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DIFAMAÇÃO
Sumário
A um perito, a quem o tribunal incumbiu de proceder a relatório pericial, num específico processo judicial, não pode, em princípio, ser imputado, nem mesmo a título de dolo eventual, o crime de difamação, independentemente do estilo e energia redactoriais ou do fundamentado acerto técnico das críticas e juízos formulados sobre num cidadão
Texto Integral
Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
1 – A... , assistente, (melhor id.º nos autos, máxime a fls. 1 e 209), inconformado com o despacho judicial de não pronúncia [1] da denunciada/arguida B... (melhor id.ª a fls. 64), por imputados [2] ilícitos criminais de difamação e injúria contra a sua pessoa, [p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, 181.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, al. b), do C. Penal], pretensamente consubstanciados na imputação de actos comportamentais e na formulação de juízos atentatórios da sua honra e consideração, em relatório de perícia à contabilidade da sociedade comercial C... , pela id.ª cidadã realizada, por incumbência judicial, no âmbito do Proc. n.º 731/99.6TALSA - então em fase instrutória e entretanto arquivado no TIC de Coimbra -, movido contra o co-sócio (com o ora assistente) D.... , dele interpôs o recurso ora analisando, de cuja motivação [3] . extraiu o seguinte quadro conclusivo (cujo teor se reproduz): 1 - A meritíssima Juiz violou o art. 308º do C.P.P. ao não proferir o despacho de Pronúncia da Arguida, 2 - porque não interpretou devidamente o nº 2 do art. 180º do C.P. 3 - Violou, ainda os arts. 290º nº 1 e 292º nº 2 do C.P.P. e o art. 120º do C.P.P. ao indeferir os requerimentos de prova requeridos pelo Assistente, que atempadamente arguiu a nulidade do despacho que indeferiu tais requerimentos. Pois, 4 - É ponto doutrinário assente que o modo de execução do crime de difamação pode ser vário: - imputação de um facto ofensivo, mesmo que somente sob a forma de suspeita; - formulação de um juízo de valor; - reprodução de uma imputação ou de um juízo. 5 - Ora, este elemento objectivo – a Acção – do tipo legal de crime encontra-se amplamente preenchido, bastando para tanto ler-se atentamente o relatório. As considerações e conclusões e Juízos de valor aí vertidos são objectivamente aptos a serem considerados difamatórios, ou seja, atentatórios da honra e consideração, atento um genérico critério da experiência comum. Qualquer "pater famílias" a quem imputassem os factos relatados nos escritos da Arguida, certamente se sentiria ofendido e humilhado. 6 - Quanto ao elemento subjectivo do tipo legal de crime é hoje unanimemente aceite que o Crime de Difamação se basta com o Dolo Genérico, não sendo necessário "animus diffamandi". O crime consuma-se sem a exigência de especial intenção, bastando-se que o agente preveja ou possa prever que a sua conduta é de molde a ser encarada pelo visado como atentatória da sua honra e consideração. 7 - A Senhora Perita, aqui arguida, não pode dizer que desconhecia que o modo como expressou o seu relatório era ofensivo para o aqui Assistente, pois dado o seu grau Académico e Profissional, de Técnica Superiora da Função pública, é-lhe exigível que prevê-se que as suas palavras e conclusões atentavam contra a honra e consideração do aqui Assistente. 8 - Assim sendo, e considerando-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime teríamos que averiguar se existiriam causas de exclusão da ilicitude, nos termos e para os efeitos do artigo 180º nº 2 do C.Penal. 9 - É entendimento geral da Doutrina e Jurisprudência e aliás do próprio legislador, que as causas de exclusão de ilicitude enumeradas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 180º do C.P. são cumulativas. 10 - Enquanto que a alínea a) do referido normativo nos oferece uma "clausula genérica", de "interesse legítimo", podendo certa e obviamente incluir-se no seu âmbito, como o fez a Meritíssima Juiz ao decidir o despacho de pronúncia, o "interesse legítimo da informação (leia-se ao Tribunal) e da realização da Justiça". 11 - No entanto, quanto à alínea b) do supra referido normativo, necessita da prova da veracidade da imputação, ou prova de que teve fundamento sério para de boa fé reputar de verdadeira a imputação, para que se possa considerar excluída a ilicitude da difamação. 