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COMPRA E VENDA
COISA IMÓVEL DEFEITUOSA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário
I – Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no artº 913º do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado. II – O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, pelo que sempre que o bem vendido não tenha a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa. III – Nos termos do artº 1225º, nºs 1, e e 3 do C. Civ., a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, tanto para a indemnização como para a eliminação do defeito, estabelecendo-se o prazo de caducidade de um ano, a partir da denúncia, para a propositura da respectiva acção, sendo este o regime aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado (nº 4). IV – Na compra e venda em que o alienante tenha sido também o construtor do imóvel, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do artº 1225º do CC e não o dos arts. 916º e 917º desse código, apesar de inexistir empreitada. V – Sendo o pedido do autor o da eliminação dos defeitos, ou, em alternativa, o pagamento de uma determinada quantia correspondente ao custo orçamentado para a reparação, a acção teria que ser proposta no prazo de um ano a contar da data da denúncia. VI – É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais tem lugar em sede de responsabilidade contratual, mas mesmo que este tipo de pedido indemnizatório seja autónomo, sempre estará sujeito ao prazo de caducidade de um ano, nos termos do artº 1225º C. Civ. .
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
O Autor – A... – instaurou na Comarca de Ílhavo acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – B... e mulher C....
Alegou, em resumo:
Por escritura pública de 7/12/99, o Autor comprou aos Réus uma moradia, sita no X..., construída pelo Réu marido, empresário da construção civil.
Depois de nela passar a habitar, o Autor verificou que a mesma apresentava defeitos (fissuras nas paredes e tecto, fendas, tijoleira e ombreiras danificadas), os quais denunciou em Dezembro de 2000.
Contudo, o Réu não procedeu à reparação, tendo o Autor solicitado um orçamento sobre as obras, importando em 12.866,00 euros, acrescido de IVA.
Assiste-lhe o direito de exigir a reparação ou em alternativa a ser indemnizado pelos danos causados pelo cumprimento defeituoso da prestação, bem assim numa indemnização a título de danos não patrimoniais.
Pediu a condenação dos Réus:
a) - A procederem à realização das obras identificadas no art.16º da petição, nos termos descritos no orçamento (doc. Nº3) e a pagarem a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) - Ou, em alternativa, a pagarem a quantia de € 126.366,00, sendo € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 123.866,00, mais IVA a 19%, por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, á taxa legal, desde a citação.
Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese:
O Autor nunca os informou da existência de defeitos e por outro lado, excepcionaram a caducidade do direito, visto que, para além de não haver feito a denúncia no prazo de 1 ano, também instauraram a acção já decorrido o prazo de 5 anos.
Concluíram pela improcedência da acção.
Replicou o Autor, dizendo que o prazo do art.917 do CC apenas é aplicável às acções de anulação com base no erro, logo o direito à eliminação dos defeitos e indemnização está sujeito à prescrição extintiva, nos termos gerais do art.309 do CC.
Após os articulados, seguiu-se saneador–sentença que decidiu julgar procedente a excepção da caducidade do direito exercitado pelo Autor e absolver os Réus do pedido.
Inconformado, o Autor recorreu de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º) - Entre o Autor e Réus foi celebrado um contrato de compra e venda e não um contrato de empreitada.
2º) - O Autor instaurou a acção de reparação/indemnização, cujo prazo de prescrição é de 20 anos, nos termos do art.309 do CC.
3º) - O Autor pretende obter uma indemnização pelos danos causados pelo incumprimento defeituoso da obrigação e não a substituição da coisa, e quando a restituição natural não é possível, deverá ser fixada em dinheiro ( art.566 do CC).
4º) - Não se aplicam os prazos previstos nos arts.1225 nº2, 3 e 4 e 916 nº3 do CC, por se estar perante um contrato de compra e venda, pretendendo o recorrente a reposição in natura eliminando-se os defeitos, ou em alternativa, ser indemnizado pelos danos causados pela venda de coisa defeituosa, sujeita ao prazo prescricional do art.309 do CC.
5º) - Não se pode aplicar o prazo de caducidade estabelecido no art.917 do CC, dado que apenas se reporta às acções de anulação de compra e venda por simples erro e não as acções de condenação do vendedor a eliminar os defeitos e à indemnização.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal deu como provados os seguintes factos:
O Autor adquiriu ao Réu, em Dezembro de 1999, a moradia sita na Y..., por escritura de compra e venda junta a fls.10 e segs.
A moradia foi entregue ao Autor pelo menos duas semanas após a outorga da escritura.
Em Dezembro de 2000, o Autor informou o Réu de que a moradia apresentava os seguintes defeitos:
Fissuras em diversas dependências, nomeadamente, paredes e tecto; fendas nas paredes exteriores e interiores; tijoleira danificada, sendo necessário substitui-la e ombreiras danificadas.
Até à presente data os Réus não repararam os defeitos.
A acção deu entrada em juízo em 18/3/2005.
Partindo desta factualidade, a sentença recorrida considerou caduco o direito do Autor, porquanto sendo aplicável aqui o art.1225 nº4 do CC, não propôs a acção no prazo de 1 ano, subsequente ao da denúncia ( até final de 2001 ), tendo também já expirado o prazo de garantia ( cinco anos ).
Em contrapartida, sustenta o apelante que a o direito exercitado não está sujeito a prazo de caducidade, por não ser aplicável as normas dos arts.1225 nº2, 3 e 4 e 916 nº3 do CC, sendo que o prazo previsto no art.917 do CC apenas se reporta às acções de anulação.
A pretensão do Autor situa-se no âmbito da responsabilidade civil contratual, concretamente quanto ao incumprimento do contrato de compra e venda da moradia e as implicações decorrentes.
A impostação do problema contende com o cumprimento defeituoso da prestação, maxime no que concerne à venda de coisa defeituosa ( art.913 e segs. do CC ).
Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art.913 do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, por isso, sempre que o bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa.
As normas que regulam o cumprimento defeituoso na compra e venda ( arts.905 e segs. e 913 e segs. do CC ) e na empreitada (art.1221 e segs. do CC ), ainda que especiais em relação às regras gerais da responsabilidade contratual ( art.798 e segs. do Código Civil ), não implicam uma total exclusão dos princípios gerais, funcionando ambas em regime de complementaridade, tanto assim que, por exemplo, o direito de exigir a eliminação dos defeitos é um misto de restauração in natura ( art.562 CC ) e de execução específica ( art.827 e segs. do CC ) ( cf. PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.302 e segs., ANTUNES VARELA, parecer de 23/9/85, C.J. ano XII, tomo IV, pág.23 a 35 , MENEZES CORDEIRO, ROA, ano 41, pág.128 e segs. ). Da caducidade das acção:
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, questionava-se a aplicação dos arts.916 e 917 do CC ao caso da venda defeituosa de imóveis, havendo três orientações jurisprudenciais:
a) - Uma, no sentido de ser aplicável o disposto nos arts.916 e 917 do CC, mesmo relativamente às acções destinadas a exigir a reparação dos defeitos, estando sujeitas ao prazo de caducidade do art.917 do CC, por aplicação extensiva;
b) – Outra, em que aplicava analogicamente o art.1225 do CC;
c) – A terceira, no sentido de aplicação do prazo normal da prescrição do art.309 do CC ( cf., sobre as teses em confronto, por ex., Ac do STJ de 25/10/90, BMJ 400, pág.34).
Para dirimir a divergência, o STJ através do Assento de 4/12/96 ( BMJ 462, pág.94 ) fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:
“ A acção destinada a exigir a reparação dos defeitos de coisa imóvel, no regime anterior ao DL 267/94 de 25/10, estava sujeita à caducidade, nos termos previstos no art.917 do CC “.
Com a publicação do DL 267/94, foram introduzidas duas modificações fundamentais: sujeitou-se ao regime do contrato de empreitada ( mais favorável para o adquirente/consumidor ) o vendedor que tenha sido simultaneamente o construtor do edifício vendido; alargou-se o prazo de denúncia dos defeitos ( tanto na empreitada, como na venda de coisa defeituosa ) e do subsequente direito da acção judicial, uniformizando-se os prazos em ambas as situações.
Nos termos do art.1225 nº1, 2 e 3 do CC, a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, tanto para a indemnização ( autónoma ), como para a eliminação, estabelecendo-se o prazo de caducidade de um ano, a partir da denúncia, para a propositura da respectiva acção, sendo este regime agora aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado ( nº4 ).
Daqui resulta que na compra e venda em que o alienante tenha sido também o construtor do imóvel ( como no caso sub judice ), apesar de inexistir empreitada, aos defeitos da coisa transmitia deve aplicar-se o regime do art.1225 do CC e não o dos arts.916 e 917 do CC ( cf., neste sentido, CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág.103, PEDRO MARTINEZ, Direito das Obrigações ( Parte Especial), 2ª ed., pág.145 ).
Sendo o pedido do Autor o da eliminação dos defeitos, ou em alternativa o pagamento da quantia de € 123.866,00, mais IVA a 19%, correspondente ao custo orçamentado reparação (indemnização sucedânea ), a acção teria que ser proposta no prazo de um ano a contar da denúncia.
É certo que o comprador pode escolher e exercer, autonomamente, o direito de indemnização pelo interesse contratual positivo, decorrente das regras gerais do direito de responsabilidade civil, baseado no cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor, nos termos dos arts 798, 799 e 801, nº1, do C.C., mas também esta acção está sujeita aos prazos breves da caducidade ( cf., CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, págs. 74 e segs. ).
Porém, no caso em apreço, mesmo a admitir-se que o pedido indemnizatório pelos danos patrimoniais seria autónomo ( e não sucedâneo ), sempre estaria aqui sujeito ao prazo de caducidade de um ano, por imperativo do art.1225 do CC.
Ora, como a denúncia ocorreu em Dezembro de 2000 e a acção deu entrada em 18/3/05, é manifesto que o direito se mostra caduco.
Resta saber se a caducidade da acção abrange também a reclamada indemnização pelos danos não patrimoniais, no montante de € 2.500,00.
Com efeito, alegou o Autor que as deficiências do imóvel consubstanciaram danos não patrimoniais, por lhe causarem transtornos e incómodos, impedindo-o de usufruir a moradia, de proceder a uma normal utilização da mesma, nomeadamente de receber familiares e amigos ( arts.27º a 30º da petição ).
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais tem lugar em sede de responsabilidade contratual ( cf., por ex., VAZ SERRA, BMJ 83, pág.69, e RLJ ano 108, pág.222, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pág.396, PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, pág.84, Ac do STJ de 15/6/93, BMJ 428 ).
A este propósito, elucida CALVÃO DA SILVA ( loc.cit., pág.73 ) “ (…) Na fase executiva da venda de coisas defeituosas, o comprador, juntamente com a reparação ou substituição da coisa ( art.914 ), pode pedir o ressarcimento do prejuízo que lhe tenha sido causado pela entrega da coisa viciada imputável ao vendedor (…) “. E neste dever de indemnização se incluem os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito ( art.496 do CC ), por consubstanciarem danos relacionados com violação na execução do contrato, assumindo natureza contratual.
Contudo, também aqui o direito está submetido aos prazos da caducidade, dado que os prejuízos indemnizáveis estão estritamente conexos com o vício da coisa, motivando a prestação defeituosa, em que o genérico dever neminem laedere é absorvido, por estarem em causa comportamentos ligados ao fim contratual, mais especificamente deveres laterais de protecção e cuidado para com a pessoa da outra parte.
Como reforço argumentativo, a unidade do sistema jurídico, pois também a Lei de Defesa do Consumidor ( Lei nº24/96, alterada pelo DL nº67/03, de 8/4 ), ao conferir o direito de indemnização pelos danos não patrimoniais resultante do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos ( art.12 nº1 ), sujeitando-o ao ónus da denúncia e a prazos de caducidade.
Na verdade, a caducidade dos direitos, prevista no nº4 do art.5 do DL 67/2003, vale também para o direito de indemnização reconhecido no nº1 do art.12 da Lei 24/96 ( cf., por ex., CALVÃO da SILVA, loc.cit, pág.131, e Venda de Bens de Consumo, pág.95 ).
Em resumo, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.