - É proibida, em qualquer caso, a leitura do depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores.
9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.
Sendo inquestionável que as declarações acima aludidas não se enquadram em qualquer das excepções em que a lei permite a leitura de declarações prestadas fora da audiência de julgamento, é forçoso concluir que são abrangidas pela regra geral constante do nº 1 do art. 355º, ou seja, não podem ser valoradas[33], como, de resto, não o foram pelo tribunal recorrido.
Nem se argumente em contrário, como o faz o recorrente, que o facto de tais declarações constarem dos documentos juntos com a contestação e não terem sido impugnadas torna a sua valoração admissível face ao disposto nos arts. 164º e 165º do C.P.P. Estes preceitos destinam-se a regular os limites temporais e as condições a que deve obedecer a junção de documentos e de modo nenhum podem servir para contornar a proibição de valoração[34] que, quanto às declarações externas ao julgamento, a lei estabelece.
Assim, sendo certo que podem ser objecto de valoração, independentemente da sua leitura em julgamento – porque já constavam dos autos e houve possibilidade de exercício do contraditório, nessa medida não se registando qualquer encurtamento inadmissível das garantias de defesa que a lei consagra -, os documentos que constam do processo disciplinar cuja apensação aos autos foi ordenada, só o podem ser na medida em que não contenham declarações prestadas pelo arguido, pelas ofendidas ( também partes civis ) e pelas testemunhas.
Donde que sejam totalmente irrelevantes as considerações que o recorrente tece a partir das referidas declarações e que nós, igualmente vinculados à proibição de valoração acima aludida, vamos pura e simplesmente desconsiderar.
Isto dito, vamos então entrar na análise das discordâncias que o recorrente expressou em relação à forma como foi apreciada a prova e decidida a matéria de facto.
3.2.1. Matéria de facto relativa à demandante E… e objecto de impugnação: pontos 14., 15., 19. e 20. e, por arrastamento, também os pontos 25. e 26. dos factos provados
Defende o recorrente que os referidos factos devem ser considerados como não provados ou, em alternativa, que apenas deve ser considerado como provado que ele procurou limpar os calções da E… em virtude de estes se encontrarem sujos. Apoia-se nas declarações da demandante, que referiu que, efectivamente, os calções estavam sujos de pó e nas suas próprias declarações, nas quais apresentou como explicação para o seu gesto o singelo propósito de proceder à limpeza do dito pó, considerando que é impossível conceber que tal acto tenha visado a satisfação dos seus instintos libidinosos e que nem foi entendido como tal pela E…, que não se sentiu intimidada nem envergonhada e que só volvidos 8 meses, por contaminação dos episódios que envolveram as outras ofendidas, é que se veio lembrar do sucedido.
Lidas as declarações para memória futura prestadas pela E…, verificamos que nelas foi confirmado, com alguns esclarecimentos adicionais, o que já havia declarado quando ouvida pela P.J. e no processo disciplinar, ou seja, que, num momento em que se encontrava sozinha na sala de aula com o recorrente, este se aproximou por detrás de si e apalpou-a no rabo, pousando a mão dele na nádega dela, por cima das calças e massajando com o polegar; que, incomodada com tal gesto, o interpelou, respondendo ele a rir que ela tinha os calções sujos e que ele os estava a limpar; que, apesar de ter mostrado o seu descontentamento, ele repetiu o gesto; que as suas calças estavam mesmo sujas com um pó preto, do trabalho que estavam na altura a realizar; que na altura não deu importância àquele gesto pois gostava muito daquele professor, não atentando então que limpar as calças se faz sacudindo a mão toda e não só com um dedo e a mão pousada sobre a nádega; que não voltou a ser vítima de comportamentos do género por parte do recorrente; que, ao tomar conhecimento dos episódios que envolveram as outras ofendidas, no ano lectivo seguinte, suspeitou que se tratasse de algo semelhante ao que tinha ocorrido consigo e foi falar com a C…, só então se apercebendo de que o gesto do recorrente também foi um gesto de a querer apalpar.
É certo que o recorrente, sem negar o ocorrido, refutou que com o seu gesto tenha apalpado a E…, mas também decorre da motivação da decisão de facto que não foi reconhecida credibilidade às suas declarações, tendo sido explicadas, de forma perfeitamente coerente e plausível, as razões e os outros meios de prova que levaram o tribunal a formar a sua convicção no sentido de que os factos ocorreram da forma como a E… os relatou. Em concreto, foram destacadas as declarações da mãe dela relativamente ao momento em que ela contou o que se tinha passado e às razões pelas quais só então o fez, integrando-se tal procedimento num quadro de normalidade, em particular se considerarmos o estado de maturidade psicológica correspondente à idade e a tentativa de desvalorizar um episódio - que, ainda assim, não deixou de a perturbar ( tanto que ainda o mantinha na sua recordação vários meses depois ) e que teve reflexos no seu comportamento, conforme foi referido pela testemunha AD… ( que afirmou nunca ter tido dúvidas de que a E… estava a falar verdade e convicta de que “ela não quis mais pensar no assunto”, achando que “ela teve dúvidas de si própria”, sendo igualmente compreensível que esta testemunha só tenha feito a ligação entre essas alterações e a “cena dos calções” depois de saber da ocorrência desta, até porque até então não conhecia qualquer facto concreto que as explicasse ) – seja porque não teve qualquer seguimento, seja porque, no seu íntimo, até lhe terá suscitado dúvidas sobre o seu real significado e alcance, dúvidas essas que o desconhecimento de situações com outros colegas e a afeição que com eles comungava em relação à figura do recorrente como professor até confortavam. Para além disso, também o relatório pericial de psicologia forense relativo ao exame psicológico a que a E… foi submetida, a fls. 211-213, contribui para conferir foros de credibilidade ao relato que por ela foi feito. Dir-se-á, ainda, que mal se compreende que, se tivesse sido apenas o propósito de limpar a sujidade que, efectivamente, existia nos calções da E…, e que o primeiro gesto tivesse sido irreflectido, sempre o desagrado que ela manifestou teria seguramente levado a que não houvesse a sua repetição. Isto já para não dizer que o comportamento correcto passava por um alerta à aluna, que estava em perfeitas condições de poder, por si própria, tratar da limpeza das suas vestes, e nunca por nunca ser um professor a tomar a iniciativa de o fazer, tocando, ainda que por cima da roupa, em zona corporal ligada à intimidade do ser humano, com inegável conotação sexual, para mais pousando nela a mão em vez de a sacudir, como seria o normal caso fosse apenas uma limpeza que se pretendesse fazer.