12 - Ora, no despacho recorrido a Meritíssima Juiz só cuidou de valorar a causa de exclusão da ilicitude incerta na alínea a) do nº 2 do art. 180º do C.P.. 13 - Para excluir a ilicitude e decidir não pronunciar a arguida a meritíssima juiz SÓ teve em conta o "interesse legítimo da realização da Justiça", consubstanciado, no entendimento da meritíssima Juiz de que a Srª Perita fora nomeada pelo Tribunal como perita, prestara juramento legal e portanto tudo o que dissera se encontrava justificado pelo Supremo interesse do Tribunal na Descoberta da Verdade! 14 - A arguida no ÂMBITO DO PRESENTE PROCESSO tinha o ÓNUS DE PROVAR QUE AS AFIRMAÇÕES QUE FEZ NO SEU RELATÓRIO, SOBRE O ARGUIDO, SÃO VERDADEIRAS AS IMPUTAÇÕES QUE ATRIBUIU AO AQUI ASSISTENTE. 15 - A única diligência realizada no âmbito da fase de instrução do presente processo foi única e exclusivamente a inquirição da arguida, que confirmou o teor do seu relatório. 16 - Se a arguida não carreou para este processo qualquer prova de que as suas imputações eram verdadeiras ou prova de que teve fundamentos sérios para as reputar de verdadeiras, NUNCA poderia a meritíssima Juiz, sem mais ter proferido DESPACHO DE Não PRONÚNCIA. 17 - A Prova da veracidade das afirmações da arguida nos seus escritos tinha que ser obrigatoriamente realizada para excluir a ilicitude da difamação. 18 - A Meritíssima Juiz não podia aqui decidir por mera convicção! O Juiz de Instrução tem por imperativo legal analisar, face à prova produzida, se existe ou não forte probabilidade de em sede de Julgamento vir o arguido a ser condenado ou não. 19 - Dado que no presente caso, se encontrava preenchido o tipo legal de crime, tanto no seu elemento objectivo, como no elemento subjectivo, e porque a arguida não apresentou qualquer prova da veracidade dos factos que imputou ao assistente, que é seu ónus se quer afastar a ilicitude da sua actuação, então, sempre teria a arguida que ter sido levada a julgamento. 20 - Consideramos, também, que no presente caso é de aplicar o nº 4 do art 180º do C.P.. Assim, nunca poderia vir afirmar-se que a arguida teve sérios fundamentos para de boa fé reputar de verdadeiros os factos que imputava ao aqui Assistente. 21 - Certamente não desconhecemos que esta alínea do art. 180º do C.P. foi pensada para o Crime de Difamação através da imprensa, e do dever de informação dos jornalistas, no sentido de averiguarem se as suas fontes são fidedignas antes de veicularem qualquer notícia. 22 - Também no caso sub judice a Senhora Perita, aqui arguida tinha o dever de informação antes de transpor para o papel as suas conclusões, pois, face aos documentos que lhe eram apresentados e ou eram dados verificar nas pastas da contabilidade da Litopapel, Lda dos anos de 1991 a 1995, deveria ter solicitado esclarecimentos do Senhor Técnico de Contas, do Sócio Gerente à data da Peritagem, o aqui Assistente. 23 - Veja-se que qualquer peritagem Fiscal, dada a complexidade da matéria e porque nem sempre os papeis espelham correcta e eficazmente a realidade financeira, e porque, muitas vezes, por inércia, desconhecimento ou lascismo, o contribuinte tem a sua documentação fiscal atrasada, amontoada, com rasuras, apontamentos manuais, prevê-se no Código Comercial, no seu artigo 43º, que o comerciante possa estar presente à fiscalização. Exactamente para assegurar o dever de informação e esclarecimento que é devido ao Perito Fiscal que estiver a analisar a contabilidade é que o contribuinte deve prestar todos os esclarecimentos e explicações solicitadas. 24 - No Presente caso a Senhora Perita nunca pediu auxílio, esclarecimentos ou qualquer justificação para qualquer documento, transacção ou anulação... Pura e simplesmente decidiu a mais das vezes utilizar a expressão: "É de presumir que oA... fez..."; "É de presumir que oA... tenha feito..."; "É de presumir que o D... desconhecesse…". E como é que presumiu? 25 - A Senhora Perita, aqui arguida, não cumpriu o dever que se lhe impunha de verificar, o dever que tinha de pedir informação às únicas três pessoas que podiam e deviam prestar-lhe colaboração e dar-lhe todas as informações: os Sócios da Sociedade, ou seja, o Sócio D... e o Sócio A..., aqui Assistente, e o Técnico de contas. 26 - O Relatório Pericial que o Assistente considera difamatório e atentatório da sua Honra e Consideração, ofende-o genérica e globalmente pela imputação dos factos que o Assistente enumera na Sua Acusação Particular, dos pontos de 1 a 18 (Um a Dezoito) do artigo terceiro do seu clausulado, mas também pelas expressões – Juízos de Valor que a Senhora Perita formula relativamente à pessoa do aqui Assistente. 