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APOIO JUDICIÁRIO
Sumário
O instituto do Apoio judiciário não tem como fim o não pagamento de custas a final.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra
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No processo supra identificado, A...., na qualidade de arguido, alegando que foi julgado em 13/4/2004 e cujo acórdão foi lido no dia 22/4/2004, veio pelo requerimento de fls. 179 e 180, daqueles autos, cuja cópia se encontra nestes autos de recurso em separado a fls. 2, entrado em 22/4/2004, requerer «a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo».
O senhor juiz do processo, por despacho de 7/06/2004, proferiu despacho nos respectivos autos, indeferindo liminarmente, o requerimento para benefício de apoio judiciário, com o fundamento do arguido não ter manifestado pretender praticar qualquer acto nos autos susceptível de ser tributado com taxa de justiça.
É do seguinte teor o despacho recorrido: «Veio o arguido A...requerer, entre outras pretensões, o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e custas, nos termos que constam do requerimento constante de fls. 179 e 180. O instituto do apoio judiciário, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, concretiza o fundamental princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º daquela Lei, garantindo a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 387 -B/87 de 29 de Dezembro (aplicável ao caso por força do disposto no artigo 57.º, n.º 3 da Lei n.º 30-E/2000 de 20 de Dezembro) preceitua que "o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos". E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 391/88 de 26 de Outubro, que regulamenta o apoio judiciário, refere-se que "o apoio judiciário adquire, pela primeira vez, uma feição tendente a possibilitar a todos os cidadãos um claro e inequívoco direito de, em juízo, pugnarem pelos seus legítimos interesses". Apliquemos, então, tais princípios ao processo penal, designadamente, no que diz respeito à posição do arguido e quanto à modalidade de apoio judiciário requerida. Em processo penal, como é sabido, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial, sendo certo que o arguido tem garantido ab initio o seu acesso ao tribunal. Com, efeito, o arguido está no processo porque foi acusado do cometimento de um crime e aqui se encontra sem possibilidade de escolha, independentemente da sua situação económica. Repare-se que assim que qualquer pessoa se encontre numa das situações abrangidas pelos artigos 57.º e 58.º do Código de Processo Penal é obrigatoriamente constituído como arguido e desde esse momento é-lhe assegurado o exercício de um vasto conjunto de direitos e deveres processuais - cfr. artigo 60.º do Código de Processo Penal - designadamente o de estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito e o de ser assistido por um defensor, escolhido por si ou nomeado pelo tribunal, em todos os actos que participar - cfr. artigo 61.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Apenas em duas situações o arguido pode ter dificuldades ou ver-se impedido de fazer valer os seus direitos em virtude da sua insuficiência de meios económicos: (i) em primeiro lugar, quando o arguido pretenda requerer a abertura de instrução; (ii) em segundo lugar, quando o arguido pretenda interpor recurso - sendo que nestas duas situações há necessidade de proceder ao pagamento inicial de taxa de justiça sob pena de o requerimento para a abertura de Instrução ou o requerimento de interposição de recurso serem considerados sem efeito, tudo nos termos dos artigos 80.º, 83.º, n.º 1 e 86.º do Código das Custas Judiciais. In casu não estamos perante nenhuma das situações referidas, pelo que não nos resta senão recusar o requerido pedido de apoio judiciário na modalidade pretendida. Em face do exposto, indefiro liminarmente o pedido de apoio 1udiciárlo deduzido pelo arguido A..., na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1/2 UC».
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Inconformado o arguido interpôs recurso deste despacho.
Formula as seguintes conclusões: «I- O pedido de apoio judiciário deverá ser efectuado segundo a Lei 30-E/2000 de 20 de Dezembro. II- Que no seu artigo 7.º, n.º 1 dispõe que têm direito a protecção jurídica os cidadãos que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial. III- E ainda no seu art. 17.º, n.º 2 dispõe que o apoio judiciário poderá ser formulado em qualquer estado da causa. IV- Sendo que a causa termina com o trânsito em julgado da decisão. V- O pedido para concessão do apoio judiciário foi requerido na pendência do processo em 22.04.2004, antes da leitura do Acórdão, logo, antes do trânsito em julgado da decisão. VI- A especificidade do processo penal em relação ao processo civil permite-nos distinguir diferenças relevantes. VII- Uma delas é a nomeação de um defensor oficioso que é obrigatoriamente feita pelo tribunal mesmo sem qualquer iniciativa do arguido. VIII- O arguido para se ver representado por advogado não necessita de solicitar a "nomeação de patrono" que ocorre no âmbito dos processos cíveis e que é necessariamente precedida de concessão de apoio judiciário para o efeito. IX- No entanto, e admitindo que o arguido é pessoa de situação económica precária, vê-se no final do processo com a responsabilidade de suportar os honorários do defensor oficioso em sede de custas. X- O arguido terá ainda, no entendimento do Tribunal "a quo", e independentemente da sua condição económica, de ter obrigatoriamente