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ARRESTO
LEVANTAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário
Tendo a depositária requerido o levantamento do arresto, dizendo que pretendia apresentar os bens anteriormente penhorados, e que, com essa apresentação, depositaria a quantia calculada de custas e despesas, cremos que, ao abrigo do disposto no artigo 854º, nº3, do Código de Processo Civil, deve ser autorizado o requerido levantamento, desde que, previamente, se assegure que se encontram devidamente preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender o deferimento dessa pretensão: a) A apresentação dos bens oportunamente penhorados; b) O depósito da quantia imediatamente calculada de custas e de todas as despesas acrescidas.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
No 2.º Juízo Criminal das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, corre termos o processo de execução sumária nº X..., em que é exequente A... e executado B....
Nos autos de carta precatória n.º 287/2002 – 3º Juízo, foi proferido despacho pelo Mmo. Juiz do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a ordenar que se procedesse ao arresto em bens da fiel depositária suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas – artigo 854.º, n.º 2, do C. P. Civil.
Em 4 de Outubro de 2002, foi lavrado o respectivo auto de arresto.
Posteriormente, foi este arresto convertido em penhora, nos termos do artigo 846.º, do Código de Processo Civil.
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A exequente A... veio aos referidos autos de carta precatória informar que o valor dos bens móveis arrestados é muito inferior ao valor dos bens penhorados, que a fiel depositária não apresentou.
E requereu que se ordenasse o arresto (com posterior conversão em penhora) do direito da fiel depositária C... à herança aberta por óbito de D....
Foi, então, proferido despacho pelo Mmo. Juiz do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a determinar o arresto do quinhão hereditário da fiel depositária C... à herança de D..., nos termos do artigo 854.º, n.º 2, do C. P. Civil.
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C..., fiel depositária, com vista ao levantamento do arresto, nos termos e para os efeitos de n.º 3 do artigo 854.º, do C. P. Civil, veio dizer que pretendia apresentar os bens, conforme requerido pela exequente.
E requereu que se notificasse a exequente ou o encarregado de venda para informar onde e quando o poderá fazer, dado o tempo já decorrido.
Com a apresentação, a requerente depositará a quantia calculada de custas e despesas.
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A exequente manifestou a sua oposição, dizendo ter passado já muito tempo, com a correspondente desvalorização e depreciação dos bens pelo uso.
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Foi, então, proferida decisão pelo Mmo.Juiz dos Juízos Criminais do Tribunal Judicial de Coimbra, em que se indeferiu o requerido levantamento do arresto já
convertido em penhora, constante do auto de fls. 212.
Quanto ao arresto do quinhão hereditário da requerente, e no sentido de permitir um efectivo cumprimento do disposto no artigo 854.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi determinado que se procedesse ao cálculo provisório da quantia de custas e despesas, e que se notificasse para se proceder ao respectivo depósito, notificando-se o encarregado da venda da intenção da requerente, devendo este contactá-la de modo a que lhe fossem entregues os restantes bens do executado para a venda.
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Não se conformando com a decisão proferida, a requerente C... interpôs recurso.
O recurso foi admitido como recurso de agravo, e com efeito devolutivo.
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Em doutas alegações que foram apresentadas, a Agravante formulou as seguintes Conclusões:
1º- A apresentação dos bens em falta pelo depositário, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas, justifica o levantamento do arresto e penhora subsequente, dos bens do depositário, nos termos do nº 3 do artigo 854.º, do Código de Processo Civil.
2º- O deferimento do requerido levantamento do arresto do quinhão hereditário da requerente, com a necessária apresentação dos bens em falta, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas nos termos do nº 3 do artigo 854º do C.P.C., alcança na plenitude o fim visado no nºs 2 e 3 do art. 854º do Código de Processo Civil.
3º- Com tal procedimento por parte do depositário e cumpridos tais requisitos, o exequente tem garantido o seu crédito como anteriormente, aquando da penhora dos bens do executado, ficando a situação sanada.
4º- Com o despacho de indeferimento do levantamento do arresto e subsequente penhora dos bens do depositário, após o requerimento para apresentação de bens com o depósito de custas e despesas, violou-se o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 854º do Código de Processo Civil.