27 - "Facto é qualquer acontecimento, evento ou situação, passada ou presente, susceptível de ser objecto de prova. Dele se distingue o juízo de valor, que se analisa numa apreciação pessoal sobre o carácter da vítima, ainda que alicerçada em determinados factos. Acerca dos termos da distinção, Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, Coimbra, 1998, ps. 609 e ss.. 28 - Se todos os pontos enumerados de um a treze e de dezasseis a dezoito do artigo terceiro da Acusação Particular, que se dá aqui por integralmente por reproduzida por mera economia, são imputação de factos ao aqui Assistente, o mesmo já não entendemos quanto aos pontos 14 e 15.: 14. "É espantoso que este sócio tenha estado, desde o início da actividade da empresa, atento a todas as possibilidades de retirar proveito próprio usando este e outros métodos." 15. "uma fobia por parte do sócio A..., em anular facturas e recibos deste cliente, com quem parece ter havido conluio no sentido de a Escola obter e beneficiar subsídios concedidos por entidades estatais." 29 - Nestes dois pontos concretos do seu Relatório, que consubstanciamos no artigo terceiro, pontos 14 e 15 da acusação particular, a Senhora Perita ora arguida "emite apreciações sobre o carácter" do Assistente. Não lhe imputa um facto ou acontecimento concreto, somente faz, na primeira, ponto 14, uma observação genérica, demonstrativa do juízo que emite acerca do aqui Assistente. 30 - No ponto 15 atribui-lhe, em tom jocoso, uma "doença", "predisposição natural" ou "mania", pois será esse o significado que a Senhora Perita quererá atribuir à palavra "FOBIA". A verdade é que a palavra Fobia significa: "repulsa; medo móbido" (vide Dicionário de língua Portuguesa, Porto Editora, 83 ed., pags 765). 31 - Efectivamente estes dois pontos são claramente inseridos num contexto de emissão de Juízo de valor sobre o aqui Assistente e imputação genérica de factos e são manifestamente ofensivos porque emitidos com a intenção de "achincalhar" 32 - Se lei prevê causas cumulativas de exclusão da ilicitude para a imputação de factos, previstas no nº 2 do art. 180º do C.P., já as não prevê para a formulação de Juízos de Valor. 33 - "A causa de justificação prevista no nº 2 do art.180º do C.P. apenas é aplicável à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de epítetos ou palavras a que se alude no crime de injúrias, bem como a imputação de factos genéricos ou abstractos." (Ac. RL de 22 de Janeiro de 1998; CJ, XXIII, tomo 1,83) 34 - "I – Não é admissível a causa de justificação do art. 180º, nºs 2 a 5, do C.P., nos casos de juízos de valor ofensivos da honra. II – O direito de expressão na sua vertente de direito de opinião e de crítica, caso redunde num comportamento típico, deve ter-se por justificado desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz unicamente a intenção de achincalhar." (Ac. RC de 23 de Abril de 1998; CJ, XXIII, tomo 2, 64) 35 - Ora, mesmo que alguma razão assistisse à meritíssima Juiz na não pronúncia da arguida quanto à questão supra vertida, relativamente à imputação de factos ao Assistente, caso tivesse havido no caso sub judice causa justificativa para a imputação dos mesmos, a verdade é que sempre por via destas duas frases insertas no Relatório Pericial da arguida: "É espantoso que este sócio tenha estado, desde o início da actividade da empresa, atento a todas as possibilidades de retirar proveito próprio usando este e outros métodos."; "uma fobia por parte do sócioA..., em anular facturas e recibos deste cliente, com quem parece ter havido conloio no sentido de a Escola obter e beneficiar subsídios concedidos por entidades estatais.", sempre a arguida deveria ser levada a Julgamento porquanto para Juízos de valor não existem causas justificativas que excluam a sua ilicitude, nos termos do nº 2 do art. 180º do C.P. que lhes são inaplicáveis. 36 - De facto, no dia 5 de Setembro de 2006 realizou-se a inquirição da arguida, única diligência probatória realizada e considerada necessária pela Meritíssima Juiz, sem que tivesse sido autorizada a presença, à referida diligência, do Assistente ou da sua Mandatária Forense. 37 - Logo a sete de Setembro estavam a ser expedidas as notificações para o debate instrutório. Porque sempre consideramos que a arguida teria de fazer prova da veracidade das suas imputações ao aqui Assistente, e porque é dever de todos arguidos e assistente colaborarem com a justiça no sentido de facultar ao Julgador elementos para melhor decisão, requereu o Assistente em 12 de Setembro de 2006 novas diligências probatórias e junção aos autos de documentos nos seguintes termos. 