Encurtando de razões: a convicção dos julgadores - devidamente explicada, sem que se detectem quaisquer atropelos às regras da experiência comum, na motivação da decisão de facto, com adequado suporte na prova produzida e considerada relevante para o efeito, toda ela permitida, sem que o recorrente tenha logrado demonstrar que, essa ou outra, impusesse decisão diversa – tem de se considerar validamente formada ao abrigo da regra da livre apreciação da prova, inexistindo fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto.
3.2.2. Matéria de facto relativa à ofendida D… e objecto de impugnação: pontos 5. a 13. e 19. a 21. e, por arrastamento, também os pontos 27. a 30. dos factos provados
O recorrente começa por dissertar sobre as contradições entre as declarações da ofendida e o depoimento da testemunha G… respeitantes à zona corporal da primeira na qual afirmaram ter ele pousado a mão no decurso da aula do dia 17/1/08, considerando que aquele depoimento deve ser desvalorizado quer por as duas versões se excluírem mutuamente e ser tão falsa uma como a outra, quer porque o mesmo também é intrinsecamente contraditório na medida em que a referida testemunha afirmou, por um lado, nunca ter dado conta, até essa data, de qualquer particular manifestação de interesse do recorrente em relação à D… e, por outro, que só depois da mesma data começou a reparar no facto de ele a procurar reter depois das aulas e ter verificado que ela várias vezes ficou retida quando também asseverou que nada mais houve a partir de então para além de uma tentativa gorada, em que impediu a D… de permanecer na sala. Prossegue, sustentando que houve uma errónea avaliação e ponderação da prova produzida já que, em seu entender, a história da D… não resiste à prova, directa e indirecta dos factos. Procurando demonstrá-lo, “ataca” em várias direcções: chama à colação, factos que ela relatou em inquérito e nas declarações para memória futura mas que não foram descritos na acusação, resultando dos depoimentos de N…, O…, e da própria mãe da D… que são falsos, abalando o crédito das suas declarações; invoca os depoimentos das testemunhas G…, J…, K… e M…, colegas de turma da D…, que afirmaram nunca terem dado conta de nenhuma manifestação de interesse especial do recorrente por ela; também com base nesses depoimentos e nos de N… e de O…, respectivamente director e funcionária da escola, contesta a possibilidade de ter permanecido sozinho com a D… na sala, durante os intervalos e com a porta fechada, sem que tal facto desse nas vistas; refuta a alegada saída da sala por ordem alfabética, referida pela mãe da D…, porque desmentida pelas testemunhas K… e M…; arrima-se à circunstância de não ter sido considerado como provado o facto vertido em A) para daí concluir que se trata de uma imputação falsa que afecta a credibilidade das declarações da ofendida, que nesse aspecto não foram confirmados pelos depoimentos das testemunhas G…, J…, Q…, S…, K… e M…; lembra uma vez mais as contradições entre as declarações da D… e o depoimento da G… quanto ao episódio do dia 17/1/08; e reputa de falsos os factos vertidos nos pontos 12. e 13. dos factos provados, quer porque dependem logica e substancialmente dos precedentes, quer porque são contraditados por documento que juntou com a contestação (pensamos que tenha querido aludir a um manuscrito, que consta a fls. 487, datado de 15/1/08 e, ao que tudo indica, elaborado pela D…, correspondendo a solicitação do recorrente aos alunos para se pronunciarem acerca da sua intervenção num conflito entre dois alunos e em que ela escreve, além do mais, o seguinte: “Eu acho que o professor é bom professor, mas acho que tomou uma decisão precipitada em relação ao caso do U…”).
É notável o esforço a que o recorrente se entregou em ordem a tentar infirmar a versão dos factos que o tribunal recorrido acolheu, pela via da descredibilização da ofendida e de quem, de uma ou outra forma, contribuiu para coonestar a sua versão. Mas foi tarefa inglória porque, ainda assim, analisada toda a prova produzida, não detectámos razões ponderosas para poder concluir que a valoração feita pela 1ª instância é ilógica, arbitrária ou destituída de suporte probatório. Muito pelo contrário!
Quanto às invocadas discrepâncias entre as declarações da ofendida e o depoimento da testemunha G…, quem lesse a argumentação expendida pelo recorrente sem saber a localização corporal da anca e da coxa seria levado a pensar que se situam em zonas corporais muito afastadas. E não é assim, como todos sabemos. São, na verdade, zonas contíguas na morfologia corporal. Desde logo por isso, não causa muita estranheza que a ofendida tenha afirmado que o recorrente lhe colocou a mão na anca e a G… tenha afirmado que a mão foi colocada na coxa. O tribunal recorrido, perante a dúvida entre uma e a outra zona corporal – que não sobre o acontecimento em si mesmo - e não considerando necessário chamar a ofendida para procurar esclarecê-la, optou pela primeira versão (que até é a mais favorável ao recorrente…) e explicou porquê (“pois, normalmente quem sofre o acto tem mais memória dele, do que quem apenas o viu”), em termos que são perfeitamente aceitáveis. Daí não resulta minimamente abalada a credibilidade quer da ofendida, quer da dita testemunha. A discrepância pode ter-se devido a uma multiplicidade de factores (entre os quais uma imperfeita percepção ou recordação, quiçá até incorrecta designação) e não a uma deliberada falsidade que o tribunal recorrido não vislumbrou, ficando convencido de que, efectivamente, na ocasião em causa, o recorrente colocou a mão na (ou junto da, ou na zona da) anca da D….
Também no que concerne ao depoimento da G…, resulta evidente que quem não apreendeu devidamente o seu teor (ou procura convenientemente distorcê-lo) foi o recorrente. É que da audição do mesmo, ainda que privados da oralidade e da imediação, apresenta-se-nos claro que o seu teor vai de encontro à apreciação que dele foi feita pelo tribunal recorrido. A G… foi clara: até à famosa aula do dia 17/1/08 nunca tinha reparado em qualquer comportamento fora do “normal” do recorrente, seja para com a D…, seja para com qualquer outro aluno, excepção feita à particular simpatia que dedicava a uma outra aluna da turma. Nunca nada lhe havia chamado a atenção, no sentido de que não tinha havido qualquer situação para a qual não houvesse uma explicação dentro do quadro da normalidade do relacionamento entre professor e alunos. Só depois do referido episódio e do que a D… lhe contou quando a confrontou com a estranheza do sucedido é que começou a prestar atenção ao comportamento do professor para com ela e, fazendo uma análise retrospectiva, apreciou a outra luz situações que até essa altura tinha desvalorizado porque não lhe tinham gerado motivos de desconfiança, em concreto o facto de o recorrente pedir muitas vezes à D… para ficar no fim da aula, quando só esporadicamente o fazia aos outros alunos. Fruto dessa observação atenta que passou a dedicar, apercebeu-se de que houve posteriormente uma outra vez (também referida pela ofendida) em que o recorrente solicitou à D… que ficasse depois da aula, tendo-a a G… então instado a continuar a andar e não parar, o que ela fez.