Termos em que deve reparar-se o agravo e consequentemente revogar-se o despacho recorrido e substituir-se por outro que defira o levantamento dos dois arrestos, um já convertido em penhora, dos bens da agravante, permitindo o cumprimento do artigo 854º, nº 3 do Código de Processo Civil, por parte da depositária ora agravante, tal como já requereu a fls. 288, com vista à apresentação dos bens, com depósito da quantia das custas e despesas.
Assim se fazendo Justiça.
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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
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Compulsados os autos, e tomando em consideração o douto despacho do Ex.mo Juiz de fls. 35 e seguintes, onde se sumariaram as principais diligências e movimentos processuais efectuados, a situação de facto é a seguinte:
Foi deprecada a venda dos bens móveis penhorados, e foi dado a conhecer pelo encarregado da venda nomeado, que a fiel depositária não apresentara os bens.
Ordenada a notificação daquela para proceder à apresentação dos bens sob pena de se determinar o arresto imediato e sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, a fiel depositária não procedeu à sua apresentação pelo que, por despacho de fls. 202, foi ordenado o arresto em bens da fiel depositária para garantir o valor do depósito, custas e despesas acrescidas, o que foi concretizado a fls. 212 e segs., tendo tal arresto sido convertido em penhora por despacho de fls. 216.
A fls. 220, e por entender que os bens arrestados e penhorados eram de valor inferior ao depósito, foi requerido o arresto do direito da fiel depositária à herança indivisa por óbito de D..., tendo esse arresto sido determinado por despacho de fls. 227 e complementado com a notificação ao herdeiro ausente de fls. 274 e 275.
A fiel depositária, a fls. 288, nos termos do artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, veio requerer o levantamento do arresto, propondo-se apresentar os bens (os de fls. 54 e 55) e pagar as custas em dívida e despesas acrescidas.
A fls. 294 a 297 foi proferido despacho, objecto do presente recurso, nos termos do qual se concluiu pela impossibilidade do levantamento do arresto quanto àquele realizado a fls. 212 que já fora, a fls. 217, convertido em penhora, e concedida essa possibilidade, quanto ao arresto do direito da fiel depositária à herança indivisa por óbito de D..., salvaguardada a necessidade do pagamento das custas e despesas acrescidas, cujo cálculo foi efectuado a fls. 298.
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O Ex.mo Juiz que proferiu a decisão recorrida, justificou-a com a seguinte fundamentação:
(…): “será que estando já o arresto convertido em penhora, deve haver lugar ao levantamento previsto no artigo 854º, nº 3 do Código de Processo Civil? Aqui a situação é ligeiramente diferente. Em primeiro lugar, o referido preceito fala expressamente em arresto, e apenas em arresto – pelo que o argumento literal nos indica que apenas nesta fase (a antes de uma eventual conversão em penhora) é possível proceder ao levantamento mediante a entrega de bens e o depósito dos montantes mencionados na hipótese legal. Por outro lado, encarando o arresto dos bens do fiel depositário como uma solução legal de cariz compulsório, bem pode dizer-se que, não respondendo o depositário, num prazo razoável, a esse “constrangimento”, não pode esperar-se indefinidamente que cumpra e venha entregar os bens. Quando nem mediante o arresto dos bens o depositário entrega dos bens o executado (sic) que lhe cabia guardar, o curso normal das coisas é que se prossiga, executando os bens arrestados, sendo o primeiro passo a conversão do arresto (desta medida provisória) em penhora (enquanto medida definitiva no sentido da execução dos bens do depositário). Imagine-se quão descabida se afiguraria uma situação em que os bens do depositário fossem arrestados, em que posteriormente tivesse este arresto sido convertido em penhora, e onde já tivesse até havido venda dos bens do depositário e que depois viesse este apresentar os bens e proceder ao depósito das referidas quantias, requerendo que os seus bens lhe fossem devolvidos. Há-de haver um limite temporal. Esse limite encontra-se na fase de arresto. Embora o legislador não preveja directamente a questão da desvalorização dos bens do executado em virtude da falta de entrega dos mesmos por banda do infiel depositário, o mecanismo compulsório (e, afinal, também sancionatório) previsto na lei, assim interpretado, acaba por fazer face a esta situação – o exequente que só após um longo período de tempo vê entregues os bens do executado, eventualmente já desvalorizados, vê também acrescida a garantia de que tal situação de morosidade está acautelada em função da execução de outros bens, pertencentes àquele terceiro que deu origem à situação de mora. Isto não é afirmar que no caso concreto houve, efectivamente, uma situação de desvalorização real dos bens não entregues – este facto, alegado pelo exequente, sempre estaria sujeito a prova e nos autos nada há que o demonstre de forma cabal. Mas é entender que quando o legislador, no artigo 854º, nº 3 do Código de Processo Civil, se referiu ao arresto e apenas à situação de arresto, não abrangendo qualquer fase posterior na execução contra o depositário, o fez conscientemente, não prevendo mais do que isso, por assim não o entender”.
