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ARRENDAMENTO URBANO
CESSAÇÃO
RESTITUIÇÃO
DETERIORAÇÃO
RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário
1. Cessada a relação locatícia, o locatário é obrigado a restituir o prédio no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato; 2. O locatário está adstrito à obrigação de fazer uma utilização prudente da coisa; 3. Salvo estipulação em contrário, antes da restituição do prédio, deve o locatário reparar as deteriorações lícitas, ou seja, as pequenas deteriorações que se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade. 4. Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega. 5. Como facto impeditivo do direito do senhorio à reparação, cabe ao locatário alegar e provar que as verificadas deteriorações, aquando da entrega do prédio locado, resultaram da normal utilização daquele em conformidade com os fins do contrato ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização da coisa. 6. Ao senhorio apenas compete alegar e provar a existência de deteriorações.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I)- RELATÓRIO
A... instaurou, no Tribunal Judicial de Vagos, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B..., pedindo a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 3.972,52.
Como fundamento do pedido, alegou, em síntese, o seguinte:
- Arrendou ao Réu, para habitação deste, uma fracção autónoma de um prédio seu, sito em Vagos, mediante a renda mensal de € 299,27;
-O contrato de arrendamento cessou, por acordo, no dia 31.03.2005;
-Ao reaver a fracção, verificou que a mesma estava bastante danificada devido a uma imprudente utilização por parte do Réu, conforme deteriorações que identificou;
-A reparação de tais danos ascendem a € 2.546,00, acrescidos de IVA;
-Tal reparação prolongar-se-á por 3 meses, obstando ao arrendamento da fracção durante esse período e acarretando um prejuízo de € 897,78.
Regularmente citado, contestou o Réu, concluindo pela improcedência da acção, alegando, em resumo, sempre ter feito uma utilização prudente do locado em conformidade com o fim de habitação, e se deteriorações existem (v. g, fissuras, enfolamento das paredes, parquet levantado) tal não lhe é imputável, mas antes a defeito de construção do imóvel.
Prosseguindo os autos os seus regulares termos, sem fixação da base instrutória atenta a simplicidade da matéria de facto controvertida, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente.
Apelou o Autor, pugnando pala parcial procedência da acção, e extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:
1ª-O contrato de arrendamento entre Autor e Réu foi celebrado aos 28.08.1996;
2ª-São-lhe, por isso aplicáveis as disposições do RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15.10;
3ª-Às deteriorações ocorridas no arrendado, por virtude desse contrato, são aplicáveis as disposições do art. 4º do RAU e o disposto no art. 1043º do CC;
4ª-Às deteriorações enumeradas no ponto d) dos factos provados, designadamente, o ter deixado as janelas abertas permitindo a entrada de água, que danificou as paredes e o parquet da sala e do quarto do WC, ter fissurado o fogão de sala, ter enegrecido o tecto da cozinha, ter descaminhado todas as chaves interiores e arrancado diversas tomadas, representam uma utilização imprudente e culposa do arrendado, que impõem ao Réu a obrigação de indemnizar;
5ª-Por ouro lado, relativamente factos enumerados no mesmo ponto da matéria de facto provada, nomeadamente no que tange aos 4 azulejos partidos por buracos feitos para introduzir buchas, e o buraco na parede do WC que sustenta a banheira, deveriam ter sido reparados pelo inquilino antes de entregar o locado;
6ª-A decisão recorrida viola o disposto no aludido art. 4º do RAU e o disposto nos arts. 483º, 487º e 1043º do CC;
7ª-Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere parcialmente procedente (uma vez que os danos verificados nas paredes e nos soalhos resultaram, também do modo de construção, sendo, nessa parte, da responsabilidade do Réu) o pedido formulado pelo Recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II)- OS FACTOS
Na sentença sob recurso foi dada por assente a seguinte factualidade:
1)-Por contrato particular, celebrado aos 28 de Agosto de 1996, o A. através do seu procurador, deu de arrendamento ao R. a fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 3° andar direito, Bloco C, do prédio urbano sito na Rua Padre Vicente Maria da Rocha, freguesia e Concelho de Vagos, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 2140-“T”;
2-O arrendamento foi feito pelo período de 5 anos, com início no dia 01.09.96, pela renda mensal de 299,27 € e o locado destinava-se a habitação do R.