Não vemos, pois, quaisquer razões para a pretendida “desvalorização” deste depoimento.
Nem, tão pouco, nada que demonstre à evidência que a versão da ofendida não podia ter merecido credibilidade. Mesmo que esta, consciente ou inconscientemente, tivesse faltado à verdade relativamente a alguns aspectos ou algumas situações – o que ficou longe de demonstrado -, ainda assim, só por isso, não ficaria inquinada a totalidade das suas declarações. Como sucede em relação a quaisquer declarações ou depoimentos. Retirar de uma mentira (no caso, indemonstrada) a asserção de que “quem mente uma vez, mente sempre”, como o faz o recorrente, só revela um profundo desconhecimento da natureza humana.
Nem se procurem retirar quaisquer ilações do facto de o MºPº não ter levado à acusação alguns dos factos que foram relatados pela ofendida, para mais quando nem sequer foram explicadas as razões que determinaram esse procedimento. E a prova que o recorrente procurou fazer, de que esses factos exteriores ao objecto do processo eram falsos, também não poderia servir para demonstrar que os outros que foram descritos na acusação também não eram verdadeiros. Uns podiam ser falsos e os outros verdadeiros, ponto é que tenha sido produzida, como foi, quanto a estes, prova bastante e com foros de credibilidade.
A infirmação das declarações da ofendida também não se logra através do facto de os seus colegas não se terem apercebido dos comportamentos que atribuiu ao recorrente mesmo durante as aulas. Há aqui que levar em consideração o contexto em que decorrem as aulas, a natureza do relacionamento que o recorrente estabelecia com os alunos, a própria natureza humana e a peculiar natureza do abusador. Na nossa civilização, os comportamentos de natureza sexual são, em regra, envoltos em secretismo, praticados com resguardo dos olhares de terceiros e, naturalmente, com tanto mais dissimulação, quanto maior for a sua desconformidade com os padrões sociais e/ ou a lei. O recorrente, como todos que com ele lidaram e ele próprio não deixou de reconhecer, era um professor que mantinha um relacionamento muito próximo com os alunos, um professor empenhado, solícito, popular, querido, enfim, “fixe” para utilizar a linguagem dos mais novos. Daí que o seu contacto mais próximo com os alunos fosse visto como natural, sem maldade e sem suscitar quaisquer desconfianças (daí também a dificuldade, recusa até, que alguns manifestaram, em acreditar que ele tenha praticado os factos, confessando-se alguns divididos entre a imagem que têm da D…, que conhecem desde a infância e duvidam que minta, e a do recorrente como professor). Por outro lado, é sabido de todos os que algum dia se sentaram num banco de escola que nem sempre as atenções dos alunos estão concentradas no professor. Além disso, a própria distribuição dos alunos pela sala de aula propicia a que ele não esteja a todo o tempo no campo de visão de todos eles quando se desloca pela sala. Conhecedor de toda esta dinâmica, com uma experiência profissional de largos anos, dotado de uma cultura acima da média e não desconhecendo obviamente as normas deontológicas inerentes ao exercício da profissão, não iria certamente praticar os comportamentos relatados pela D… à descarada, sujeito a ser visto e denunciado pelos outros alunos. Ao invés, actuou de forma dissimulada, procurando aqueles momentos em que sabia que não estava a ser observado[35] ou em que os seus comportamentos, passando como naturais, não despertariam a atenção dos demais alunos ( mas eram percepcionados pela D… porque, por dentro da situação, “lia-os” de outra forma ). Assim se compreende que até “estoirar a bomba”, na sequência do “baixar da guarda” do dia 17/1/08, nenhum dos alunos se tenha apercebido de nada fora do normal em relação à D…, que também não “levantava a lebre”, sem coragem de afrontar a situação e com receio de represálias (como por ela foi referido, tendo afirmado, ainda, que o recorrente, procurando sossegá-la quando ela se assustava com os seus comportamentos, lhe ia dizendo “para não contar a ninguém o que ali se passava”), sofrendo em silêncio as sucessivas investidas[36] … até ao dia em que foi colocada “entre a espada e a parede” pela G… e não pôde continuar a escondê-los. Como, aliás, frequentemente sucede em tantos outros casos de idêntica natureza.
Também não causa estranheza o facto de os colegas não se terem apercebido da frequente permanência da D… após as aulas. Aulas uma vez por semana, alunos com pressa de ir para o recreio[37], um professor que fala abertamente com os alunos, que desconfiança iria suscitar que a D… ficasse a falar com o recorrente ou a apagar o quadro? E que falta iriam sentir dela no recreio os colegas do sexo masculino, numa idade em que as actividades, os interesses e as amizades ainda têm alguma prevalência pelos pares do mesmo sexo?
O espaçamento temporal entre as aulas ministradas pelo recorrente, aliado à circunstância de a permanência referida pela D… não se prolongar sempre por todo o período do intervalo, também pode explicar que o facto não tenha motivado desconfiança junto dos funcionários encarregados de verificarem as condições de higiene das salas entre as aulas, isto já para nem entrarmos noutras considerações acerca dos possíveis motivos pelos quais nunca nada tenha chegado aos ouvidos do director da escola, como por ele foi referido.
Finalmente, o “célebre” manuscrito que o recorrente exibe como bandeira para procurar demonstrar que a D… tinha dele uma imagem totalmente oposta à que depois veio “pintar”. Pouco se nos oferece dizer a respeito do mesmo, para além de salientar o contexto em que foi escrito, não resultando da apreciação que ali foi feita a respeito do recorrente nada que contrarie ou comprometa as declarações da ofendida. A qual, apesar dos pesares, não deixou de referir, nas declarações para memória futura, que o recorrente, como professor, “era mais razoável do que os outros, deixando ouvir música nas aulas”.
