1. Torna-se desnecessário ordenar a correcção das conclusões da alegação de recurso se o recorrente, mau grado não diga explicitamente que as normas que indica foram violadas, refere, contudo, que as mesmas foram interpretadas incorrectamente. De igual forma, o sentido em que as mesmas deveriam ser interpretadas, pode resultar dos termos em que as alegações foram feitas.
2. Não constituem estipulações verbais aditadas ao teor do contrato-promessa de duas fracções o facto de o promitente-vendedor haver assegurado ao promitente-comprador que, aquando da realização do contrato prometido, do mesmo fariam parte três garagens omissas no primeiro contrato. Tal comportamento assume, antes, a natureza de um meio utilizado com vista a obter a aquiescência do Autor a outorgar o contrato-promessa.
3. O erro essencial acerca do objecto do contrato-promessa torna este anulável. Todavia enquanto não estiver cumprido o negócio – que aqui é o contrato definitivo – não corre o prazo de caducidade.
4. Litiga com má-fé, a título de dolo, a parte que, após ter convencido a outra a assinar um contrato-promessa, garantindo-lhe verbalmente que todas as dificuldades seriam ultrapassadas, veio, por último, referir que essas conversações assumiram a natureza de cláusulas verbais acessórias ao contrato sendo, por isso, nulas, com reflexos na validade do mesmo.
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A... e mulher B..., casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, residentes no Edifício Mirante do Mondego, 2º Dto., Quinta da Várzea, Penacova, vieram propor acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra C..., solteiro, maior, residente no lugar de Figueiras, Avelãs de Cima, Anadia, tendo pedido a declaração de nulidade do contrato de um contrato-promessa e a condenação do Réu a restituir o sinal em dobro ou subsidiariamente, a restituição em singelo, sempre com juros a contar da citação.
Alegaram para tanto e em síntese, que por contrato-promessa de compra e venda de 12/4/2001 o R. comprometeu-se a vender ao A. as fracções autónomas “A” correspondente ao R/C e “B”, correspondente ao 1º Andar, de um prédio urbano sito em Murtinheira, Quiaios, na comarca da Figueira da Foz, tendo o A. entregue ao R. a quantia de 3.830.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o resto do preço ser pago no acto da escritura. Nas negociações tinham combinado que das referidas fracções fariam parte três garagens, para cuja omissão no contrato-promessa o A. alertou o R., tendo este referido não ser relevante, por ter um projecto de alteração onde incluía as garagens, o que levou o A. a assinar o contrato e a dar o sinal, por estar convencido de que as garagens fariam parte das fracções, tanto assim que, por ter a intenção de vender as fracções, o A. assim o anunciou num jornal, referindo as garagens. Todavia, aquando da preparação da escritura, verificou que só lhe era pedido o pagamento de sisa das fracções “A” e “B” e que o R. tinha autonomizado as garagens e procedido ao seu registo. Assim, em 8/2001 o A, comunicou ao R. que não compareceria na data da escritura, por incumprimento, pedindo-lhe a devolução do sinal, mas o R. nada fez. Concluem assim os AA. que o contrato é nulo devido a erro essencial sobre a qualidade do objecto, à luz dos artsº 286º, 247º, 289º e 442º do Código Civil.
O Réu veio contestar e reconvir, alegando, em súmula, que só depois da escritura seria feito o averbamento a favor do AA. do processo de licenciamento das garagens, cujo destino seria depois decidido por estes, o que o A. marido aceitou, até porque se dedicava à compra e venda de imóveis. O R., que reside em França, nunca recebeu a carta mencionada pelo A. onde é referido não querer comparecer à escritura, nem foi contactado pelo telefone, cujo número é conhecido dos AA., antes tendo o A. marido informado estar em risco de não poder outorgar a escritura por falta de meios económicos, pelo que não há erro deste; mas se o houvesse, seria causa de anulabilidade do negócio, que não implica a devolução do sinal em dobro, visto os artsº 251º e 289º do Código Civil e aquela deveria ter sido pedida no prazo de um ano a contar da data marcada para a escritura e não o foi. Caducou pois o direito de arguir aquele vício. Assim, em reconvenção, o R. alega ter direito à resolução do contrato e a fazer seu o sinal recebido, nos termos do artº 442º nº 2, do Código Civil, concluindo pela sua absolvição do pedido e pedindo por sua vez que o contrato seja declarado resolvido, declarando-se que o R. fará seu o sinal recebido.
