PROCURAÇÃO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE
Sumário

I – A declaração negocial pode não ser feita pela própria parte, mas antes por um terceiro que age em nome dela, através de poderes de representação (legal, orgânica ou voluntária).
II - O poder de representação consiste na faculdade ou poder jurídico do representante em produzir efeitos jurídicos na esfera do representado, de forma imediata e automática (art.258º do CC), e é esta especificidade que distingue a representação de outras figuras afins, como, por exemplo, a representação imprópria (mandatário sem poderes de representação), o contrato para pessoa a nomear, a gestão de negócios, a mediação.
III - Em princípio, a procuração pode ter por objecto a prática de quaisquer actos, salvo disposição legal em contrário, e revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
IV - Quanto à amplitude dos poderes, a procuração pode ser geral, permitindo ao representante a prática de uma actividade genérica, ou ser especial, destinando-se à prática de actos específicos, dependendo do conteúdo do acto de atribuição e da relação jurídica de base.
V - O nº3 do art. 410º do CC determina que no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real, o documento deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes e a certificação pelo notário da existência de licença respectiva de construção ou utilização.
VI - A falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização, traduz-se numa nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra pelo promitente-comprador, excepcionalmente pelo promitente-vendedor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1. - A requerente - A... - instaurou na Comarca de Montemor-o-Velho procedimento cautelar de arresto contra os requeridos – B... e marido C... .
Alegou, em resumo:
Por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 2 de Julho de 2004, a requerente prometeu comprar aos requeridos, que prometeram vender, dois lotes de terreno para construção, pelo preço de € 30.000,00, pago integralmente.
Como os requeridos ( promitentes vendedores ) não cumpriram o acordado, visto que venderam os lotes a terceiros, assiste-se o direito de crédito, no valor de € 60.000,00 ( dobro do sinal ).
Os requeridos não pagaram, apesar de interpelados, e os requerentes têm justo receio de perda de garantia patrimonial.
Pediram o arresto do bem imóvel identificado no art.25º da petição.

1.2. - Sem audição prévia dos requeridos, foi decidido deferir o arresto.

1.3. - Os requeridos deduziram oposição, pedindo a revogação da providência, em resumo:
O requerido C... invocou a falta de poderes de representação da requerida Isabel, a nulidade formal do contrato promessa, e a simulação do mesmo, por encobrir um empréstimo.
A requerida B..., alegou a simulação do contrato promessa e inexistir qualquer risco de perda da garantia patrimonial em virtude de os requeridos serem titular de outros imóveis, qualquer deles suficiente para garantir o crédito reclamado.
Respondeu a requerente, contraditando a oposição.

1.4. - Realizada a audiência, foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a oposição e manter o arresto.

1.5. - Inconformado, o requerido C... recorreu de agravo, com as conclusões que se passam a resumir:
1º) - O tribunal, ao acolher como fundamentos para a decisão questões de facto e de direito constantes do articulado resposta à oposição, cujo desentranhamento havia ordenado, violou os princípios da igualdade e do contraditório.
2º) – A sentença considerou que apesar da qualidade de procuradora da requerida não estar reconhecida notarialmente, tal não afectava a validade e eficácia da sua intervenção, para concluir que os efeitos do contrato promessa de produziram na esfera do recorrente.
3º) – Não sendo dos poderes de representação do recorrente legalmente reconhecidos, nem se sabendo se a requerida apresentou procuração, nunca o tribunal poderia considerar que a renúncia ao reconhecimento presencial das assinaturas era vontade do recorrente, ou que este houvesse prescindido.
4º) – Mesmo que estivesse reconhecida a qualidade de procuradora, ela não tinha poderes para renunciar ao reconhecimento presencial, em nome do recorrente.
5º) – A renúncia ao reconhecimento presencial não é extensível à exibição da licença de construção.
6º) – A arguida nulidade do contrato promessa de compra e venda não consubstancia abuso de direito.
Contra-alegou o requerente, pugnando pela improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões, são as seguintes:
1ª) - Nulidade processual;
2ª) – O direito de crédito da requerente ( falta de poderes de representação e nulidade do contrato promessa).