A credibilidade das declarações da D… também é confortada pelo teor do relatório pericial, a fls. 214-217, e muito em particular pelo depoimento prestado pela testemunha H…, psicóloga que avaliou a ofendida no âmbito da sua actividade profissional e (de um modo que o tribunal recorrido considerou objectivo, rigoroso e credível, com base no seu saber profissional e científico, após várias consultas e testes técnicos específicos realizados à menor) relatou detalhadamente o que apreendeu através dessa avaliação, todo o conjunto de sintomas e alterações comportamentais evidenciados pela D…, explicando as razões pelas quais concluiu, através do diagnóstico que fez, que ela “não inventou esta história”. Dificilmente se concebe que uma adolescente (mesmo com o grau de inteligência que à D… foi reconhecido) tivesse as manhas e a perfídia necessárias para trapacear uma profissional, professora universitária e com específica experiência no campo do abuso sexual…
Longas vão estas considerações para desmontar a argumentação do recorrente e chegar à conclusão, que já deixámos adivinhar, de que a convicção formada pelo tribunal recorrido, também quanto a este grupo de factos impugnados, estribada que está numa leitura da prova possível, plausível, sustentada e consistente, não merece qualquer censura.
Acrescentaremos, apenas, por dever de ofício e em breves linhas que a mais também não obrigam as evidências e a timidez com que o recorrente ainda foi encaixando a alusão ao princípio in dubio pro reo, que o funcionamento deste só se justifica quando o tribunal tenha tido – ou devesse ter tido e só não teve porque as não reconheceu – dúvidas razoáveis acerca dos factos relevantes para a decisão. Ora, a motivação da decisão recorrida é bem demonstrativa de que todas as dúvidas foram resolvidas – as que subsistiram, foram-no a favor do recorrente – e não se vislumbra qualquer uma, razoável, que devesse ter subsistido.
3.2.3. Matéria de facto relativa à ofendida C… e objecto de impugnação: pontos 4., 16., 17., 18. (em parte), 20., 22., 23. e 24. dos factos provados
As razões da discordância do recorrente relativamente à decisão dos factos impugnados, acima discriminados, são as seguintes: não houve qualquer bloqueamento da saída da ofendida, tendo a porta estado sempre aberta e havendo visibilidade tanto do interior para o exterior, como em sentido inverso, ao contrário do que foi referido por aquela e conforme foi confirmado pela testemunha N…; apenas passou o seu dedo pelos lábios da C…, não tendo tentado introduzir esse dedo dentro da boca dela, ao contrário do que por ela foi referido, não tendo sido integralmente apreciadas as declarações da testemunha W… quanto ao que, a esse respeito, foi referido durante a reunião com os pais da C…; não é possível inferir que a conduta tenha uma intenção de satisfazer instintos libidinosos, conferindo-lhe uma conotação sexual, em face do que foi referido pela testemunha X… quanto ao estado de ânimo da ofendida e das declarações que esta prestou na P.J.; ao invés, essa intenção é afastada pela explicação por ele fornecida para o seu comportamento e que encontra apoio no depoimento da testemunha Y…; dos documentos nºs 5 e 6 juntos com a contestação resulta não ser verdade que ela tenha deixado de frequentar as aulas do recorrente, nem que tenha chumbado de ano, ao contrário do que foi afirmado pelos seus pais.
Lidas as declarações da ofendida (as DMF confirmativas das anteriormente prestadas na P.J., com alguns esclarecimentos adicionais), verificamos que ela afirmou que, no dia 1/2/08, lhe tinham dito algo acerca de um amigo seu que a deixou um pouco triste; que, no final da aula, o recorrente lhe pediu para apagar o quadro e, quando já estava só na sala com ele, sentou-se numa cadeira, na primeira mesa junto à porta, e o recorrente apoiou-se numa mesa e numa cadeira, de modo a bloquear-lhe a saída da sala, não podendo ela sair do lugar em que se encontrava; que a porta da sala estava entreaberta, sendo que quem estava no corredor não tinha visibilidade para a sala, mas quem estava dentro dela tinha visibilidade para o corredor e que estava na primeira mesa junto à porta; que ele lhe perguntou porque é que estava triste, acabando por desabafar com ele; que ele lhe fez uma carícia na face, gesto que logo sentiu como estranho, pedindo-lhe, de seguida, para fechar os olhos, após o que colocou um dedo nos lábios dela, forçando-o a entrar na sua boca, no que foi impedido porque ela nesse momento cerrou os dentes; que lhe perguntou a razão de ser de tal procedimento, mostrando desagrado, sem ter obtido resposta; que, ainda assim, o recorrente voltou a tentar, mas essa tentativa foi impedida de imediato; que pediu então para sair da sala, caso contrário gritaria e só aí é que lhe foi dada passagem para sair; que sentiu a carícia do recorrente como algo com segundas intenções e uma conotação sexual, tendo ficado muito incomodada, perturbada e em pânico, passando o resto do dia a chorar e tendo até urinado na cama nessa noite.
A versão que o recorrente apresentou, sem negar o episódio, procura emprestar-lhe um significado totalmente diferente: tratava-se, apenas de procurar despistar um eventual consumo de substâncias tóxicas, aplicando uma “técnica” aprendida pelo recorrente quando integrou uma equipa que trabalhava no EP de …, dadas as suspeitas concitadas pelo estado de espírito que a C… apresentava e para o qual já havia sido alertado por uma colega.
O tribunal recorrido, como resulta claramente da motivação de facto, não acreditou nesta explicação, pese embora os denodados esforços da defesa em tentar fazê-la passar por credível, começando por buscar corroboração para as suspeitas que teriam levado o recorrente a tocar nos lábios da C… – no que não obteve grande sucesso porque até do próprio depoimento da testemunha X… resulta que o abatimento da ofendida radicava principalmente na ausência de sucesso escolar apesar dos esforços desenvolvidos, sem que tivesse alguma vez sido equacionada a possibilidade de causas ligadas a quaisquer consumos tóxicos, o que também resulta do depoimento da testemunha AC…, que também foi professora na escola – e culminando na confirmação de existência da “técnica” aplicada e da origem do seu conhecimento a respeito da mesma – a isso se prestou a testemunha Y…, embora lá fosse dizendo que nunca a aplicou nos seus alunos, porque eram toxicodependentes e tinha receio de doenças.
