INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
Sumário

Não havendo lei que imponha, para prova dos factos, que o arguido seja interrogado sobre toda a matéria que venha a constar da acusação, não se verifica a nulidade referida no art.º 120, n.º 2, al. d), do CPP, quando o arguido, tendo sido interrogado, não o foi sobre alguns dos factos que dela constam.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O recorrente, A..., tendo sido notificado da decisão instrutória e não se conformando com a mesma no que se refere à improcedência da nulidade arguida, interpôs recurso sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

A. O ora Recorrente vem acusado pelo Ministério Público em autoria material e na forma consumada, a prática de um crime de peculato, previsto e punido pelos arts. 26°, 28° 375° n.01 e art. 386° alínea c) do Código Penal.

B. Em sede própria e tempo útil, o ora Recorrente arguiu a nulidade nos termos do disposto na alínea d) do n° 2 do artigo 120° do C.P.P.

C. Nunca o ora Recorrente foi ouvido em sede de Inquérito na qualidade de arguido sobre a matéria de que vem acusado, e a sua ausência processual privou-o de na fase de Inquérito se pronunciar sobre o objecto do mesmo, violando assim o disposto nos arts. 262°, art. 267° e art. 272°, todos do C.P.P., e negação de um direito fundamental, art. 32°, 10 da CRP.

D. Não obstante veio contra ele ser deduzida Acusação, pela pratica de um crime de peculato na forma consumada, em co-autoria com o Arguido João Ranito, pela prática dos factos descritos nos pontos 1, 2, 3, 4 e 7 constantes da Acusação (artigos 26°,28°,375° n° 1 e 386° n° 1 ai c) do C.P.;).

E. Esta omissão constituiu nulidade nos termos do disposto na alínea d) do n° 2 do artigo 120° do C.P.P., a qual foi desde logo arguida pelo ora Arguido, para todos os devidos e legais efeitos.

F. Dado que o Inquérito, nos termos do artº 262° do CPP, tem por fim a decisão sobre a acusação a verificar-se, é absolutamente essencial a averiguação exacta sobre a verificação ou não da ocorrência de um crime, alcançando-se os seus agentes, a sua responsabilidade e a consequente descoberta da verdade, não restam quaisquer dúvidas sobre a necessidade de audição daquele contra quem o inquérito corre, por suspeito da prática de um crime, atenta a sua consagração Constitucional, art. 32° da CRP.

G. É também este o entendimento do Douto STJ, no - Acórdão 1/2006 . publicado no DR 1- Série I-A de 2/01/2006, que fixou jurisprudência no mesmo sentido “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre sendo possível a notificação constitui a nulidade revista no artº 120º do Código de Processo Penal".

Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, revogada a Decisão Recorrida fazendo-se, assim, Justiça.

O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questão a decidir:

- Se há insuficiência do inquérito e omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade;

É este o despacho recorrido:

Vem o arguido A... invocar a nulidade processual de insuficiência do inquérito e a omissão posterior de diligência essencial para a descoberta da verdade, constante do disposto no artigo 120º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, alegando que, durante o inquérito foi única e exclusivamente ouvido sobre a venda de dois veículos automóveis da massa falida da “Gitextil”, nunca tendo sido confrontado com os factos constantes do ponto 7. da acusação, dos quais apenas tomou conhecimento com a notificação da mesma. Não pôde, assim, o arguido, esclarecer os factos que derivaram do depoimento prestado pela testemunha Carlos Cruz, por forma a fornecer à investigação factos essenciais para o apuramento de factos essenciais.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 120º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal que constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

Prevê-se nesta alínea o vício de insuficiência do inquérito ou da instrução, por omissão de diligências que se impunham para a descoberta da verdade.

Como ensina GEMANO MARQUES DA SILVA, (Curso de Processo Penal, ed. 1999, Vol. II, pág. 80), a insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve. Assim, só se verifica esta nulidade quando se omita acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa.

A omissão de diligências não impostas pela lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência pois a apreciação dos actos de inquérito é da exclusiva responsabilidade do Ministério Público.

E se o Ministério Público optar por acusar, sem estar devidamente apoiado na prova que recolheu durante o inquérito, a consequência não é a nulidade da acusação e do processado subsequente, mas sim a não pronúncia ou a absolvição do arguido, conforme os autos sigam para instrução, ou, directamente, para julgamento (cfr. Ac. da RL, de 21.10.1999, CJ, XXIV, tomo 4, pág. 155).