38 - De tal requerimento só foi admitida a junção aos autos dos documentos tendo sido denegada a realização de qualquer outra das diligências requeridas. 39 - Por se lhe não afigurar que a realização das diligências requeridas e supra referidas fosse extemporânea, dilatória ou desnecessária, o Assistente arguiu em tempo a nulidade do despacho que denegou a sua realização. 40 - A verdade é que continuamos a afirmar que a realização, pelo menos de uma das diligências probatórias solicitadas ao Tribunal teria feito "Luz" sobre toda esta questão. 41 - Efectivamente a ter-se realizado a inquirição das testemunhas indicadas pelo Assistente ou a ter-se realizado uma Análise independente por Técnico avalizado a nomear pelo Tribunal e a Solicitar à Direcção Geral de Finanças do Relatório realizado pela Senhora Perita e dos documentos que este relatório analisou poderíamos com segurança saber, não como refere a Meritíssima Juiz, que não se consegue vislumbrar onde uma nova perícia poderia vir dizer se o relatório teve intenção difamatória ou não, mas, antes uma nova Perícia, desta feita limitada somente ao relatório da Senhora Perita aqui Arguida e aos documentos por si analisados e por si profusamente indicados e ilustrados, poderia vir dizer se as imputações feitas pela arguida ao Assistente eram verdadeiras ou não ou se a arguida tinha tido razões para de boa fé ter reputado de verdadeiras tais imputações! 42 - O aqui Assistente está tão ciente da sua inocência das imputações de crimes e irregularidades fiscais e comerciais que lhe são imputadas pela Senhora Perita aqui Arguida, que fugindo a toda a normalidade processual, foi ele que veio solicitar ao Tribunal diligências probatórias que poderiam levar a que a arguida lograsse provar a veracidade das suas informações! 43 - Se se atentar com rigor e verdade ao Relatório da Senhora Perita este não imputa ao aqui Assistente a "actividade" constante da Acusação Pública contra D... no Processo 731/99 apenso a estes autos. Antes, a Senhora Perita em todo o seu Relatório comenta e remete muita documentação difusa que nada tem a ver com a matéria da Acusação e com os factos descritos naquela Acusação Pública. De fls 52 a final do seu Relatório o que a Senhora Perita faz é tentar desmantelar a Acusação Pública contra o D... dando a sua opinião relativamente aos documentos que analisa, por forma a convencer o Tribunal de que não foi o D... a praticar determinado facto ou quando refere que foi ele tenta 1egitimar a sua actuação! 44 - Salvo o devido respeito, não percebemos onde está o problema e qual a correlação! Mesmo que o hoje Assistente tivesse sindicado e rebatido o relatório no âmbito do processo 731/99, sempre teria o Direito de interpor queixa crime perante o Relatório em análise. De facto, acompanhado por outro mandatário forense, o hoje Assistente não tomou talvez as melhores opções processuais, pois deveria ter-se constituído Assistente para poder recorrer do Despacho de não pronúncia proferido no processo 731/99. No entanto, tal circunstância é meramente colateral! Naquele outro processo discute-se os desvios financeiros perpetrados e vertidos na Acusação pública Contra o Sócio D.... Neste Processo discute-se o conteúdo atentatório da Honra e Consideração do Assistente do Relatório elaborado pela Srª Perita. 45 - Salvo o respeito devido, não entendemos onde da Acareação levada a cabo entre os três Peritos, constante de fls --- do proc. 731/99, se vislumbram as conclusões retiradas pela Meritíssima Juiz. A nenhum deles foi perguntado acerca da idoneidade da Senhora Perita, que se calhar sequer conheceriam de lado algum(!); se não lhes foi facultado ou dado ler e estudar o relatório da Senhora Perita e os documentos em que esta se baseou como poderiam eles aferir da adequação do seu método de trabalho ou fiabilidade das conclusões. 46 - Na acareação dos peritos a nenhum foram colocadas tais questões, nem poderiam ser, pois eles só poderiam debruçar-se sobre tal matéria se lhe fosse dado para análise o relatório e os documentos em que se teria baseado a Srª perita. 47 - De facto, se atentarmos e lermos na ÍNTEGRA os TRÊS RELATÓRIOS concluímos que são substancialmente diferentes. Os dois primeiros versam basicamente sobre compras-vendas, prestação de serviços, e diários de caixa e fitas de registadoras e leitores-contadores de fotocopiadoras e anulação de vendas a dinheiro até 31-12-1994, enquanto que o relatório da Senhora perita, analisa extractos bancários, bancos, contas correntes de clientes e fornecedores, contas de suprimentos, anulação de facturas, contas correntes de letras, e analisa até 31-12-1995, quando afinal o Sócio D... já apresentara a sua renúncia à Gerência em Junho de 1995. 