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CRIME FISCAL
RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES E GERENTES
Sumário
O art.º 8º do RGIT consagra dois tipos de responsabilidade no tocante ao pagamento das multas e coimas aplicadas às pessoas colectivas: - A responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que naquelas exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração, por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; e ainda por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento; - A responsabilidade solidária de “quem colaborou dolosamente na prática da infracção tributária, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso”.
Texto Integral
Proc. n.º 131/10.9IDPRT.P1
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto
Relatório
Por decisão de 28 de Setembro de 2011, foi o arguido B….. condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p, e p no art.º 105°, nº1, do RGIT, numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 9 euros, e foi a arguida C….., Lda condenada pela prática do mesmo crime numa pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 20 euros.
Por despacho de fls 264, foi julgada extinta pelo cumprimento a pena aplicada ao arguido B…...
No entanto, permanece por cumprir a pena aplicada à sociedade à arguida C….., Lda.
Nessa sequência, promoveu o Ministério Público, a fls. 263 e depois a fls. 275, que o arguido pessoa singular seja considerado solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa aplicada à sociedade arguida e notificado nos termos do art.º 8º, nº7 do RGIT para proceder ao respectivo pagamento.
Notificados para se pronunciarem, nos termos do art.º 8º, nº7 do RGiT, veio o arguido B….., a fls. 303 e ss., insurgir-se contra o promovido, alegando em suma, que não estando em causa o pagamento de indemnização, mas estando antes em questão a condenação criminal da sociedade arguida, não pode o arguido pessoa singular, e também ele condenado pelo cometimento do mesmo ilícito, ser responsabilizado pelo cumprimento da mesma pena, sob pena de se violar o princípio ne bis in idem e bem assim o princípio da intransmissibilidade das penas, previsto na CRP, sob pena de inconstitucionalidade, Além disso, alegou, que o que está em causa no art. 8º nº 7 do RGIT invocado pelo MP é a responsabilidade entre os diversos gerentes ou administradores da sociedade arguida, e já não entre aqueles e esta.
Sobre o teor de tal requerimento, pronunciou-se de novo o MP, nos termos e com os fundamentos descritos a fls. 314 e ss.
Cumpre decidir,
Nos termos do art.º 8º, n.º7 do RGIT, "quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso".
Tal norma prevê a responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independente da responsabilidade própria.
Incorrerão assim em "responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade" (assim, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, p. 104).
Como explicam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, "nas situações reguladas nessa norma não se está (.,,) perante responsabilidades subsidiárias relativamente aos agentes das infracções (como acontece no n.º1 do art. 8º), mas sim perante solidariedade em primeiro plano, podendo as dividas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção" (ibidem).
Ora, tal norma prevê, pois, que os representantes da sociedade arguida (o gerente, por exemplo) possam ser responsabilizados civilmente pelo não pagamento da multa a que a sociedade foi condenada, a titulo solidário.
Como resulta do que ficou exposto, a responsabilidade de que se fala, no presente despacho, é a responsabilidade civil, não relevando, para o caso, a extinção da pena e da consequente responsabilidade do arguido pessoa singular.
Nestes termos, a norma que aqui é chamada à colação é a do nº7 do art.º 8.º e não a do seu n.º1. De facto, o n.º1 do art. 8° estatui a responsabilidade subsidiária, enquanto que o n.º7, se refere à responsabilidade solidária, como resulta claro, de resto, da letra da lei.
Por outro lado, da leitura da norma constante do já referido nº7 e da leitura da norma definida n.º8 do art.º 8.º ("sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores é solidária a sua responsabilidade"), verifica-se que a solidariedade a que o n.º 7 se refere é a solidariedade existente entre todos aqueles que praticaram a infracção tributária, no caso a existente entre o arguido pessoa singular e a arguida sociedade, sendo certo, assim, que para que exista tal responsabilidade solidária é necessário que o arguido tenha colaborado "dolosamente na prática de infracção".
No caso dos autos, o arguido B…., gerente da sociedade arguida e legal representante da mesma, foi condenado nestes autos pelo crime de abuso de confiança fiscal.
Uma vez que a responsabilidade da sociedade arguida está directamente relacionada com a responsabilidade do seu legal representante (veja-se o disposto no art.º 7°, n.º1 do RGIT), é possível dizer que o arguido B….. colaborou para a prática da infracção de forma dolosa (de outra forma, não teria sofrido a condenação que efectivamente veio a sofrer nos autos), visto ter sido este o "autor físico" do crime pelo qual a sociedade veio a ser condenada.