Curiosamente, a dita “técnica” é desconhecida da própria Linha Vida, ligada ao Instituto da Droga e da Toxicodependência (veja-se a informação que consta de fls. 197 do apenso 2) e, perguntado se a aplicaria num aluno em caso de suspeitas de toxicodependência, a testemunha W…, colega do recorrente, disse taxativamente que não, que o que faria era comunicar essas suspeitas ao director de turma.
Seja como for, certo é que o tribunal recorrido considerou como credíveis as declarações da C… e explicou as razões e os meios de prova em que se apoiou para formar a sua convicção nesse sentido. Entre eles destacamos o relatório pericial de psicologia forense, a fls. 184-188 que, tal como a intensidade e tipo de reacção que a ofendida teve logo após o sucedido, reforça a credibilidade da sua versão dos factos.
Se existia ou não visibilidade do corredor para dentro da sala de aula, é questão de somenos importância que de modo algum afecta aquela credibilidade, podendo resultar da percepção da menor, do exacto local onde se encontrava e até de diferenças de luminosidade entre o corredor e a sala. Ainda que a porta estivesse escancarada, tal não constituiria obstáculo para o recorrente, confiante na improbabilidade de ali aparecer alguém durante o intervalo ou, aparecendo, que detectaria essa presença a tempo de facilmente disfarçar a sua conduta.
E o bloqueio referido pela ofendida está de acordo com o posicionamento dela e do recorrente em relação, depreende-se, à parede da sala, sem poder aceder à porta sem passar por ele.
Com respeito ao depoimento da testemunha W… quanto ao que se passou na reunião que houve na escola com os pais da C…, ele limitou-se, aliás sem grande precisão, a relatar o que ali ouviu dizer (e que pode ter ficado aquém do que a ofendida referiu), até se ausentou durante algum tempo para ir buscar a menor e… não presenciou os factos! É muito curto para abalar o relato da ofendida.
Finalmente, quanto às discrepâncias relacionadas com as consequências dos factos (que, embora importem primacialmente para o pedido cível que, pelo seu valor (2.500€), não admite recurso autónomo, também têm reflexos na determinação ad medida da pena), admite-se ter havido alguma confusão por parte dos pais da C… (que não chumbou naquele ano, mas sim no imediato), mas decorre claramente do depoimento da mãe dela que, apesar da relutância que ela sentiu em continuar a assistir às aulas do recorrente e que a levou até a ausentar-se da primeira que teve lugar após os factos, ela anuiu em fazê-lo a pedido expresso dos pais e para não fazer perigar o ano lectivo que estava a decorrer. Continuou a ir, mas sentava-se no fundo da sala, não falava, ficava a riscar cadernos, não conseguia olhar para o recorrente, enfim, fazia figura de corpo presente, como foi referido pela sua colega de turma, a testemunha AO….
Pensamos não ser necessário “pôr mais na carta”, como sói dizer-se, para concluir da mesma forma como concluímos nos dois anteriores segmentos deste ponto: a convicção do tribunal recorrido é plausível, não afronta as regras da experiência comum, tem adequado suporte probatório e não foi abalada pela impugnação que o recorrente lhe opôs.
Em remate, só nos resta dizer que improcede in totum este fundamento do recurso.
3.3. O recorrente apresenta, por fim, razões de discordância em relação à qualificação jurídica dos factos.
3.3.1. No que concerne ao crime de abuso sexual de crianças, na forma continuada, respeitante à ofendida D…, contesta que - mesmo considerando a factualidade que a 1ª instância deu como provada - os toques, beliscões, apalpões configurem acto sexual de relevo ou sequer acto com conotação sexual, não se revestindo nem de importância nem do mínimo de intensidade requeridos para integrarem aqueles conceitos e, decorrentemente, para configurarem uma acção típica, o mesmo sucedendo em relação à passagem do dedo pela zona vaginal da ofendida, por se tratar de contacto precário e instantâneo, para o qual não foi descrito qualquer enquadramento ou contextualização.
E, afastado o carácter relevante dos actos que se considerou ter praticado, defende que sempre ficaria excluída, pelo menos até à data da entrada em vigor do novo C. Penal (15/9/07) qualquer criminalização de tais actos, na medida em que não constituem actos sexuais de relevo, não preenchendo a previsão típica do crime de abuso sexual de crianças constante da lei velha.
No acórdão recorrido, e com base em precedentes considerações de cariz teórico, inquestionavelmente pertinentes e aqui dadas por adquiridas, acerca da evolução legislativa e dos elementos típicos do crime em causa, com especial enfoque no conceito de “acto sexual de relevo”, fez-se a análise e a destrinça de cada um dos comportamentos praticados pelo recorrente e a subsequente categorização dos mesmos reconduzindo uns ao âmbito daquele conceito e dele excluindo outros. Desta forma:
Aqui chegados, cumpre apreciar da qualificação das condutas do arguido como integrantes do conceito de “acto sexual de relevo”.
Há que concretizar em que consistiram as abordagens do arguido, para com as alunas menores ofendidas, identificar as partes do corpo que foram tocadas pelo mesmo, ou seja, se se trataram de zonas erógenas ou marcadamente conotadas com a actividade sexual ou se “apenas” em zonas de conotação afectiva e carinhosa mas sexualmente inócuas (como a face, as mãos, a cabeça).
Ora, apoiando-nos nas considerações teórico-jurídicas acima expendidas, é nosso entendimento que, quanto à D…, o agarrar a anca, o pegar na mão ou nos braços, o agarrar a menor e desferir-lhe um beijo na face, contra a vontade daquela, constituem toques em zonas de conotação afectiva, mas de gravidade sexual relativa, situando-se ainda num patamar criminalmente inócuo, apesar de socialmente censurável, pois contrários à vontade da menor e, assim, de mau gosto e impróprios, por parte de um professor (considerando até o seu Estatuto profissional).
Como vimos, a lei ao exigir que o acto seja de relevo impõe, por um lado, que se afastem do tipo actos insignificantes, ou pouco significantes, bagatelas e por outro, que se averigúe se o acto representou um entrave importante para a liberdade de determinação sexual da vítima. Ora, quanto aos toques nas pernas, os beliscões nas nádegas, os apalpões nas coxas ou o tocar, ainda que de raspão, o dedo sobre a zona vaginal da menor, nestas situações, estamos perante actos que atentam contra os normais sentimentos de pudor, de timidez e vergonha comuns à generalidade das pessoas, intoleráveis numa sociedade civilizada e, por isso, os consideramos já sexuais de relevo. Envolvem já contactos corporais com zonas erógenas da menor, objectivamente conotadas com a sexualidade das pessoas, o que representa um perigo intensificado para a autodeterminação sexual da menor. Tratam-se de actos que comportam em si mesmo uma conotação sexual, suficientemente ofensiva e condicionante da liberdade e da autonomia sexual a que a menor tem pleno direito a preservar e a desenvolver.