2.2. - Os factos provados:
2.2.1. – Na 1ª decisão:
1) - No dia 2 de Julho de 2004, a requerente celebrou com os requeridos um contrato promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar e estes prometeram vender, dois lotes de terreno para construção: o artigo urbano 1130, com área de 526,5 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o nº00650 da freguesia de Santo Varão e o artigo urbano 1131, com área de 545 m2, descrito na mesma Conservatória sob o nº00649 da mesma freguesia.
2) – O preço acordado para a transacção prometida foi de €30.000,00, que foi pago integralmente no acto de assinatura do contrato, tendo os requeridos dado a respectiva quitação.
3) – Foi convencionado que a venda era feita livre de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente hipotecas.
4) – E que a escritura pública seria celebrada até ao dia 5 de Janeiro de 2005, sendo da responsabilidade da requerente a sua marcação.
5) – A requerente procedeu ao registo do contrato promessa na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho.
6) – Os prédios objecto do contrato promessa foram vendidos a terceiro e estão registados em nome deste, tendo sido requerido o cancelamento da inscrição relativa ao contrato promessa em questão, com recurso a um falso reconhecimento da assinatura da requerente.
7) – Os requeridos receberam o preço dos imóveis prometidos vender, que fizeram seu e integraram no seu património.
8) – Os requeridos não entregaram à requerente os imóveis prometidos vender, nem têm já condições de celebrar com a requerente a respectiva escritura de compra e venda, dado que os mesmos já não estão na sua disponibilidade.
9) – Os requeridos têm-se vindo a desfazer de todos os seus bens.
10) – Não lhe são conhecidos outros bens para além daquele cujo arresto a requerente pretende.
11) – Este está em vias de ser vendido.
12) – Os requeridos têm dívidas e pretendem eximir-se ao seu cumprimento.
13) - Receia a requerente perder a garantia patrimonial do seu crédito.
2.2.2. – Na 2ª decisão:
1) - O requerido não teve participação directa no contrato-promessa junto aos autos, nele se mencionando que a requerida B... outorga “por si e na qualidade de procuradora do seu marido”.
2) - As assinaturas do contrato não foram notarialmente reconhecidas.
3) - Neste contrato, a requerente e a requerida acordaram em prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas.
4) - Não foi exibido ou consta do contrato qualquer referência à licença de construção.
5) - O contrato foi assinado em 2 de Julho de 2004.
6) - Por decisão proferida em 23 de Junho de 2004, e transitada em julgado em 8 de Julho de 2004, foi decretado o divórcio entre a requerida e o requerido.
7) - Requerente e requerida têm inscritos a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho os seguintes imóveis:
- prédio rústico com a área de 500 metros quadrados descrito sob o nº 1035/201198 da freguesia de Santo Varão;
- prédio rústico com a área de 9.990 metros quadrados descrito sob o nº 1036/301198 da freguesia de Santo Varão, com o valor patrimonial de 26.057$00;
- prédio rústico com a área de 2430 metros quadrados descrito sob o nº 1496/27054 da freguesia de Santo Varão, com o valor patrimonial de €30,17;
- prédio urbano constituído por casa de habitação, duas dependências e quintal, com a área de 2.060 metros quadrados, descrito sob o nº 01947/270504 da freguesia de Santo Varão, com o valor patrimonial de €714,43.
8) - A requerida dedica-se à compra, venda e construção de casas para habitação.
9) - A requerida veio a vender os lotes de terreno a que se refere o contrato-promessa pelo preço global de € 60.000.
10) - Por escritura lavrado no dia 15 de Janeiro de 2004 no Cartório Notarial de Montemor-o-Velho, o requerido C... declarou constituir sua procuradora a sua mulher B..., conferindo-lhe poderes para prometer vender, vender, prometer permutar e permutar, pelos preços e condições que entender, no todo ou e parte, quaisquer prédios rústicos ou urbanos sitos no concelho de Montemor-o-Velho, Figueira da Foz e Leiria, outorgando e assinando as respectivas escrituras e contratos, bem como para o representar em quaisquer repartições públicas, requerer actos de registo predial e tudo o mais que seja necessário para os indicados fins.