No caso destes autos, o arguido A..., foi interrogado nessa qualidade (cfr. fls. 2075 e 2076), como impõe o artigo 272º do Código Penal.

Tal preceito impõe a obrigação expressa de o arguido ser interrogado, obrigatoriedade essa que só cessa quando não for possível a sua notificação.

O arguido, no fundo, invoca, não a omissão de diligência, mas sim o facto de não ter sido interrogado sobre matéria que posteriormente lhe veio a ser imputada na acusação.

Ora, não havendo lei que imponha para prova dos factos que o arguido seja interrogado sobre toda a matéria que venha a constar da acusação, nos termos em que o pretende o arguido, não se verifica a nulidade do artigo 120, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal.

Em face do exposto, julga-se improcedente arguida nulidade por insuficiência do inquérito e omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

Sustenta o recorrente ter sido cometida a nulidade processual de insuficiência de inquérito, constante do disposto no art 120, nº 2, al d) do CPP, alegando que nunca foi ouvido em sede de inquérito na qualidade de arguido sobre a matéria de que vem acusado e a sua ausência processual privou-o de na fase de inquérito se pronunciar sobre o objecto do mesmo.

O art 262 nº 1 do CPP, define a finalidade e âmbito do inquérito como “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação”.

É ao Mº Pº assistido pelos órgãos de polícia criminal que cabe a direcção do inquérito (art 263 nº 1 do CPP), praticando os actos e assegurando os meios de prova necessários à realização daquelas finalidades.

Realizados os actos de investigação para esclarecimento da notícia do crime e recolhidas as provas, o Mº Pº encerra o inquérito, podendo arquivar o mesmo, nos termos do art 277 do CPP ou suspender provisoriamente o processo verificados que estejam os requisitos enunciados no art 281 do CPP.

Se concluir que foram recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Mº Pº deduz acusação contra aquele (art 283 nº 1 do CPP).

Sendo obrigatório o inquérito no processo comum, prevê a lei que a sua falta constitui nulidade insanável (art 119 al d) do CPP) e a insuficiência do inquérito uma nulidade sanável (art 120 nº 2 al d) do CPP).

Dispõe o art 120 nº 2 al d) do CPP:

Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais a insuficiência do inquérito....e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

Tal como vem referido pelo Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal II Vol. Pg 84, “Pode questionar-se em que medida se pode ainda, agora, face ao CPP, colocar a questão da insuficiência do inquérito, quando a lei não impõe, em geral, a prática de quaisquer actos típicos de investigação.

Noutros termos, pode questionar-se se a insuficiência do inquérito, respeita à omissão de actos obrigatórios e ou a esses e ainda a quaisquer outros actos de investigação e de recolha de prova necessária à descoberta da verdade ou só a estes.

A insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de uma acto que a lei prescreve. Assim, só se verifica esta nulidade quando se omita acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa”.

Neste sentido já se pronunciou o Ac da RL de 21/10/99, na CJ XXIV, T4, pg 155.

Ora, nos presentes autos e tal como admite o recorrente houve inquérito, o recorrente foi constituído arguido e foi interrogado.

O facto de o arguido não ter sido interrogado sobre determinados factos que, posteriormente, lhe vieram a ser imputados, não constitui insuficiência de inquérito.

“A omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do MºPº” (ob. cit.).

Portanto, nada obriga a que o arguido seja interrogado sobre toda a matéria.

É um facto que o Ac do STJ nº 1/2006, de 23/11/2005 firmou doutrina obrigatória no sentido de que “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui nulidade prevista no art 120, nº 2, al d) do CPP”

Este acórdão tem como pressuposto a não constituição de arguido e absoluta falta de interrogatório do mesmo para o processo. Já não se aplica para interrogatórios complementares para apuramento de factos que entretanto se vão apurando conforme vai decorrendo a investigação.

No caso vertente o recorrente foi constituído arguido e interrogado sobre os factos que na altura se mostraram importantes.

É de notar que o recorrente teve sempre oportunidade para se pronunciar uma vez que houve instrução e debate instrutório. Portanto, o recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados.

Assim, não nos oferece qualquer censura o despacho recorrido.

Termos em que se tem o recurso interposto por improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 euros.