48 - Não podem ser comparáveis nem confrontáveis relatórios tão diferentes! 49 - NUNCA Nós o afirmámos ou pretendemos! Nunca foi referido, ou sequer pensado, que o crime da Srª Perita se consubstanciava no facto de contra o hoje AssistenteA... não ter sido sujeito a investigação ou procedimento criminal! Antes tivesse sido e já estaria judicialmente reposta a verdade dos factos e a INOCÊNCIA DO ASSISTENTE QUANTO AOS FACTOS A SI IMPUTADOS NO RELATÓRIO DA SENHORA PERITA! TERMOS EM QUE SE REQUER A PRONÚNCIA DA ARGUIDA PELOS FACTOS CONSTANTES DA ACUSAÇÃO PARTICULAR
2 – Responderam o M.ºP.º e a arguida, defendendo a manutenção do decidido, (vide respectivas peças processuais de fls. 582/602 e 603/604, cujos dizeres nesta sede se têm identicamente por reproduzidos), concluindo o Ex.mo magistrado respondente as respectivas razões opositivas pelo seguinte modo [4] : 1ª - A instrução é constituída pelos actos de instrução que o juiz, na sua livre resolução e tendo em conta as finalidades da instrução (submeter ou não a causa a julgamento), entenda levar a cabo e obrigatoriamente pelo interrogatório do arguido, quando por este solicitado, e por um debate instrutório – art.ºs 289º, 291, nºs 1 e 2 e 292º, nº 2 –. Daí que não caiba recurso do despacho que indefira a prática de actos de instrução, mas apenas a possibilidade de reclamação – art.º 291, nº 1, parte final –. 2ª - A insuficiência da instrução, a que se refere a al. d), do nº 2, do art.º 120º, não significa ausência de actos de instrução tendentes às finalidades que esta prossegue. A insuficiência da instrução como nulidade só pode respeitar à omissão de actos que a lei prescreva como obrigatórios (o interrogatório do arguido, se por ele requerido, e o debate instrutório) se para essa omissão ela não dispuser de forma diversa. 3ª - No caso em análise, o recorrente não invocou a omissão de actos de instrução que a lei obrigatoriamente imponha, pelo que, não ocorreu tal nulidade. 4ª - Acresce, como se refere no douto despacho da Exm.ª Sr.ª Juiz de Instrução: não tendo sido vedado ao assistente apresentar durante o inquérito a prova que entende ser pertinente e tendo considerado suficiente a aí reunida para suportar a decisão de acusação que formulou não será em fase de instrução requerida pela arguida e sem que nenhum facto novo tenha sido invocado que aquele assistente verá realizada a prova que lhe competia reunir antes de proferir a acusação. 5ª - Indícios suficientes para efeitos de pronúncia (art.ºs 308º e 283º) são os elementos de facto existentes no processo que, livremente analisados e apreciados, permitam a convicção do juiz de instrução de que, a manterem-se em julgamento, terão a virtualidade (a razoável possibilidade) de conduzir à condenação do arguido ou, pelo menos, que essa condenação é mais provável que a absolvição. 6ª - Tal como no julgamento, também na pronúncia vale o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP) e as regras da experiência, e é permitido ao juiz formar a sua convicção com base em todos os elementos de prova que não sejam proibidos por lei, com a particularidade de não se pretender alcançar a certeza dos factos, mas apenas uma probabilidade séria de que ocorreram. 7ª - No caso sob apreciação, a reconstituição processual que os elementos do inquérito e da instrução revelam, não permite alcançar, como a decisão recorrida também julgou, o nível de probabilidade (a razoável possibilidade), quanto à existência do(s) crime(s) imputado(s) pelo assistente à arguida, necessário para o despacho de pronúncia. 8ª - Para esta conclusão basta atentar no despacho do Ministério Público, que não acompanhou a acusação particular deduzida pelo assistente – fls. 388 e v.º –, e no douto despacho de não pronúncia – fls. 499 a 511 –. 9ª - Referindo-se no primeiro: só há que concluir não haver indícios seguros e suficientes para submeter a arguida a julgamento, sendo certo que o que existe no relatório são apreciações de uma técnica – a quem foi pedido um juízo técnico – sobre a contabilidade de uma empresa, emitindo, assim, um juízo pericial sobre a mesma, e esclarecendo o Tribunal. A arguida apreciou a contabilidade e tirou conclusões que, como é óbvio, não podem agradar a todos, tendo, como é natural, optado, ajuizado de sua justiça, tentando esclarecer o tribunal, no âmbito de um processo criminal. Se ela não dissesse o que pensava, poderia estar a trair o seu real pensamento técnico e a não exercer, condignamente, o seu mister de fazer uma perícia. 