2.3. - 1ª QUESTÃO / Nulidade processual:
A requerente apresentou articulado/resposta à oposição, e o tribunal, em despacho proferido em acta de audiência ( fls.253 ) decidiu admitir o mesmo, com fundamento no art.3º do CPC, rejeitando, porém, o rol de testemunhas nela indicado.
Este despacho, porque não foi objecto de impugnação, transitou em julgado ( art.672 do CPC ).
Alega o agravante que a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, por o tribunal haver acolhido os fundamentos constantes da resposta à oposição, e que a existir configuraria uma nulidade processual, sujeita ao regime geral do art.201 do CPC.
Uma vez admitido o articulado resposta, por decisão transitada em julgado, estava legitimado a tomar em consideração na sentença os fundamentos nela aduzidos, ficando postergada qualquer “ decisão surpresa “ que interferisse com o direito a um processo equitativo.
Daí que não ocorra a pretensa nulidade processual.


2.4. - 2ª QUESTÃO / O direito de crédito da requerente:
Estatui o art.406 nº1 do CPC, que o procedimento cautelar de arresto, enquanto meio de conservação de garantia patrimonial posto à disposição do credor ( art.619 do CC ), depende da verificação cumulativa de dois requisitos: (1) a probabilidade da existência do crédito e (2) o justo receio da perda da garantia patrimonial
Para tanto, exige-se apenas a prova sumária, dadas as características gerais das providências cautelares, a provisoriedade, a instrumentalidade, a sumario cognitio, o carácter urgente e a estrutura simplificada.
A propósito da prova sumária, acentua TEIXEIRA DE SOUSA que “ as providências cautelares só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre requerido e requerente observem as regras gerais ( art.342 nº1 e 2 do CC ) “ ( Estudos Sobre o Processo Civil, pág.233 ).
A decisão recorrida, ponderando a factualidade apurada, considerou verificar-se a probabilidade séria do direito de crédito da requerente, baseado no duplo sinal, face ao incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda pelos requeridos ( promitentes vendedores ).
Para tanto, justificou-se com a validade da representação por parte da requerida ( representante ) em relação ao requerido ( representado ), atenta a procuração outorgada por este àquela, em 15 de Janeiro de 2004, por escritura outorgada no Cartório Notarial de Montemor-o-Velho, afastando-se a nulidade formal do contrato promessa, devido à omissão do reconhecimento presencial das assinaturas e da exibição da licença de construção ( art.410 nº3 do CC ).
Em contrapartida, objecta o agravante com a falta de poderes de representação, tanto para a celebração do contrato promessa, como para a renúncia, nele exarada, sobre tais elementos.

