ROUBO
ARMA PROIBIDA
CONCURSO REAL
Sumário

Há concurso real de infrações entre os crimes de Detenção de arma proibida e de Roubo agravado, ainda que pela circunstância de o agente trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta.

Texto Integral


Proc. nº 1297/11.6JAPRT.P1
1ª secção
Relatora: Eduarda Lobo
Adjunto: Des. Alves Duarte

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Espinho com o nº 1297/11.6JAPRT foram submetidos a julgamento os arguidos B….. e C….., tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 21.06.2012, que condenou os arguidos:
- B….., pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto pelos arts. 22º, 23º e 210º/1 e 2 b), este último por referência ao art. 204º/1 e) e f) e 2 a), e) e f), em concurso real com um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção resultante da Lei nº 12/2011, de 27/04, nas penas parcelares de 7 (sete) e 2 (dois) anos, respetivamente, e na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
- C….. pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto pelos arts. 22º, 23º e 210º/1 e 2 b), este último por referência ao art. 204º/1 e) e f) e 2 a), e) e f), em concurso real com um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção resultante da Lei nº 12/2011, de 27/04, nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 1 (um) ano e 6 (seis) meses, respetivamente, e na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Foram ainda os arguidos solidariamente condenados a pagarem a cada um quatro Demandantes a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da notificação feita aos Arguidos da formulação dos pedidos e até efectivo e integral pagamento.
Inconformados com o acórdão condenatório, dele vieram ambos os arguidos interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as conclusões que seguem:
Recurso do arguido B……:
1. Não pode o arguido B....... concordar com a pena de 7 anos de prisão aplicada pela prática do crime de roubo, como não pode, também, concordar com a aplicação de uma pena de 2 anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida uma vez que as mesmas são manifestamente exageradas, desproporcionais e injustas;
2. O arguido considera ainda a pena única de 8 anos de prisão manifestamente exagerada, desproporcional e injusta;
3. Devendo a pena concreta situar-se entre o mínimo e o máximo que a culpa permite, de acordo com as exigências de prevenção especial (dirigida ao arguido) e de prevenção geral (dirigida à sociedade);
4. Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado nos termos do artº 71º do C.Penal a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente;
5. Terá ainda o julgador na determinação da medida da pena que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor do agente ou contra ele, artº 71º nº 2 C.P. deve atender-se a diversas variáveis atinentes à conduta do agente, vida familiar, profissional, entre outras, nomeadamente;
- o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- a intensidade do dolo ou negligência;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins, os motivos que o determinam;
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- a conduta anterior e posterior aos factos;
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena;
6. Ora, as penas aplicadas ao arguido são manifestamente exageradas e desproporcionais, porquanto não foi tido em conta:
- a dinâmica familiar equilibrada e pautada pela grande coesão e entreajuda entre o arguido e a sua família quer próxima quer mais alargada;
- o facto de o arguido ser pai;
- o facto do arguido ter enraizados hábitos de trabalho;
- o facto do arguido ter demonstrado arrependimento sincero e claro;
- bem como o facto do arguido ter confessado os factos pelos quais vinha acusado colaborando assim com a justiça na descoberta da verdade;
7. Confissão essa que não foi devidamente valorada pelo Tribunal a quo;
8. Com esta atitude o recorrente dirige-se ao tribunal, enquanto administrador da justiça em nome do povo e assume o erro confessando-o, mostrando de forma irrefutável que interiorizou a desconformidade das suas atitudes com as normas jurídicas em vigor;
9. Assim, a mesma terá que ser devidamente valorada e nunca como o acórdão condenatório fez, relegada para um patamar inferior devido ao seu carácter quase supletivo;
10. Assim sendo, não pode o recorrente concordar com o carácter quase que desnecessário da confissão com que o coletivo de juízes apelidou a confissão do recorrente dando a entender que a mesma foi incipiente para a descoberta da verdade e decisão da causa, em especial quando na motivação da decisão de facto é referido que “… os arguidos prestaram, declarações no essencial de sentido confessório” e ainda “estas declarações dos arguidos, pela sua natureza e pelo seu alcance seriam já em si mesmas suficientes para darmos por provadas as linhas gerais da matéria de facto que demos por assente;
11. No entender do recorrente existe um erro grosseiro na valoração da sua confissão, prestada de forma livre e consciente, com a acrescida dificuldade de estar num país que não é o seu e no qual se fala uma língua que não domina;
12. Não entende o recorrente que mais poderia ter feito: exprimiu o seu profundo arrependimento, confessou os factos…
13. Entende assim que o seu arrependimento não foi devidamente tido em conta na fixação do quantum da pena;
14. Por último refira-se que a pena única e as penas parcelares, considerada a jurisprudência na comparação entre graus diversos de similitude factual (cf. Por ex. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2011, Relatora Maria Deolinda Dionísio no processo 1276/10.0JAPRT.P1, em que se apreciou um roubo agravado a funcionário dos CTT, em que foram aplicadas aos 3 arguidos penas entre 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses e ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 21/12/2001, Relator Raul Borges, no processo 595/10.0GFLLE.S1) não respeita aos critérios e fundamentos da lei;
15. Não nos podemos esquecer que estamos perante um crime tentado, pelo que a punição do mesmo terá necessariamente de ter esse facto em conta;
16. Por outro lado, apesar de o arguido dispor de uma arma, em nenhum momento ameaçou algum dos funcionários bancários que a iria utilizar, em momento algum não foram agredidos, não resultando para nenhum qualquer sequela física;
17. Entende o recorrente que todos estes aspetos não foram devidamente tidos em conta pelo Tribunal a quo;
18. Assim, prevendo o crime de roubo agravado, na forma tentada uma pena de prisão entre 7 meses e 6 dias de mínimo e 10 anos de máximo, parece-nos como justa e adequada a aplicação de uma pena de prisão de 4 anos e 5 meses;
19. O arguido foi condenado pelo crime de roubo (agravado pela posse da arma) e pelo crime de detenção de arma proibida;
20. Não pode o arguido conformar-se com o explanado no Douto Acórdão pois estamos a punir duplamente o arguido – entendemos que se a arma serve de agravante ao roubo, o crime de detenção ilegal é consumido, não havendo lugar a condenação;
21. O artigo 29º nº 5 da CRP consagra o princípio “ne bis in idem”, isto é ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo facto;
22. Sendo o arguido condenado pela posse ilegal da arma e servindo esta para agravar o crime de roubo, estamos perante uma violação desse princípio;
23. O artigo 30º nº 1 do CP prescreve que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente;
24. Ou seja, a dinâmica do crime de roubo define-se “em função do vetor de apropriação ilícita e do da efetivação final dessa apropriação”, funcionando a ofensa dos bens pessoais como meio de atingir o fim;
25. No presente caso, o arguido utilizou uma arma como forma de ameaça que exerceu sobre os funcionários do BES, para em conjunto com os demais se apropriar do dinheiro;
26. Esta é uma forma de violência que está prevista no nº 2 alínea b) do artigo 210º do CP, como circunstância agravante do crime de roubo aumentando a moldura penal, contemplando o desvalor da conduta de deter uma arma de fogo para este efeito, inclusivamente uma arma que não esteja em condições legais de detenção;
27. No presente caso ficou provado que o arguido B....... se muniu da arma para a concretização do assalto, não resultando da prova produzida que o mesmo tenha detido a arma em outras circunstâncias que não as que rodearam o assalto ao banco;
28. Numa situações destas, a violência funciona “como expediente instrumental para o agente conseguir a apropriação, o que implica que, constituindo esta a finalidade tendencial, última ou específica do crime não seja concebível fazer-se configurar crimes, para além do que consente a respetiva linha típica definidora do mesmo crime (Ac. do STJ de 11/04/2002, disponível no site www.dgsi.pt e acórdão da Relação do Porto de 09.05.2001);
29. Do mesmo modo, se a violência tipificadora do crime de roubo é concretizada por intermédio de ameaça com arma de fogo (sendo praticado um crime-meio se o arguido não puder ser legal detentor da arma), estaremos perante unicamente o crime de roubo, sendo o desvalor da conduta do crime de detenção ilegal de arma abarcado pelo desvalor da circunstância agravante prevista para o crime de roubo;
30. Assim conclui-se que a conduta do arguido B....... preenche unicamente o crime de roubo, não podendo ser condenado pelo crime de detenção ilegal de arma;
31. A ser condenado pela posse de arma, a pena aplicada (2 anos) é manifestamente exagerada, porquanto, em momento algum, o arguido teve intenção de a utilizar, mas tão só serviu como forma (necessária) de levar a cabo o crime de roubo;
32. Não ficou demonstrado que tivesse utilizado ou sequer possuído a arma noutras circunstâncias que não as do presente processo;
33. Entende assim o arguido como justa, proporcional e adequada a pena de 9 meses;
34. Não tendo o presente recurso como finalidade por em causa a pena aplicada ao co-arguido do ora recorrente, sempre se dirá que tendo sido dado como provado que ambos atuaram em co-autoria não se consegue alcançar nem perceber o porquê de tão grande distinção de penas (5 anos para 7 anos);
35. Procurou o acórdão ora recorrido fundamentar tal disparidade, entre outros aspetos, com o comportamento prisional dos dois arguidos;
36. Ora, no caso vertente ambos os arguidos sofreram as mesmas sanções disciplinares (10 dias de permanência na cela) pelos mesmos factos (posse de telemóvel), sendo que o ora recorrente sofreu ainda uma sanção de 3 dias por sido encontrado na posse de medicamentos (seus) que o mesmo deveria ter tomado e não tomou;
37. Sendo que o percurso prisional dos 2 arguidos é semelhante, entende o recorrente que as penas parcelares e pena única que lhe foram aplicadas não estão corretas, não só por tudo o que acima se expos, mas também em comparação com as penas do seu co-arguido, devendo assim a pena única situar-se nos 5 anos.
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Recurso do arguido C…..:
1. Está erradamente julgada a matéria de facto ínsita sob os nºs. 12, 13, 14, 23, 24, 25 e 27 da matéria dada como provada;
2. Está erradamente julgada porque não decorre da prova produzida em julgamento;
3. O recorrente louva-se nas declarações prestadas por si, nas declarações do assistente D…. (o criteriosamente escolhido pelo tribunal como sendo o mais sereno, atenta a discrepância das declarações dos outros três assistentes) e nos documentos de fls. 55 a 57 (reconhecimento ao local efetuado pelo recorrente) 153 a 158 (que dão o aspeto do interior da agência bancária e a possibilidade de visão relativamente ao exterior); fotogramas de fls. 68 a 78, com especial referência para o recorrente nos fotogramas 2, 14, 15 onde o recorrente é identificado e fotogramas 5, 6, 9 e 11 onde o recorrente está à direita (gravação efetuada pelo sistema de videovigilância no interior da agência bancária), fls. 11 (auto de apreensão), fls. 754 e 757 (relatório pericial) e, bem assim o accionamento da célula (BTS) de Espinho, constante da faturação detalhada junta a fls. 397 e 389 e da lista de contatos do telemóvel apreendido ao recorrente, a fls. 218;
4. Assim, as declarações do assistente D…. prestadas na sessão de 31 de Maio, entre as 12:17h e as 12:54h, depoimento transcrito supra sob “De facto”, nº 41, que se dá por reproduzido para não repetir a transcrição e as declarações do recorrente, prestadas na sessão de 31 de Maio, entre as 11:50 e as 12:14, vertidas supra sob “De facto”, nº 42, alcança-se que:
a) Não aconteceu:
- a ameaça de morte, apenas e sempre a exibição da arma, é certo, em direção das pessoas;
- a ida de todos os funcionários e o seu novo regresso ao piso de cima para, de novo, regressarem à cave;
- a presença do recorrente a manietar os funcionários com abraçadeiras;
- a descida, de novo à cave, depois do recorrente ter subido com os dois funcionários que levara para abrir a caixa forte;
- a colaboração deste a amarrar os pés e a amarrar os pés às mãos; e aqui não é só a colaboração: como se vê das imagens, o recorrente nem sequer presencia o estado em que os três funcionários são colocados – ajoelhados, deitados no chão e, depois amarrados de pés e mãos.