Os AA. vieram replicar, mantendo que o contrato é nulo e dizendo que, atento o estatuído no artº 287º nº 2, do Código Civil, mesmo que aquele fosse anulável, o negócio prometido não está cumprido, pelo que não caduca o direito dos AA., mantendo no mais o que já tinham alegado na P.I.
Foi admitida a reconvenção, parcialmente admitida a réplica e rejeitada a tréplica, pelo que foi ordenado o seu desentranhamento, sendo elaborado despacho saneador no qual se considerou que o alegado erro sobre o objecto por parte dos Autores era caso de anulabilidade. Foram elencados os factos assentes e elaborada a Base Instrutória.
Procedeu-se a julgamento acabando por ser proferida sentença que:
a) Julgou parcialmente procedente por provada a acção, absolvendo o Réu C... do pedido da sua condenação a entregar aos AA. o dobro do valor do sinal.
b) Declarou anulado o contrato promessa de compra e venda celebrado entre A. e R.
c) Condenou o réu C... a restituir aos AA. A.... e mulher B..., o valor em singelo do sinal recebido de dezanove mil cento e três euros e noventa e seis cêntimos € 19.103,96, acrescido de juros de mora desde a citação até real reembolso.
d) Declarou não provada e improcedente a reconvenção deduzida pelo Réu e absolveu os AA. do pedido reconvencional.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Réu, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença apelada substituindo-se a mesma por outro que declare a acção totalmente improcedente juntando-se procedente por provada a reconvenção.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,
Conclusões.
1) O Apelante nunca obstaculizou a que as três garagens a que os Apelados se referem na PI fizessem parte integrante das fracções autónomas por eles prometidas adquirir, nem alguma vez pretendeu ele, apelante, manter-se proprietário de tais garagens, sendo que por força da realização da prometida escritura pública de compra e venda, os apelados ficavam investidos na propriedade da totalidade do prédio e consequentemente das garagens que, por construídas no respectivo logradouro, constituíam partes integrantes do mesmo.
2) Não existiu – como bem se deduz do doc. de fls. 136 dos autos - qualquer acordo entre apelante e apelado no sentido de que, antes da prometida escritura pública de compra e venda, as três mencionadas garagens já devessem encontrar-se integradas, em termos de propriedade horizontal, nas fracções autónomas objecto do contrato promessa, nem tal necessidade/condição alguma vez foi comunicada pelos apelados ao apelante;
3) O alegado acordo relativo à integração das garagens nas fracções autónomas, sempre constituíra uma estipulação acessória ao contrato-promessa, estipulação que, por ser essencial para a concretização do negócio e por versar sobre as garagens, como bens imóveis que são, deveria ter sido sujeita à mesma forma do contrato-promessa, sob pena de nulidade – artº 221º do C.C.;
4) Uma vez que tal estipulação nunca foi sujeita a documento escrito, forma legalmente prevista para o contrato-promessa sobre bens imóveis (artº 410º do C.C), a mesma sempre seria nula e consequentemente, não poderia o Meritíssimo juiz a quo tomá-la em consideração na decisão que proferiu.
5) Além da inexistência do acordo supra referido na conclusão II, dever-se-á acrescentar que o apelante não tinha conhecimento, nem poderia saber, que para os apelados a alegada prévia integração das garagens fosse condição essencial para que estes adquirissem as fracções autónomas objecto do contrato-promessa ou, sequer, que fosse condição essencial para outorgarem tal contrato;
6) Assim, ao contrário do entendimento vertido para a douta sentença recorrida, não se encontram verificadas as condições de que os artsº 247º e 251º do C.C. fazem depender a existência de erro sobre o objecto do negócio e a consequente a anulabilidade do negócio jurídico.