3-Por falta de pagamento de rendas o A fez distribuir contra o R. acção de despejo que viria a ser atribuída o n.° 108/05.6TBVGS, deste Tribunal, a qual terminou por transacção constante dos referidos autos celebrada aos 31/03/05, pela qual as partes acordaram em resolver o contrato de arrendamento nessa data, tendo o R. entregue ao A fracção arrendada e as respectivas chaves;
4-Ao retomar a fracção o A. constatou que a mesma se apresentava no seguinte estado:
- a porta sacada não abria por se encontrarem danificados os respectivos fechos;
- as paredes junto às janelas estão enfoladas por infiltração de água resultante do tipo de construção da obra onde se situa o arrendado e de janelas abertas;
- o piso da sala tinha o parket em parte levantado;
- o fogão de sala encontrava-se fissurado
- o tecto da cozinha encontrava-se enegrecido e, pelo menos, 4 azulejos encontravam-se partidos por buracos feitos para introduzir buchas;
- desapareceram todas as chaves das portas interiores;
- no WC existia um buraco na parede que sustenta a banheira, efectuado em virtude do entupimento do sifão da mesma;
- o quarto ao lado do WC tinha o parket levantado;
- foram arrancadas diversas tomadas;
5-Para substituição total do piso do apartamento em madeira por piso em cerâmica o A. pagou em material a quantia entre 700,00€ a 800,00 € e para efectuar a pintura total das paredes e tectos e envernizar as madeiras num apartamento com as características idênticas ao que está em causa nos autos, foi-lhe apresentado um orçamento no valor de €1.150,00 + I.V.A.;
6-As paredes exteriores do edifício onde se situa o locado tiveram de ser recentemente isoladas.
III)- O DIREITO
Delimitado, em princípio, o objecto do recurso pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC), a única questão decidenda consiste em saber se o Réu deve ser responsabilizado por deteriorações verificadas no prédio locado aquando da restituição deste, findo o contrato de arrendamento.
Para responder a esta questão importa ter em apreço o disposto no art. 1043º do CC, nos termos do qual “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”. Isto é, tendo em conta esta ressalva, o senhorio deve arcar com o desgaste ou com as despesas das deteriorações inerentes a uma utilização cuidadosa do locado, já que o uso prudente do locado, segundo natureza das coisas, pode implicar uma depreciação. A deterioração da coisa locada (v.g. um prédio, um automóvel) pode mesmo ser provocada pela simples acção do tempo.
Conforme da cláusula 7ª do contrato de arrendamento, a fracção locada foi entregue ao Réu em bom estado de manutenção, sendo certo que tal estado sempre seria de presumir, mesmo que não existisse documento onde locador e locatário descrevesse o estado da fracção ao tempo da entrega (n.º2 do citado art. 1043º). Portanto, o inquilino, ao entregar o locado, findo o contrato de arrendamento, não é obrigado a reparar as deteriorações resultantes de uma prudente utilização do locado, ou de uma actuação em conformidade com a “diligência exigível a um bom pai de família”. A lei impõe, na verdade, ao inquilino o dever de não fazer da coisa locada uma utilização imprudente (alínea d) do art. 1038º do CC), fazendo recair sobre o senhorio a obrigação de manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração (alínea c) do n.º1 do art. 11º do RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15.10[ Aplicável ao caso, e não o NRAU aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 O contrato de arrendamento cessou em 31.03.2005.]). Ainda, ao abrigo dos n.º1 e 2 do art. 4º do RAU, é lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado, quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade, mas tais deteriorações devem, ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição, salvo estipulação em contrário (n.º1 do art. 4º do RAU). Como, nos termos do art. 1044º do CC, o locatário responde pela perda ou deterioração da coisa, não exceptuadas no art. 1043º do CC, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela. Ou seja, o locatário responde, em princípio, pelas deteriorações que não se integrem num uso prudente da coisa locada, a não ser que alegue e prove que tais deteriorações resultam de causa que lhe não é imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização[ Cfr. Código Civil Anotado, vol. 2º, 4ª edição, p. 381, de Pires de Lima e Antunes Varela.].