b) Mas o que ocorreu foi:
- o recorrente leva dois funcionários à cave na tentativa de abrir a caixa forte;
- dois funcionários aguardam no piso de cima, longe do alcance da vista de quem passa na rua com o co-arguido;
- quando o recorrente sobr, uma vez que o cofre forte não abriu, o terceiro elemento entra em ação com o co-arguido que vigiava os outros dois funcionários e é neste momento que acabam todos por descer à cave, ficando apenas a funcionária no piso de cima com quem tinha subido da cave – o recorrente;
- o terceiro elemento faz descer as pessoas à cave, permanecendo aí desde então;
- na cave são amarrados pelo terceiro funcionário;
- na cave, com exceção do momento em que o recorrente tenta, com dois funcionários, a abertura do cofre-forte, o recorrente nunca mais é visto naquele espaço;
- não tendo descido, não tendo levado as pessoas, não as tendo de vista, não se pode dizer sequer que o recorrente soubesse o que lá se passava ou aconteceu;
c) Inexiste, por inércia da única entidade com legitimidade para o efeito, prova dos montantes existentes à data dos factos no banco, o banco nada juntou, nada reclamou, nem sequer se constituiu assistente;
d) Inexiste abordagem para abortar o projeto criminoso, a abordagem quando acontece, é num momento depois do recorrente ter decidido desistir do projeto criminoso, depois de ter saído do banco, depois de ter decidido fugir do local;
e) Inexiste prova quanto ao conhecimento das características por parte do recorrente da arma que o mesmo tinha à data da prática dos factos;
5. Por isso, as declarações do assistente D….., as declarações do recorrente e a prova documental apontada, determinam a alteração da decisão no tocante à matéria dada como provada e impugnada, nos seguintes termos:
12 - De seguida, o gerente e a mencionada funcionária dirigiram-se ao aludido cofre forte, e então, sempre sob a ameaça da referida arma que o dito arguido empunhava, receando pela sua integridade física, ambos introduziram os respertivos códigos que permitem a abertura daquele cofre ao fim de dez minutos;
13 – Enquanto aguardavam a abertura dos cofres, o recorrente sempre de comum acordo e em conjugação de esforços entre si, levou a tesoureira e o gerente de volta ao piso de cima, uma vez chegados ao cimo das escadas, o gerente D…. e os dois funcionários, E…. e F…., são encaminhados para a cave pelo terceiro assaltante, vindo a ser amarrados com abraçadeiras plásticas, que igualmente tinham trazido consigo para aquela agência;
14 – Depois, o terceiro assaltante, de identidade não apurada, obriga os funcionários, primeiro, a ajoelharem-se, depois a deitarem-se no chão, de barriga para baixo e aí amarra os pés e depois as mãos aos pés;
23 – Á data dos factos, nos cofres da ATM e forte do Banco estavam depositadas quantias não apuradas, que os arguidos só não conseguiram levar consigo por terem desistido, face à demorada abertura dos cofres e face à presença de agentes da PSP no exterior;
24 – Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, sempre de comum acordo e em conjugação de esforços entre si e pelo menos com dois outros indivíduos (um no interior e outro no exterior da agência), bem sabendo que acediam ao interior da agência bancária através de um buraco que numa das paredes alguém do grupo que integravam fez para o efeito, e que ao empunharem e apontarem as aludidas pistola e arma elétrica na direção do gerente e da tesoureira do banco, os obrigavam, como obrigaram, com receio pela sua integridade física, a fornecer os códigos do cofre da ATM e do cofre-forte, com o propósito de se apoderarem e fazerem seu o dinheiro depositado nos mesmos, sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que atuavam contra a vontade e sem o consentimento do respetivo dono, o que só não conseguiram por terem desistido, face à demora da abertura dos cofres e face à presença de agentes da PSP no exterior;
25 – O recorrente não sabia que os três mencionados funcionários haviam sido obrigados a deitarem-se no chão, de barriga para baixo e com o auxílio de abraçadeiras e a aí permanecer, deitados, de pés e mãos atados e sem poderem sair do local;
27 – O arguido C….. se bem que não conhecesse as características da arma elétrica que detinha e transportava e tinha a noção de que não estava autorizado a detê-la e a fazer uso da mesma.
6. A decisão recorrida violou, assim, o artigo 127º do CPP e com isso fez refletir uma carga factual sem correspondência com a verdade material, o que determinou uma maior oneração penal;
7. Efetivamente, a participação real do recorrente nos factos não se reveste dos contornos que a decisão recorrida lhe deu e, consequentemente, em termos de responsabilidade criminal e pena o peso é menor que aquele que se fez incidir na decisão recorrida;
8. A qualificativa do crime de roubo efetuada nos termos do acórdão duplica as agravantes;
9. A decisão recorrida violou, nesse ponto os artigos 204º e 210º do CP;
10. Não se verifica o preenchimento do tipo de crime de detenção de arma proibida, porquanto na mecânica do roubo utilizou uma arma elétrica, é certo, mas sem se dar como provada, atento o facto da mesma não ser usual, conhecer as características da mesma, o que determina que a mesma possa ser usada como instrumento no roubo e não possa ser penalizada de forma autónoma;
11. A decisão recorrida violou, neste ponto o artigo 86º nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006;
12. Ainda que não se conceda provimento nos argumentos e questões suscitadas em sede de impugnação da matéria de facto e qualificação jurídica, sempre se dirá que a pena é excessiva;
13. As exigências de prevenção especial relativamente ao recorrente não são relevantes; na verdade, o recorrente tem a seu favor:
- a constante e atual relação de proximidade à família e elementos de suporte afetivo, mesmo depois de ficar preso, recebendo visitas e apoio com regularidade;
- a expetativa de a nível laboral encontrar colocação na área comercial ou porto de Vigo, uma vez restituído à liberdade, contando para este efeito com o apoio do seu pai;
- o comportamento no estabelecimento prisional, conforme às regras (exceção da posse de telemóvel, cartão de memória e auricular);
- o seu comportamento correto com os técnicos, guardas e reclusos;
- o seu empenho em meio prisional no incremento da aprendizagem e em ser útil: aguarda colocação em algum setor de atividade do estabelecimento prisional e frequenta curso de português para estrangeiros;
- o abandono do consumo de drogas depois de ter entrado no estabelecimento prisional;
- o seu comportamento processual imediatamente a seguir à detenção com contributo para a descoberta da verdade, na realização de reconhecimento ao local (fls. 55 a 58 dos autos);
- a sua postura face ao cometimento dos factos: compreende a medida coativa vigente por ser estrangeiro e não ter suporte familiar residente no país;
- a assunção da sua responsabilidade pela confissão dos factos em julgamento;
- a ausência de antecedentes criminais (cfr. 66 a 74 da matéria dada como provada);
- o facto de ter desistido do projeto criminoso que estava em pleno curso e com essa desistência, ter abandonado, sem fazer vítimas e causar mais danos (cfr. nº 18 da matéria dada como provada);
- a ausência de danos relevantes para o banco, o que em termos económicos, tratando-se de dependência bancária, tem valor;
- a total e absoluta ausência de violência física e ameaça de morte (matéria de facto dada como provada sob a alínea b) a 15 do acórdão), não obstante a existência da arma, sobre as pessoas com quem de perto contactou;
- a própria natureza da arma (classe E), a baixa capacidade de voltagem e o reduzido número de cartuchos existentes para eventual descarga elétrica – tinha apenas a possibilidade de fazer duas descargas, o que, em termos comparativos com a outra arma apreendida é notória e expressivamente menor (cfr. nº 21 da matéria dada como provada), deve ser levada à ponderação;
- a ausência total e absoluta de reacção aquando da abordagem para a utilização da arma.
14. Nunca as penas parcelares pela prática de um crime de roubo na forma tentada, rodeada da matéria dada como apurada quanto ao abandono do local e posterior interceção, na forma tentada, com todas as circunstâncias acima descritas deveria ultrapassar os 3 anos e seis meses de prisão e o crime de detenção de arma proibida nunca poderia ir além dos 9 meses de prisão o que, em cúmulo nunca deveria ultrapassar a pena de 4 anos de prisão;
15. Pena que por todo o vertido deverá sempre ser suspensa na sua execução;
16. A decisão recorrida violou, assim, os artigos 40º, 50º e 71º do CP.
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Na 1ª instância, o Ministério Público e os assistentes responderam às motivações de ambos os recursos, pugnando pela respetiva improcedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta do Mº Pº na 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1) Em data indeterminada, mas anterior a 22 de Julho de 2011, os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, mediante plano previamente gizado entre si e outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, decidiram assaltar as instalações do G….., sitas na Rua …, nº …, em Espinho, com o objetivo de se apropriarem de quantias em dinheiro que encontrassem no respetivo interior, designadamente nos cofres dessa dependência bancária.
2) Na concretização de tal propósito, depois de prévio estudo do local, dirigiram-se no dia 21 de Julho de 2011, a hora não concretamente apurada, para as ditas instalações.
3) Uma vez aí, introduziram-se primeiro num estabelecimento contíguo às instalações bancárias, sito na Rua …., nº …., que se encontrava devoluto, através de uma das janelas cujo vidro pessoa ou pessoas de identidade não apurada, do grupo em que se integravam os arguidos, partiu(ram) ou tinha(m) partido para o efeito, bem como através do estroncamento da fechadura da respetiva porta de entrada.
4) Nesse estabelecimento, pessoa ou pessoas de identidade não apurada do grupo em que se integravam os arguidos abriu(ram) ou tinha(m) aberto um buraco na parede nascente, local por onde os arguidos e um terceiro individuo de identidade não apurada viriam a aceder ao interior da dependência bancária mencionada logo que o primeiro funcionário do Banco entrou nas instalações deste.
5) No dia 22 de Julho de 2011, cerca das 08h15, mal o gerente do balcão D…. entrou nas instalações e iniciou a desativação do sistema de alarme que protege a zona do cofre da ATM e do cofre forte situado na cave, introduzindo o código, e antes de pressionar a tecla de confirmação, os arguidos que aí se encontravam de luvas, rostos encobertos e armados, correram para si e apontando-lhe, com uma das mãos, as armas que tinham previamente trazido consigo e na ocasião empunhavam, o B....... Parra a pistola Glock semi-automática, de calibre 9 mm Parabellum, apreendida a fls. 10 e examinada a fls. 79, 223 a 226 e 235 a 236 (cujos relatórios se dão aqui por integralmente reproduzidos) e o C….. a arma eléctrica de marca “Raysun” apreendida a fls. 11 e examinada a fls. 80 (cujo relatório se dá aqui por integralmente reproduzido) e com a outra mão, agarrando-o com força, obrigaram-no, sob a ameaça das armas, a desligar o alarme.
6) Após, os arguidos disseram-lhe para abrir o cofre da ATM e o cofre noturno da instituição, tendo D…. dito que os códigos de abertura dos ditos cofres eram apenas do conhecimento da funcionária e tesoureira H…., cuja chegada ao Banco estava para breve.
7) Mal esta chegou, cerca de cinco minutos depois, os arguidos agarraram-na de imediato com força e, apontando-lhe as armas que empunhavam e sob a ameaça das mesmas, conduziram-na ao compartimento onde estava situada a ATM e para onde tinham já conduzido o gerente e obrigaram-na a abrir os cofres aí existentes, tendo aquela, receando pela sua integridade física e vida, iniciado o procedimento, introduzindo os dois códigos e informado que tal processo levaria cerca de 10 minutos.