capacidade para suportar as custas de um processo judicial, desde que a sua situação processual não seja passível de ser enquadrada num dos dois casos já referidos anteriormente. XI- A vertente de fundamentação do apoio judiciário, como a possibilidade de "acesso ao direito" por carenciados economicamente, tem plena justificação apenas nos processos cíveis em que o impulso processual está quase na totalidade na dependência das partes. XII- Tendo, pelo contrário, no processo penal, nomeadamente no que diz respeito ao arguido, um peso diminuído já que a posição deste não é a de uma verdadeira parte. XIII- É, antes, a de alguém que é chamado ao processo independentemente da sua vontade e da sua condição económica. XIV- Deste modo, o arguido sem condições económicas, para suportar as despesas, de sua responsabilidade, com o processo, deve ter o direito de requerer o apoio judiciário desde que o faça até à decisão final transitada em julgado. XV- O argumento de que o apoio judiciário apenas pode ser pedido quando existir alguma situação em que o torne necessário para efeitos de impulso processual, vai colidir igualmente com o Princípio da Celeridade Processual. XVI- Os motivos de justiça social inerentes à concessão deste benefício ficam aquém do seu fim, uma vez aplicados e entendidos com esta limitação a dois momentos em processo penal. XVII- Quando os mesmos deveriam ser aplicados e entendidos tendo em atenção as reais dificuldades económicas dos requerentes de tal benefício em custear os montantes inerentes ao processo em que estão envolvidos. XVIII- Tal não foi considerado pelo Tribunal "a quo". XIX- Assim, tal omissão configura uma violação dos artigos 7.º n.º 1 e 17.º n.º 2 da referida Lei 30-E/2000 de 20 de Dezembro, assim como o art. 4.º do C.P.P e art. 2.º do C.P .C. XX- Ora, tais artigos deverão ter aplicação no presente caso. XXI- Uma vez que foi formulado o requerimento pelo arguido na pendência do processo. XXII- Pelo que deve ser admitido o pedido de Concessão de Apoio Judiciário apresentado. XXIII- O Tribunal "a quo" condenou, ainda, o arguido em custas de incidente. XXIV- Com efeito, e no caso de existir incidente de apoio judiciário, o art. 84.º do Código das Custas Judiciais refere que "é devida taxa de justiça". XXV- O instituto do apoio judiciário é um direito atribuído a qualquer cidadão. XXVI- Podemos verificar que, neste caso em concreto, o referido requerimento deu entrada na pendência da acção. XXVII- Logo, não se nos vislumbra que se tenha verificado o incidente de extemporaneidade conforme possa resultar do art. 81.º-A do Código das Custas Judiciais. XXVIII- O art. 19.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, refere no seu n.º 1 que "a prova de insuficiência económica pode ser feita por qualquer meio idóneo", e no seu n.º 2 que "as declarações do requerente (...) devem ser acompanhadas dos documentos comprovativos de que o requerente disponha.". XXIX- O requerimento do benefício de apoio judiciário apresentado pelo arguido foi devidamente documentado, não se verificando, portanto, um possível incidente por falta de documentação do requerimento. XXX- O motivo que levou o arguido a requerer o beneficio do apoio judiciário não foi o facto de possuir baixos rendimentos económicos mas sim o facto de haver uma total ausência de rendimentos. XXXI- O que, por si só, leva a que o arguido goze da presunção de insuficiência económica, conforme o disposto no art. 20.º da Lei30-E/2000, de 20 de Dezembro. XXXII- Pelo que não deve o arguido ser condenado em custas de incidente. Nestes termos e nos melhores de direito, se o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" não usar da faculdade conferida pelo art. 414.º, n.º 4 do CPP, reparando o despacho ora recorrido, deve o mesmo ser alterado sendo substituído por outro em que seja levada em consideração a presente motivação e, em consequência, ser admitido o pedido de apoio judiciário formulado ao processo e não devendo o arguido ser condenado em custas de incidente».
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Notificado o Ministério Público, da interposição do recurso, para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, veio responder, tendo sustentado que o recurso deve ser rejeitado.
O senhor juiz “a quo” proferiu despacho de manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, emite douto parecer no sentido da improcedência do recurso, embora com fundamento diferente, tendo em conta que o benefício de apoio judiciário foi requerido durante a audiência de julgamento e o arguido não interpôs recurso do acórdão.
Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta do recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre-nos decidir.
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O Direito
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Questão a decidir: Apreciar se o requerimento do arguido para «concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo», requerido no próprio dia da prolação do acórdão, deve ou não ser indeferido liminarmente, sendo certo que o arguido não fez menção que pretendia recorrer, direito que acabou por não vir a exercer e dado que o mesmo acórdão já se encontra transitado.
A questão a decidir é simples, a qual se traduz em saber se tem acolhimento legal o despacho do senhor juiz que indeferiu o benefício de apoio judiciário em processo crime, com o fundamento de que tal benefício não tem como fim o não pagamento de custas.
Parecem-nos claras as razões de indeferimento do benefício de apoio judiciário na modalidade requerida.