10ª - E constando do douto despacho de não pronúncia: A intervenção da ora arguida, que prestou, perante o Juiz de Instrução, compromisso de honra a 8.5.200, ocorreu por força de despacho judicial de 14.4.03, no processo nº 731/99.6 TALSA, que ordenou a realização da perícia solicitada pelo requerente da instrução e aí arguido, D..., que indicou como perita a ora arguida, na qualidade de técnica superior dos serviços regionais de fiscalização do centro do ISSS. A acusação referia-se à actuação de um sócio de uma empresa em desfavor desta. Esta actuação – ilícita – fora já constatada anteriormente em duas perícias (uma efectuada no âmbito dos autos e a outra efectuada extra-judicialmente a solicitação do outro sócio). A arguida elaborou um relatório onde concluiu pela actividade já constante da acusação, actividade que considerou, no entanto, dever imputar-se ao sócio não acusado. Esta sua conclusão não foi aportada de forma gratuita porquanto, não obstante a ausência exaustiva de toda a documentação necessária – facto que a arguida não escamoteou –, os documentos a que teve acesso (e cuja cópia juntou) permitiram-lhe extrair as conclusões que o ora assistente considera difamatórias. Não pode considerar-se como típica a actuação do agente quando a sua intervenção visou, antes de mais, a exposição processual em fase de instrução de uma situação financeira e contabilística a que teve acesso apenas e só por tal lhe ter sido solicitado por tribunal com a finalidade de informar o tribunal do resultado do seu trabalho, sendo que, nos termos da lei aplicável "os elementos de que o perito tome conhecimento no exercício das suas funções só podem ser utilizados dentro do objecto e das finalidades da perícia" – art.º 156º, nº 4, do CPP –. 11ª - De todo o modo, no caso concreto, a difamação também não seria punível porque verificadas, cumulativamente, as condições seguintes: a) a imputação do facto desonroso foi feita para realizar interesses legítimos e, para além disso, b) a arguida provou a verdade da mesma imputação ou teve fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. 12ª - Isto é, ainda que se considerasse preenchido o tipo legal de crime (difamação), estaria excluída a ilicitude da conduta da arguida, pois, como na douta decisão instrutória se refere: A arguida no exercício das suas funções para as quais foi nomeada teve em vista dar o seu contributo para a descoberta da verdade numa instrução que tinha em vista exactamente saber se o acusado era a pessoa responsável pelo desvio financeiro já colocado em evidência pelas duas perícias anteriormente elaboradas. A realização da justiça, interesse de prossecução do qual a perícia foi solicitada e realizada, constitui um interesse legítimo, por ser um bem jurídico próprio de um Estado de Direito. Destarte, o confronto entre o peso do interesse individual, que privilegia os direitos individuais de cada cidadão concreto e estimula a perseguição e punição dos que denunciam actuações ilícitas, e o primado dos valores do Estado que privilegiam e estimulam a colaboração com a justiça, se não logra ser favorável ao primeiro nos casos de delação ou falsa denúncia, já resulta favorável ao segundo quando, comprovadamente, o agente não actua com conhecimento da falsidade do que afirma ou com temerário desprezo pela verdade. Finalmente, a arguida baseou as conclusões que aportou em documentos que juntou aos autos, tendo cumprido o dever de informação e estando excluída a ilicitude da conduta (art.ºs 180º, nº 2, als. a) e b) e 181º, nº 2, do CP). 13ª - Por tudo quanto ficou exposto, é nosso parecer e salvo o respeito devido por diferente entendimento, que não houve qualquer violação das normas referidas nas conclusões da motivação do recorrente, nem de qualquer outra disposição legal, pelo que, o despacho de não pronúncia não merece qualquer reparo, devendo o mesmo manter-se, julgando-se, consequentemente, improcedente o presente recurso.
3 – Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto sufragou a posição sustentada pelo Ex.mo magistrado do M.ºP.º em primeira instância, pugnando, outrossim, pela improcedência recursiva, (vide referente peça processual – de parecer – junta a fls. 614).