8) Ao chegarem ao Banco, os dois outros funcionários, E….. e F….., foram imediatamente agarrados pelos arguidos que empunhavam as aludidas armas e conduzidos por estes para o compartimento da ATM.
9) Face ao retardamento da abertura dos cofres da ATM e noturno, todos os funcionários foram conduzidos para a cave da agência onde estava o cofre forte – primeiro os funcionários D…. e H…., encaminhados pelo arguido C…., e instantes depois os funcionários E…. e F…., encaminhados pelo arguido B........
10) No percurso, escondido atrás do balcão de atendimento, encontraram um terceiro assaltante, igualmente encapuzado, cuja identidade não foi possível apurar.
11) Já na cave, à entrada do cofre forte, então sob a ameaça da arma taser empunhada pelo arguido C…., a H…. introduziu o código que possibilitou a abertura de uma primeira porta gradeada, e o gerente, antecipando-se à sua colega, introduziu o código de abertura da segunda porta e simultaneamente conseguiu acionar o alarme ligado a uma Central que por sua vez contata de imediato a Polícia, e fê-lo sem que nenhum dos arguidos, e nomeadamente aquele que na ocasião se achava mais próximo – o C….. – o conseguisse perceber.
12) De seguida, o gerente e a mencionada funcionária dirigiram-se ao aludido cofre forte, e então, sempre sob a ameaça da referida arma que o dito arguido empunhava, receando pela sua integridade física e vida, ambos introduziram os respetivos códigos que permitem a abertura daquele cofre ao fim de dez minutos.
13) Enquanto aguardavam a abertura dos cofres, os arguidos e o terceiro indivíduo, sempre de comum acordo e em conjugação de esforços entre si, levaram todos os funcionários de volta ao piso de cima, onde ataram as mãos do gerente D…. e dos dois outros funcionários, E…. e F…., atrás das costas, com abraçadeiras plásticas, que igualmente tinham trazido consigo para aquela agência.
14) Depois, o arguido C…. e o terceiro assaltante, de identidade não apurada, sempre de comum acordo e em conjugação de esforços entre si e com o arguido B......., conduziram de novo os funcionários D…., E…. e F…. à cave, onde os obrigaram, primeiro, a ajoelharem-se, e depois a deitarem-se no chão, de barriga para baixo.
15) Já com os três funcionários no chão, o terceiro individuo, de identidade não apurada, atou-lhes os pés com as abraçadeiras em plástico, após o que ainda uniu os pés às mãos com outra abraçadeira e obrigou-os a aí permanecerem deitados, de pés e mãos atados e sem poderem sair do local, contra a sua vontade e sem o seu consentimento.
16) Por sua vez, a H…. foi conduzida pelo arguido B....... para o compartimento da ATM.
17) Pouco tempo antes dos cofres abrirem, em virtude do acionamento do alarme, agentes da PSP rodearam a dependência bancária.
18) Os arguidos e o terceiro indivíduo, ao aperceberem-se de tal, saíram a correr da dependência bancária, fugindo do local, sendo no entanto os arguidos intercetados, alguns metros adiante, pelos referidos agentes.
19) No momento da detenção os arguidos transportavam consigo as armas mencionadas, tendo o B....... tentado usar a sua, no que foi impedido pelos agentes da PSP.
20) Na posse do arguido B....... foram encontrados e apreendidos, entre outros, um gorro, umas luvas, um boné, um relógio e uma pistola da marca “Glock”, modelo 26, com o número de série rasurado na sua corrediça e cano, tendo também sido removida a placa que a mesma originalmente tem no punho. Trata-se de uma pistola semiautomática de movimento simples, de percussão central e direta, de calibre 9 mm Parabellum (9x19mm) dotada de cano de alma estriada medindo cerca de 8,3 cm de comprimento. Mede cerca de 16,0x10,6x3cm (arma curta), possui punho em material polímero de cor preta e tem acabamento oxidado a preto. Tem sistema de alimentação por meio de carregador destacável que não é o original do modelo mas o normalmente utilizado nas “Glock” de modelo 17. A dita arma estava municiada com dezassete munições de calibre 9 mm Parabellum (9x19mm), todos com bala FMJ. A arma estava em bom estado de conservação e em boas condições de funcionamento e as munições encontradas no carregador continham todos os componentes e encontravam-se em boas condições de utilização e aptas a ser imediatamente disparadas.
21) Na posse do arguido C….. foram encontrados e apreendidos, entre outros, várias luvas, um boné, um cachecol, uma fita de pintura Tesa, uma lanterna, um alicate, um telemóvel Nokia com phones, uma mala de viagem e uma arma elétrica de marca “Raysun”, modelo X-1, capaz de utilizar cartuchos que projectam sondas e conduzem descarga eléctrica com voltagem no máximo igual a 75 000 V e cartuchos com outras funções nomeadamente projeção de projéteis de borracha ou de gás. Apresentava-se com dois cartuchos, próprios para lançar as sondas e transmitir um choque elétrico atordoador, porquanto existe a indicação de que as tampas de cor amarela são próprias para este tipo de cartucho, bem como as marcações 3,5M ou 6 M. A arma tinha ainda inserido um pino e faixa de segurança, sem o qual não seria possível produzir qualquer disparo.
22) Foram ainda apreendidas abraçadeiras em plástico, umas usadas e outras por usar.
23) À data dos factos, nos cofres da ATM e forte do Banco estavam depositados cerca de € 75.000 (setenta e cinco mil euros), que os arguidos só não conseguiram levar consigo por circunstâncias alheias à sua vontade, isto é, por terem sido interceptados pelos agentes da PSP que os impediram de concretizar os seus intentos.
24) Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, sempre de comum acordo e em conjugação de esforços entre si e pelo menos com dois outros indivíduos (um no interior e outro no exterior da agência), bem sabendo que acediam ao interior da agência bancária através de um buraco que numa das paredes alguém do grupo que integravam fez para o efeito, e que ao empunharem e apontarem as aludidas pistola e arma eléctrica na direção do gerente e da tesoureira do banco, os obrigavam, como obrigaram, com receio pela sua integridade física e vida, a fornecer os códigos do cofre da ATM e do cofre-forte, com o propósito de se apoderarem e fazerem seu o dinheiro depositado nos mesmos, que na ocasião era de cerca de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que atuavam contra a vontade e sem o consentimento do respetivo dono, o que só não conseguiram por circunstâncias alheias à sua vontade, isto é, por terem sido intercetados pelos agentes da PSP.
25) Os arguidos sabiam ainda que ao serem obrigados os três mencionados funcionários a deitar-se no chão, de barriga para baixo e com o auxílio de abraçadeiras, ao serem amarrados os respetivos pés e mãos e unidos os pés às mãos e ao serem eles obrigados a aí permanecer, deitados, de pés e mãos atados e sem poderem sair do local, atuavam contra a sua vontade e sem o seu consentimento.
26) O arguido B....... conhecia ainda as características da pistola e das munições que detinha e transportava e sabia que não estava autorizado a detê-las e a trazê-las consigo e a fazer uso das mesmas.
27) O arguido C…. conhecia, também, as características da arma elétrica que detinha e transportava e sabia que não estava autorizado a detê-la e a trazê-la consigo e a fazer uso da mesma.
28) Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
29) Logo após a saída da agência bancária, em fuga, por parte dos arguidos e do terceiro indivíduo não identificado que lá havia também entrado, os Assistentes F…. e D…. conseguiram desamarrar-se e em seguida desamarraram o Assistente E…..
30) O arguido B....... nasceu na Argentina, país onde estavam emigrados os seus pais, cidadãos de nacionalidade espanhola ali inseridos e onde exploravam um estabelecimento comercial, tendo um modo de vida equilibrado…
31)…é o mais novo de três irmãos, completou a escolaridade obrigatória até aos dezasseis anos e depois optou por começar a trabalhar na área da construção civil…
32)…no contexto de namoro foi pai de dois filhos, que atualmente terão catorze e dezassete anos de idade, mas com os quais não se relaciona…
33)…aos vinte e sete anos optou por viajar até Espanha, para junto de uns tios, residentes em Madrid…
34)…inseriu-se laboralmente como ajudante de pastelaria, manteve um comportamento aditivo de haxixe e cocaína, sendo que no novo contexto social incrementou o consumo, o que contribuiu para a instabilidade do seu modo de vida aos vários níveis e potenciou o seu protagonismo em práticas criminais que determinaram a sua reclusão em 2002, em cumprimento de uma pena de dez anos e seis meses de prisão…
35)…em 2005 não regressou ao estabelecimento prisional após uma saída jurisdicional que lhe foi concedida e esteve sete meses até ser recapturado, período em que iniciou o relacionamento com a atual companheira e com o arguido C….
36)…a 10 de Outubro de 2010 foi colocado em liberdade condicional, situação que mantinha à data da sua atual reclusão, e residia com a companheira e o filho desta, em Espanha…
37)…estava então laboralmente ativo na área da construção civil…;
38)…reconhece o significado penal e a gravidade da sua conduta e está conformado com a situação privativa da liberdade em que se encontra…;
39)…no cumprimento da medida de coacção a que está sujeito nos autos foi punido a 21 de Novembro de 2011 com 10 dias de retenção no seu espaço celular, por ter sido encontrado na posse de um telemóvel e dos respetivos utensílios, e a 25 de Janeiro de 2012 foi punido com mais 3 dias por ter sido encontrada dissimulada variada medicação, tentando ludibriar o elemento de vigilância a respeito da toma de medicação…
40)…quando ingressou no estabelecimento prisional e para superar a síndrome de abstinência solicitou e obteve apoio farmacológico, reconhecendo que a problemática não está superada, sendo que, embora tenha cessado a toma de cocaína, mantém ocasional consumo de haxixe…
41)…a companheira já o visitou no estabelecimento prisional, mas o apoio que aquela lhe presta, face à distância e aos custos de viagem, traduz-se mais no envio de algum dinheiro e por contacto telefónico, facultando-lhe alguma orientação normativa…
42)…manifesta expetativa a respeito do seu regresso a Espanha, e caso seja condenado perspetiva solicitar o cumprimento da pena naquele país, por facilidade de adaptação e de apoio familiar…
43)…foi condenado em Espanha, em 2002, pela prática de um crime de roubo e de um crime de burla, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, sendo que esteve em cumprimento de pena até que em Outubro de 2010 foi colocado em liberdade condicional, que terminaria em Maio de 2012.
