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LIVRANÇA
PRESCRIÇÃO
PACTO DE PREENCHIMENTO
INDETERMINABILIDADE DO OBJECTO
AVAL
Sumário
I - As acções contra o avalista do aceitante prescrevem no mesmo prazo de três anos a este aplicável. II - A citação em qualquer processo produz a interrupção da prescrição, inutilizando, para o efeito, todo o tempo decorrido até então. III - O avalista que haja subscrito o pacto de preenchimento da livrança pode opor ao beneficiário da mesma que instaurou a execução a excepção material do preenchimento abusivo, porque ainda se está no domínio das relações imediatas, competindo-lhe o ónus da prova desse preenchimento abusivo. IV - Inexiste indeterminabilidade do objecto da obrigação quando, ainda que se faça uma menção genérica às suas causas, se alude a causas específicas que permitem saber com segurança quais as operações que dão lugar, caso os respectivos débitos não sejam pagos, ao preenchimento da livrança. V - O avalista que foi parte no pacto de preenchimento pode invocar a nulidade decorrente da indeterminabilidade do objecto do negócio, sem prejuízo de a ver negada com fundamento em comportamento abusivo na modalidade de venire contra factum proprium.
Texto Integral
Apelação n.º 2295/11.5TBOAZ-A.P1 – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1364
Mário Fernandes
Leonel Serôdio
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B… e mulher C… deduziram oposição à execução que lhes move a D…, S.A., pedindo a extinção da execução ou, caso assim se não entenda, a extinção da instância.
Excepcionaram a prescrição do direito de acção, por terem decorrido mais de três anos sobre a data de vencimento da livrança que constitui título executivo; disseram que a livrança foi assinada em branco e preenchida pela exequente sem o conhecimento ou consentimento dos opoentes, pelo que o preenchimento é abusivo; e que o aval por eles concedido é nulo por ser indeterminável a obrigação do avalizado.
A exequente/oposta contestou, dizendo que em 3 de Janeiro de 2012 intentou uma execução comum que correu termos com o n.º 10/11.2TBOAZ, no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, na qual um dos títulos executivos era a livrança agora dada à execução; nesse processo foi proferido despacho judicial que não admitiu a execução conjunta dos títulos então apresentados, tendo sido convidada a escolher com qual deles pretendia continuar os autos, tendo optado pela outra livrança, e vindo agora apresentar esta à execução; os executados foram ali citados, pelo que se interrompeu a prescrição.
Mais alegou que celebrou com a sociedade E…, S.A. seis operações de adiantamento de remessas à exportação e que a livrança foi assinada em branco pelos executados, na qualidade de avalistas, que autorizaram o seu preenchimento. Os mesmos foram interpelados para o pagamento da quantia em dívida. Os executados estão no âmbito das relações mediatas, pelo que não lhes é lícita a invocação do abuso de preenchimento da livrança.
Por outro lado, dizem que o pacto de preenchimento permite determinar a obrigação garantida e os seus limites, que foram respeitados.
Conclui pela improcedência da oposição.
Foi lavrado saneador-sentença que julgou a oposição improcedente, determinando o prosseguimento da execução.
II.
Recorreram os opoentes, concluindo:
I – Os Recorrentes foram executados pela D…, S.A. para o pagamento de uma livrança subscrita pela sociedade “IE…, S.A.” e avalizada pelos aqui recorrentes B… e C….
II – A acção executiva foi intentada apenas contra os ora recorrentes pois a sociedade “E…, S.A.” foi declarada insolvente a 8 de Janeiro de 2008 por sentença do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
III – A livrança que serve como título executivo à presente acção prescreveu.
IV – A livrança ora apresentada à execução tem como data de vencimento o dia 16 de Janeiro de 2008 - as livranças prescrevem no prazo de 3 anos, nos termos do art. 70º, aplicável ex vi art. 77º, ambos da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, sendo entendimento pacífico na doutrina que, no que respeita aos avalistas, o mesmo prazo prescricional de três anos é aplicável,
V – Tal norma pretende assegurar a estabilização das relações jurídicas e sancionar a negligência do titular do direito, presumindo que este a ele renuncia no caso de não o exercitar no prazo legal, ficando assim desprovido da protecção jurídica que lhe caberia caso observasse tal prazo,
V – Ora a citação, nos presentes autos, realizou-se cerca de nove meses depois, no dia 19 de Outubro de 2011.