Sublinhado tal quadro normativo, e analisada a factualidade assente, poderá concluir-se que as deteriorações provadas resultaram de uma utilização imprudente da fracção locada por parte do Réu?
Como facto impeditivo do direito do senhorio à reparação, cabe ao locatário alegar e provar que as verificadas deteriorações, aquando da entrega da coisa locada, resultaram da normal utilização daquela em conformidade com os fins do contrato ou que tais deteriorações resultam de causa que lhe não é imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização da coisa locada. Ao senhorio apenas compete alegar e provar a existência de deteriorações aquando da entrega do locado, porque, em princípio, e, ao contrário do que sucede com possuidor de boa fé, em que é mister provar a culpa deste, o locatário sabe que é um possuidor precário, em nome alheio, e que a coisa não lhe pertence[ Idem, ibidem].
Sem dúvida que o prédio apresentava deteriorações, aquando da sua restituição, como se vê do n.º4 da factualidade apurada e acima transcrita. Mas só no tocante a algumas deteriorações logrou o Réu, a nosso ver, cumprir o ónus de prova que sobre si impendia.
Assim, ocorre responsabilidade do Réu relativamente aos fechos da porta sacada, ao piso da sala, cujo parquet estava em parte levantado, aos 4 azulejos partidos da cozinha, às chaves das portas interiores, ao piso do quarto ao lado do WC, cujo parquet estava levantado, e, ainda, no tocante às tomadas eléctricas. Com efeito, apesar de ter alegado, não provou jamais ter aberto a porta sacada ou que esse defeito já existia aquando do recebimento do locado; como não provou ter o parquet da sala e do quarto ao lado do WC levantado em consequência de infiltração de humidade devido à má construção do prédio; como não cumpriu tal ónus relativamente a 4 azulejos partidos, ao arrancamento de tomadas ou desaparecimento das chaves das portas interiores.
Já, porém, no que respeita às deteriorações verificadas nas paredes junto às janelas, ficou demonstrado que as mesmas estão enfoladas por infiltração de água resultante do tipo de construção. Apesar de constar da decisão de facto que tal é, também, devido a janelas abertas, decorre da motivação daquela decisão, e até dos depoimentos gravados das testemunhas Rosa Maria e Maria Odete, que os danos nas paredes resultaram apenas de infiltração de água por causa da defeituosa construção prédio em regime de propriedade horizontal, assim se alterando o julgamento de facto nesse pormenor.
Igualmente, no que toca à fissura do fogão de sala, enegrecimento do tecto da cozinha e buraco na parede que sustenta a banheira, tais deteriorações terão de ser imputadas, a primeira e a segunda, ao tipo de construção do prédio, não sendo razoável que radiquem num uso imprudente do locado. E o buraco na parede que sustenta a banheira foi efectuado em virtude do entupimento do sifão, e, como tal, trata-se de uma obra de conservação ordinária a cargo do senhorio (alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RAU).
Em suma, a responsabilidade indemnizatória do Réu está limitada às deteriorações verificadas nos fechos da porta sacada, aos danos nos pavimentos da sala e do quarto, aos danos dos 4 azulejos partidos da cozinha, e, ainda, aos danos resultantes do desaparecimento de chaves das portas interiores e arrancamento de tomadas.
Desconhece-se, porém, o montante dos danos, impondo-se a condenação em indemnização a ser liquidada nos termos do n.º2 do art. 378º do CPC.
IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, revogando em parte a sentença, condena-se o Réu a pagar ao Autor uma indemnização pelos danos acima discriminados, em montante a liquidar nos termos do n.º2 do art. 378º do CPC.
As custas, em ambas as instâncias, serão pagas provisoriamente a meias, ficando a exacta proporção deferida para o incidente de liquidação.