Pelos motivos aduzidos, é tal arguido é solidariamente responsável pela multa aplicada à sociedade.
E relativamente aos demais argumentos invocados pelo requerente, damos aqui por integralmente reproduzido o teor da douta promoção de fls. 214 a 317.
Refira-se, por fim, que sobre esta matéria, se tem vindo a pronunciar a jurisprudência dos nossos tribunais superiores no seguinte sentido "o co-arguido e sócio-gerente é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas à sociedade pela prática de infracção tributária" - cfr., entre outros, o recente Ac. da RP de 2/5/2012, disponível em www.dgsi.pt.
Aliás, como ainda mais recentemente se escreveu no Ac. da RP de 06-06-2012 "A razão de ser do regime cumulativo ou conjunto (ainda que diverso entre a subsidiariedade e a solidariedade) consignado no art.º 8° do RGIT, decorre da necessidade de acautelar o pagamento das multas às pessoas colectivas. Se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, independentemente da que lhe for directamente aplicada a si. Não se trata, neste caso, de qualquer extensão de responsabilidade penal da pessoa colectiva, mas apenas de um caso de responsabilidade civil por facto próprio, porque a "sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária", disponível no mesmo sítio.
E como a circunstância de a sociedade arguida ter sido julgada insolvente em nada obsta à verificação da aludida responsabilidade solidária, tal como de resto já se explicou no despacho proferido a fls. 279, impõe-se concluir pela responsabilidade solidária do arguido pessoa singular pelo pagamento da coima aplicada á sociedade arguida.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 8° nº 7 do RGIT:
a) considero o arguido B…. solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa em que a sociedade C…., Lda foi condenada nos presentes autos;
b) e consequentemente, determino se emitam guias e após notifique tal arguido para proceder ao pagamento de tal quantia, no prazo de 10 (dez) dias.
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Inconformado, veio o arguido B…., recorrer deste despacho que, ao abrigo do disposto no artigo 8°, nº 7, do RGIT, declarou o recorrente solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa em que a sociedade C…. Lda foi condenada nos presentes autose, consequentemente, determinou a emissão de guias com vista ao efectivo pagamento, pretendendo o recorrente que, na procedência do recurso, seja revogado o despacho impugnado.
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O MP em 1ª Instância, e o Sr. PGA junto desta Relação são de parecer que o recurso deve improceder.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Assim, a questão nuclear colocada no presente recurso, consiste em saber se o arguido/recorrente é solidariamente responsável pelo pagamento da quantia correspondente à multa penal em que a sociedade comercial "C…., Lda" foi condenada.
Vejamos
O objecto do presente recurso prende-se com a interpretação normativa do artigo 8º nº 1 al. a) e nº 7, do RGIT, no sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária e solidária pelas multas e coimas, efectivada através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
Esta questão já se encontra muito debatida nesta Relação do Porto, onde se podem consultar vários acórdãos, nomeadamente o Acórdão de 8 de Fevereiro de 2012, proferido no proc. nº 950/06.0TAPRD-B.PI – lª Secção,Acórdão de 20 de Dezembro de 2011, proferido no proc. n° l299/06.4TAVNF-A.Pl – 4ª Secção, proc. n.º 11/06.2idprt-B.P1, 4ª sec., 10-102012, proc. n.º 336/05.4TAVNF-B.P1, 1ª sec., disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim,
Dispõe o artº 8º do RGIT, que:
1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2. A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
3. As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei.
4. O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infracções por estes cometidas.
5. O disposto no nº 3 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas.
6. Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
7. Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade».
O problema que se coloca, como já dissemos, consiste em saber se, em caso de não pagamento da multa criminal aplicada à pessoa colectiva, por insolvência desta, devemos realmente atribuir-lhe a natureza de responsabilidade civil solidária e subsidiária, exigindo o cumprimento pelo sócio-gerente ou se estamos perante uma verdadeira “transmissão de pena”.
Se a considerarmos neste último sentido, existe uma clara ofensa ao disposto no nº 3 do artº 30º da CRP, que nos diz expressamente que “a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”.