VI – No entanto, o Tribunal a quo decidiu pela improcedência da referida excepção peremptória da prescrição da acção cambiária nos termos do art. 496º do CPC, considerando que se verificava a existência de uma causa de interrupção do prazo de prescrição.
VII – E tal facto interruptivo consubstancia-se na citação feita aos Recorrentes no âmbito do processo executivo com o n.º 10/11.2TBOAZ a correr os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Azeméis.
VIII – Ora nesses autos foram apresentadas à execução duas livranças, uma das quais a que ora se discute, convidada a decidir com qual das duas pretendia seguir a acção executiva, a exequente não optou pela que serve de título executivo nos presentes autos,
IX – Assim, demonstrando que, expressa e inequivocamente, não a pretendia executar e mantendo a mesma postura de inércia que pautou os três anos e 9 meses que deixou decorrer desde a data de vencimento da livrança até à entrada do requerimento executivo.
X – O meritíssimo tribunal a quo ponderou que, nesse primeiro processo, “Considerando a data de 16 de Janeiro de 2008, como data de emissão da livrança em apreço, temos que só em 16 de Janeiro de 2011 o direito em accionar o crédito aí contido se encontraria prescrito, pois só nessa data estariam decorridos os três anos a que se fez referencia. Ora a sobredita acção executiva foi autuada em 03 de Janeiro de 2011, isto é, 17 dias antes do termo do prazo prescritivo de 03 anos, a que alude o artigo 70.º da L.U.L.L. os executados/opoentes foram, nessa sequencia, citados naqueles autos.” – a livrança não estaria, portanto, prescrita.
XI – Pois a citação realizada no âmbito desse processo faria operar um efeito interruptivo, assim inutilizando todo o tempo já decorrido e iniciando-se novo prazo a contar da notificação no anterior processo executivo.
XII – No entanto, e com o devido respeito que é muito, tal posição não é a acertada.
XIII – A Recorrida, naquela primeira acção na qual ainda não decorrera o prazo prescritivo, abriu mão da executar esta livrança, o que a coloca fora do âmbito de protecção 1 do art. 323º, n.º do Cód. Civil.
XIV – A Recorrida não praticou o acto – in casu a citação – junto de um tribunal incompetente, mas, sim, sabendo do termo do prazo prescritivo decidiu findar o processo executivo no que respeita aos aqui Recorrentes.
XV – Aliás, após tal desistência de uma acção já intentada perto do termo do prazo de prescrição, demorou ainda cerca de nove meses a intentar a presente acção.
XVI – Como tal, não se pode dar o prazo como interrompido o que impõe que se considere o direito de acção para a cobrança da livrança prescrito.
XVII – Em suma, o direito da exequente de exigir o pagamento do montante ínsito na livrança em causa prescreveu em Janeiro de 2011!
XVIII – Mais se diga que a livrança dada à execução não foi devidamente preenchida no seu valor, pois que esta foi subscrita em branco pela sociedade “E…, S.A.”, sendo que os oponentes B… e C… intervieram como avalistas,
XIX – Os Recorrentes aceitaram assinar a livrança que se destinava a servir de garantia, pela celebração de um contrato celebrado entre a exequente e a sociedade subscritora, ficando esta na posse da exequente, apenas em carteira.
XX – Ora a livrança foi preenchida pela exequente, após ter sido assinada e avalizada em branco, sem o consentimento – ou sequer conhecimento – dos executados.
XXI – O Tribunal a quo considerou que os Recorrentes/ avalistas “estão no âmbito das relações imediatas, porquanto intervieram no pacto de preenchimento da livrança, deve concluir-se que os dois são conhecedores das condições contratuais em causa.” – mas a verdade é que os Recorrentes nunca aceitaram avalizar uma tal quantia.
XXII – Pois o valor constante da livrança extravasa largamente aquilo que as partes convencionaram no que concerne ao eventual valor de que os Recorrentes seriam garantes e no que concerne ao eventual vencimento da dívida.