Não vemos razões para divergir da apreciação feita neste segmento do acórdão recorrido. Diferentemente do que o recorrente veio sustentar, e em concreto relativamente àqueles que foram considerados como integradores do conceito de acto sexual de relevo, não se tratou de actos instantâneos, fugazes, sem significado nem importância. Mais que não fosse, a sua repetição incessante, ao longo de mais de um ano, logo afastaria essa menorização que o recorrente lhes pretendeu atribuir. E as consequências que provocaram na ofendida, o suplício em que as condutas sucessivamente reiteradas pelo recorrente a mantiveram durante todo aquele tempo, são bem demonstrativas de que os actos que foi levada a suportar foram, quer no seu conjunto, quer individualmente quanto a alguns deles, actos que ofenderam profundamente os seus sentimentos, em particular o seu pudor, do mesmo passo que resulta bem evidente que, com a sua prática, o recorrente teve em vista satisfazer apetites sexuais (e há-os de todos os jeitos e feitios). Fossem actos naturais, ou que ele os tivesse como tal, que necessidade teria ele de sossegar a ofendida e de lhe recomendar que não contasse a ninguém?... Por aí bem se vê que tinha a consciência “pesada”, que sabia perfeitamente que não eram inocentes nem os seus actos, nem as intenções que lhes subjaziam. Ou seja, também o dolo emerge à evidência dos próprios factos e do contexto em que foram praticados.
Não são precisas mais alongadas considerações para sufragarmos integralmente, quanto a esta questão, o raciocínio subsuntivo seguido e demonstrado no acórdão recorrido.
Relativamente à outra questão acima enunciada, reafirmados o relevo e a conotação sexual de vários dos actos praticados pelo recorrente em relação à ofendida, ao tempo menor de 14 anos (só os perfez em 4/5/08, já depois de cessarem os abusos), quer antes das alterações introduzidas ao C. Penal pela Lei nº 59/2007 (quando integravam a previsão do nº 1 do art. 172º), quer posteriormente (quando a previsão típica transitou incólume para o nº 1 do art. 171º), cai pela base o argumento no qual o arguido a fez centrar.
3.3.2. Quanto ao crime de importunação sexual, respeitante à ofendida C…, sustenta o recorrente que não existe, no caso, a representação sexual da actuação do agente exigida pelo tipo e, de qualquer forma, o facto não tem espessura do ponto de vista sexual.
Mantida que foi inalterada a decisão da matéria de facto, pensamos ser inequívoco que também aqui não assiste razão ao recorrente. O crime de abuso sexual de crianças foi convolado para o de importunação sexual, feita que foi, no momento oportuno, a comunicação da correspondente alteração da qualificação jurídica dos factos. E o preenchimento do novo tipo legal em equação foi demonstrada, de forma que consideramos irrepreensível, com base nas considerações que a seguir se transcrevem:
Diferente [das que respeitam às outras ofendidas] é a situação da menor C….
Com efeito, o pedido do arguido para a C… fechar os olhos, seguido da colocação do dedo dele nos lábios da menor, forçando-o a entrar na boca dela, não nos parece merecer a amplitude necessária e suficiente imposta pelo conceito de “acto sexual de relevo”. De todo o modo, consideramos tal conduta, por parte do professor, de verdadeira importunação sexual.
Este comportamento do professor, não consubstanciando a gravidade necessária e suficiente para integrar o conceito de acto sexual de relevo, tem já alguma natureza sexual, pelo contexto em que o arguido o praticou: o pedir para a aluna fechar os olhos, a repetição do acto, perante a negação daquela, o impedir que ela saísse da sala, com vista à concretização dos seus intentos. Face ao conjunto dos elementos contextualizantes apurados, consideramos inequívoco que aquele toque nos lábios da menor, forçando a que o dedo entrasse na sua boca, tem uma componente sexual.
Só que, entendemos nós, não é com a gravidade própria do considerado acto sexual de relevo. Não obstante, merece relevância criminal.
Ora, o mesmo art. 171º do Código Penal estabelece, no seu nº 3, que também pratica o crime de abuso sexual de crianças quem:
«a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º (…)»
Por sua vez, reza assim o art.170º, sob a epígrafe, “Importunação sexual”:
«Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido (…)»
A conduta típica deste crime traduz-se num acto de natureza sexual, praticado contra a vontade da vítima, na presença dela ou sobre ela. Ora, in casu, entendemos que com o acto acima referido, o arguido constrangeu a C… a um contacto físico de natureza sexual, pela sua contextualização, ofensivo do pudor sexual da menor importunada.
Assim, o crime que o arguido praticou contra a menor C… foi um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pela al. a), do nº 3, do art. 171º do Código Penal, pois que cometeu sobre a menor um acto de importunação sexual, do art. 170º. O tribunal operou a necessária alteração da qualificação jurídica, em sede de audiência de julgamento, como da respectiva acta se infere.
De tudo quanto se disse, conclui-se, pois, que o arguido praticou actos qualificados (…) de importunação sexual, quanto à C…, (…) com conhecimento, vontade e consciência, com significados directamente relacionados com a esfera da(.) sua(.) sexualidade(.) e, assim, contra a autodeterminação e liberdade sexual da(.) mesma(.), na altura com menos de 14 anos de idade, como muito bem sabia o arguido.
(…) No que concerne à menor C…, praticou o arguido um crime de importunação sexual, contra menor de 14 anos, nos termos acima expendidos, improcedendo, quanto a esta ofendida, a imputação de um crime de abuso sexual de crianças.
Mais uma vez não vemos qualquer fundamento de reparo na subsunção jurídica dos factos, tal como foi feita no acórdão recorrido. Dúvidas, legítimas, não restam a respeito da conotação sexual que o contacto com os lábios da ofendida e a tentativa de introdução de um dedo na sua boca tem, sendo a boca uma zona erógena e o acesso ao seu interior em particular, por parte de terceiros – excluídos, obviamente, procedimentos médicos em regra consentidos –, normalmente ligado a comportamentos relacionados com a sexualidade. O que, claramente, o recorrente não podia deixar de saber, inferindo-se inequivocamente da sua conduta, da sequência gestual e do contexto em que foi praticada, tal como ficou assente, que ele tinha perfeita consciência da natureza do acto, apercebeu-se da perturbação e desagrado que logo ao primeiro gesto causou na ofendida e, não obstante a reacção dela, insistiu em introduzir-lhe o dedo na boca. Não havendo qualquer explicação plausível que pudesse sequer explicar um comportamento desse jaez, só se pode concluir que o seu propósito foi o de obter gratificação sexual do mesmo passo que causava, e sabia que estava a causar, perturbação à ofendida, tocando-lhe numa zona corporal íntima e assim ofendendo o seu sentimento de pudor.