7) O apelante cumpriu integralmente as obrigações a que se encontrava vinculado por força do contrato-promessa celebrado;
8) A anulabilidade do contrato-promessa deveria ser arguida pelos apelados dentro de um ano a contar do conhecimento do alegado erro (artº 287º, nº 1 do C.C.), conhecimento este que já se verificava na data designada para realização da prometida escritura pública de compra e venda – 20/01/2001, sendo, por isso, a partir desta data, que coincide com a data em que se mostram integralmente cumpridas pelo apelante as obrigações que para si resultaram do contrato-promessa, que começou o cômputo daquele prazo de um ano;
9) Consequentemente, à data da propositura da presente acção – 08/01Í'2004 – já se encontrava extinto, por caducidade, o direito de arguir a anulabilidade do contrato-promessa com base no alegado erro. Apesar de o apelante ter cumprido integralmente as obrigações que para si resultavam do contrato-promessa celebrado, os apelados, por seu lado, não cumpriram, definitivamente, tal contrato, incumprimento este que confere ao apelante o direito à resolução do mesmo e, consequentemente, a fazer sua a quantia recebida a título de sinal – artº442º, nº 2 do C.C..
10) A sentença recorrida, ao declarar anulado o contrato-promessa e ao não declarar procedente a reconvenção, não fez correcta aplicação do disposto nos artigos 221, 410º, 247º, 251º, 287º nº 1, 762º e 442º, todos do Código Civil.
Contra-alegaram os apelados pugnando pela confirmação da sentença.
Cabe decidir.
*
2. FUNDAMENTOS.
O Tribunal deu como provados os seguintes,
2.1. Factos.
2.1.1. Por escrito datado de 12/4/2001, o Réu C... e o Autor A..., declararam prometer vender e comprar, respectivamente, a fracção autónoma "A", correspondente ao rés-do-chão, destinado a habitação e a fracção autónoma "B”, correspondente ao 1º andar destinado a habitação e sótão destinado a arrumos. Ambas as fracções fazem parte e constituem o prédio urbano com superfície coberta de 135 metros quadrados, sito na Rua do Talefe, no lugar da Murtinheira, freguesia de Quiaios, concelho da figueira da Foz, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 5.083 da freguesia de Quiaios (cfr. doc. a fls. 8). O negócio foi feito pelo preço de PTE 38.300.000$00, sendo PTE 3.830.000$00 a pagar a título de sinal e dentro do prazo de 8 dias daquela data e o restante no acto de outorga da escritura, a marcar pelo Réu, devendo o Autor ser avisado da data e local da celebração daquela com uma antecedência de pelo menos 30 dias.
2.1.2. Mais declararam encontrar-se por registar na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz o título constitutivo da propriedade horizontal e sendo parte comum a ambas as fracções autónomas o logradouro do prédio e a dependência que nela se encontra implantada.
2.1.3. Por ocasião do escrito referido em A), Réu e Autor acordaram ainda, verbalmente, que do prédio referido em A), no seu todo, fariam parte três garagens, sendo incumbência do réu a sua construção.
2.1.4. Aquando da assinatura do escrito referido em A), o R. disse ao A. depois de este o confrontar com o facto de não constarem do seu texto as garagens referidas em C), que possuía um projecto de alteração do prédio onde se incluíam as garagens.
2.1.5. Os Autores foram informados pelo Réu que o logradouro constituía parte comum do prédio, sendo nele que se encontravam em construção as 3 garagens e que estava a decorrer o respectivo processo de licenciamento de construção na Câmara Municipal.
2.1.6. A legalização das garagens referidas em C) ficaria a cargo do Réu.
2.1.7. O A., confiando na boa-fé do Réu, assinou o citado contrato, tal como este se encontrava já redigido.
2.1.8. E só o fez na convicção de que as garagens fariam parte integrante das fracções, pois, de outro modo, não teria feito o dito negócio, nem entregue o referido sinal.
2.1.9. Até porque os AA. pretendiam adquirir as fracções autónomas com as garagens para as negociar, vendendo-as oportunamente.
2.1.10. Os Autores pagaram ao Réu a importância de PTE 3.830.000$00 (6 19.103,96), referida em A), a título de sinal.
2.1.11. Por carta datada de 15 de Maio de 2001, Manuel Lourenço Alexandre, intitulando-se procurador do Réu, comunicou à A. a marcação da escritura das duas fracções autónomas referidas em A) para o dia 20/6/2001 no 2º Cartório Notarial da Figueira da Foz (cfr. cópia a fls. 12/13).
2.1.12. Os AA. sabiam que o Réu é emigrante em França, onde reside habitualmente e que seria representado por procurador na escritura pública.