XXIII – Ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se considerasse que os Recorrentes autorizaram o preenchimento da livrança entregue em branco, o certo é que seria sempre forçoso que nessa declaração de autorização de preenchimento se fizesse menção expressa a que operação de crédito tal livrança se destinava a garantir.
XXIV – Isto é, impõe-se que seja possível aferir da determinabilidade do objecto que é um requisito essencial de qualquer negócio nos termos da lei civil (art.º 280º, nº 1 do Cód. Civil) com aplicação às relações cambiárias,
XXV – Como tal, a livrança pode ser entregue para garantia de obrigação futura, sendo, todavia, de exigir que, no momento dessa prestação, seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá resultar ou, ao menos, como há-de ele ser determinado, pois de contrário, o seu objecto não seria determinado nem determinável e ele seria, portanto nulo.
XXVI – E a verdade é que não foi comunicado aos Recorrentes quais os critérios objectivos que permitam, no futuro, avaliar o conteúdo da prestação de forma a que conhecessem os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultassem tal conhecimento.
XXVII – Como é lógico, os Recorrentes nunca aceitariam avalizar uma livrança que servisse para cobrir todos os débitos que um terceiro tenha ou possa vir a ter pois ficariam obrigados, por determinação de terceiro, a pagar a outrem, ilimitadamente, qualquer montante!
XXVIII – Os Recorrentes deram apenas o seu aval para os créditos que surgissem de um dado contrato a celebrar com a Recorrida e, mesmo no âmbito desse contrato, nunca a um tão avultado montante quanto o que serve de valor de acção ao presente processo.
XXIX – Nesta conformidade, é inequívoco que a eventual garantia prestada pelos Recorrentes inserta na livrança exequenda é nula por indeterminabilidade do seu objecto.
XXX – Em conformidade com o que se vem de referir, a própria Recorrida parece indecisa em definir o que se cobra com a livrança, como se refere na douta sentença referida, ao assinar o pacto de preenchimento os Recorrentes participam na relação imediata, e é exactamente por isso que não conseguem compreender como se cobra tão significativa quantia.
XXXI – Vejamos, a Recorrida alegou que a livrança junta ao requerimento executivo foi subscrita e avalizada para garantir o pagamento de remessas à exportação quando os Recorrentes a avalizaram para garantir as obrigações decorrentes de um dado contrato e não de indeterminadas e indetermináveis “remessas”,
XXXII – Mas esta á uma das muitas indecisões da Recorrida que na reclamação de créditos apresentada na insolvência da “E…, S.A.”, já alega que a quantia que esta última lhe deve não está avalizada pelo Recorrente, mas apenas pelo Sr. F… em livrança subscrita pela sociedade insolvente “E…, S.A.”.
XXXIII – Ora, não sabem os Recorrentes, nem têm de saber, quais sejam ao montantes globais em dívida pela Insolvente à Recorrida, no entanto, a livrança que serve de título à presente execução não foi subscrita e avalizada para garantir o pagamento de remessas à exportação como se quer fazer crer na execução.
XXXIV – Querendo parecer que a Recorrida pretende, às custas dos Recorrentes, receber valores que provavelmente não recuperará da Insolvente.
XXXV – O que nunca poderá fazer com base num título executivo prescrito, com um valor inserto sem consentimento e sem critérios de determinabilidade que, aliás, decorrem de não se decidir a Recorrida sobre quais das obrigações da sociedade “E…, S.A.” se fizeram avalistas os Recorrentes.
Dado o exposto e o douto suprimento de V/Ex.ªs., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida que julgou improcedente a Oposição à Execução.
ASSIM FARÁ V/ EXA. INTEIRA, BOA E SÃ JUSTIÇA!
A exequente respondeu, pedindo a confirmação da sentença.
III.
Questões:
- prescrição da acção executiva;
- violação do pacto de preenchimento;
- indeterminabilidade do objecto;
- termos em que concederam o aval.
IV.