44) O arguido C…. cresceu integrado no grupo familiar de origem, constituído pelos pais, um irmão, os avós maternos e dois primos, entregues aos cuidados desta família desde tenra idade…
45)…o grupo familiar tinha uma situação sócio-económica equilibrada, com recurso aos rendimentos auferidos pelo pai, enquanto funcionário da autoridade portuária, e pela mãe, na exploração de um café, actividade que exercia com um tio materno do arguido…
46)…o pai, com hábitos alcoólicos, imprimiu durante largos anos uma dinâmica relacional conflituosa, particularmente com a esposa e os filhos…
47)…apesar de o pai ter entretanto ultrapassado esta problemática há alguns anos, o arguido não ultrapassa o mal-estar que a situação causou, reconhecendo que mantém com ele uma relação incompleta e pouco gratificante…
48)…a mãe, para compensar o desgaste emocional causado pelas atitudes do pai, assumiu uma atitude educativa permissiva, prejudicando assim a sua capacidade de orientação e controlo educativos…
49)…frequentou o sistema de ensino em idade própria, até aos 18 anos de idade, abandonando o seu projeto escolar quando faltava um ano para ingressar no ensino universitário…
50)…após o abandono escolar teve uma experiência curta de trabalho, junto da avó, na venda ambulante de peixe…
51)…aos 19 anos foi sozinho para a cidade de Madrid, onde trabalhou numa empresa do ramo de transporte de correio expresso durante cerca de 2 anos…
52)…quando regressou a Vigo e enquanto não obteve colocação profissional, ocupou-se novamente na venda ambulante de pescado…
53)…decorrido pouco tempo, conseguiu colocação laboral no porto daquela cidade, na montagem de cabos de comunicação nos barcos atracados, funções que desempenhava pontualmente, consoante a procura…
54)…pelos 26 anos e durante 6 anos consecutivos, foi trabalhar para Ibiza durante o período estival, como camareiro em hotéis daquela estância balnear…
55)…numa dessas ocasiões conheceu uma jovem com quem veio a estabelecer união de facto…
56)…fruto dessa relação nasceu um filho, actualmente com 5 anos de idade, entregue aos cuidados da mãe…
57)…a família assim constituída viveu em Madrid e Vigo…
58)…nesta última cidade o casal viveu em apartamento arrendado e a companheira constituiu uma empresa fabril ligada ao ramo de madeiras, onde o arguido trabalhava como assalariado…
59)…em Dezembro de 2010 separaram-se e nessa sequência o arguido abandonou o local de trabalho…
60)…tem história de consumo de cocaína que remonta aos 16/17 anos de idade, sem criar dependência…
61)…quando foi trabalhar para Ibiza, inserido num contexto de diversão noturna e convívio com pares consumidores regulares de drogas, intensificou o consumo de cocaína e extasy, consumo que no entanto nunca o impediu de protagonizar um desempenho pessoal e social normal…
62)…quando a companheira estava grávida decidiu, sem qualquer apoio terapêutico, abandonar o consumo de estupefacientes, o que então conseguiu…
63)…à data dos factos em causa nos presentes autos vivia desde Abril de 2011 com outra companheira, de 34 anos de idade…
64)…mantinha-se laboralmente inativo e sem qualquer ocupação estruturada desde a separação da ex-companheira, e a subsistência do seu novo agregado era assegurada através do vencimento auferido pela atual companheira enquanto funcionária da “Citroën”, em Vigo…
65)…reiniciara então consumos de estupefacientes de forma esporádica até à data da sua reclusão…
66)…a relação de proximidade à família e elementos de suporte afetivo têm sido mantidas, atualmente com recurso a algumas visitas por parte do filho e da atual companheira, assim como através de contactos telefónicos com os progenitores…
67)…quando restituído à liberdade pretende o seu regresso ao agregado familiar constituído, e ao nível laboral tem a expetativa de conseguir colocação na área comercial ou no porto de Vigo, contando para esse efeito com o apoio do pai…
68)…no estabelecimento prisional onde se encontra em prisão preventiva tem evidenciado um comportamento na generalidade conforme às regras prisionais, à exceção da posse e uso de um telemóvel, e de um carregador artesanal, cartão de memória e auricular, sancionado com 10 dias de permanência obrigatória no alojamento…
69)…tem mantido um relacionamento correcto com técnicos, elementos da vigilância e restante população prisional…
70)…aguarda colocação em algum sector de actividade do estabelecimento prisional e enquanto isso não ocorre frequenta um curso de português para estrangeiros…
71)…quanto ao consumo de drogas, deixou-o totalmente no estabelecimento prisional, sem recurso a qualquer terapêutica especializada…
72)…compreende como adequada a prisão preventiva que lhe foi aplicada pelo facto de ser cidadão estrangeiro e não ter qualquer suporte familiar e habitacional no território nacional, porque caso contrário consideraria mais adequado aguardar os termos do processo em liberdade…
73)…reconhece os factos pelos quais foi acusado como ilícitos penais relevantemente censuráveis pelo sistema de justiça de qualquer país…
74)…não tem antecedentes criminais.
75) A conduta dos arguidos gerou medo e pânico nos Demandantes H…., E…., D…. e F…., que temeram pelas respetivas vidas e integridades físicas, sofrendo com a possibilidade de lhes suceder um mal que os impedisse de voltarem a ver os seus entes queridos.
76) Esses sentimentos perduraram após o assalto, causando-lhes grande sofrimento...
77)…de facto, voltar ao local de trabalho constituiu um contínuo motivo de ansiedade e receio para os Demandantes, que temem a repetição da situação vivida.
78) O Demandante D…. verifica por isso, todos os dias, antes de entrar no Balcão, se a porta da loja contígua não foi objeto de arrombamento e se as janelas viradas a norte se encontram intactas e quando entra no balcão de manhã vive momentos de tensão, na expetativa de que alguém já lá esteja, para se repetir novamente o assalto.
79) Os Demandantes revivem repetidamente na sua memória a situação por que passaram, sofrendo reiteradamente a ansiedade, o mal-estar e o temor que lhes provocou a conduta dos arguidos, experimentando dificuldades em conciliar o sono.
80) As imagens daquele dia ainda hoje os perseguem e dificilmente deixarão de as recordar.
81) No fim-de-semana subsequente ao dia do assalto, os Demandantes F…. e E…. viveram momentos de grande pânico e ansiedade, revivendo na sua memória o que tinha sucedido, pensando angustiados como seria regressar ao trabalho na semana que se aproximava, e em virtude desta situação deixaram de considerar o seu local de trabalho um local seguro, receando novo assalto.
82) O Demandante F…. tornou-se uma pessoa inquieta.
83) Durante o assalto, a Demandante H…. pensou com temor na vida dos seus filhos.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
a) que quando esperavam pela chegada do primeiro funcionário à dependência bancária, os arguidos e o terceiro indivíduo não concretamente identificado já estivessem no interior da mesma;
b) que na ocasião referida em 6) os arguidos tenham dito ao Assistente D…. que o matavam se não desligasse o alarme;
c) que o arguido B....... tem tido bom comportamento posterior aos factos (matéria aliás conclusiva);
d) que os dois arguidos têm quem lhes garanta colocação profissional remunerada logo que sejam restituídos à liberdade;
e) que este caso foi noticiado com relevo nos meios de comunicação social, tendo até sido referido por alguns jornais que os arguidos teriam ligações à ETA, o que agravou o sentimento de insegurança dos Demandantes;
f) que o Demandante F…., antes do assalto, levasse o filho para o seu local de trabalho e que tenha deixado de o fazer por temor de nova situação idêntica;
g) que a Demandante H…. tenha passado a verificar, todos os dias, antes de entrar no Balcão, se está alguém na loja contígua, espreitando pela tampa do correio;
h) que sempre que um desconhecido entrava no Balcão, o Demandante E….. tinha o receio de que pudesse ser um assaltante.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A nossa convicção assentou numa análise do conjunto da prova produzida à luz das regras da experiência comum.
Importa naturalmente sublinhar alguns aspetos.
Quanto à participação dos arguidos na preparação e execução do que viemos a descrever sob os pontos 1) a 28) dos factos provados, importa começar por referir que os arguidos prestaram declarações no essencial de sentido confessório, reconhecendo em suma o seguinte: (a) quando se deslocaram a Espinho, na véspera, estava previsto entrarem na agência bancária na manhã seguinte e então realizarem o assalto; (b) acederam para o efeito ao interior da loja devoluta que se encontrava ao lado da agência bancária para que, a partir daí e através de um buraco feito em parede contígua à dita agência, nesta lograssem entrar; (c) na manhã do evento aguardaram a chegada do primeiro funcionário, ocasião em que entraram na agência pelo assinalado buraco; (d) juntamente com outros dois indivíduos envolvidos, os arguidos entraram na agência, com o rosto encoberto, e com recurso à amostragem das armas com que estavam munidos dominaram aquele funcionário e outros que entretanto chegaram, instando-os à abertura dos cofres; (e) puseram-se entretanto em fuga, saindo da agência, dada a chegada de elementos da autoridade policial, de que se aperceberam, mas foram ato contínuo detidos, já no exterior.
Estas declarações dos arguidos, pela sua natureza e pelo seu alcance, seriam já em si mesmas suficientes para darmos por provadas as linhas gerais da matéria de facto que demos por assente.
Em qualquer caso, tais declarações surgem ainda esclarecidas e complementadas pelos demais elementos de prova que temos disponíveis, dos quais sublinhamos os seguintes:
a) as fotografias de fls. 50 a 52, 55 a 57, 142 a 144, 148, 149 e 167, que reproduzem o aspeto exterior do local e nomeadamente a agência bancária e a loja então devoluta que lhe é contígua;
b) as fotografias de fls. 153 a 158, que reproduzem o interior da agência bancária e da loja devoluta e que permitem além do mais ter uma noção do espaço em causa e perceber a existência e a dimensão do buraco usado pelos arguidos para se introduzirem no interior da dita agência;
c) os fotogramas de fls. 68 a 78, resultantes das imagens gravadas pelo sistema de videovigilância da agência bancária, que permitem depreender o essencial da dinâmica havida no seu interior, a saber: percebe-se por um lado que pela porta principal entraram quatro pessoas, ao que tudo indica funcionários do Banco (como veio entretanto a confirmar-se pelos respetivos depoimentos), os quais seriam dominados pela intervenção de dois indivíduos que nas imediações daquela porta se encontravam, indivíduos estes de rosto encoberto e que usavam, cada um deles, um boné branco; desses fotogramas, e especificamente dos nºs 16 a 18, antecipa-se a presença no interior da agência de um terceiro indivíduo, também de rosto encoberto, mas com boné escuro; por fim, dos fotogramas é ainda possível inferir movimentações dos indivíduos de rosto encoberto e de duas das pessoas que haviam entrado pela porta principal – uma de sexo masculino e outra do sexo feminino – sugerindo que estas últimas estavam a proceder como lhes era indicado que fizessem em ordem, ao que tudo indica, a lograrem a abertura dos cofres (cfr. fotogramas nºs 12, 13, 14, 15 e 20);
d) os depoimentos dos Assistentes H…., E…., D….. e F….., que trabalhavam na agência bancária em questão e que naquele dia nela entraram e foram surpreendidos pela situação em curso, Assistentes esses que, de uma forma que nos pareceu inteiramente genuína, isenta e credível, descreveram todo o sucedido - é certo que pontualmente notaram-se pequenas divergências no relato do episódio vivido, mas entendemos que estas divergências, para além de radicadas em meros detalhes, são compreensíveis considerando a tensão nervosa com que decerto estavam e de que deram conta em audiência, e que previsivelmente lhes dificultaram a perceção exata de todos os movimentos desenvolvidos e dos respetivos protagonistas, sendo certo que os três indivíduos que os Assistentes dizem ter estado na agência a perpetrar a tentativa de subtração de valores estavam todos vestidos de forma semelhante, como é patente dos fotogramas a que fizemos já referência; de entre estes quatro depoimentos, o que nos pareceu mais sereno e por conseguinte mais fiável do ponto de vista da exacta correspondência entre a história real e a história contada, foi o prestado pelo gerente do balcão, o Dr. D…., no qual fundamos pois, com maior proximidade, a nossa convicção neste domínio;
e) os depoimentos dos Srs. Agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) J….., K…. e L…., que descreveram de forma serena, isenta, consistente e inteiramente credível o procedimento encetado a partir do momento em que foi sinalizada a ocorrência, dando conta, entre o mais, das circunstâncias de aproximação e detenção do arguido B......., pelo primeiro, e do arguido C….., pelos segundo e terceiro; e adentro esses relatos, permitimo-nos sublinhar, no caso do Sr. Agente J…., que este disse que aquando da detenção o arguido B....... ainda tinha consigo as luvas, o gorro e o boné, para além da pistola de que tentou fazer uso, e no caso do Sr. Agente K….., que este disse que, para além de ter feito um disparo para o ar nas imediações do arguido B......., o que terá levado este a deixar cair a arma que naquele momento tentava empunhar, encetou em seguida, com o colega L….., a perseguição ao arguido C…., o qual, sabendo estar a ser perseguido, acabaria em breve por parar e pousar a arma “Taser” no chão;
f) o auto de apreensão de objetos ao arguido B......., que consta a fls. 10, dos quais salientamos a arma “Glock”, o gorro, o boné branco e as luvas brancas (veja-se que pelos fotogramas de fls. 69, 70 e 72 há aparentemente um único indivíduo de luvas brancas, o que nos leva a considerar que o arguido B....... é
o que surge nos fotogramas nºs 4, 7, 8, 10 e 11 e à esquerda nos fotogramas nºs 5, 6 e 9);
g) o auto de apreensão de objetos ao arguido C…., que consta a fls. 11, dos quais destacamos a arma elétrica “Taser”, o boné branco (eis o outro boné branco que se vê nos fotogramas), as luvas de pedreiro, a fita de pintura (que previsivelmente serviria para tapar a boca dos funcionários do Banco e/ou para lhes imobilizar os membros) e o fato de treino - as luvas, o fato de treino e o boné branco, considerados no seu conjunto e à luz das fotografias de fls. 61 a 63 e dos fotogramas existentes, levam-nos a concluir que o arguido C….. é o que se vê nos fotogramas nºs 2, 14 e 15, e é ainda o que surge à direita nos fotogramas nºs 5, 6, 9 e 11;
h) o relatório pericial de análise de DNA de fls. 754 e seguintes, que permite perceber que vários dos objetos apreendidos continham vestígios biológicos dos arguidos, sendo que aqui permitimo-nos destacar a circunstância de as luvas retratadas a fls. 757 conterem vestígios do arguido C….., o que é congruente com a conclusão a que há pouco chegámos quando dissemos que aquele arguido era o que se via nos fotogramas nºs 2, 14 e 15 e à direita nos fotogramas nºs 5, 6, 9 e 11, que constam a fls. 68 e seguintes – é que as luvas retratadas a fls. 757 são aparentemente as mesmas que surgem naqueles fotogramas;
i) o auto de apreensão de objetos de fls. 82 e 83, do qual destacamos a existência, no interior da agência bancária e da loja devoluta contígua, de um conjunto de abraçadeiras plásticas, previsivelmente destinadas a imobilizar pelo menos alguns dos funcionários bancários, como de resto era já perceptível pelo visionamento dos fotogramas nºs 16 a 19;
j) o auto de exame das armas documentado a fls. 79 a 81 e o relatório pericial de fls. 223 a 226, que relevam para a percepção das exatas características técnicas de tais armas e dos respetivos apetrechos e munições.
