PEDIDO CÍVEL
PROCESSO PENAL
TRIBUNAL CÍVEL
Sumário

I – Nos casos em que exista processo-crime instaurado por factos geradores da obrigação de indemnizar, vigora o princípio da adesão obrigatória da acção cível à acção penal – artº 71º CPP.
II – Existem casos, porém, em que é possível deduzir pedido civil em separado (perante o tribunal civil), taxativamente definidos no artº 72º, nº 1, do CPP.
III – Nos termos da al. i) do nº 1, do artº 72º CPP, o pedido cível poderá ser deduzido em separado do processo penal quando o lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido de indemnização no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artºs 75º, nº 1 (dever de informação da autoridade judiciária aos lesados da possibilidade de deduzirem o pedido de indemnização civil em processo penal), e 77º, nº 2 (notificação do despacho de acusação ou do despacho de pronúncia ao lesado para, querendo, deduzir o pedido de indemnização).
IV – Porém, a notificação prevista no artº 77º, nº 2, apenas tem lugar quando aquele que tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização tenha manifestado no processo esse propósito, até ao encerramento do inquérito – artº 75º, nº 2, CPP.

Texto Integral

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., com sede na Rua ....., Amor, propõe contra B...., residente na Rua ........, Leiria, a presente acção declarativa sob a forma sumária, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 9.390,00, acrescida de juros vencidos à taxa legal, desde a citação e até efectivo reembolso.
Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que o R., como seu trabalhador, se apoderou dos bens que indica no valor peticionado, causando-se um prejuízo patrimonial. Foi, no processo-crime que correu termos, deduzido um pedido de indemnização, mas o mesmo foi considerado improcedente por ilegitimidade do demandante. Pretende ser ressarcida pelos danos patrimoniais que o R. lhe causou.
1-2- Contestou o R., invocando, para além do mais, a caducidade do eventual direito da A. a peticionar qualquer indemnização fundada no crime que lhe foi imputado no âmbito do processo crime que corre termos pelo IIº Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de Leiria com o número 171/04.7GCLRA, em virtude de a mesma, apesar de regularmente notificada para esse efeito, não ter deduzido o pedido de indemnização no âmbito de tal processo-crime, sendo certo que se não verificam quaisquer circunstâncias que lhe autorizassem a dedução de tal pedido em separado.
Termina pedindo a procedência da excepção.
1-3- A A. na resposta, sustentou a não verificação da excepção.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo, no despacho saneador, o Mº Juiz decidido julgar procedente a excepção peremptória decorrente da postergação do princípio da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, previsto no artigo 71º, do Código de Processo Penal, absolvendo, em consequência, o R. do pedido.
1-5- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-6- A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A recorrente não foi notificada nos termos do art. 77º nº 2 do C.P.Penal, motivo pelo qual não podia ter deduzido o pedido de indemnização civil.
2ª- Apenas foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 75º do C.P.Penal, ou seja, da possibilidade de vir a deduzir pedido de indemnização civil.
3ª- Nos termos o art. 72º nº 1 al. I), o lesado poderá deduzir em separado, perante o tribunal civil, o pedido de indemnização civil, o que sucedeu no caso vertente.
4ª- A notificação para a formulação em concreto do pedido, ou seja, a notificação do disposto no art. 77º nº 2 não foi feita à ora recorrente, certamente por lapso do tribunal, motivo pelo qual, esta não pôde formular o pedido de indemnização civil na acção penal.
5ª- Entende, assim, a recorrente que não lhe deve ser negado o direito de reclamar os prejuízos que sofreu com a conduta do recorrido, numa acção cível separada da acção penal, em virtude de não ter tido essa possibilidade na referida acção penal, dado que não foi notificada nos termos e para os efeitos do art. 77º nº 2 do C.P.Penal.
6ª- Foram violados os arts. 72º, 75º, 77º do C.P.Penal e art. 493º nº 3 do C.P.Civil a contrario.
1-8- O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
1-9- Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar:
Foi, ou não, preterida a formalidade, no processo penal, de notificação da A. para deduzir, nesse processo, o pedido de indemnização civil, se notificação teria que ser efectuada e essa eventual omissão tem relevância para a dedução desse pedido em separado do processo criminal.
2-2- Na douta decisão recorrida, para o que aqui importa considerou-se que, vigorando o princípio de adesão obrigatório da acção civil à acção penal (nos casos em que exista processo-crime instaurado por factos geradores da obrigação de indemnizar), “se o lesado não formular o pedido cível no processo penal quando a lei a isso obriga (ou seja, quando desrespeite a dita obrigatoriedade de adesão), fica impossibilitado de usar, no futuro, os meios civis para obtenção do ressarcimento dos prejuízos sofridos com o crime, fazendo, com a sua inércia, precludir o seu direito à indemnização” (art. 71º do C.P.Penal). Existem casos, porém, em que é possível deduzir pedido civil em separado, casos definidos no art. 72º do C.P.Penal, sendo que a enumeração “é taxativa, com o que se pretende vincar que apenas nas situações nele previstas ao lesado é deferida a faculdade de optar pela dedução em separado do pedido de indemnização civil “. Analisou-se depois o caso vertente, considerando-se afastadas as hipóteses de dedução do pedido civil em separado do processo penal, pelo que considerando não ter a lesada deduzido o seu pedido no âmbito da acção penal, ficou precludido o direito da A. de o fazer perante o tribunal civil, em acção cível intentada separadamente. Considerou assim ocorrer uma excepção peremptória que leva à absolvição total do pedido.