Factos provados:
A. Figura como título executivo do processo comum executivo com o n.º 2295/11.5TBOAZ, a que a presente oposição corre por apenso, uma livrança, na qual consta a data de emissão de 24 de Setembro de 2001 e com vencimento na data de 16 de Janeiro de 2008;
B. Na sobredita livrança consta ainda o montante de 15.205.842$00;
C. No título executivo acima mencionado, figura como subscritora a sociedade E…, S.A., constando as assinaturas dos seus administradores G… e F…;
D. No título acima mencionado, pode ler-se “Dou o meu aval à subscritora B…” e “Dou o meu aval à subscritora C…”;
E. No dia 03 de Janeiro de 2011, a exequente intentou processo de execução comum contra os opoentes e contra H… e I…, autuada com n.º 10/11.2TBOAZ, neste 3.º Juízo Cível;
F. No âmbito do mencionado processo, a citação de executado, com o registo …………., dirigida a C…, foi efectuada por via postal, com aviso de recepção e recebida em 13 de Janeiro de 2011;
G. No âmbito do mencionado processo, a citação de executado, com o registo …………., dirigida a B…, foi efectuada por via postal, com aviso de recepção e recebida em 13 de Janeiro de 2011;
H. No mencionado processo foram apresentados como títulos executivos duas livranças, uma das quais a livrança executada nestes autos e acima referida;
I. No âmbito do processo acima mencionado, foi proferido despacho saneador com a referência 3092675, onde se pode ler na parte do dispositivo do mesmo “Face ao exposto e nos termos das citadas disposições legais convido a Exequente a, no prazo de dias, indicar qual o pedido em relação ao qual pretende que a acção prossiga, sob pena de indeferimento do requerimento executivo”;
J. Nessa sequência, a exequente respondeu ao despacho supra mencionado no sentido de que não pretendia que a execução prosseguisse em relação ao título executivo, junto na execução dos presentes autos;
K. A exequente, no exercício da sua actividade bancária celebrou com a insolvente E…, Lda. 06 (seis) operações de adiantamento de remessas à exportação;
L. Em 24 de Setembro de 2001 e na sequência das negociações havidas, os opentes entregaram à exequente a livrança identificada de A. a D.;
M. No documento, a folhas 85 a 86, junto com a contestação, como pacto de preenchimento, figura como remetente ”E…, S.A., Zona Industrial …, ….-… …” e como destinatário D…, S.A.;
N. No referido documento pode ler-se que ”De acordo com as negociações havidas com V. Ex.as. e para garantia de: a) todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse Banco, em conjunto ou isoladamente e em qualquer qualidade, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, de empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças ou de alguma outra operação ou título em direito permitidos, até ao limite em capital de Esc. 20.000$00 (vinte milhões de escudos); b) dos juros compensatórios até à taxa anual máxima de 15% ou de outras taxas mais elevadas que a D… venha a estabelecer ou a praticar nas respectivas operações, acrescida em caso de mora de 4% a título de cláusula penal, correspondentes a um período máximo de cinco anos; c) e das despesas judiciais ou extrajudiciais que o Banco tiver de fazer, incluindo as despesas de segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes das operações garantidas, até ao montante máximo de Esc. 800.000$00 (oitocentos mil escudos), junto remetemos uma livrança em branco, datada de hoje, subscrita por E…, S.A., e avalizada por G…, J…, F…, K…, L…, M…, B… e C…;
O. No documento acima mencionado, pode ler-se igualmente que havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, caso em que se consideram vencidas todas as outras, fica esse Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe o vencimento, em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender;
P. No documento acima mencionado, pode ainda ler-se: esclarecemos que: 1. esse Banco fica com a faculdade de determinar as nossas dívidas que integram o referido limite; 2. as responsabilidades, entretanto pagas, deixam de ser contadas para o preenchimento do referido limite; 3. esse Banco fica com a faculdade de não nos conceder crédito ainda que, para tanto, haja margem suficiente do referido limite;
Q. Mais se pode ler que: os outros intervenientes da livrança concordam com as estipulações desta carta contrato, anuem a que título nos seja entregue pelo Banco, contra recibo, logo que nós cumpramos todas as obrigações para com esse banco, assinando, também a carta contrato em confirmação. …, 24 de Setembro de 2001;