O art° 8° do RGIT aplica-se aos ilícitos tributários, quer sejam crimes, quer sejam contra-ordenações, inserindo-se nas normas gerais do regime e abrangendo as multas e coimas da responsabilidade das pessoas colectivas e equiparadas.
Idêntico regime existe no art° 11°, nº 9 a 11 do CP, onde se prevê a responsabilidade subsidiária das pessoas singulares pelo pagamento das multas aplicadas a entidades colectivas na condenação destas por crimes.
A interpretação desta norma do artº 8º do RGIT contempla duas correntes:
- Numa, ela trata, não de transmissão de responsabilidade penal, mas sim de responsabilidade civil pelo pagamento de um crédito do Estado, pelo qual se considera solidariamente responsável com a sociedade, aquele que dolosamente contribuiu para a prática da infracção tributária.
- Para outra, ela é inconstitucional, pois viola os princípios constitucionais da pessoalidade das penas, culpa, da igualdade e da proporcionalidade, quando interpretadas com o sentido de que, aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas ou multas.
Porém, esta questão veio há pouco tempo a ser decidida no Plenário do Tribunal Constitucional, com dois acórdãos, (Ac. 437/11 de 03.10.2011; e 561/2011 de 22.11.2011), que se reportam justamente às decisões contraditórias sobre a matéria, sendo ambas no sentido da constitucionalidade da norma referida.
Assim:
- Acórdão nº 437/2011 de 03.10.2011, decidiu:
- “O Tribunal Constitucional, aplicando ao caso a jurisprudência fixada no ac. nº 437/2011, tirado em Plenário – que, mantendo o julgamento constante do ac. nº 35/2011 que seguiu na esteira dos Acs. nºs 129/2009 e 150/2009 e contrariando a jurisprudência constante dos Acs. nºs 24/2011, 26/2011 e 85/2011 que concluíram no sentido da inconstitucionalidade, decidiu que não é inconstitucional o artigo 8º, nº 1, alíneas a) e b), do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora – decide agora, pelos fundamentos daquele acórdão nº 437/2011, que também não é inconstitucional a norma constante do art. 112º, nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (na redacção do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro), que faz recair sobre os responsáveis subsidiários o ónus da prova de que a falta de pagamento de multas ou coimas vencidas no período do seu mandato lhes não foi imputável”.
- Acórdão nº 561/2011 de 22.11.2011, proferido no Processo nº 506/2009, decidiu:
“O Tribunal Constitucional, no recurso interposto do ac. nº 481/2010 – que julgou inconstitucional a norma do art. 7º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA, aprovado pelo D.L. nº 20-A/90, de 15/JAN, na redacção do DL. n.º 394/93, de 24/NOV), na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal – decide, agora em Plenário e pelos fundamentos dos acs. nºs 150/2009 e 32472009, não julgar inconstitucional a norma do referido artigo 7º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal”.
- Também no Ac. 531/2011 de 09.11.2011, é aplicada a jurisprudência do Ac. 437/2011, para o qual remete e decide:
- “a) não julgar inconstitucional o artigo 8º, nº 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora;
- b) consequentemente, conceder provimento ao recurso interposto do Acórdão nº 125/2011, que assim fica substituído pelo presente aresto, devendo a sentença de 13 de Outubro de 2010 ser reformada em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade”.
Por isso, desta referida norma resultam dois tipos de responsabilidade relativamente ao pagamento das multas e coimas aplicadas às pessoas colectivas, às sociedades:
- a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que naquelas exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração – quer com referência às multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento (al.a), quer com referência às multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento (al. b);
- a responsabilidade solidária de “quem colaborou dolosamente na prática da infração tributária, “independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso”.
Verificada a impossibilidade do pagamento da multa, cuidar-se-á, então, de verificar se haverá lugar à responsabilização subsidiária, ou à responsabilização solidária.
O artigo 8º do RGIT, alínea 7, refere, como também já vimos, que quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
O Artigo 11º do Código Penal, nos seus nºs 7, 9, 10 e 11, também refere:
«7 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
9 - Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes:
a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
10 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
11 - Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados.»
Assim, torna-se evidente que a responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes - Artigo 11º n.º 7 C.P. e, assim, é que é punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado» (Artigo 12º n.º 1 al. b) do C. P.), como assim é, igualmente, que «sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou equiparada for condenada, relativamente aos crimes praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa» -Artigo 11º n.º 9 al. a) do C.Penal.