4 – Observadas as pertinentes formalidades legais, nada obsta à apreciação do mérito recursivo.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1 - Tanto quanto se alcança da peça recursória, mormente do referente acervo conclusivo – delimitador do âmbito do recurso [5] –, emerge da respectiva utilidade a demanda à Relação da apreciação das seguintes questões:
1.1 – Pretensa produção pela Ex.ma JIC do vício de nulidade de insuficiência da instrução, prevenido no art.º 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, (diploma a que pertencerão todos os preceitos citados sem outra menção de origem), pelo acto de indeferimento – pelo despacho de fls. 488/489, de 15/09/2006 – dos requerimentos de prova apresentados pelo próprio sujeito-assistente depois do agendamento do debate instrutório;
1.2 – Desrespeito pela mesma Ex.ma decisora do estatuído no dispositivo 308.º, n.º 1, em razão de alegada existência de indícios suficientes ao pronunciamento da arguida pelo cometimento de crime de difamação;
1.3 - Indevida interpretação do preceituado no art.º 180.º, n.º 2, do C. Penal, pelo ajuizado reconhecimento das causas de não punibilidade da conduta difamatória.
2 – Apreciando:
2.1 - Nulidade da instrução:
Em requerimento de 12/09/2006 (junto a fls. 436 a 487), no âmbito da instrução requerida pela arguida, o assistente, peticionou a realização de diversas diligências, nomeadamente inquirição de testemunhas e realização de perícia, (vide fls. 437 e 438).
Tais pretensões foram objecto de apreciação pela Ex.ma JIC, que, fundando-se na disciplina jurídico-normativa postulada no art.º 291.º, n.º 1, ponderando da respectiva oportunidade/relevância, por despacho de 15/09/2006, exarado a fls. 488/489, tudo indeferiu.
Em 19/09/2006, aquando do debate instrutório, o assistente suscitou a respectiva nulidade, alegadamente prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d), cuja arguição logo foi desatendida, (cfr. acta respectiva, de fls. 493/495).
Por conseguinte, posto que desta decisão não foi interposto recurso no prazo legal – de 15 dias, (definido no art.º 411.º, n.º 1), cujo termo ocorreu em 4/10/2006, já que só em 20/10/2006, na peça recursória em análise, a questão é de novo abordada –, formou-se sobre o assunto caso julgado formal, impeditivo do particular reexame, (cfr. arts. 672.º, 673.º e 677.º, do C. P. Civil, aplicáveis por força do normativo 4.º do CPP).
2.2 – Para cabal apreciação dos residuais fundamentos recursivos importa reter o essencial do despacho recorrido: […] A..., assistente, formulou acusação particular contra B... a quem imputa a prática de um crime de injúria e de um crime de difamação, p.p. pelos artºs 180° e 181, com as consequências dos artºs 182° e 183°, nº 1 al. b), todos do Código Penal (fls. 302 a 380). Integradores de tais normativos seriam, na óptica do assistente, os seguintes juízos expostos pela arguida em relatório pericial apresentado em processo criminal: - "associação" do assistente a "uma rede criminosa tendente a branquear meios financeiros, através do recurso a contabilidade paralela"; - imputação do "recebimento de verbas ilícitas da sociedade"; - promoção de "actos contabilísticos" influindo nas contas da empresa de molde "a promover a sua falência"; - actuação contabilística em proveito próprio, assim o acusando de "recebimento ilícito de 85.109.990$00"; - "utilização de livros de vendas, facturas e recibos em outra contabilidade". A instrução foi requerida pela arguida a fls. 408 e ss. A acusada expôs aí que os factos nunca teriam virtualidade para constituir crime de injúria por as expressões terem sido vertidas em escrito apresentado em processo judicial e não afirmadas perante o próprio assistente. Acrescentou que o relatório foi elaborado no âmbito de um processo judicial onde foi solicitada à requerente a realização de uma perícia à contabilidade da sociedade C.... No processo existiam já dois outros relatórios que, baseando-se como o da arguida, na documentação contabilística da empresa, concluíram como esta por "desvios financeiros da sociedade". Porém, ao contrário do que se expôs naqueles dois relatórios, a ora arguida, como perita, concluiu que a responsabilidade por tais "desvios" cabia ao sócio da empresa, aqui assistente, e não ao arguido daqueloutro processo, o também sócio, D... o qual, em fase de instrução, não foi pronunciado. Finalizou, dizendo que relatório considerado instrumento dos crimes imputados foi elaborado com a finalidade de esclarecer o tribunal quanto aos factos sob investigação no processo onde foi apresentado e não visou atingir a honra e consideração do assistente, pessoa com quem a arguida não travara qualquer tipo de contacto. Conhecendo os factos: Importa, prima facie, sublinhar que o relatório pericial subscrito pela arguida foi entregue por esta a 16.9.03, no processo 731/99.6 TALSA, então em fase de instrução e ora arquivado neste TIC. O processo em causa está apenso a estes autos para consulta e o relatório acha-se ali a fls. 990 e ss. do 4° volume. A intervenção da ora arguida ocorreu por força de despacho judicial de 14.4.2003 que ordenou a realização da perícia solicitada pelo requerente da instrução e aí arguido, D..., que indicou como perita a ora arguida, na qualidade de técnica superior dos serviços regionais de fiscalização do centro do ISSS (fls. 929 e 950 dos autos 731). A perita e ora arguida prestou compromisso de honra a 8.5.2003 (fls. 969). Nesses autos fora proferida acusação contra D... pela prática do crime de abuso de confiança agravado, sob a forma continuada, ilícito que decorria da circunstância aí relatada de o arguido, então sócio da C...