2.1.13. O Autor em 8.06.2001, através da sua Advogada ao tempo, enviou ao procurador do Réu uma carta comunicando que não iria comparecer na data designada para a escritura, que o procurador do Réu recebeu.
2.1.14. Os A.A. não compareceram na data indicada em E) no 2º Cartório Notarial da Figueira da Foz;
2.1.15. As garagens não estavam legalizadas quer junto da Câmara, quer junto da Repartição de Finanças.
2.1.16. Consequentemente, não lhe interessando celebrar a escritura pública referente ao contrato nessas condições, o A. pediu ao Réu que lhe devolvesse a quantia entregue a título de sinal.
2.1.17. Está inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Quiaios sob o nº 2334 o prédio urbano referido em A) a favor do Réu, constituído em regime de propriedade horizontal, descrevendo-se a superfície da seguinte maneira: superfície coberta de 115 metros quadrados, dependência de 20 metros quadrados e logradouro de 840 metros quadrados (cfr. doc. a fls. 16);
2.1.18. Pela apresentação nº 13/160401 foi inscrito no Registo Predial, descrição relativa ao prédio urbano identificado em A), o seguinte: "[ ... ] É composto por duas fracções autónomas: A e B." (cfr. doc. a fls. 20).
2.1.19. Pela apresentação nº 03/240702 foi inscrito no Registo Predial, descrição relativa ao prédio urbano identificado em A), o seguinte: "[ ... ] Além das fracções mencionadas no anterior averbamento compreende ainda as fracções "C", "D", e "E" construídas no logradouro ficando este com área de 754 m2" (cfr. doc. a fls. 25).
+
2.2. O Direito.
Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Questão prévia.
- Os termos do contrato-promessa.
- Irrelevância da problemática das estipulações verbais.
- O erro sobre o objecto do negócio.
- Da litigância de má-fé.
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2.2.1. Questão prévia.
Os AA. apelados referem que o R. na sua alegação de recurso não observa cabalmente o disposto no artigo 690º nº 2 do Código de Processo Civil; é que na realidade não invocou a violação das normas que diz não terem sido correctamente aplicadas. Por outro lado não refere o sentido em que na sua opinião as mesmas deveriam ser interpretadas.
Estatui o mencionado Diploma legal que “2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. (…)
Vejamos:
No que toca à primeira questão suscitada, diremos que nas conclusões da alegação de recurso apenas não se mencionou que a sentença violou as normas dos artigos 221º, 410º, 247º, 251º, 287º nº 1, 762º e 442º nº 2 do Código Civil. Todavia disse-se que o aresto em crise não interpretou correctamente as ditas normas o que é praticamente a mesma coisa. No que toca à segunda questão - não terem os Apelantes mencionado em que sentido as aludidas normas deveriam ser interpretadas - pode dizer-se que isso já consta de um modo geral das alegações de recurso e das próprias conclusões e de uma forma aceitável em ordem a poder saber-se o que o recorrente pretende.
Nesta conformidade não se ordena a correcção das alegações de recurso.
+
2.2.2. Os termos do contrato-promessa.
No cerne da questão que nos ocupa está em causa saber se do contrato-promessa de compra e venda de duas fracções autónomas a que alude o ponto 2.1.1. dos factos provados deveriam fazer parte três garagens.
O Autor sustenta que alertou o Réu para o facto de o contrato ser omisso quanto àquele ponto; todavia o Réu teria contraposto que existia um projecto de alteração onde incluía as aludidas garagens, o que teria levado o Autor a assinar o contrato e a dar o sinal por estar convencido de que as garagens fariam parte das fracções. Verificando todavia o Autor que o Réu autonomizara as fracções, tendo procedido ao seu registo, comunicou-lhe que não compareceria na data da escritura, por incumprimento, pedindo-lhe a devolução do sinal; contudo o R. nada fez nesse sentido.