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O artigo 854.º, do Código de Processo Civil, prescreve o seguinte sobre o dever de apresentação dos bens:
1- “O depositário é obrigado a apresentar, quando lhe for ordenado, os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores.
2- Se os não apresentar dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal; ao mesmo tempo é executado, no próprio processo, para o pagamento daquele valor e acréscimos.
3- O arresto é levantado logo que o pagamento esteja feito, ou os bens apresentados, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas, que será imediatamente calculada”.
Na sua anterior redacção o preceito previa que o depositário que não apresentasse os bens dentro de 5 dias, seria preso pelo tempo correspondente ao valor do depósito calculado a 20$00 por dia, não podendo, porém, a prisão exceder dois anos.
Sustentava-se que esta prisão não tinha carácter penal, representando uma medida de coacção, tendente só a exercer pressão sobre a vontade do depositário, de modo a induzi-lo à entrega imediata dos bens recebidos.
Não era propriamente uma sanção penal, resultante da prática de um crime ou delito, mas uma sanção civil, consequência da falta de cumprimento da obrigação civil de apresentação dos bens depositados.
Esta prisão era independente da responsabilidade criminal do depositário: – ainda que não houvesse crime, a prisão cível tinha de ser ordenada – (cf. Prof. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. II, pág. 185, e Cons. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 459).
Promulgada a Constituição da República de 1976 entendeu-se, no entanto, que esta medida era ofensiva da tutela do direito à liberdade e segurança, contida no art. 27.º do mesmo Diploma, pelo que o Decreto-Lei n.º 368/77, veio substituí-la pelo arresto de que trata o n.º 2 do artigo 854.º – (cf. Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, 1984, pág. 81).
Segundo o Prof. Alberto dos Reis, as medidas de coacção constituem uma espécie intermediária situada entre a sanção executiva e a pena.
“Entre as medidas de coacção e as providências executivas o traço comum está na função, porque umas e outras se propõem conseguir o mesmo fim: dar satisfação ao direito do credor; o traço diferencial está na estrutura, porque as primeiras pretendem obter esse resultado por meio da vontade do devedor, ao passo que as segundas pretendem obtê-lo por meio da autoridade e força do órgão executivo, contra ou sem a vontade do obrigado.
Os meios de que geralmente se serve a nossa lei para dar satisfação ao direito do credor são os meios de sub-rogação. Os meios de coacção só podem ser empregados quando um preceito claro expressamente o permite”.
Entre as medidas de coacção, citava o exemplo do artigo 854.º, do Código de Processo Civil, esclarecendo:
“O artigo 854.º determina que, se o depositário de bens penhorados os não apresentar dentro de cinco dias a contar daquele em que lhe foi ordenada a apresentação, será preso pelo tempo correspondente ao valor do depósito, calculado a 10$00 por dia, não podendo porém a prisão exceder a dois anos; e acrescenta que a prisão cessará logo que se mostre feito o pagamento do valor do
depósito, o que claramente revela que se trata de pena imposta como meio de exercer coacção sobre a vontade do depositário para o compelir a solver a sua responsabilidade civil ou a efectuar o cumprimento específico da obrigação, porque é fora de dúvida que a prisão cessa também logo que o depositário apresente os próprios bens penhorados” – (cf. Processo de Execução, vol. 1.º, 2ª edição, 1957, págs. 26/28).
Uma das obrigações fundamentais do depositário é a de restituir a coisa depositada com os seus frutos (art. 1187.º, alínea c), do Código Civil).
O depositário judicial tem de cumprir essa obrigação no prazo de cinco dias, sempre que tal lhe for ordenado.