Quanto ao tempo e modo como os Assistentes D….., F….. e E….. lograram soltar-se da situação em que haviam sido colocados na cave da agência bancária, tivemos em consideração o que ressalta do conjunto das suas declarações, que vão ao encontro do que demos por assente.
Aqui chegados, ocorre ainda sublinhar, quanto à descrição geral do sucedido, que não consideramos demonstrada a versão dos arguidos em alguns dos aspetos a que aludiram nas suas declarações. Por um lado, quando dizem que no interior da agência bancária o seu grupo era constituído por quatro elementos: dos fotogramas existentes resulta, como já acima apontámos, que eram aparentemente apenas três os indivíduos que aí entraram e protagonizaram o evento, sendo que esta foi a realidade relatada pelos quatro funcionários bancários envolvidos, da qual não temos razões consistentes para duvidar.
Por outro lado, quando dizem que quem tudo planeou foi um outro indivíduo, um tal “M….”, que o arguido B....... também conhece por “M1….”, que estaria no exterior da agência à espera dos arguidos, plano esse do qual aqueles eram no fundo e apenas os executantes, estando-lhes prometido, pelo seu desempenho, a quantia de € 5.000,00. É de prever que houvesse efetivamente pelo menos um elemento no exterior, que para além de vigiar o local e de sinalizar a eventual aproximação de agentes da autoridade, conduzisse a viatura que haveria de garantir a fuga de todos os elementos – aliás, pelo menos dois dos indivíduos que entraram na agência estavam munidos de auriculares, sendo que um daqueles indivíduos com auriculares terá sido o arguido C…., como os arguidos reconheceram e a quem foram apreendidos (cfr. fls. 12), e os depoimentos prestados pelos Assistentes vão no sentido de que aqueles estariam aparentemente em comunicação com o exterior, o que os arguidos, aliás, confirmam; já não nos parece crível porém é que, independentemente de se saber quem originariamente concebera o plano, tendo havido uma indiscutível adesão da parte de todos ao dito plano, como os arguidos não deixaram de mencionar, não estivesse prevista uma repartição tendencialmente igualitária do produto do roubo, dados os riscos inerentes, sobretudo, como se viu, quanto aos elementos que acederam ao interior da agência, riscos esses cuja compensação demandaria decerto um reflexo pecuniário superior ao propalado pelos arguidos.
Por outro lado ainda, disseram os arguidos que a função de ambos passaria apenas por recolher uma pessoa, o que depois não veio no local a suceder, acabando por deles ser exigida uma intervenção de maior alcance: pela natureza dos factos em apreço, é de esperar um grau de preparação dos papéis a desempenhar por cada um dos executantes que dificilmente se compadece com uma tão drástica e repentina mudança de tais papéis, pelo que as declarações dos arguidos, por si sós, não nos parecem neste ponto credíveis.
Também nos não merecem credibilidade os arguidos quando sustentam que em nada contribuíram para forçar a entrada na loja devoluta e para a abertura do buraco por onde haveriam de lograr aceder ao interior da agência bancária, e que quando chegaram tais trabalhos já se encontravam feitos – se os arguidos integravam um grupo cujos elementos eram de nacionalidade estrangeira, que não residiam em Portugal, e se esse grupo tinha um propósito comum, a concretizar em Espinho, onde propositadamente se deslocaram, não se vê com facilidade por que motivo haveriam os arguidos de ficar dispensados de participar de algum modo nos actos preparatórios em causa.
Afigura-se-nos pois que os arguidos procuraram artificiosamente mitigar a sua responsabilidade, seja referindo que apenas eram elementos de uma equipa bem mais vasta, de cinco elementos (os quatro que alegadamente teriam entrado na agência e um quinto que estava no exterior), seja apontando todo o planeamento e comando do assalto para um terceiro apenas vagamente identificado, seja dizendo que não participariam de uma divisão igualitária do produto e que apenas receberiam uma remuneração pelo trabalho prestado, seja por fim referindo que a sua adesão inicial ao plano tivera por pressuposto uma participação menos intensa da sua parte, seja dando conta que o processo preparatório do assalto fora impulsionado sem a intervenção de nenhum deles.
E nem se objete a esta nossa convicção observando que se os arguidos prestaram declarações em larga medida confessórias, então é porque são merecedores de total credibilidade no que dizem – é que, se é certo que os arguidos podiam ter-se remetido ao silêncio ou podiam porventura, sem sanção, ter prestado declarações de sentido não confessório, não é menos verdade que o que os arguidos confessaram mais não é, em síntese, que aquilo que, ressalvado um ou outro detalhe sem real significado, com toda a probabilidade sempre resultaria provado mesmo sem o seu contributo, dado que (importa não esquecer) os arguidos foram surpreendidos pela chegada de elementos da PSP quando ainda se encontravam no interior da agência bancária, em processo de execução do desígnio criminoso, e acabaram por ser detidos em circunstâncias de fuga que inequivocamente relevam de um flagrante delito, o que, como é óbvio, facilita sobremaneira a prova dos factos (cfr. o art. 256º/1 e 2 do Código de Processo Penal).
Por fim, na mesma senda do que vimos de dizer, importa acrescentar que não consideramos assente que os arguidos estejam verdadeiramente arrependidos, ao invés do que declararam: estamos em presença da mera verbalização de um arrependimento, nada nos garantindo que seja genuína, tanto mais que se mostra desacompanhada de actos ou de outros elementos de prova que sugiram fortemente a sua consistência.
Quanto ao sofrimento psicológico de cada um dos Assistentes/Demandantes, tivemos em consideração o depoimento dos próprios e o dos colegas de profissão, tudo redundando em relatos que, para além de sólidos e credíveis em si mesmos, vão ao encontro do que é de esperar que seja a vivência das pessoas envolvidas em circunstâncias desta natureza.
No que respeita às condições sócio-económicas e de personalidade dos arguidos e quanto ao seu comportamento posterior aos factos, a nossa posição estriba-se essencialmente no teor dos relatórios sociais juntos aos autos, a fls. 903 a 907 quanto ao arguido C…. e a fls. 911 a 914 quanto ao arguido B........
Quanto ao enquadramento das circunstâncias gerais de vida dos arguidos tivemos também em consideração o depoimento das testemunhas indicadas pela Defesa: N…., esposa do arguido B......., quanto a este, e O…. e P….. respetivamente amigo e irmão do arguido C…., no que a este concerne.
Em matéria de antecedentes criminais, tivemos em atenção o que deriva das declarações dos arguidos, que nos não mereceram neste aspeto especiais reservas, corroboradas, quanto ao arguido C…., pelo certificado do registo criminal de fls. 884 a 886, e pelo que deriva de fls. 706 quanto ao arguido B........
Quanto à matéria dada por não provada, para além do já dito, a nossa posição assenta na circunstância de se não ter a seu respeito produzido prova com suficiente dose de solidez.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso de cada um dos arguidos é possível extrair a ilação de que o recorrente B....... restringe o respetivo objeto à determinação da medida das penas, parcelares e única, e ao concurso real entre o crime de roubo agravado e o crime de detenção ilegal de arma.
Por sua vez, o recorrente C….. delimita o objeto do recurso à impugnação da matéria de facto dada como provada, ao preenchimento dos elementos do tipo de crime de detenção de arma proibida e às penas concretas aplicadas, que reputa de excessivas.
Vejamos:
Quanto ao recurso do arguido B.......:
O arguido B....... foi condenado pela prática, em concurso real de um crime de roubo agravado na forma tentada p. e p. nos artºs. 22º, 23º, 210º nºs. 1 e 2 al. b) por referência do artº 204º nº 1 als. e) e f) e 2 als. a), e) e f) do Cód. Penal e um crime de detenção de arma proibida p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/2006 de 23.2, na redação da Lei nº 12/2011 de 27.4.
Sustenta o recorrente que o crime de roubo agravado pela posse da arma consome o crime de detenção de arma proibida, pelo que não poderia haver lugar a condenação por este último crime, sob pena de violação do princípio constitucional ne bis in idem.
Entendemos, porém, que não lhe assiste razão.
Dispõe o artº 30.º n.º 1 do Código Penal, «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
Porém, como resulta dos princípios, muitas normas de direito criminal estão umas para com outras em relação de hierarquia, no sentido precisamente de que a aplicação de algumas delas, exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. «De onde resulta que a pluralidade de tipos que se pode considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respetivas disposições penais, vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se conclui que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções»[3].
Essas relações de subordinação e hierarquia entre as várias disposições de direito criminal, embora sem unanimidade de definição na doutrina, podem repartir-se, grosso modo, por relações de especialidade, consunção (pura e impura), subsidiariedade e alternatividade.
Para o caso, importa assentar a atenção na figura da consunção.
Surpreendem-se no conceito[4] os seguintes traços: «Entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra «ne bis in idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat lex consumtae». O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se pode afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados, e não, como queria Honig, através da diversidade de pontos de vista a partir dos quais a lei concede proteção ao mesmo bem jurídico».