Por sua vez a recorrente, entende que não foi notificada, como devia, nos termos do art. 77º nº 2 do C.P.Penal, motivo pelo qual não podia ter deduzido o pedido de indemnização civil (tendo apenas sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 75º do C.P.Penal). Assim, nos termos o art. 72º nº 1 al. I), poderia deduzir em separado, perante o tribunal civil, o pedido de indemnização civil, o que fez no caso vertente. Entende, assim, que não lhe deve ser negado o direito de reclamar os prejuízos que sofreu com a conduta do recorrido, numa acção cível separada da acção penal.
Vejamos:
Com vista à decisão, foram consideradas como assentes as seguintes circunstâncias:
1- Os factos invocados na presente acção e que constituem a causa de pedir do pedido aqui formulado pela A., foram por esta denunciados, através do respectivo representante legal, no dia 12 de Março de 2004, denúncia efectuada perante o competente órgão de polícia criminal e que deu início ao processo crime a que foi atribuído o NUIPC 171/04.7GCLRA – cf. certidão de fls. 63.
2- Quando denunciou tais factos, a aqui A. foi notificada do teor do artigo 75º, do Código de Processo Penal - cf. certidão de fls. 63-v.
3- Com base nos factos denunciados pela A. (que são os mesmos que agora são invocados como causa de pedir desta acção), o Ministério Público deduziu, a 7 de Junho de 2004, acusação contra o arguido B..., ora R., imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205º, número 4, alínea a), do Código Penal, requerendo o seu julgamento em processo comum e por Tribunal Singular - cf. certidão de fls. 64.
4- Com base nos mencionados factos, foi formulado contra o arguido, no âmbito processo crime com o NUIPC 171/04.7GCLRA, um pedido de indemnização, no qual figurou como demandante não, a ora A., mas o seu representante legal, Rui Cordeiro, sendo que, com base na ilegitimidade do demandante, o ora R. (ali arguido e demandado civil) foi absolvido da instância – cf. Documento de fls. 8.---------------
Como se viu, a apelante considera ocorrer a hipótese do art. 72º nº 1 al. I) do C.P.Penal, (diploma de que serão as disposições a mencionar sem referência de origem), razão por que poderia deduzir em separado, perante o tribunal civil, o pedido de indemnização civil.
Como ponto prévio haverá a sublinhar que a recorrente não coloca em dúvida o princípio da adesão obrigatória da indemnização cível ao processo penal, a que alude o art. 71º.
Este princípio, porém, comporta excepções, que são as hipóteses contempladas no art. 72º. Nos casos referenciados, o pedido de indemnização civil, poderá ser deduzido em separado do processo criminal, perante o tribunal civil.
Dentre estes casos, haverá que salientar, por interessar para aqui, a hipótese a que alude o alínea i) da disposição. Assim, estabelece esta disposição que o pedido cível poderá ser deduzido em separado do processo penal, quando “o lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75º nº 1 e 77º nº2”.
No art. 75º nº 1 estabelece-se o dever de informação da autoridade judiciária aos lesados, da possibilidade de deduzirem o pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar. Acrescenta o nº 2 da mesma disposição que “quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil, deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer”.
No art. 77º nº 2 (invocado pela recorrente para sustentar a sua posição), determina-se que “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido cível, nos termos do artigo 75º nº2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se ele houver lugar, para querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”.
Trata esta disposição da necessidade de notificar o lesado da acusação ou do despacho de pronúncia, com a finalidade de, querendo, formular o pedido cível no processo penal. Mas esta notificação depende de o lesado ter manifestado nos autos o propósito de deduzir esse pedido de indemnização civil, como determina o disposto no nº 2 do art. 75º.
No caso vertente, a apelante confessa que foi informada, de harmonia com o disposto no art. 75º nº 1. Ou seja, foi-lhe dado conhecimento da possibilidade de deduzir o pedido de indemnização civil em processo penal. Mas não diz, nem na p.i., nem sequer neste recurso, que manifestou no processo criminal o desejo de deduzir aí tal pedido.
Nesta conformidade, a nosso ver, não teria que ser notificado nos termos do referenciado art. 77º nº2[1].
Assim sendo, não ocorre a omissão de notificação que a apelante, no recurso, refere ter existido.
Em síntese diremos que a lesada foi informada da possibilidade de deduzir o pedido de indemnização civil em processo penal, pelo que não ocorre a hipótese contemplada na 1ª parte do art. 72º nº 1 al. i). Por outro lado, pese embora tenha recebido essa informação, não manifestou, no processo criminal, até ao encerramento do inquérito, o propósito de deduzir o pedido cível, razão por que não teria que ser notificado da acusação ou do despacho de pronúncia, com a finalidade de, formular tal pedido cível. Por isso, igualmente não se verifica a hipótese mencionada na 2ª parte do mesmo art. 72º nº 1 al. i).
Nesta conformidade, não ocorrendo as situações excepcionais a que se refere o art. 72º nº 1 al. i) (ou quaisquer outras referenciadas no art. 72º) não poderia deduzir o pedido cível em separado do processo penal, mantendo-se, pois, válido o princípio de adesão a que alude o art. 71º.
Não poderemos, também, de sublinhar que, baseando a lesada, no recurso, a possibilidade de dedução do pedido cível em separado, na omissão da aludida notificação (do art. 77º nº 2), deveria logo na p.i. alegar essa falta, pois só assim se justificaria a acção cível que deduziu (em separado do processo penal), o que não fez. Por outras palavras, ao deduzir a acção, a ora apelante não invocou a circunstância que prevê a possibilidade de dedução do pedido cível em separado do processo penal. Isto é, logo de início a dedução da acção (separadamente do processo criminal) carecia de justificação, sendo que essa falta só a si pode ser imputada.
Quer dizer isto tudo dizer que a douta decisão recorrida é de confirmar.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
----------------------------------------
[1] Isto não significa que não pudesse (já) deduzir pedido civil, podendo-o fazer nos termos do nº 3 do mesmo art. 72º.