Se o não fizer, será logo executado, no próprio processo, para pagamento do valor do depósito, custas e despesas acrescidas, sendo de imediato ordenado arresto em bens do depositário suficientes para garantir esses valores; isto sem prejuízo do procedimento criminal que vier a ser-lhe instaurado.
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No caso dos autos, a recorrente veio requerer o levantamento do arresto, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 854.º, do Código de Processo Civil, pretendendo apresentar os bens e depositando a quantia calculada de custas e despesas.
Esse requerimento mereceu uma decisão de indeferimento quanto ao requerido levantamento do arresto já convertido em penhora, e uma decisão de deferimento quanto ao arresto do quinhão hereditário da requerente.
Consequentemente, e como resulta das conclusões das alegações da recorrente, apenas está em apreciação, no presente recurso, a parte da decisão que indeferiu o requerido levantamento do arresto que já havia sido convertido em penhora, isto é, a questão que é objecto do recurso consiste em decidir se, tendo sido decretado o arresto, e tendo este sido convertido em penhora, se deve indeferir o pedido da requerente para o levantamento do arresto.
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O artigo 619.º, do Código Civil, dispõe o seguinte:
1. “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.
2. O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão”.
O arresto constitui um meio de conservação da garantia patrimonial e consiste na apreensão judicial de bens do devedor, quando haja justo receio de que este os inutilize ou os venha a ocultar.
“Trata-se de uma providência que, durante muito tempo, se considerou do exclusivo foro do processo civil, pelo estreito vínculo funcional que a prende à penhora, com a qual mantém outrossim visíveis traços de semelhança estrutural.
E por isso apenas vinha regulada nas leis processuais.
Entendeu-se, porém, numa análise mais rigorosa da matéria, que ao direito processual incumbe sem dúvida regular os termos em que se requer e o modo como se realiza (processa) o arresto.
Mas que à lei substantiva compete, por seu turno, definir os termos em que a providência (…) é admitida e regular os efeitos que ela produz, seja no que concerne ao devedor (dono dos bens arrestados), seja no que respeita aos poderes do credor (arrestante)” – (cf. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, págs. 463/464).
Os efeitos do arresto medem-se, em princípio, pelo regime da penhora (que representa já, uma fase do processo de execução).
O principal desses efeitos (depois da apreensão dos bens, que implica a privação do uso deles, por parte do titular: cfr. arts. 838.º, 848.º, n.º 1 e 856.º e segs. do Cód. Proc. Civil) é o da ineficácia dos actos de disposição ou oneração dos bens arrestados praticados pelo seu titular em relação ao arrestante.
Como dispõe o artigo 622.º, n.º 1, do Código Civil, “Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora”.
E o artigo 622.º, n.º 2, prescreve que “Ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora”.
Esta disposição deve ser conjugada com o artigo 819.º, do Código Civil, segundo o qual, “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
“Considerando ineficazes (e não inválidos, nulos ou anuláveis) – e apenas em relação ao arrestante – os actos de disposição ou oneração praticados pelo devedor, titular dos bens arrestados, a lei quer manifestamente exprimir duas ideias.
Por um lado, o devedor continua a poder dispor validamente dos bens, não obstante o arresto que recai sobre eles.
Por outro lado, ressalvadas as limitações impostas pelo registo (quanto aos imóveis ou aos móveis sujeitos a registo), também o credor (arrestante) continua a dispor desses bens, mas só através da garantia patrimonial do seu crédito, como se os actos posteriores de alienação ou oneração praticados pelo devedor, apesar de válidos, não existissem.
O arrestante continua a ter preferência em relação aos demais credores do arrestado (art. 822.º) e, logo que o arresto se converta em penhora por força do disposto no artigo 846.º do Código de Processo Civil, poderá prosseguir com a execução sobre os bens arrestados, mesmo que estes tenham saído do património do obrigado” – (cf. Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, págs. 467/469).
Podem, portanto, definir-se os seguintes traços fundamentais do arresto:
É o último dos meios de conservação da garantia geral (arts. 619.º e segs., do Código Civil, e 406.º e segs., do Código de Processo Civil), consistindo numa apreensão judicial de bens, semelhante à da penhora, e sujeita às mesmas regras (art. 406.º, n.º 2, do C.P.C.).
Pode ser requerido sempre que o credor tenha justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito (art. 619.º, n.º 1, do C. Civil). Basta, por isso, que exista um risco de o devedor ir proceder à ocultação, alienação ou dissipação dos seus bens ou que se verifiquem quaisquer outras circunstâncias que indiciem a possibilidade de futuro desaparecimento dos bens que constituem a garantia patrimonial do crédito.
O arresto pode ainda ser decretado em relação ao adquirente dos bens do devedor, exigindo-se nesse caso que tenha sido judicialmente impugnada a transmissão (art. 619.º, n.º 2, do C. Civil), por exemplo, através da declaração de nulidade ou da impugnação pauliana, ou, não o tendo sido, que se demonstrem factos que tornem provável a procedência dessa impugnação (art. 407.º, n.º 2, do C. P. Civil).
Decretado o arresto, os bens ficam apreendidos para garantia do cumprimento da obrigação, como se tivessem sido penhorados, o que implica a ineficácia em relação ao requerente dos actos de disposição dos bens arrestados (arts. 622.º, n.º 1 e 819.º, do Código Civil) e a atribuição de preferência sobre os mesmos bens, a partir da data do arresto (arts. 622.º, n.º 2, e 822.º, n.º 2, do Código Civil), sendo o arresto convertido em penhora na execução do crédito de que constitui garantia (art. 846.º, do C. P. Civil).
Do ponto de vista substantivo, o arresto tem por efeito colocar os bens atingidos em situação de não poderem ser afectados pelo seu titular, em proveito do credor – artigo 622.º, do C. Civil.
No caso de o arrestado alienar ou onerar os bens apreendidos, os actos concernentes são ineficazes apenas em relação ao requerente do arresto, ou seja, não afectam a sua garantia patrimonial, mas não são inválidos.
Uma vez decretado, dá lugar a uma garantia especial, que se desenvolve de acordo com as leis de processo.
O arresto é apenas um primeiro passo que, acautelando o património do devedor, permite, depois, a efectivação definitiva dos créditos, pressupondo a instauração subsequente de novas acções, condenatórias ou executivas. Daí que, o arresto possa caducar se:
- O requerente não propuser a acção definitiva, da qual a providência depende, no prazo de trinta dias ou se, tendo-a proposto, o processo estiver parado durante mais de trinta dias, por negligência sua;
- Se, proposta a acção, esta vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado;
- Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido (art. 389.º, n.º 1, do C. P. Civil).
Sobre a matéria do arresto, podem também consultar-se os Profs. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, págs. 813/816 e pág. 922, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º vol. págs. 494/496, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2006, págs. 104/107, Cons. Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª edição, págs. 9 e segs., e Profs. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 235/237, e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 1ª edição, págs. 246/247.
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A penhora de bens implica, em regra, um depositário.
Ao depositário cabe administrar os bens ou direitos penhorados, com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas (art. 843.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Através dele, é exercida a posse do tribunal, sempre que a esta haja lugar – (cf. Prof. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª edição, págs. 257/259).
Os deveres gerais do depositário constam, designadamente, do art. 1187.º, do Código Civil, competindo-lhe “guardar a coisa depositada”, “avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante”, e “restituir a coisa com os seus frutos”.
E um dos principais deveres do depositário é o de apresentação dos respectivos bens, quando tal lhe for ordenado, fazendo o incumprimento desse dever incorrer o depositário na responsabilidade prevista no artigo 854.º, do Código de Processo Civil.
Trata-se de uma responsabilidade pessoal do depositário pelo valor do depósito.
A responsabilidade do depositário dos bens penhorados também se encontrava prevista no art. 316.º, do Código de Processo Tributário, e encontra-se prevista, actualmente, no art. 233.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, onde se estabelece:
“À responsabilidade dos depositários dos bens penhorados aplicar-se-ão as seguintes regras:
a) Para os efeitos da responsabilização do depositário pelo incumprimento do dever de apresentação de bens, aquele será executado pela importância respectiva, no próprio processo, sem prejuízo do procedimento criminal;
b) O depositário poderá ser oficiosamente removido pelo órgão da execução fiscal;
c) Na prestação de contas, o órgão da execução fiscal nomeará um perito, se for necessário, e decidirá segundo o seu independente arbítrio”.