Por isso, repetimos, no art.º 8º, n.º7 do RGIT, prevê-se, pois, a responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independente da responsabilidade própria, ou seja, tal norma prevê que os representantes da sociedade arguida (o gerente, por exemplo) possam ser responsabilizados civilmente pelo não pagamento da multa a que a sociedade foi condenada, a titulo solidário (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, p. 104).
Assim, da leitura da norma constante do citado nº7 e da leitura da norma definida n.º8 do art.º 8.º ("sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores é solidária a sua responsabilidade"), verifica-se que a solidariedade a que o n.º 7 se refere é a solidariedade existente entre todos aqueles que praticaram a infracção tributária, no caso a existente entre o arguido pessoa singular e a arguida sociedade, bastando que o arguido tenha colaborado "dolosamente na prática de infracção".
No caso concreto, o arguido B….., gerente da sociedade arguida e legal representante da mesma, foi condenado nestes autos pelo crime de abuso de confiança fiscal.
Por isso, tendo em conta que a responsabilidade da sociedade arguida está directamente relacionada com a responsabilidade do seu legal representante (cfr. art.º 7°, n.º1 do RGIT), é um facto que o arguido B…. colaborou para a prática da infracção de forma dolosa, visto ter sido este o "autor físico" do crime pelo qual a sociedade veio a ser condenada.
Ora, como refere o SR. PGA no seu douto parecer, que passamos a seguir, a condenação solidária entre as pessoas colectivas e os seus representantes encontra a sua razão de ser nas especiais relações e responsabilidades entre eles existentes, nos termos do Direito das Sociedades, não se confundindo com a transmissão de penas ou de sanções, cuja proibição se consagra constitucionalmente.
Cita-se Inês Fernandes Godinho - A responsabilidade Solidária das Pessoas Colectivas em Direito Penal Económico, Coimbra Editora, 2007, pgs. 73 e sgs, que diz, a propósito: «O direito penal económico faz uma importação do instituto da responsabilidade solidária e aplica-otambémà pena de multa. (. . .) Tomando como pano de fundo a responsabilidade civil no seu todo e a responsabilidade solidária em particular, a primeira ideia a reter é a de que a lesão dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal económico provoca danos na economia e no próprio valor económico da moeda».
E, concluindo, escreve o seguinte: «entendemos que, face ao fundamento primeiro da responsabilidade solidária, a importação deste instituto é adequada. E adequada porque, como acabámos de ver, a multa, em direito penal económico, assume, para além de um carácter punitivo, também uma função reparadora através do seu conteúdo. Assim, a justificação da importação prende-se essencialmente com esta função: uma vez que a reparação é cumprida pelo conteúdo da multa, o direito penal económico visa assegurar que esse mesmo conteúdo não corre o risco de faltar, por isso recorre a um instituto do direito civil - a responsabilidade solidária - como modo de garantia da obtenção do conteúdo da multa».
Por isso, pode ainda ler-se naquele parecer, a condenação solidária apenas implica que o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores condenados, sendo que se é certo que o pagamento efectuada por qualquer um destes os desobriga a todos perante o credor, não é menos certo que esse pagamento não tem a virtualidade de impedir, ou excluir, o eventual exercício do direito de regresso por parte de quem pagou relativamente à responsabilidade do outro (artigo 5240 do C. Civil).
Assim, as penas mantêm a sua autonomia e não se verifica qualquer reversão da responsabilidade sancionatória nem condenação duas vezes pelo mesmo facto. Embora nas relações externas o, eventual, cumprimento por um dos condenados libere ambos da respectiva responsabilidade penal, certo é que nas respectivas relações internas as sanções aplicadas mantêm-se juridicamente autonomizadas, porque integradas pelo direito de regresso a exercitar pelo condenado que tiver porventura cumprido integralmente, relativamente ao outro (artigo 9970 do C. Civil).
Nestes termos, a responsabilidade solidária do arguido/recorrente pelo pagamento da quantia correspondente à multa imposta à sociedade comercial de que era sócio-gerente, decorrente do preceituado no nº 7 do artigo 8° do RGlT, não contende com qualquer dos princípios constitucionais invocados, designadamente, o que consagra o ne bis in idem (artigo 29°, nº 5 CRP) e o da intransmissibilidade das penas (artigo 30°, nº 3 CRP).
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs.
Porto, 19-12-2012
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves