Não pode ser suspensa a execução da sanção acessória de apreensão do veículo com o qual foi praticada contra-ordenação grave, sanção resultante do facto de a arguida, pessoa colectiva, não ter identificado o condutor infractor.
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.
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Questão a decidir: possibilidade de à apreensão de veículo prevista no art.º 152.º, n.º 4 do Código da Estrada poder ser aplicada a suspensão da execução da sanção (de inibição de conduzir) prevista no n.º 4, do art.º 142.º do mesmo diploma (normas referentes à versão resultante do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro).
Diga-se desde já que não vislumbramos qualquer viabilidade na pretensão da recorrente.
Explicando:
Dispõe o referido artº 142º, nº 1 do Código da Estrada:
“Pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas”.
Da leitura da norma ressalta imediatamente à vista que nela se prevê a possibilidade de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir mas não, a possibilidade de suspensão da apreensão do veículo resultante do n.º 4, do art.º 152.º.
Perante esta evidência, só seria possível estender a norma a casos como o dos autos fazendo uso da analogia.
Porém, tal não é possível.
Com efeito, dispondo o art.º 1.º, n.º 3 do Código Penal, aplicável por força do disposto no art.º 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, que “não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde” e sendo a suspensão da execução da sanção uma verdadeira sanção, a aplicação do art.º 142º, nº 1 a casos em que a sanção acessória de inibição de conduzir fora substituída por apreensão da viatura consubstanciaria uma verdadeira interpretação analógica da norma.
Ora, sendo tal proibido, não poderia a suspensão ser decretada.
Contudo, o Código da Estrada foi entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, dispondo agora o n.º 1, do artigo 141.º (Suspensão da execução da sanção acessória) que “pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.”
Temos assim que a lei actual estendeu a possibilidade de suspensão de execução a qualquer sanção acessória o que quer dizer que também a que se concretiza na apreensão da viatura está abrangida.
Essa suspensão exige a verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, ou seja, os consignados no art.º 50.º do Código Penal.
Determina este artigo o tribunal suspende a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, atenta a remissão para o art. 50º, n.º 1, não se alcança como poderiam tais pressupostos, pensados para pessoas físicas, ser transpostos para situações em que o sancionado era uma pessoa colectiva.
Como se poderia apreciar a “personalidade do agente” sendo este uma pessoa colectiva? O que se poderia entender como “as condições da sua vida”? Em que é que consistiria a “conduta anterior e posterior ao crime”? Como apreciar a sua intervenção nas “circunstâncias” que rodearam a prática da contravenção?
A resposta deparar-se-á sempre com a da impossibilidade de apurar tais elementos uma vez que estes apenas são susceptíveis de ser apreciados quando estão em causa pessoas físicas.
Assim sendo, parece-nos indubitável que o instituto da suspensão não se aplica a pessoas não físicas.
Se alguma dúvida restasse, bastava examinar as condições do n.º 3, do art.º 141.º para concluir que o legislador não teve em mente estender o instituto da suspensão a casos como o dos autos.
Conclui-se assim que não merece censura o decidido pelo tribunal “a quo”.