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No arresto, como apreensão judicial de bens do devedor, quando haja justo receio de que este os inutilize ou os venha a ocultar, o pedido de arresto tem como principal fundamento o justo receio de o credor perder agarantia patrimonial.
Para que se prove o justo receio (receio justificado e não apenas o receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É necessário que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.
Em segundo lugar, torna-se necessário alegar e provar que a apreensão judicial dos bens é a providência capaz de prevenir o receio invocado para a sua concessão – (cf. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, págs. 464/465 e nota 1 de pág. 465).
O justo receio, pressuposto do decretamento do arresto, envolve dois elementos: um existente, que se traduz no receio da perda da garantia patrimonial do crédito, e o outro que provavelmente viria a existir se arresto não houvesse, consubstanciado no facto receado – (cf. Cons. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª edição, págs. 10/11).
No arresto a que se refere o artigo 854.º, do Código de Processo Civil, a situação abstracta prevista na lei é um pouco diferente.
Estão em causa as funções inerentes ao cargo de depositário.
O depositário é uma figura essencial da penhora.
Sendo função pública, o cargo de depositário não pode ser recusado senão nos casos especialmente previstos na lei – (cf. Prof. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª edição, pág. 151).
O arresto em bens do depositário é ordenado em consequência do incumprimento do dever de apresentação dos bens penhorados.
Esse arresto é decretado em bens do depositário que sejam suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo do procedimento criminal.
Ao mesmo tempo, o depositário é executado, no próprio processo, para o pagamento daquele valor e acréscimo.
Assim, a acção executiva contra o depositário é movida no próprio processo onde foi constituído o depósito – (cf. Cons. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 460).
No regime legal anterior, notificado ao depositário o despacho a ordenar que apresentasse os bens que recebera, tinha ele de os apresentar dentro de 5 dias.
Se não cumprisse esse dever de apresentação dos bens, verificavam-se duas consequências:
a) O depositário era preso pelo tempo correspondente ao valor do depósito, não
podendo, porém, tal prisão durar mais de dois anos;
b) O depositário era executado, no próprio processo, para o pagamento do valor do depósito.
O facto de o depositário deixar de apresentar os bens que recebera, sujeitava-o a duas espécies de responsabilidade:
a) Responsabilidade civil;
b) Responsabilidade criminal.
A primeira resolve-se no pagamento do valor dos bens depositados; a segunda, no cumprimento da pena que ao depositário fosse aplicada em processo criminal.
Quanto à prisão, então, autorizada pelo artigo 854.º, do CPC, entendia-se que tinha o carácter de medida de coacção, isto é, de meio tendente a exercer pressão sobre a vontade do depositário, de modo a induzi-lo a fazer entrega dos bens que recebera.
Entendia-se que não era propriamente uma sanção penal, resultante da prática de um crime ou delito; era uma sanção civil, consequência da falta de cumprimento da obrigação civil de apresentação dos bens depositados.
“Trata-se de prisão relacionada com a responsabilidade civil e destinada a exercer coacção sobre a vontade do depositário, de modo a levá-lo a cumprir a obrigação civil contraída pelo depósito: a obrigação de entregar o que recebeu ou o seu valor. Logo que o depositário pague a importância correspondente ao valor do depósito, a prisão cessa, diz o texto; deve cessar igualmente, como bem se compreende, logo que o depositário apresente os próprios bens que recebeu” – (cf. Prof. Alberto dos Reis, Processo de Execução, volume 2.º, pág. 185).
Actualmente, dispõe o artigo 854.º, n.º 3, do CPC:
«O arresto é levantado logo que o pagamento esteja feito, ou os bens apresentados, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas, que será imediatamente calculada”.
Se houver apresentação dos bens, o arresto será levantado.
Se é certo que o depositário é executado, no próprio processo, essa execução tem por finalidade o pagamento do valor do depósito e dos acréscimos.
Mas a lei diz que o arresto será levantado logo que os bens sejam apresentados.
A lei não distingue entre o arresto já convertido em penhora e o arresto ainda não convertido em penhora.
A finalidade do arresto é a de exercer pressão sobre a vontade do depositário, de modo a levá-lo a cumprir a obrigação civil contraída pelo depósito: a obrigação de entregar o que recebeu ou o seu valor.