R. No aludido documento figura o carimbo da administração da sociedade E…, S.A.;
S. Nesse mesmo documento figuram diferentes assinaturas, de entre as quais, B… e C…, onde se pode ler que as assinaturas retro de E…, S.A., G…, J…, F…, K…, L…, M…, B… e C… conferem, por semelhança, com as que constam dos nossos registos. …, 24 de Setembro de 2001;
T. Da carta, datada de 02 de Março de 2010, pode ler-se: Exmo. Senhor B… (…) Como é do conhecimento de V. Exa. foi, por sentença proferida em 16 /01/ 2008, declarada a insolvência da sociedade E…, S.A., com o consequente vencimento, naquela data, das operações nº PT …………….. (contrato de abertura de crédito em conta corrente), adiantamento de remessas à exportação (6 descontos) e descoberto na conta de Depósitos à Ordem (…) e com o preenchimento das livranças que as caucionam, das quais V. Exa. é avalista, pelos valores de € 63.405,16, € 75.846,42 e € 9.626,68 respectivamente. Assim, por este meio, interpelamos V. Exa. para, no prazo máximo de 8 dias, proceder ao pagamento das referidas importâncias, acrescida de um agravamento diário de € 16,31 desde 16/01/2008, correspondente a juros calculados à taxa legal de 4% e a que acresce o respectivo imposto do selo de 4%. Findo o prazo indicado sem que tenha sido efectuado o respectivo pagamento, promoveremos de imediato a competente acção executiva, sem mais aviso (conforme documento, junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a folhas 88);
U. Do documento acima mencionado figura como remetente D…;
V. Da carta, datada de 02 de Março de 2010, pode ler-se: Exma. Senhora D C… (…) Como é do conhecimento de V. Exa. foi, por sentença proferida em 16/01/2008, declarada a insolvência da sociedade E…, S.A., com o consequente vencimento, naquela data, das operações nº PT …………….. (contrato de abertura de crédito em conta corrente), adiantamento de remessas à exportação (6 descontos) e descoberto na conta de Depósitos à Ordem (…) e com o preenchimento das livranças que as caucionam, das quais V. Exa. é avalista, pelos valores de € 63.405,16, € 75.846,42 e € 9.626,68 respectivamente. Assim, por este meio, interpelamos V. Exa. Para, no prazo máximo de 8 dias, proceder ao pagamento das referidas importâncias, acrescida de um agravamento diário de € 16,31 desde 16/01/2008, correspondente a juros calculados à taxa legal de 4% e a que acresce o respectivo imposto do selo de 4%. Findo o prazo indicado sem que tenha sido efectuado o respectivo pagamento, promoveremos de imediato a competente acção executiva, sem mais aviso (conforme documento, junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a folhas 87);
W. Do documento acima mencionado figura como remetente D…;
X. A livrança não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente, por qualquer dos co-obrigados;
Y. No registo Comercial, E…, S.A. figura como sociedade anónima e sociedade insolvente, com o número de pessoa colectiva ………, identificando-se como sócios, entre outros, B…, casado, no regime da comunhão geral, com C….
V.
Da prescrição da execução.
O art. 70.º da LULL, aplicável às livranças por via do art. 77.º do mesmo diploma, dispõe que “todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.”
Como decorre do facto A., a livrança dada à execução tem como data de vencimento o dia 16 de Janeiro de 2008.
Está adquirido para os autos que a execução por apenso à qual corre esta oposição deu entrada em juízo já após terem decorrido três anos sobre a data de vencimento referida.
Assim, em princípio a execução estaria prescrita.
Com efeito, as acções contra o avalista do aceitante prescrevem no mesmo prazo de três anos aplicável a este[1].
No entanto, a situação destes autos não reveste essa simplicidade.
É que o título executivo aqui utilizado já havia sido dado à execução noutro processo, no qual os aqui opoentes foram citados como executados antes do decurso do prazo prescricional.
Os opoentes entendem, todavia, que essa citação não vale como forma de interromper a prescrição.
Na dita execução o título executivo eram duas livranças, sendo uma delas a agora em causa (cfr. facto H.).
Nesse processo foi proferido despacho saneador convidando a “exequente a (…) indicar qual o pedido em relação ao qual pretende que a acção prossiga, sob pena de indeferimento do requerimento executivo” (facto I.).
Tal despacho foi proferido por se ter julgado a coligação de que lançara mão a exequente ilegal.
A exequente respondeu que não pretendia que a execução prosseguisse em relação ao título executivo ora dado à execução (facto J.).