Improcede, pois, também nesta vertente, mais este fundamento do recurso, sendo certo que a pena (parcelar) fixada, que nem foi directamente posta em causa, também se apresenta como equilibrada e respeitadora dos pertinentes critérios legais, talqualmente sucede com a que foi feita corresponder à prática do crime de abuso sexual que analisámos no segmento anterior deste ponto.
***
Aqui chegados, há que retirar as devidas consequências do tudo quanto acima se concluiu.
Em primeiro lugar, e no que respeita aos ilícitos criminais pelos quais o recorrente foi condenado, há que retirar do cúmulo jurídico a pena correspondente ao crime de abuso sexual de crianças quanto à menor E…, fixada em 18 meses, e proceder à reformulação do cúmulo jurídico, em que vão passar a entrar somente as duas penas subsistentes, de 9 meses e de 2 anos e 6 meses de prisão.
Retomando aqui as considerações expendidas no acórdão recorrido a propósito do concurso de crimes, consideramos ajustado fixar a pena unitária em 3 anos de prisão, mantendo-se a suspensão da execução, nos moldes fixados, mas agora apenas por 3 anos e condicionada ao pagamento das indemnizações que foram arbitradas às ofendidas C… e D…, que permanecem inalteradas.
Em segundo lugar, e no que concerne ao pedido cível deduzido pela demandante E…, não obstante a absolvição da instância relativa à matéria criminal, porque se mantêm inalterados os factos considerados como provados e estes preenchem inequivocamente os pressupostos da responsabilidade civil - sendo indesmentível, além do mais, a ilicitude do facto – também se deve manter inalterado o montante arbitrado a título de indemnização.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
a) declaram o MºPº parte ilegítima para o exercício da acção penal em relação ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º nº 1 do C. Penal, que respeitava à menor E…, e, em consequência, revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o recorrente pela prática desse ilícito criminal, absolvendo-o, nessa parte, da instância;
b) mantêm a condenação do recorrente pela prática dos outros dois crimes respeitantes às ofendidas C… e D…, procedendo à reformulação do cúmulo jurídico com as duas penas parcelares subsistentes, fixando em 3 ( três ) anos de prisão a pena unitária aplicada ao recorrente, suspensa na sua execução por igual período e condicionada ao pagamento das indemnizações arbitradas às duas ofendidas supra referidas nos moldes e prazo definidos no acórdão recorrido;
c) mantêm a condenação do recorrente no pagamento das indemnizações arbitradas a todas as três supra referidas ofendidas e/ou demandantes, mantendo igualmente em tudo o mais o acórdão recorrido.
Vai o recorrente condenado em 6 UC de taxa de justiça.
Porto, 28 de Novembro de 2012
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
José Alberto Vaz Carreto (Vencido conforme declaração anexa)
José Manuel Baião Papão
__________________
[1] Em vários aspectos (de que é exemplo o que se refere a questões relacionadas com os pedidos indemnizatórios, que não foram abordados pelo MºPº) exorbitando claramente o direito de resposta…
[2] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] Diploma ao qual pertencerão todos os preceitos adiante citados sem menção especial.
[5] Não existe uniformidade de entendimento a respeito da natureza que o crime assume a partir da intervenção oficiosa do MºPº e a posterior admissão de desistência de queixa, como nos dão conta os Acs. RL 11/5/04, proc. nº 4021/2004-5 e TC nº 403/2007.
[6] Assim, Ac. RC 326/3/03, proc. nº 3910/02.
[7] Ac. STJ 31/5/00, proc. nº 272/2000-3ª, sumariado em www.stj.pt
[8]Ac. STJ 9/4/03, proc. nº 02P4628, com um voto de vencido com o seguinte teor: “1. Relativamente à primeira das questões decididas (legitimidade para a queixa como pressuposto do processo), acompanho o acórdão, mas apenas quanto à fundamentação que desenvolveu a título principal, a propósito da interpretação do artigo 113º, nº 4, do Código Penal. A adesão à decisão nesta parte não supõe, assim, qualquer compromisso quanto à validade da argumentação de segunda linha, ou subsidiária, que o acórdão faz sobre o sentido da auto-legitimação do Mº Pº e sobre a interpretação do artigo 178º, nº 2, do Código Penal, na redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro.”
[9] Ac. STJ 22/10/03, proc. nº 03P2852.
[10] Ac. RL 8/7/04, proc. nº 5872/2004-9.
[11] Ac. STJ 7/7/99, proc. nº 99P529.
[12] Ac. RP 30/3/11, proc. nº 81/07.6TALSD.P1.
[13] Ac. RE 17/5/11, proc. nº 617/08.5PALGS.E1.
[14] cfr. o já aludido Ac. TC nº 403/07 que decidiu “Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, interpretados no sentido de que, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, a posterior oposição destas ou dos seus representantes legais não é suficiente, por si só, para determinar a cessação do procedimento” (sendo nosso o sublinhado).
[15] Que é um pressuposto processual (pressuposto positivo da punição), verdadeiro pressuposto da admissibilidade do exercício da acção penal, “cujo conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser” cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 663.).
[16] Em casos em que também havia sido decidida condenação por crime de natureza semi-pública sem ter sido apresentada queixa válida, cfr., em sentido oposto, os Acs. RC 15/3/06, proc. nº 4349/05 e 6/12/06, proc. nº 61/04.3TAFIG.C1; em sentido idêntico, os Acs RC 12/10/05, proc. nº 2107/05 e RP 7/10/09, proc. nº 530/03.2TAPVZ.P1.