2.4.1. – A falta de representação e o abuso de representação:
O problema situa-se, assim, no âmbito mais geral da intervenção de terceiros na celebração do contrato, através do instituto da representação, regulado nos arts.258 a 269 do CC.
A declaração negocial pode não ser feita pela própria parte, mas antes por um terceiro que age em nome dela, através de poderes de representação ( legal, orgânica ou voluntária ).
O poder de representação consiste na faculdade ou poder jurídico do representante em produzir efeitos jurídicos na esfera do representado, de forma imediata e automática ( art.258 do CC ), e é esta especificidade que distingue a representação de outras figuras afins, como, por exemplo, a representação imprópria ( mandatário sem poderes de representação ), o contrato para pessoa a nomear, a gestão de negócios, a mediação.
A validade da representação pressupõe os seguintes requisitos:
a) - Uma actuação em nome e por conta de outrem – o representante deve agir esclarecendo a contraparte que os efeitos da sua intervenção se reflectem na esfera do representado, logo terá que invocar expressamente essa qualidade, actuando como o próprio representado o poderia licitamente fazer;
b) - Dispor o representante de poderes de representação ( legal ou voluntariamente concedidos pelo representado ) (cf., sobre os requisitos da representação, KARL LARENZ, Derecho Civil, Parte General, pág.771 e segs., MENEZES CORDEIRO, A Representação no Código Civil, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.II, pág.393 e segs. ).
Das modalidades de representação, sobressai a representação voluntária ( e só esta aqui releva ), que é dominada pela procuração, enquanto negócio jurídico unilateral ( arts.262 a 269 do CC ).
Discute-se, porém, se para a representação voluntária é suficiente a “procuração isolada”, constituindo um negócio abstracto, ou se pressupõe a validade da relação base, que a enforma, surgindo a procuração como mero negócio instrumental.
Assim, enquanto que para a primeira orientação é admissível a existência de poderes de representação que excedam ou extravasam os limites da relação interna ou subjacente, já na segunda há falta de representação quando a relação subjacente não chegou a ser configurada ou se mostra viciada.
Partindo da dependência causal entre a procuratio e a relação jurídica gestória, PEDRO ALBUQUERQUE sustenta, com apoio juspositivo no art.265 nº1 do CC, que a delimitação do poder de representação se afere em função do negócio de gestão ( A Representação Voluntária Em Direito Civil, pág.497 e segs. ).
Em princípio, a procuração pode ter por objecto a prática de quaisquer actos, salvo disposição legal em contrário, e revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
Por outro lado, quanto à amplitude dos poderes, a procuração pode ser geral, permitindo ao representante a prática de uma actividade genérica, ou ser especial, destinando-se à prática de actos específicos, dependendo do conteúdo do acto de atribuição e da relação jurídica de base.
Por conseguinte, a procuração permite ao representante celebrar em nome e por conta do representado, actos com terceiros, e como tal, a lei estabelece um conjunto de regras que visam proteger os interesses destes ( cf. arts.260 e 266 do CC ), enquanto normas especiais de tutela da confiança.
Quando o acto é praticado em nome e por conta de outrem, sem que para tanto existissem os necessários poderes de representação, estamos perante uma representação sem poderes ( art.268 do CC ).
Neste caso, o negócio é ineficaz em relação do dominus, se o não ratificar, na forma devida para a procuração ( arts.262 nº2, 217, 219, 268 nº2 e 3 do CC ).
Contudo, enquanto permanecer a ineficácia, o terceiro fica vinculado ao negócio e se tiver conhecimento da falta de poderes de representação, pode fixar um prazo para a ratificação, mas na ausência desse conhecimento, tem a faculdade de revogar ou rejeitar o negócio.
Diferente da representação sem poderes, é o abuso de representação ( art.269 do CC ), ou seja, quando o representante agindo embora dentro dos limites formais dos seus poderes representativos, utiliza conscientemente esses poderes sem sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado.
O negócio celebrado com abuso de representação é, em regra, eficaz, correndo o risco do abuso por conta do representado, sem prejuízo da responsabilidade sobre o representante. Ele só é ineficaz em relação ao representado se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.
Dado que a requerida mulher outorgou o contrato promessa de compra e venda, em representação do seu marido, invocando expressamente essa qualidade, e dispondo de tais poderes, face à procuração de 15/1/2004, houve representação voluntária, pelo que o contrato produziu efeitos na esfera do requerido ( promitente vendedor ).
A validade da representação não estava dependente do reconhecimento notarial no contrato promessa da referida procuração, como afirma o agravante, bastando a sua invocação, atribuindo a lei a faculdade ao terceiro contratante de exigir que o representante faça prova dos seus poderes ( art.260 nº1 e 2 do CC ).
Por isso, não se verifica falta de poderes de representação, e o requerido não alegou quaisquer factos que consubstanciem abuso de representação.