Perante isto, os opoentes defendem que tendo deixado cair a livrança ora executada, não pode a exequente beneficiar da interrupção da prescrição que adviria de terem sido citados nessa execução dentro do prazo de três anos a contar do vencimento da livrança.
Parece que lhes não assiste razão.
O aproveitamento dessa citação como forma de interrupção da prescrição advém do n.º 1 do art. 323.º do CC, no segmento que diz: “seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
A instauração da execução primitiva também por esta livrança significa a vontade da exequente de accionar os responsáveis pelo seu pagamento.
E a consideração pelo Tribunal de que não era legítima a coligação por demanda conjunta de vários executados, por não estar em causa quanto a todos os mesmo título (cfr. fls. 43), impondo à exequente que escolhesse aquele que pretendia se mantivesse na execução, não equivale a nenhum acto de desistência do pedido por banda da exequente. Antes ao acatamento de uma imposição jurisdicional para superar a coligação ilegal.
Tanto assim que a exequente voltou a invocar, neste processo, o título que deixou cair na execução prévia.
Como se decidiu no acórdão do STJ de 10.10.1990[2], a citação em qualquer processo produz a interrupção da prescrição da livrança, inutilizando para o efeito todo o tempo decorrido até então.
Tendo a citação dos executados nesse processo ocorrido em 13.01.2011, a partir daí inicia-se novo prazo de prescrição (art. 326.º do CC), pelo que não pode considerar-se prescrita a execução.
A 2.ª questão suscitada pelos apelantes é a violação do pacto de preenchimento.
É entendimento pacífico que tendo o avalista subscrito o pacto de preenchimento da livrança e sendo nele interveniente, pode opor ao beneficiário da mesma livrança que instaurou a execução a excepção material do preenchimento abusivo dos títulos, porque ainda se está no domínio das relações imediatas[3].
Mas também o é que cabe ao avalista o ónus da prova desse preenchimento abusivo, nos termos do art. 342.º/2 do CC[4].
Os apelantes dizem que a livrança não foi devidamente preenchida quanto ao valor, tendo sido subscrita em branco pela sociedade E…, S.A., nela tendo intervindo eles como avalistas; destinava-se a servir de garantia de um contrato celebrado entre a exequente e a sociedade subscritora, tendo a assinatura do pacto de preenchimento sido um mero formalismo; não deram consentimento para o preenchimento nos moldes em que foi, nem tiveram dele conhecimento; o preenchimento foi abusivo.
Seguidamente, os apelantes referem-se a um tempo à indeterminabilidade do objecto da obrigação assumida no pacto de preenchimento com o abuso do preenchimento da livrança.
Atenhamo-nos, pois, à 1.ª razão.
Frisam os recorrentes que apenas deram o seu aval para os créditos que surgissem de um dado contrato a celebrar com a recorrida e, mesmo no âmbito desse contrato, nunca a tão avultado montante como o aposto na livrança.
Os apelantes subscreveram, na qualidade de avalistas, uma carta endereçada à exequente por E…, S.A. (fls. 85 e factos N. a Q.), da qual consta:
De acordo com as negociações havidas com V. Ex.as, e para garantia de:
a) todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse Banco, em conjunto ou isoladamente e em qualquer qualidade, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, de empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, ou de alguma outra operação ou título em direito permitidos, até ao limite em capital de Esc. 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos);
b) dos juros compensatórios até à taxa anual máxima de 15% ou de outras taxas mais elevadas que a D… venha a estabelecer ou praticar nas respectivas operações, acrescida em caso de mora de 4% a título de cláusula penal, correspondente a um período máximo de cinco anos;
c) e das despesas judiciais ou extrajudiciais que o Banco tiver de fazer, incluindo as despesas de segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes das operações garantidas, até ao montante máximo de Esc. 800.000$00 (oitocentos mil escudos),
junto remetemos uma livrança em branco, datada de hoje, subscrita por E…, SA, e avalizada por G…, J…, F…, K…, L…, M…, B… e C….
Havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, caso em que se consideram vencidas todas as outras, fica esse Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe o vencimento em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender.
Esclarecemos que:
1. esse Banco fica com a faculdade de determinar as nossas dívidas que integram o referido limite;
2. as responsabilidades entretanto pagas, deixam de ser contadas para o preenchimento do referido limite;
3. esse Banco fica com a faculdade de não nos conceder crédito ainda que, para tanto, haja margem suficiente do referido limite.