Se os bens forem apresentados, será alcançado o objectivo do arresto.
O artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, estabelece que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Sobre a forma como se realiza a interpretação, na sua perspectiva tradicional, diz-nos o Prof. Fernando José Bronze:
“Em primeiro lugar é mister atender à letra da lei, considerada na sua imediata objectividade gramatical. Definir-se-á assim um leque de significados filologicamente possíveis (…ou um quadro excludente daqueles outros insusceptíveis de serem imputados à expressão verbal da norma interpretada) – é este o chamado sentido negativo da letra da lei (claramente privilegiado, et pourcause, no art. 9º, n.º 2, do CC) –, dentro do qual se deverá desejavelmente apurar a acepção mais naturalmente (e, portanto, nuclear e selectivamente) traduzida pelo corpus semântico da proposição em causa – identificadora do sentido positivo da letra da lei” – (cf. Lições de Introdução ao Direito, 2ª edição, pág. 906).
Sobre o elemento gramatical (texto ou letra da lei), escreveu o Prof. J. Baptista Machado:
“O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos. Primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador. (…).
Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” – (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 10ª reimpressão, 1997, pág. 182).
O Prof. Oliveira Ascensão diz-nos que “Frequentemente se fala numa interpretação literal, contraposta a uma interpretação lógica, que se seguiria àquela. Mas não é correcto conceber duas interpretações diversas. A tarefa da interpretação é una. O art. 9 do Código Civil abre justamente com a afirmação de que a interpretação não deve limitar-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo…Quer dizer, directamente se reconhece a tensão entre letra e espírito, e se privilegia o espírito; com a reserva apenas de que esse espírito deve encontrar na letra um mínimo de correspondência (n.º 2). O sentido é pois o que mais interessa, é o verdadeiro objectivo da interpretação” – (cf. O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, pág. 406).
Se o objectivo do arresto, previsto no art. 854.º, do CPC, é o de que o depositário
pague, voluntária ou coercivamente, o valor do depósito, ou cumpra a obrigação de apresentar os bens que recebeu, então, esse objectivo será alcançado, tanto no caso de o arresto já se encontrar convertido em penhora, como no caso de ainda não se ter verificado a conversão do arresto em penhora.
“Na interpretação da lei, o enunciado linguístico (a letra) representa não só o ponto de partida da actividade do intérprete, como também exerce a função de um limite, já que, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º, do Código Civil, não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” – (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 1993, in Bol. Min. da Justiça, n.º 430, págs. 331 e segs.).
Cremos que ambas as situações podem ser abrangidas no âmbito de previsão da norma, a menos que se verificasse a situação extrema de os bens arrestados ao depositário já terem sido vendidos na execução, com a consequente transferência do direito de propriedade sobre os mesmos bens.
Por outro lado, embora a questão tenha sido levemente aflorada nos autos, no caso concreto, como bem referiu o Ex.mo Juiz na decisão recorrida, nada há nos autos que demonstre, de forma cabal, uma situação de desvalorização real dos bens não apresentados.
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Em conclusão:
Tendo a depositária requerido o levantamento do arresto, dizendo que pretendia apresentar os bens anteriormente penhorados, e que, com essa apresentação, depositaria a quantia calculada de custas e despesas, cremos que, ao abrigo do disposto no artigo 854.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, deve ser autorizado o requerido levantamento, desde que, previamente, se assegure que se encontram devidamente preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender o deferimento dessa pretensão:
a) A apresentação dos bens oportunamente penhorados;
b) O depósito da quantia imediatamente calculada de custas e de todas as despesas acrescidas.
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Pelo exposto, acordam nesta Relação em conceder provimento ao recurso de agravo, e, em consequência, alteram a douta decisão recorrida, na parte em que se indeferiu o requerido levantamento do arresto já convertido em penhora, a fim de que seja substituída por nova decisão em que seja deferido o requerido levantamento do arresto que já fora convertido em penhora, desde que, previamente, fique assegurado que se encontram devidamente preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender a autorização do levantamento do arresto,
ou sejam, a apresentação de todos os bens que tenham sido ou foram, oportuna e anteriormente, penhorados na execução e o depósito da quantia imediatamente calculada de custas e de todas as despesas acrescidas.
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Custas do recurso pela recorrida.