2.4.2. - A nulidade formal do contrato promessa:
Em regra, a validade da declaração não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir – princípio da consensualidade ou liberdade de forma ( art.219 do CC ).
No caso de contrato promessa de venda de bens imóveis, a lei exige documento particular, assinado pelas partes ( art.410 nº2 do CC ). São razões de ponderação e reflexão das partes, a certeza e segurança do contrato e do comércio jurídico que impõem a redução a escrito do contrato promessa, sendo diferentes os interesses e as consequência jurídicas dos requisitos do nº2 e do nº3 do art.410 do CC.
O nº3 do art.410 do CC determina que no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real que o documento deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes e a certificação pelo Notário da existência de licença respectiva de construção ou utilização.
A razão de ser da norma radica na protecção do promitente-comprador contra os inconvenientes resultantes da promessa de aquisição de edifícios clandestinos, inserindo-se no âmbito da tutela do consumidor, ou seja, na ordem pública de protecção ou ordem pública social ( cf. CALVÃO DA SILVA, RLJ ano 132, pág.259 e segs.).
Tem sido qualificada como uma nulidade atípica, visto não ser invocável por terceiros, nem conhecida oficiosamente pelo tribunal ( cf. Assentos do STJ de 28/6/94, DR IA de 12/10/94, e de 1/2/95, DR IA de 22/4/95 ).
Apenas pode ser arguida pelo promitente-comprador, destinatário da norma protectora, mas excepcionalmente a parte final do nº3 do art.410 do CC confere ao promitente-vendedor a faculdade de invocar a omissão quando tenha sido causada culposamente pela outra parte.
Por conseguinte, a falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização, traduz-se numa nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra pelo promitente comprador, excepcionalmente pelo promitente-vendendor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação ( cf., por ex., CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato Promessa, pág.45 e segs., ANA PRATA, O Contrato Promessa e o Seu Regime Civil, pág.526 e segs. ).
O requerido só estava legitimado a invocar a nulidade desde que alegasse ter sido a omissão causada culposamente pela requerente ( promitente compradora ), o que não fez, limitando-se a uma imputação genérica, sem qualquer concretização factual ( cf. art.9º da oposição ), apenas com base na cláusula 7ª.
Todavia, a circunstância de a requerente haver anuído a prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas ( cf. cláusula 7ª) de forma alguma é suficiente para concluir pela culpa na omissão.
Por outro lado, tendo em conta o conteúdo da procuração, onde lhe confere poderes para prometer vender nas “(…) condições que entender (…) e tudo o mais que seja necessário para os indicados fins ”, significa, segundo os critérios hermenêuticos dos arts.236 e 238 do CC, que a procuradora, então sua esposa, tinha poderes representativos para prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas.
E na medida em que a invalidade formal é instituída em benefício das partes, logo estando na sua disponibilidade, nada impedem que elas prescindam ou renunciem ao direito de invocar a nulidade ( cf., por ex., Ac STJ de 6/5/04, Ac RP de 14/7/05 e de 16/11/06, disponíveis em www dgsi.pt ).
Acresce ainda, que face ao estipulado na cláusula 7ª e ao facto de haver recebido integralmente o preço ( como elemento de antecipação dos efeitos do contrato prometido ), ao vir arguir a nulidade formal, já depois do incumprimento definitivo do contrato promessa, configura um claro abuso de direito ( art.334 do CC ).
Assente a validade do contrato promessa, os demais elementos factuais disponíveis são inequívocos quanto ao direito de crédito da requerente.
Precludido o cumprimento voluntário do contrato promessa, desenlace natural do dever bilateral das partes, o incumprimento (lato sensu) determina uma opção reintegradora do direito do promitente insatisfeito numa concorrência alternativa entre o direito de resolução e a execução específica (cumprimento forçado).
A discussão sobre se o duplum sinal, que tem implícito pedido de resolução do contrato, pressupõe o incumprimento definitivo ou se basta a simples mora, após a alteração introduzida no art.442 do CC pelo DL nº379/86, é aqui irrelevante, embora seja de admitir que só o inadimplemento definitivo do contrato fundamenta a resolução ( neste sentido, GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, pág.112, JANUÁRIO GOMES, Tema de Contrato Promessa, pág.64 e segs., CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.279; Ac STJ de 2/11/89, BMJ 391, pág.538, de 2/12/92, BMJ 422, pág.335, de 25/2/93, BMJ 424, pág.654, de 18/1/95, C.J. ano III, tomo I (1995), pág.35 ).
No caso concreto, a venda a terceiros dos lotes prometidos vender, consubstancia a recusa de cumprimento por parte dos requeridos ( promitentes vendedores ), traduzindo-se num incumprimento definitivo, sem necessidade de interpelação admonitória.
Esta modalidade de inadimplemento integra-se, de certo modo, na categoria mais geral de recusa de cumprimento ( “ o rifiuto di adempiere” da doutrina italiana), também chamado de “incumprimento definitivo ipso facto”, e cuja eficácia da declaração é imediata ( cf., BRANDÃO PROENÇA, A resolução do Contrato no Direito Civil, pág.89 a 92, ANTUNES VARELA, RLJ ano 121, pág.223 e segs., Ac STJ de 15/3/83, BMJ 325, pág.563).
Improcede o agravo, confirmando-se a sentença recorrida.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente o agravo e confirmar a sentença recorrida.
2)
Condenar o agravante nas custas.