Vejamos pois a factualidade dos autos. 1. O arguido requereu o benefício de apoio judiciário no dia 22/04/2004, alegando não auferir rendimentos, encontrando-se internado em tratamento para desintoxicação de estupefacientes (fls. 2). 2. O requerimento deu entrada nos autos no próprio dia da prolação do acórdão, dia 22/04/2004 (fls. 27). 3. Já depois de proferido o acórdão, é que o senhor juiz proferiu despacho de indeferimento, no dia 7/06/2004 (fls. 7). 4. O arguido não interpôs recurso do acórdão, o qual se encontra transitado, (fls. 39).
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Apreciemos pois a questão suscitada no âmbito do recurso.
Dispõe o art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Nada mais linear: o instituto do benefício de apoio judiciário não tem como fim o não pagamento de custas a final.
O que se pretende com este preceito constitucional é que a pretensão de qualquer cidadão de exercer um direito e concretamente no domínio do direito penal e processual penal, seja como ofendido ou defender-se como arguido, não pode deixar de ser exercido por falta de meios económicos.
Tal princípio foi vertido na legislação comum que regulamenta o acesso ao direito e aos tribunais, quando designadamente no art. 1.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, se consagra que “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos”.
Ora, no caso dos autos o arguido já exerceu o direito de defesa e tal direito esgotou-se com o trânsito em julgado da sentença que o condenou, pois dela não interpôs recurso.
Assim, não havendo um direito constitucionalmente consagrado a exercer, como seja a interposição de recurso do acórdão condenatório, não se justifica legalmente o recurso ao benefício de apoio judiciário.
Aliás, tal princípio está em consonância com o disposto no art. 17.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando aqui se preceitua “que o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantendo-se também para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa...”
Ora, tendo sido proferida sentença final nos autos tal benefício tinha claramente em vista apenas o não pagamento de custas, como decorre do formulação do pedido quando o arguido conclui no requerimento: «Requer-se a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo».
Estaríamos de acordo desde que o benefício de apoio judiciário requerido no próprio dia da prolação do acórdão, e, então o requerimento sempre seria de admitir limiarmente, desde que do mesmo constasse a manifesta vontade do arguido de que pretendia recorrer do acórdão, cuja interposição de recurso tem como condição de admissibilidade o pagamento prévio da respectiva taxa de justiça.
E nem podia ser de outra maneira, pois o legislador o que pretendeu foi assegurar o acesso ao direito e aos tribunais a todos os cidadãos que pretendam fazer valer um direito legalmente protegido.
Porém, apesar do arguido ter requerido o benefício de apoio judiciário na pendência do processo, isto é, no dia da prolação do acórdão, será irrelevante, pois deve ser rejeitado, por não se destinar a proporcionar a prática de um acto processual, a quem carece de meios económicos, cujo acto depende do prévio pagamento de taxa de justiça.
Não há pois ofensa àquelas normas legais atrás citadas com decisão que indefira o pedido de apoio judiciário, em processo penal com sentença condenatória já transitada em julgado, quando com tal benefício tenha em vista apenas o não pagamento de custas.
Por isso, repetimos, não pretendendo o arguido interpor recurso da sentença, não pode o tribunal recorrido conceder-lhe o benefício de apoio judiciário, com o único fim de não ter que pagar as custas.
Concluímos assim que o apoio judiciário só pode ser concedido quando o processo ainda puder prosseguir, isto é, que haja ainda uma perspectiva de um procedimento futuro.
Ora, tendo a sentença final transitado em julgado a liquidação das custas e multas deve ser feita e notificada aos intervenientes processuais para efeitos de reclamação, recebimento ou pagamento, nos termos dos art. 59.º a 61.º, 63.º e 64.º, aplicáveis, com as necessárias adaptações, ex vi art. 99.º, todos do C. C. Judiciais.
Não tendo sido pagas as custas voluntariamente, resta ao Ministério Público instaurar a execução, dando assim cumprimento ao disposto no art. 116.º, do diploma legal acabado de citar.
O princípio basilar do apoio judiciário é que ninguém deve ser dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos.
E dar-se-à realização àquele princípio válido para o apoio judiciário, se também o encararmos pela perspectiva de que quem tem capacidade económica deve pagar ao Estado o benefício que este lhe proporcionou.
E se porventura o arguido não tiver bens, a execução terá o destino previsto no art. 122.º, do C. C. Judiciais, que é o arquivamento condicional, até decorrer o prazo prescricional.
Por isso, é de indeferir o pedido de apoio judiciário que foi formulado no dia da prolação do acórdão, sem menção de que o requerente pretendia interpor recurso, e, como tal ser dispensado da respectiva taxa de justiça, sendo certo que do mesmo acórdão não foi interposto recurso pelo arguido.
É manifesto e inquestionável que o apoio judiciário é um incidente no decurso do processo penal, expressamente previsto no art. 84.º, do CCJ, e, como tal está sujeito a tributação.
Por isso, também bem andou aqui o tribunal recorrido.
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Decisão:
Nestes termos, decidem, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, consequentemente se confirma a decisão recorrida que lhe negou o benefício de apoio judiciário.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 8 UCs.