Entre os casos claros de exclusão em atenção a este princípio da consunção, apontam-se as disposições que punem o pôr-se em perigo a lesão de bens jurídicos por aquelas que punem a sua lesão efetiva[5].
No caso, é apodítico estarem em concurso dois crimes de natureza distinta: enquanto o crime de roubo integra o conceito de crime de resultado em que sob a forma de comissão por ação o tipo pressupõe a produção de um evento como consequência da atividade do agente. «Nestes tipos de crime só se dá a consumação quando se verifica uma alteração externa espácio-temporalmente distinta da conduta»[6], pois que se impõe que o agente «subtraia, ou constranja a que lhe seja entregue coisa móvel alheia», impondo-se assim a necessidade de que tenha havido a efetiva subtração de, ou que tenha sido entregue ao gente, coisa móvel alheia, «sendo ainda necessário que tenha havido efetivo constrangimento (também ele um resultado e um dano – desta feita para bens pessoais»[7].
Já nos crimes de perigo, a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico. E não sendo, como no caso, o perigo elemento do tipo, antes, mero motivo da proibição, enfim, um comportamento tipificado em função da sua perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como que uma presunção inilidível de perigo, e por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter sido criado ou não um perigo efetivo para o bem jurídico, então é caso de crime de perigo abstrato, de que a posse de arma proibida é um exemplo de escola[8].
Mas seria apressada a conclusão de os dois tipos em causa se excluírem, partindo da ideia acima adiantada de um ser crime de perigo e outro de dano.
É que, como é bom de ver, tal conclusão – de exclusão de uma pela outra das normas em causa – só pode ter lugar quando uma e outra – a que prevê a lesão efetiva do bem e a que pune o simples perigo criado pela ação – se referem ao mesmo bem jurídico que ambas visam acautelar.
Estando em causa bens jurídicos distintos, importa averiguar até que ponto a previsão de uma delas se contém na da outra. O que põe em evidência a necessidade também já referida de uma avaliação concreta, casuística, de cada situação.
Voltando ao caso, logo se vê que o crime de roubo visa proteger um bem jurídico plúrimo: direito de propriedade e detenção de coisas móveis, por um lado, e, embora como meio de lesão dos primeiros, também a liberdade individual de decisão e ação e a integridade física e, até, a vida, por outro.
Já a incriminação por detenção de arma proibida visa acautelar a lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas. Visa combater a proliferação e difusão de um mercado negro de armas sem qualquer controle por parte das entidades oficiais.
Em cada um dos referidos ilícitos estão em causa valores jurídicos com sentido completamente distinto e a agravação do roubo pela detenção de arma aparente ou oculta visa penalizar o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente e que tem como contrapartida a diminuição de defesa que a vítima pode encetar.
Importa assim indagar se, punindo o arguido apenas pelo crime de roubo com uso de arma proibida, o tribunal recorrido daria legal cobertura ao segundo dos mencionados bens jurídicos, único caso em que poderia ter-se como operante a consunção excludente.
Ora, como resulta dos factos provados, naquele dia 22 de Julho de 2011, mal o gerente do balcão entrou nas instalações […] os arguidos que aí se encontravam […] armados, correram para si e apontando-lhe com uma das mãos, as armas que tinham previamente trazido consigo e na ocasião empunhavam, o B....... a pistola Glock semi-automática, de calibre 9 mm Parabellum […] e o C…. a arma elétrica de marca Raysun […] e com a outra mão agarrando-o com força, obrigaram-no sob a ameaça das armas, a desligar o alarme. Após, os arguidos disseram-lhe para abrir o cofre da ATM e o cofre noturno da instituição.
Ou seja, os arguidos, mesmo antes de consumarem o roubo transportaram consigo, ao menos enquanto se deslocaram àquela instituição bancária, as descritas armas ilegais, portanto, pelo menos, desde o local onde as guardavam até ao da consumação do roubo.
E podiam tê-las usado dela em várias circunstâncias desse percurso, portanto, antes da consumação do roubo, assim ofendendo efetivamente o bem jurídico respetivo, que, como se viu é de mero perigo abstrato. A lesão do bem jurídico de perigo, assim compreendido, coincide logo no momento da detenção da arma proibida, independente da relação, específica e autónoma, de cada um dos valores individualizados que possam vir a ser concretamente afetados em crime posterior de resultado. Ou seja, o crime de detenção de arma proibida consuma-se, mesmo antes de se iniciar o roubo.
A arma constitui, tão apenas, um instrumento material que, a par de outros, pode contribuir para realizar a violência ou a ameaça, e sendo arma de fogo, terá o mesmo efeito instrumental quer seja proibida, quer de uso que tenha sido objeto de licença.
Logo, a punição do roubo não abarca a ofensa autónoma do bem jurídico subjacente à incriminação do uso de arma ilegal, pelo que não é legítimo, no caso, falar em consunção ou exclusão de aplicação desta incriminação[9].
E, se assim é, está afastado o perigo de violação do principio com assento constitucional «ne bis in idem», justamente porque a cada punição corresponde um bem jurídico ofendido, pelo que se há «bis», está afastado o «idem» – situação que logra inteira cobertura no preceituado no n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal, citado.
A diversidade de bens jurídicos tutelados apenas pode ser valorada no sentido excludente da possibilidade de consunção do crime de detenção de arma proibida pelo de roubo agravado, ainda que pela circunstância de o agente trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta.
É este, de resto, o sentido da jurisprudência mais representativa do Supremo Tribunal de Justiça, como se vê dos acórdãos de 17/4/96 e 4/2/93, respectivamente nos recursos n.ºs 29550 e 18023[10], sendo do primeiro este excerto doutrinal:
«Porque os crimes de roubo e de detenção de arma proibida protegem interesses diferentes e se consumam em momentos diferentes – o crime de roubo protege a propriedade e a pessoa e o de detenção de arma o perigo relativo às pessoas e às coisas, estando consumado quando foi iniciada a prática do roubo – existe concurso real desses crimes quando o roubo é praticado com o emprego de arma proibida
Em suma, impõe-se a condenação autónoma dos arguidos pela prática do crime de detenção de arma proibida, tal como se decidiu no acórdão recorrido que, nesse aspeto, não merece qualquer censura.
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Insurge-se ainda o recorrente B....... contra as penas concretamente aplicadas que considera “manifestamente exageradas e desproporcionais”, não tendo o tribunal recorrido valorado devidamente a confissão e o “profundo arrependimento exprimido”.
O crime de roubo agravado pelo qual o recorrente foi condenado é punível com a pena abstrata de três a quinze anos de prisão. Por outro lado, o crime de detenção de arma proibida é punível com a pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
O arguido foi condenado na pena de sete anos de prisão pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto pelos arts. 22º, 23º e 210º/1 e 2 b), este último por referência ao art. 204º/1 e) e f) e 2 a), e) e f), e na pena de dois anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção resultante da Lei nº 12/2011, de 27/04; em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de oito anos de prisão.
A respeito da escolha da pena escreveu-se na decisão recorrida: “em matéria de armas em geral, as exigências de punição têm ultimamente ganho alguma expressão em resultado da frequência com que este tipo de crime vem sendo cometido, com todo o alarme social e alguma insegurança que são inerentes a este fenómeno, assim incutindo na comunidade o sentimento de que o sistema penal deve reagir para que fique generalizadamente reforçada a convicção de que a legalidade existe e persiste válida. No mesmo sentido, importa sublinhar que foi muito significativo o grau de ilicitude do facto, seja porque os arguidos não se limitaram a trazer consigo as armas, mas antes as empunharam de facto, seja porque o uso que lhes deram releva de uma grande gravidade, porquanto foram quatro as pessoas que foram objeto de uma objetiva ameaça com tais armas, seja ainda porque o propósito que presidiu à amostragem das armas foi o de conseguir uma elevada e ilícita vantagem económica.
Em matéria de prevenção especial positiva, entendemos que as exigências da punição são também elevadas quanto aos dois arguidos: por um lado, nenhum dos dois tinha ou tem uma vida profissional suficientemente estruturada, para o que decerto terão contribuído hábitos de consumo de substâncias estupefacientes, e por outro lado, porque ambos deram mostras de uma personalidade propensa à prática de atos de natureza particularmente temerária, na medida em que não se coibiram de fazer uso de armas num País para o qual viajaram. Tais exigências punitivas ganham uma coloração mais severa a respeito do arguido B......., dado que esteve já vários anos em cumprimento de pena de prisão e à data dos factos estava em período de liberdade condicional, o que não o inibiu de praticar outros ilícitos criminais; e quanto a este arguido também não abona em seu favor a circunstância de ter já cometido duas infrações às normas de funcionamento do estabelecimento prisional, que lhe motivaram as correspondentes sanções.
[…] especialmente a respeito do crime de roubo, que estamos diante um tipo de crime gerador de profundo desconforto social, que no caso concreto incidiu sobre uma instituição de grande relevância económico-financeira, envolveu uma certa preparação (patente no uso do buraco na parede e no encobrimento dos rostos e mãos), e denotou arrojo dos seus autores, seja pela forma como foi executado, dominando quatro funcionários bancários e usando de armas com um particular poder ofensivo, seja porque para tanto os arguidos vieram para outro País que não o das respetivas residências, com isto revelando uma mobilidade na execução dos seus propósitos criminosos que não deixa de nos suscitar uma certa preocupação.
Em sentido favorável a ambos os arguidos, apontaríamos apenas as declarações de sentido confessório que prestaram em audiência, embora não as valorizemos excessivamente, dado que … o que os arguidos reconheceram coincide no essencial com o que decerto se lograria provar mesmo sem o seu contributo».
Dispõe o artº 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artº 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: proteção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspetiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de proteção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artº 40º determina, por isso, que os critérios do artº 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê, sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (atual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de proteção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa proteção de bens jurídicos pela tutela das expetativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada[11].
A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (proteção óptima e proteção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artº 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
A culpa deve referir-se ao concreto tipo de ilícito praticado, uma vez que é pressuposto da especial censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa inerente ao crime praticado por este.
Assim, e quanto ao caso em apreço há que atender:
- ao dolo intenso revelado pelos arguidos, na forma de dolo direto;
- à ilicitude elevada, tratando-se de um delito que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta” definido no artº 1º alínea l) do C.P.P.;
- aos meios utilizados para a prática do crime, que revelam um plano prévio e execução fria – a premeditação na execução do modo de acesso às instalações da dependência bancária, bem como na ocultação do rosto e mãos, de forma a obstar a um posterior reconhecimento e colocação de vestígios palmares;
- à motivação do crime: obtenção de ganho fácil;
- à indiferença revelada relativamente à pessoa dos ofendidos funcionários bancários a quem, apesar de não terem provocado sequelas físicas de carácter permanente, não deixaram de causar receio e inquietação pela integridade física e a vida, para além de perturbação psicológica, bem como incómodo e dores quando, deitados no chão de barriga para baixo por ordem dos arguidos, lhes foram atados os pés com abraçadeiras em plástico e após unidos os pés às mãos com outras abraçadeiras;
- aos sentimentos da comunidade perante ilícitos de tal natureza, que causam grande alarme social, para além do natural clima de pânico sofrido pelas próprias vítimas.
No que concerne à culpa expressa através da consideração do ilícito típico verificamos a grande carga de valoração da ilicitude expressa no bem jurídico atingido (nuclear em qualquer sociedade) e a forma de execução do crime com alguma organização e potencial de perigosidade sempre latente. Pode-se afirmar que neste tipo de crime o recurso à utilização da arma (branca ou de fogo) constitui uma opção consciente de ultrapassagem de uma fronteira de perigosidade criando condições redobradas para colocar em causa a integridade física ou a vida das vítimas. Tal facto terá de ser fortemente valorado em relação à culpa na sua dupla dimensão, quer às intensas exigências de prevenção a nível geral.