Os outros intervenientes da livrança concordam com as estipulações desta carta contrato, anuem a que o título nos seja entregue pelo Banco, contra recibo, logo que cumpramos todas as obrigações para com esse Banco, assinando, também, esta carta contrato em confirmação.
…, 24 de Setembro de 2001
Não se vê que perante esta carta subscrita pelos apelantes o pacto de preenchimento tenha sido desrespeitado.
Na realidade, o valor da livrança ficou dentro daquilo que os mesmos autorizaram, autorização que abrangeu causas variadas, e não apenas um contrato específico, como pretendem os recorrentes.
Repare-se que o apelante marido era sócio da sociedade por quotas e, depois da conversão desta em sociedade anónima, continuou a sê-lo (fls. 117 e ss.).
Podemos, pois, concluir que os recorrentes não fizeram a prova do preenchimento abusivo.
Passemos à análise da indeterminabilidade do objecto da obrigação.
Certo é que a carta atrás transcrita abrange um leque tão vasto de causas das responsabilidades assumidas que à primeira vista as parece tornar praticamente indetermináveis.
Mas essa indeterminação é apenas aparente.
Nela se referem: todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse Banco, em conjunto ou isoladamente e em qualquer qualidade, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, de empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, ou de alguma outra operação ou título em direito permitidos, até ao limite em capital de Esc. 20.000.000$00.
Assim, se da primeira parte resulta uma menção genérica às causas da obrigação, já a segunda parte não sobre de qualquer vício de indeterminação, porquanto se alude a causas específicas que permitem saber com segurança quais as operações que dão lugar, caso os respectivos débitos não sejam pagos, ao preenchimento da livrança.
E sobretudo, no âmbito do objecto da obrigação definiu-se expressamente um patamar quantitativo máximo para o valor que os responsáveis podem ser chamados a saldar.
Assim, parece não poder falar-se de indeterminabilidade do objecto do negócio para efeitos da nulidade do art. 280.º/1 do CC.
Mas ainda poderia colocar-se a questão de saber se o avalista pode suscitar a indeterminabilidade do objecto do negócio.
«A obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira, mesmo que seja nula, por qualquer razão a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma (art. 32º § 2.º da LULL). Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, ao contrário do que acontece com o fiador (art. 637º/1 do CC) não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação. É que o aval tem a natureza de uma obrigação de garantia (pessoal) destinada à satisfação do direito do credor (é acessória – imperfeitamente acessória – da obrigação do avalizado, embora essa acessoriedade não esgote a sua natureza jurídica – o aval não é uma fiança –Ferrer Correia – Lições, 1996 – 195 e seg.), daí que o princípio da independência entre a obrigação avalizada e a obrigação do avalista, acima referida, não obste a que este oponha ao portador a excepção da liberação por extinção da obrigação do avalizado, desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação (Vaz Serra, anotação ao Ac. do S.T.J. de 6/11/79 – RLJ ano 113- 186).
Por outro lado, a obrigação do avalista, não sendo subsidiária da do avalizado é, porém, solidária (art. 47º da LULL) pelo que se aplicam as regras civis próprias do regime da solidariedade, em tudo que não contrarie o regime cambiário específico.
Assim, o avalista, como devedor solidário, pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores como determina o art. 514º/1 do CC.
É o que ensina o Prof. Vaz Serra, na anotação citada, onde pode ler-se que “O avalista só pode ter contra o credor cambiário meios pessoais de defesa (art. 17º da LULL), entre eles, excepções derivadas da relação causal existente entre eles; desta pode resultar que o avalista possa fazer valer também, excepções que caibam ao devedor principal, por derivarem da sua relação causal com o credor cambiário …»[5].
Por seu turno, no Acórdão do STJ de 31.03.2009, já também citado, escreveu-se que «como este Supremo Tribunal já observou no seu acórdão de 3 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07A205), em termos que se subscrevem, “diz o artº 280º, nº 1 do C. Civil que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja…indeterminável. E o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2001, de 23.1.2001 (DR I-A Série, de 8.3.2001) decidiu que é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.
Todavia, não se deve confundir o aval com a fiança, sendo ininvocável no caso vertente a doutrina do citado acórdão uniformizador, já que o regime da fiança é diferente do relativo ao aval. É preciso não perder de vista que o recorrente não foi demandado como fiador do negócio jurídico subjacente à livrança, mas como avalista da subscritora desta, como garante apenas da obrigação cambiária assumida pela subscritora, desencadeando o aval uma obrigação, independente e autónoma, de honrar o título cambiário, ainda que só caucione outro co-subscritor – princípio da independência do aval (artº 32º, aplicável ex vi artº 77º, ambos da LULL. Como refere Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, 1966, vol. III, pág. 195 e segs.), a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que ele não goza do benefício da excussão prévia, mantendo-se a sua obrigação, nos termos do § 2º do artº 32º da LULL, mesmo no caso de a obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, não se comunicando a nulidade intrínseca da obrigação avalizada à do avalista, assistindo ao avalista, se pagar o título, o direito de regresso contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude do título (artº 32º, § 3º da LULL).
(…).
Como se escreveu no acórdão de 5.12.2006, no processo 2.522/06 (com relato do Cons. Urbano Dias), o regime da fiança é diferente do relativo ao aval, tendo aquela a ver com a obrigação principal, substantiva, dependente da respectiva causa, ao passo que o aval representa a obrigação cartular, nada tendo a ver com a relação subjacente, só se consolidando o aval no mundo dos negócios após o completo preenchimento do título em branco, momento em que se constitui como dívida cambiária perfeitamente determinada.»
Perante isto, pode o avalista invocar a nulidade decorrente da indeterminabilidade do objecto do negócio?
A resposta há-de ter a ver com a relação existente entre o avalista e o credor cambiário.
Se o avalista foi parte no pacto de preenchimento, a nulidade deste por indeterminação do seu objecto poderá ser por ele invocada por se estar no domínio das relações imediatas, estando em causa um meio pessoal de defesa integrador de excepção derivada da relação causal existente entre eles. Trata-se da hipótese em que o avalista pode fazer valer também excepções que cabem ao devedor principal, por derivarem da sua relação causal com o credor cambiário. Cremos que a restrição do § 2.º do art. 32.º da LULL prevê a hipótese de o avalista não ter intervindo na relação subjacente à emissão da livrança.
Na situação em análise os avalistas intervieram subscrevendo a carta de fls. 85, usando expressões como “concordam com as estipulações desta carta contrato”, assinando-a “em confirmação”, não apenas enunciando as causas da obrigação aceite, como definindo o montante pelo qual se responsabilizavam, autorizando a D… a preencher a livrança entregue como garantia até ao limite em capital de 20 000 000$00.
Pois bem, apesar de os apelantes terem intervindo nessa autorização que incorpora o pacto de preenchimento, agora insurgem-se contra o seu conteúdo, o que integra venire contra factum proprium.
A carta foi dirigida e subscrita por E…, SA e por eles próprios à exequente e encerra uma declaração negocial que se tornou eficaz logo que chegou ao seu poder ou foi dela conhecida (art. 224.º/1 do CC), tornando-se irrevogável nos termos do art. 230.º/1 do CC.
Ora, se foram os próprios opoentes a concordar com a carta, dirigida pela sociedade de que o opoente marido era sócio à exequente, não tendo sido esta que lhes submeteu as condições dela constantes, não faz sentido que venham agora invocar a indeterminabilidade do objecto do negócio.
Isto sem prejuízo do que acima se disse quanto a não ocorrer a apontada nulidade.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença.
Custas pelos apelantes.
Porto, 19 de dezembro de 2012
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
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[1] Abel Delgado, LULL, 7.ª ed., p. 313; Acórdão do STJ de 09.09.2008; Processo: 08A1999, www.dgsi.pt
[2] Processo no Tribunal de recurso: 905/88, www.dgsi.pt
[3] Acórdãos do STJ de 31.03.2009; Processo: 08B3815; de 30.09.2003; Processo: Processo: 03A2113; de 13.04.2011; Processo: 2093/04.2TBSTB-A L1.S1; de 11.02.2010; Processo: 1213-A/2001.L1.S1, www.dgsi.pt
[4] Vejam-se os mesmos arestos
[5] Acórdão citado de 30.09.2003