[17] Solução idêntica também foi seguida em casos em que só tardiamente se concluiu pela falta de legitimidade do MºPº nos Acs. RP 7/10/09, proc. nº 530/03.2TAPVZ.P1 (“VII.- Realizando-se a audiência de julgamento e apesar de se ter considerado prescrito o direito de queixa, em virtude do mesmo ter sido deduzido extemporaneamente, nada obsta a que seja conhecido o pedido de indemnização cível cuja causa de pedir tenha como fundamento os factos integradores desse ilícito criminal.”) e RC 12/10/05, proc. nº 2107/05 (“I. O tribunal, apreciando e julgando a matéria de facto, deve extrair as consequências civis desse julgamento, ainda que por qualquer circunstância relevante para efeitos penais, esteja excluída a decisão penal condenatória, desde que se radique na mesma causa de pedir -ou seja, nos mesmos factos que são também pressupostos da responsabilidade criminal. II. A não apresentação tempestiva da queixa não constitui fundamento de caducidade do direito à acção de indemnização com fundamento na responsabilidade civil.”)
[18] cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[19] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.
[20] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos — dados objectivos —, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal —que é livre — artigo 127.º do Código de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[21] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[22] “(…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1.
[23] Veja-se o que muito justamente se diz, a propósito, nos Acs. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1 ( “(…) a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos. Nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe, antes, a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como, aliás, já há muito ensinava o prof. Enrico Altavilla “o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pag. 12.”) e 25/2708, proc. nº 557/07-1 (“(…) nada obsta que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa, no caso, as declarações do assistente, desde que tais declarações se lhe afigurem pertinentes e credíveis, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do “unus testis, testis nullius”, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127° do Código de Processo Penal).”
[24] Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, proc. nº 05A2007, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos”. Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe.
[25] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[26] cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
[27] cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[28] cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[29] cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763.
[30] cfr. Ac. STJ 12/6/08, proc. nº 07P4375 .
[31] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” - Ac. STJ 17/2/05, proc. nº 04P4324
[32] Vejam-se as pertinentes considerações que, a propósito desta norma, foram expendidas no Ac. RE 30/10/12, proc. nº 30/03.0TASTR.E1: “1. O art. 364º, nº 2 do Código de Processo Penal visa disciplinar o registo da prova, independentemente do concreto sistema de gravação utilizado, de modo a permitir identificar, através da acta, o lugar do suporte onde se encontra a gravação das declarações, lugar esse aferido pela duração do tempo destas. Esta norma regula o uso de um sistema de gravação por fita magnetofónica. 2. O actual programa Citius, além de permitir o registo de voz em condições acústicas superiores, facilita a localização das concretas passagens, procedendo à identificação de cada declaração e depoimento através de um programa informático, apresentando-se, neste contexto, a obrigação de menção na acta dos “início e termo da gravação de cada declaração” como algo de obsoleto e desnecessário. 3. Mesmo que se considere que a expressão “conforme gravação em suporte digital” constante da acta é “incumpridora e incontornavelmente deficiente à luz da exigência legal”, como se entendeu na fundamentação do AFJ nº 3/2012, a ilegalidade sempre constituiria mera irregularidade, apresentando-se até como concretamente inconsequente na maioria das situações.” (sublinhados nossos).
[33] Entendimento diferente foi seguido no Ac. RL 17/6/09, proc. nº 657/09.7YRLSB-3, invocando em apoio o Ac. TC nº 87/99, mas fazendo das considerações neste expendidas uma interpretação extensiva que, a nosso ver, elas não consentem pois nesse aresto só se abordou a possibilidade de valoração de documentos juntos aos autos que não foram lidos nem explicados na audiência. E pensamos (como também o vem afirmando a jurisprudência dos tribunais superiores) que não sofre contestação essa possibilidade mas apenas em relação àqueles documentos
que não contenham declarações prestadas por arguidos, ofendidos, partes civis ou testemunhas.
[34] Como se refere no Ac. RC 4/5/05, proc. nº 1314/05, “Enquanto as regras de produção de prova visam disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, constituindo meras prescrições ordenativas de produção de prova, cuja violação não acarreta a proibição de valoração daquela como prova, a proibição da prova é uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem objecto do processo, isto é, trata-se de uma prescrição de um limite à descoberta da verdade.”
[35] A D… referiu que o recorrente “costumava tocar-lhe quando estavam a trabalhar ou em testes, sendo esta a razão pela qual os colegas não notavam” e a G… apontou como explicação para os outros colegas não terem observado o que se passou no dia 17/1/08 a circunstância de as duas estarem perto do canto da sala, a D… sentada à beira da janela.
[36] Em jeito de parêntesis, para não deixar sem resposta uma das muitas “achas” que o recorrente lançou para a “fogueira”: não causa qualquer estranheza o facto de ele, mantendo estes comportamentos durante um período tão longo, não ter procurado “avançar” para comportamentos de natureza sexual mais pronunciada. Dois factores podem explicá-lo: um, o receio dos riscos e das consequências que um “envolvimento” mais intenso podia acarretar; outro, o de que o nível de gratificação que retirava daqueles comportamentos podia ser, para ele, perfeitamente satisfatório. Os distúrbios que envolvem a área da sexualidade humana têm, como é sabido, muitos cambiantes.
[37] Refira-se aqui que, embora não tenha tido confirmação o que a mãe da D… referiu quanto à saída “por ordem alfabética” dos alunos para o recreio, afirmação que não foi sequer esclarecida quanto à sua origem, um dos alunos, a testemunha M…, mencionou que por vezes essa saída era feita “por filas”, o que permite inferir que, pelo menos nalgumas ocasiões, a saída se processava de acordo com uma determinada ordem.
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Declaração de voto.
Não manteria a condenação do arguido pela indemnização civil arbitrada á ofendida E…, pois foi determinada a revogação parcial do acórdão e a absolvição da instancia quanto á parte criminal, por ausência de legitimidade do MºPº para promover oficiosamente a acção penal;
O pedido de indemnização civil mercê do principio de adesão pressupõe a existência da parte criminal do processo;
Não existindo processo crime, não se pode conhecer do pedido de indemnização civil (que não devia existir também), pelo que a dependência entre ambas as partes do processo (crime e civil) é total sendo a civil dependente daquela (crime) e sem a qual o pedido de indemnização civil não pode ser deduzido;
Só não seria assim se existisse lei a impor a continuação do conhecimento nesses casos, o que não ocorre.
Neste sentido o Ac. STJ 31/5/2000 Proc 211/2000 SA STJ nº 41, 71 in Maia Gonçalves, Cod Proc Penal Anotado, Almedina, 16º ed. 2007, pág. 205;
Em conformidade com isso e por impossibilidade legal não conhecia do pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida em causa, e julgaria extinta a instância nesse âmbito civil;