A culpa do recorrente é acentuada, não apenas pela preparação manifestada, como também na actuação em conjunto e na utilização da arma.
O Tribunal entende, face às elevadíssimas exigências de prevenção geral, ligadas ao sentimento da comunidade de necessidade de proteção dos bens patrimoniais e pessoais com relevo, à insegurança que atos semelhantes provocam, nomeadamente, na população em geral, sem esquecer as exigências de prevenção especial relativamente a ambos os arguidos, mas especialmente ao recorrente B......., que já sofreu uma pena de dez anos e seis meses de prisão por crime de idêntica natureza, tendo os factos deste processo ocorrido em pleno decurso da liberdade condicional, não haver razões para alterar as penas parcelares e unitárias aplicadas na decisão recorrida, por se afigurarem ajustadas.
Os critérios de determinação da pena estão aplicados criteriosamente pela decisão recorrida, e o recorrente não apresenta elementos relevantes que ponham em causa o juízo efetuado.
Aliás, impõe-se a afirmação que, os factores invocados pelo recorrente – confissão e arrependimento - ou não tiveram consagração na decisão recorrida ou tiveram por forma e relevância diversa da pretendida.
Com efeito, como se realça a fls. 16 do acórdão recorrido, “quanto à participação dos arguidos na preparação e execução do que viemos a descrever (..) importa começar por referir que os arguidos prestaram declarações no essencial de sentido confessório (…). Estas declarações dos arguidos, pela sua natureza e pelo seu alcance, seriam já em si mesmas suficientes para darmos por provadas as linhas gerais da matéria de facto que demos por assente”.
E, mais adiante, a fls. 20 “Ocorre ainda sublinhar, quanto à descrição geral do sucedido, que não consideramos demonstrada a versão dos arguidos em alguns dos aspetos a que aludiram nas suas declarações”, descrevendo de seguida, de forma pormenorizada, os aspetos das declarações dos arguidos que não mereceram credibilidade.
A fls. 22 da decisão recorrida refere-se ainda: “e nem se objete a esta nossa convicção observando que se os arguidos prestaram declarações em larga medida confessórias, então é porque são merecedores de total credibilidade no que dizem […], não é menos verdade que o que os arguidos confessaram mais não é, em síntese, que aquilo que, ressalvado um ou outro detalhe sem real significado, com toda a probabilidade sempre resultaria provado mesmo sem o seu contributo, dado que (importa não esquecer) os arguidos foram surpreendidos pela chegada de elementos da PSP quando ainda se encontravam no interior da agência bancária, em processo de execução do desígnio criminoso, e acabaram por ser detidos em circunstâncias de fuga que inequivocamente relevam de um flagrante delito, o que, como é óbvio, facilita sobremaneira a prova dos factos (cfr. o art. 256º/1 e 2 do Código de Processo Penal)”.
E, com acentuado relevo, a fls. 23 “Por fim, na mesma senda do que vimos de dizer, importa acrescentar que não consideramos assente que os arguidos estejam verdadeiramente arrependidos, ao invés do que declararam: estamos em presença da mera verbalização de um arrependimento, nada nos garantindo que seja genuína, tanto mais que se mostra desacompanhada de actos ou de outros elementos de prova que sugiram fortemente a sua consistência”.
Ou seja, a decisão recorrida justifica de forma exemplar a razão por que não deu relevância atenuativa à confissão parcial da materialidade dos factos provados e à declaração de arrependimento.
Com efeito, a confissão parcial dos factos em situações de flagrante delito tem valor nulo ou, pelo menos, muito reduzido. Por outro lado, o invocado arrependimento não tem qualquer apoio nos factos provados e não impugnados pelo recorrente.
Ora, temos para nós que o arrependimento, para poder ter relevância atenuativa nos termos do disposto no artº 72º nº 2 al. c) do Cód. Penal, implica, sem dúvida, uma mudança de rumo na vida, pressupõe que o arrependido perceba e se sensibilize com as consequências reais que os seus atos causaram nos outros; uma certa solidariedade com o sofrimento da vítima.
E não se compadece com a mera declaração de arrependimento em audiência, suscetível de ser confundida com o receio de vir a ser punido pelos seus atos, da iminência da prisão, declaração aquela que poderá, quando muito, exteriorizar um estado de remorso, mas não de solidariedade para com o sofrimento das vítimas.
No que respeita ao invocado paralelismo com as penas aplicadas ao co-arguido C….., apenas se dirá que os antecedentes criminais do recorrente B....... (pena de dez anos e seis meses de prisão por crime de roubo e burla, encontrando-se o mesmo em liberdade condicional aquando da prática dos factos aqui em apreciação) relevam para efeitos das necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), as quais, sendo elevadas, têm em vista uma contribuição para a reinserção social do arguido e avaliam-se em função da necessidade de prevenção da reincidência, tratando-se de considerar a personalidade do arguido no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre o seu comportamento futuro, de forma a que molde com a pena a sua vida futura, dúvidas não havendo de que o recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção de reincidência.
Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência[12], trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
Conclui-se assim que as penas parcelares e única fixadas pela 1ª instância não se afiguram excessivas, pelo que não são merecedoras de qualquer juízo corretivo.
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Do recurso do arguido C…….:
O recorrente C….. impugna a matéria de facto provada sob os nºs 12, 13, 14, 23, 24, 25 e 27, alegando que os mesmos não colhem fundamento na prova produzida e muito menos nas regras da experiência.
Antes de mais importa realçar que o tribunal recorrido aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção e não tem que aceitar como verdadeiro tudo o que é referido pelos arguidos ou por qualquer testemunha.
Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.
Há que ter presente que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artº. 127º do CPP, não significa, é certo, a possibilidade de apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupondo uma cuidada valoração objetiva e crítica e em boa medida objetivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos. Engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova direta mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objetiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras, conduzem à prova indireta daqueles outros factos que constituem o tema da prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também, elementos subjetivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que atuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível – elementos que tornam difícil senão mesmo impossível a motivação objetivada de todos os passos do processo interior que, na base indispensável dos dados objetivos carreados para o processo, conduziram à convicção do julgador[13].
A valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha.
Como se afirma em acórdão proferido por este Tribunal da Relação do Porto, (no recurso nº. 99.2001), “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua atividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico.
Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
Assim como, obviamente, não basta que um arguido negue a prática dos factos, para que o tribunal fique impedido de valorar a prova em sentido contrário.
Por isso, a atividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente”[14].
Como refere Marques Ferreira[15] “apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua a vigorar o princípio fundamental de que na “questão de facto”, a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127º do Cód. Proc. Penal. Não deixa porém de se assinalar, como resulta mais uma vez do preâmbulo do CPP – cfr. n.º7 - que “o código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível de 1ª instância”.
Isto porque é na 1ª instância que se tem o contacto direto, físico e imediato com as provas, assim as podendo valorar em toda a sua amplitude.
Como escreveu o Sr. Desembarg. Gonçalves Poças “Se há tarefa que exige integridade de carácter, inteligência, atenção, sensibilidade, cultura, respeito pelos diferentes intervenientes processuais e disponibilidade do julgador, é a apreciação da prova, tal como está consagrada na lei”[16].
Do princípio da livre apreciação da prova, resulta que a decisão não consiste numa operação matemática, ou meramente formal, devendo o julgador apreciar as provas, analisando-as dialeticamente e procurando harmonizá-las entre si e de acordo com os princípios da experiência comum, sem que o julgador esteja limitado por critérios formais de avaliação”.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias[17] “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” ... ”não a pura convicção subjetiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão ... a convicção do juiz há-de ser .. em todo o caso uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros ... em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
“A livre convicção é uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores ... o julgador, em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstratas sobre a apreciação da prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia, e às máximas da experiência”[18].
Recorde-se a este propósito a síntese conclusiva constante, a dado passo, do Ac. T.C. 198/2004 de 24.03.2004, DR, II S, de 02.06.2004 “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.
No caso em apreço, tendo por referência a fundamentação da decisão de facto o recorrente questiona a avaliação das provas produzidas, não o seu conteúdo propriamente dito. Não vem sequer alegado que a decisão se tenha fundado em qualquer meio de prova ilegal, ou que tenha tido por base a deficiente ou má percepção dos depoimentos ou outros meios de prova, antes e apenas que os valorou mal, sem que seja questionada a existência dos dados objetivos invocados na motivação da decisão recorrida, ou que tenham sido violados os princípios para a aquisição desses dados objetivos.
Não é tão-pouco a ilegalidade dos meios de prova que está em causa, mas apenas essa valoração.
De alguma forma o recorrente contrapõe, à convicção alcançada pelo tribunal recorrido, a sua própria análise da prova.
O tribunal de recurso poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, nos termos acima referidos. Pode sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico que levou à consideração de que era uma, e não outra, a prova que se produziu.
No entanto na apreciação do recurso em matéria de facto o tribunal de recurso não pode olvidar que o tribunal recorrido dispôs de um elemento de relevo, no que toca designadamente à apreciação de depoimentos prestados oralmente em audiência que aquele não dispõe: a discussão em audiência e a imediação com as provas.
Com efeito, “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contato vivo e imediato com os arguidos, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso”[19].
Como decidiu, de forma lapidar, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002[20], “…quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Assim, assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objetivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso de demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum.
Como se disse, e não é demais salientar, analisando a matéria de facto dada como provada e a motivação da decisão sobre essa matéria, verificamos que o Julgador seguiu um percurso lógico e racional, coerente e consistente, explicando de forma clara e facilmente percetível como, com base nos elementos de prova que indicou, alcançou a convicção acerca do modo como os factos se desenrolaram, evidenciando uma ponderação cuidada e completa de todos os meios de prova submetidos à sua apreciação. Nos juízos formulados na apreciação da prova, constantes da fundamentação da matéria de facto, não se evidencia qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis.
Iremos, então, proceder à análise da prova produzida com o objetivo de determinarmos se ela consente a convicção formada pelo tribunal a quo, sendo certo que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”.[21]
De facto, “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou corretamente as provas”[22].
Assim, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1ª instância tem suporte na regra da livre apreciação da prova e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
Vejamos, então, se a prova indicada pelo recorrente impõe decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal recorrido relativamente aos factos 12, 13, 14, 23, 24, 25 e 27.
Relativamente aos factos 12 e 13, o recorrente não indica qualquer meio de prova que determine a respetiva alteração. Já o mesmo não acontece relativamente ao facto nº14, já que em seu entender a prova produzida impõe que se considere provado que foi apenas o terceiro assaltante de identidade não apurada que encaminhou o gerente e dois funcionários para a cave, obrigou-os a ajoelharem-se e depois, a deitarem-se no chão de barriga para baixo, amarrando os pés e depois as mãos aos pés.
Com efeito, do depoimento da testemunha D……, gerente da dependência bancária, resulta ter sido o arguido C….. que, munido da arma taser, os encaminhou (a ele D….. e à sua colega H….) para a parte de baixo a fim de abrirem a caixa forte. Contudo, depois de abrirem as grades através da marcação dos códigos, voltaram para o piso de cima acompanhados do arguido C…… e aí, junto à máquina fotocopiadora, o terceiro assaltante começou a amarrar as mãos da testemunha D….. com uma abraçadeira de plástico e, por ordem do arguido C….., esse terceiro elemento levou a testemunha D….. e os funcionários E…. e F….. para a cave onde os amarrou.
Transcreve-se, de seguida, parte do depoimento da testemunha D…...
Test. D…..: Um ficou com os dois funcionários e um deles foi o que nos encaminhou a mim e à H….. para a parte de baixo.
Sr. Juiz: Já agora, tem presente se era o indivíduo que tinha a pistola, se era o que tinha o taser?
Test. D…..: Não era o que tinha a pistola. O que tinha a pistola é que ficou cá em cima,… descemos juntamente com um dos elementos. Depois de metermos os códigos, ele mandou-nos subir novamente, subimos as escadas … subimos os dois, ele veio connosco para cima e quando chegámos ao cimo das escadas, que é a zona onde está a fotocopiadora e onde foi feito o tal buraco – aí não há câmaras de filmar – aí eles começaram-me a atar a mim, a amarrar.
Sr. Juiz: Quem é que começou a atar?
Test. D……: Foi o tal 3º elemento que estava no interior do balcão. Começou a amarrar-me as mãos atrás das costas, só que entretanto um deles diz para não amarrar ali porque estava muita gente, então disse para nos amarrar em baixo, na cave, na cave tem um salão grande. Antes dos cofres tem um salão grande.
Sr. Juiz: E o indivíduo que disse para não amarrar ali …?
Test. D……: Era o que tinha o taser.
(…)
Test. D…..: Fui para baixo com os outros dois funcionários e perdi o contacto com a H…...
Sr. Juiz: O senhor foi lá para baixo com os outros dois funcionários. E o indivíduo do taser?
Test. D….. : Ficou já em cima.
Sr. Juiz: Esse individuo ficou em cima?
Test.D…..: Ficou em cima. Eu para baixo só vim com o terceiro elemento. Ele ficou lá a guardar-nos. Amarrou-nos …
Sr. Juiz: Foi só esse terceiro que os amarrou?
Test.D….. : Eu penso que sim, Sr. Dr. juiz. Sei que foi esse terceiro elemento que ficou connosco lá em baixo. Não posso garantir se o do taser ficou connosco em baixo. Mas penso que não. Ele ficou cá em cima com a H…... Só recordo de ver o 3º elemento connosco em baixo, já a amarrar-nos.
Sr. Juiz: Esse indivíduo estava armado?
Test. D…..: Estava, estava, Sr. Dr. Juiz.
Sr. Juiz.: Consegue descrever a arma?
Test.D….. : Não.
Sr. Juiz: Não era um taser?
Test. D…..: Sr. Dr. Juiz, não posso … Sei que ele tinha uma arma, mas não tomei atenção que tipo de arma é que ele tinha.
Sr. Advogado:Qual foi o elemento que deu essa instrução (de serem amarrados em baixo)?
Test.D…..: Era o que tinha o taser. Esse foi o que nos acompanhou ao cofre, a mim e à H.…, para abrirmos o cofre.
Contudo, não obstante o depoimento da testemunha D….., o certo é que do fotograma junto a fls. 74 pode ver-se que é o arguido C….. que acompanha as testemunhas H….. e D….. à caixa forte e, a fls. 75, no momento em que o terceiro elemento está a amarrar as mãos das testemunhas D….., E…. e F….., o arguido C….. está no cimo do lance de escadas, munido do taser na sua mão direita.
Conclui-se, assim, que não se justifica a alteração dos pontos 12, 13, e 14 dos factos provados, nos termos pretendidos pelo recorrente, já que a conjugação de todos os referidos meios de prova permitem que os mesmos se considerem provados tal como consta da decisão recorrida.
Refira-se ainda que os arguidos e o 3º elemento de identidade não apurada atuaram em conjugação de esforços e de acordo com plano previamente elaborado, ou seja, em coautoria. Ora, na coautoria, o coautor tem o domínio do facto quando acorda em repartir funções; não é titular do domínio exclusivo do facto, mas também não domina somente a parte do facto que pessoalmente lhe cabe realizar; cada coautor é cotitular de todo o domínio funcional do facto.
Daí que sempre seria irrelevante provar-se que foi apenas o 3º elemento de identidade não apurada que levou os ofendidos para a cave e os amarrou de pés e mãos com as abraçadeiras de plástico, desde que esse facto tenha sido previamente acordado entre todos os agentes, ou resultado de forma consensual, no momento da prática dos factos.
Relativamente ao facto constante do ponto 23, mais precisamente quanto ao valor global depositado nos cofres ATM e caixa forte do Banco, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, inexiste qualquer norma processual que imponha que aquele facto apenas possa ser provado por documento, pelo que nada obsta a que o tribunal recorrido atribua relevo à prova testemunhal.
Ora, a esse respeito, a testemunha H…. referiu no seu depoimento que o valor global existente nos referidos cofres era de cerda de € 70.000,00.
À pergunta do Sr. Advogado: “Que valor é que existia, quer no cofre cá em baixo, quer na ATM, qual era o valor total que a agência naquele momento tinha …?
Test. H…..: Eu não tenho bem a certeza, mas era à volta dos 70.000 euros, tudo junto 70.000, à volta disso.
Sr. Adv.: Porque é que inseriu os códigos? Foi de livre vontade?
Test.H…..: Temi pela vida… Tinha uma arma apontada!
Sr. Adv.: Ah. Apontaram uma arma para inserir os códigos?
Test. H…..: Apontaram a arma, tavam com a arma e deram-nos ordem e nós … pronto, temi pela minha vida, não é?
Assim, embora não assuma especial relevo no contexto da descrição factual, nem altere a qualificação jurídico-penal da factualidade provada, altera-se o facto provado nº 23, dele passando a constar € 70.000,00 onde consta € 75.000,00.
Alega ainda o recorrente que o artº 24º deve ser alterado, uma vez que a “circunstância alheia à sua vontade para não se ter apoderado do dinheiro não foi a intercepção policial, uma vez que quando é interceptado já abandonara o projeto, já havia saído das instalações do banco e já estava em fuga”.
Ora, o que o recorrente alega mais não é do que uma forma diversa de encarar a realidade. O recorrente, o arguido B....... e o 3º elemento não identificado, só abandonam as instalações bancárias depois de se terem apercebido de que a polícia cercara o local e que, por esse motivo, nunca conseguiriam concretizar os seus intentos apropriativos com êxito.
Aliás, a própria testemunha H….. refere que, de repente, ouviu o arguido que se encontrava ao seu lado, correr pelo balcão, a gritar “Polícia, polícia, nos han visto!!!” e, então, os três encetaram a fuga, sendo interceptados no exterior.
Relativamente ao facto nº 27, sustenta o recorrente que não foi feita prova sobre o conhecimento que teria acerca das características da arma que detinha.
Ora, como se sabe, a estrutura psicológica não é um elemento fácil de desvendar e, por regra, só é passível de prova indireta. É oportuno lembrar a lição de Cavaleiro Ferreira[23] (frequentemente citada): “existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica”. E a de Germano Marques da Silva[24]: “os actos interiores (ou “factos internos” como lhes chama Cavaleiro de Ferreira), que respeitam à vida psíquica, a maior parte das vezes não se provam diretamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores”.
Também a jurisprudência tem dado eco disso: “(…) o que pertence à vida interior de cada um, só possível de apreender através de factos materiais comuns, podendo comprovar-se por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”[25].
Ora, o conhecimento das características da arma elétrica que empunhava, insere-se no conhecimento do significado ilícito do facto, e constitui um desses elementos interiores de difícil observação, mas que sempre poderá resultar da prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer. Com efeito, é normal que uma pessoa que empunha uma arma e a utiliza, pelo menos para intimidar outrem, conheça as características do objeto que manuseia e a forma como o mesmo deve ser utilizado para o fim pretendido.
Não se justifica, por isso, a alteração do facto descrito sob o ponto 27 dos factos provados.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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Quanto à qualificação jurídico-penal dos factos:
Alega o recorrente C….. que “a qualificativa do crime de roubo efetuada nos termos do acórdão duplica as agravantes”, não se verificando o preenchimento do tipo de crime de detenção de arma proibida.
Contudo, atendendo a que este tribunal entendeu dever manter a descrição dos factos provados efetuada na decisão recorrida, designadamente quanto ao conhecimento por parte do recorrente sobre as características da arma e encontrando-se esta no âmbito de previsão do artº 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006, a decisão recorrida, nesse aspeto, não merece censura.
Quanto à questão do concurso real entre o crime de roubo agravado pela utilização de arma aparente ou oculta e o crime de detenção de arma proibida, remetemos para as considerações feitas acima aquando da apreciação do recurso do arguido B….. e que aqui se dão por reproduzidas.
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Quanto à medida das penas parcelares e única:
O recorrente C….. foi condenado por um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto pelos arts. 22º, 23º e 210º/1 e 2 b), este último por referência ao art. 204º/1 e) e f) e 2 a), e) e f), na pena de cinco anos de prisão e pelo crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção resultante da Lei nº 12/2011, de 27/04, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O crime de roubo agravado na forma tentada é punível com pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão. O crime de detenção de arma proibida é punível com a pena de prisão de 1 a 4 anos ou multa de 10 a 480 dias.
Da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo tomou em consideração todos os factores invocados pelo recorrente, tendo optado por penas parcelares que ficam abaixo do respetivo limite médio, tendo optado por penas muito inferiores às impostas ao co-arguido B........ Da decisão recorrida, retira-se que a mesma ponderou o dolo direto com que o arguido atuou, a ilicitude grave dos factos, a muito elevada necessidade de prevenção geral, a necessidade de prevenção especial, tendo-se ainda atendido à ausência de antecedentes criminais e “ao comportamento prisional do arguido que, para além de acatar genericamente as normas vigentes no estabelecimento prisional, aguarda aí colocação laboral, o que de algum modo se traduz num princípio de prova de que poderá no futuro reorganizar a sua vida”.
Contudo, razões de prevenção geral demandam uma forte reação punitiva relativamente a crimes desta natureza, atento o alarme social que provocam. Daí que se entenda que as penas aplicadas na decisão recorrida não mereceram qualquer intervenção corretiva por parte deste tribunal.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos B....... e C….., confirmando, consequentemente, o douto acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 UC’s.
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Porto, 12 de Dezembro de 2012
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 204.
[4] Autor e ob. cit., pág. 205.
[5] Autor o ob. cits., págs. 205-6, nota 2.
[6] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, págs. 289.
[7] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha, apud Comentário Conimbricense, págs. 171/2.
[8] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 292.
[9] Cfr., neste sentido e entre outros, os Acs. do STJ de 14.12.2006, no Proc. nº 06P4344, Cons. Pereira Madeira, de 24.01.2007, Proc. nº 06P4066, Cons. Santos Cabral, de 27.05.2010, Proc. nº 474/09.4PSLSB.L1.S1, Cons. Henriques Gaspar.
[10] Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.
[12] In Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325.
[13] V., neste sentido, o Ac. do STJ de 16.01.2002, Proc. 3649/01 – 3.ª Secção, de que foi relator o Exmo. Cons. Armando Leandro.
[14] Sobre a comunicação interpessoal, v. RICCI BITTI/BRUNA ZANI, "A Comunicação Como Processo Social", editorial Estampa, Lisboa, 1997.
[15] In Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo C. de Processo Penal, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1988, p. 221, 222.
[16] V. a comunicação apresentada sob o tema “Da Prova”, na Associação Forense de Santarém no seminário subordinado ao tema “O arguido e a sua defesa”, editado por aquela Associação.
[17] In “Direito Processual Penal”, págs. 202-203.
[18] Cfr. Cavaleiro Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, II, pág. 298.
[19] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 233-234.
[20] Publicado na C.J., Ano 2002, Tomo II, pág. 44.
[21] Cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28.
[22] Cfr. Ac STJ 7/6/06, proferido no Proc. 06P763.
[23] In Curso de Processo Penal, volume II, 1981, p. 292.
[24] In Curso de Processo Penal, II, p. 101.
[25] Acórdão da Relação de Lisboa, de 08.02.2007, Desemb. Carlos Benido, processo n.º 197/07, 9ª Secção, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/jur_main.php.