O recorrente sustenta que nunca se opôs a que as garagens fizessem parte integrante das fracções; todavia refere que não existiu qualquer acordo entre apelante e apelado segundo o qual as três mencionadas garagens já devessem antes da realização da escritura de compra e venda, encontrar-se integradas em termos de propriedade horizontal nas fracções, nem tão-pouco tal necessidade-condição foi comunicada pelos apelados ao apelante. No entanto, como resulta dos factos provados, o Autor alertou o R. para o facto de as garagens não constarem do contrato-promessa, tendo este retorquido que aquelas estavam a ser construídas no logradouro e que o Réu se encarregaria da respectiva legalização obviamente em nome do Autor. Trata-se de matéria de facto cuja prova se encontra devidamente fundamentada a fls. 146 v. ss e que este Tribunal tem que aceitar, visto que não foi impugnada, sendo certo que não existem nos autos elementos que por si só possam abalar a sua credibilidade nos termos do estatuído no artigo 712º nº 1 do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade a solução do caso vertente terá que buscar-se apenas com os factos já provados.
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2.2.3. Irrelevância da problemática das estipulações verbais.
Alega o Apelante que o acordo verbal entre A. e R. com vista à inclusão das garagens no prédio constituiria uma estipulação acessória ao contrato-promessa que por ser essencial para a concretização do negócio e por versar sobre as garagens como bens imóveis – artigo 410º do Código Civil - a mesma sempre seria nula, não podendo o Sr. Juiz tomá-la em consideração na sentença que proferiu.
Estatui o artigo 221º do mencionado Diploma Legal, que “As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração”.
Efectivamente quaisquer estipulações verbais que tivessem sido celebradas entre A. e R. seriam nulas; só que não é disso que se trata aqui. O que na realidade sucedeu foram conversações entre as partes contemporâneas ou até antecedentes do contrato promessa e que tiveram da parte do Réu como efeito convencer o Autor a outorgar o aludido contrato, já que este último chegou a convencer-se que o problema da inclusão das garagens no objecto do contrato seria uma realidade. Aliás também o Sr. Juiz não tirou das aludidas conversações qualquer ilação no sentido de que as mesmas pretendiam incluir cláusulas adicionais aos termos do contrato; na verdade, limitou-se a considerá-las como mais um índice de que o Autor agiu em erro sobre o objecto do negócio e tal como lhe era pedido declarou-o nulo. Na verdade, à pertinente solução a dar a este caso, o que releva é realmente a problemática dos vícios da vontade na medida em que importa aquilatar na medida em que foram determinantes para a conformação da problemática em causa.
+
2.2.4. O erro sobre o objecto do negócio.
A sentença decidiu que o Autor agiu em erro sobre o objecto do negócio nos termos dos artigos 251º e 247º do Código Civil.
Estatui o primeiro dos citados normativos legais que “o erro que atinja os motivos determinantes da vontade quando se refira à pessoa do declaratário ou objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º”. E neste último dispositivo lê-se que “quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial e anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
O erro sobre o objecto de negócio pode incidir sobre o objecto imediato (natureza do negócio) ou sobre o objecto mediato (identidade do objecto ou sua qualidade)1. Para a anulação do negócio, além do erro, é necessária a sua essencialidade; que o facto sobre que incide tenha sido determinante para a vontade de contratar e que autor e réu conhecessem a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro.
No caso vertente temos plasmados os dois requisitos para que a anulação do negócio possa ter lugar. Na verdade flui dos factos provados que era fundamental para os AA. que fizessem parte das fracções três garagens e disso foi elucidado o R. que aliás informou aqueles que o logradouro das fracções constituía parte comum do prédio, sendo nele que se encontravam em construção 3 garagens cujo processo de licenciamento estava a decorrer na Câmara Municipal. Foi esta circunstância que levou os AA. a contratar. Era pois do conhecimento do Réu a essencialidade do objecto sobre que incidiu o erro2.
O erro sobre o objecto conduz à anulabilidade do negócio a qual tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado – artigo 287º nº 1 do Código Civil. O Réu terá assim que restituir ao Autor o sinal prestado, acrescido de juros de mora, na procedência do pedido subsidiário, não havendo lugar à restituição do sinal em dobro nos termos do artigo 442º nº 2 do Código Civil, uma vez que tal pressuporia o incumprimento do negócio mas sempre a sua validade, o que se não verifica no caso vertente.
Sucede que o Réu opõe a este entendimento o facto de que estando-se perante um negócio anulável, de harmonia com o artigo 287º do Código Civil, a anulação só poderia ter lugar “dentro de um ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”. Sucede porém que é o mesmo normativo legal que estatui no nº 2 que “Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção”3. Ora no caso vertente o negócio não foi cumprido4; na verdade não houve lugar à contratação definitiva nos termos acordados, pelo que está em tempo a invocação da nulidade do contrato.
Consequentemente há pois lugar à restituição do sinal no montante de € 19.103,96 e juros de mora desde a citação à taxa legal, tal como foi decidido.
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2.2.5. Da litigância de má-fé.
Os AA. pedem a condenação do Réu como litigante de má-fé e bem assim na indemnização de € 500,00.
O Réu notificado deste pedido nada veio dizer.
Estatui o artº 456º nº 2 do Código de Processo Civil que "diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão".
Da análise do citado preceito legal constata-se o alargamento das situações a que poderá caber a litigância de má-fé aos casos de negligência grave. Trata-se de um postulado do "princípio da cooperação" previsto nomeadamente no artº 266º-A do Código de Processo Civil onde se lê que "as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior". É que o direito de acção, constitucionalmente consagrado no artº 20º da CRP, tem como contrapolo o dever de as partes no respectivo exercício, se responsabilizarem nomeadamente pelas suas declarações, acautelando-se não apenas contra factos expendidos que sabem não ser verdadeiros, como ainda absterem-se de emitir declarações comprometedoras sem minimamente se assegurarem da sua veracidade. Este último comportamento, que integra o conceito de negligência grosseira não era sancionado antes da reforma do processo civil e passou a sê-lo após o Dec-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro.
A litigância de má-fé supõe assim a alegação de determinados factos reconhecidamente inverídicos e que tal seja feito com dolo ou negligência grave. Assim não integra uma coisa nem outra a mera improcedência das razões expendidas pela parte devido unicamente ao facto de a mesma não ter logrado prova daquelas.
Procedendo à análise dos factos diremos estarem preenchidos os requisitos exigidos para a condenação do Réu como litigante de má-fé; e a título de dolo. Na verdade o Réu sustenta contra toda a prova produzida nunca ter obstaculizado a que as garagens ficassem a pertencer ao prédio. Além disso é particularmente censurável que após ter convencido o Autor a assinar o contrato-promessa garantindo-lhe verbalmente que todas as dificuldades seriam ultrapassadas, veio por último referir que essas negociações assumiriam a natureza de cláusulas verbais acessórias ao contrato e por isso nulas.
Tendo litigado de má-fé, lê-se no artigo 456º do Código de Processo Civil - a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
O comportamento do Réu justifica a sua condenação na multa de 3 UC como litigante de má-fé – artigo 102º alínea a) do CCJ e ainda na indemnização de € 500,00 ao recorrente.
Do exposto poderá concluir-se pois o seguinte:
1) Torna-se desnecessário ordenar a correcção das conclusões da alegação de recurso se o recorrente mau grado não diga explicitamente que as normas que indica foram violadas refere contudo que as mesmas foram interpretadas incorrectamente. De igual forma o sentido em que as mesmas deveriam ser interpretadas pode resultar dos termos em que as alegações foram feitas.
2) Não constituem estipulações verbais aditadas ao teor do contrato-promessa de duas fracções o facto de o promitente vendedor haver assegurado ao promitente-comprador que aquando da realização do contrato-prometido do mesmo fariam parte três garagens omissas no primeiro contrato. Tal comportamento assume antes a natureza de um meio utilizado com vista a obter a aquiescência do Autor a outorgar o contrato-promessa.
3) O erro essencial acerca do objecto do contrato-promessa torna este anulável. Todavia enquanto não estiver cumprido o negócio – que aqui é o contrato definitivo - não corre o prazo de caducidade.
4) Litiga com má-fé a título de dolo a parte que após ter convencido a outra a assinar um contrato-promessa garantindo-lhe verbalmente que todas as dificuldades seriam ultrapassadas, veio por último referir que essas conversações assumiram a natureza de cláusulas verbais acessórias ao contrato sendo por isso nulas, com reflexos na validade do mesmo.
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3. DECISÃO.
Nestes termos acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença apelada.
Como litigante de má-fé condena-se o Réu C.... na multa de 3 UC, bem como a pagar aos AA. a indemnização de € 500,00.