(com o ora assistente) ser quem "presidia aos destinos da empresa" e "ao giro comercial nela desenvolvido", circunstancialismo que teria aproveitado para manipular a contabilidade e omitir registos de caixa assim se locupletando ilegitimamente com a quantia de 15.082.955$00, pertença da sociedade. A decisão de acusação, entre o mais, teve como fundamento probatório dois relatórios juntos aos autos, relativos ao exame dos registos contabilísticos dos exercícios da empresa de 1991 a 1994 (efectuado por uma sociedade de Revisores Oficiais de Contas) e ao exame à escrita da empresa incidente sobre o mesmo período (efectuado pela Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra). Assim, segundo a acusação e com base em tais relatórios, o arguido, naquele período, omitiu deliberadamente vendas no registo de caixa e anulou outras que tinha efectuado e omitiu a referência a lucros relativos à venda de artigos e prestação de serviços, conforme exemplos concretos que aí foram descritos. A acusação consta de fls. 904 e ss. Os relatórios estão, respectivamente, a fls. 97 a 157 e 869 a 903 daquele processo 731. A arguida efectuou uma peritagem à contabilidade relativamente aos anos de 1991 a 1995. Expôs, em introdução, as dificuldades com que se deparou na aquisição dos documentos necessários à perícia que referiu, encontrarem-se, em algumas situações, em poder do sócio ora assistente, acrescentando que a contabilidade foi efectuada "por um profissional que frequentemente violou normas, regras e princípios contabilísticos geralmente aceites" o qual, ademais, foi "influenciado ao longo dos anos pelo sócioA... (…), uma vez que qualquer anotação manual por parte daquele sócio era uma ordem para o técnico", sendo que foram encontradas "centenas de documentos com ou sem formato legal, pertencentes ou não à empresa, que foram feitas na totalidade ou com simples anotações escritas por aquele sócio (…)". Termina o relatório com a seguinte conclusão: Da análise pormenorizada à contabilidade da empresa respeitante aos anos de 1991 a 1995, foi verificada a possível existência de uma contabilidade paralela controlada pelo sócio A... com a cumplicidade do T. O. C.; Confirma-se a opinião emitida pelo senhor Inspector da Direcção de Finanças de Coimbra quanto aos desvios financeiros; Entende-se que o sócio D... não fez qualquer desvio da empresa, ao contrário, foi vítima de uma sucessão de fraudes praticadas pelo sócio A..., que isolado ou em colaboração com terceiros procedeu à asfixia financeira da empresa; Devido à ausência de inúmeros documentos das pastas de arquivo da contabilidade, não foi possível contabilizar a totalidade dos desvios, (relatório a fls. 992 e ss do processo 731 e reproduzido na acusação destes autos). A fls. 1060 a 1346 do proc. 731, foram juntos pela perita duplicados dos documentos da empresa que, na sua óptica, justificam o que expôs no relatório. Na instrução do processo 731 foram inquiridas seis testemunhas, entre as quais uma funcionária da empresa durante o período (ou parte) em causa, segundo os quais o ora assistente era quem efectuava os pagamentos da empresa por cheque (embora o então arguido, e sócio da empresa, também o fizesse) e entregava ao contabilista os documentos necessários (fls. 1350 a 1354, 1357 e 1358 do processo 731). A perita foi ouvida pelo JIC a fls. 1359 (proc. 731) onde afirmou que os relatórios efectuados na fase de inquérito daquele processo verificaram a existência de "desvios financeiros" mas não se pronunciaram quanto à responsabilidade por estes nem «cruzaram informação entre o que se afirma na acusação e o que constava dos arquivos da contabilidade da "Litopapel"». Os subscritores dos três relatórios juntos aos autos foram confrontados em debate instrutório conforme fls. 1375 e 1376 desses autos, tendo o representante da sociedade de revisores oficiais de contas, E... , mencionado que efectuou o relatório junto com a participação inicial a pedido do sócio A... e com base nos documentos que este lhe forneceu. Por sua vez, F... , Inspector Tributário, referiu não se ter pronunciado sobre a responsabilidade de cada um dos documentos, tendo concluído que as folhas de caixa [fornecidas pelo sócio aqui assistente] fossem da responsabilidade do sócio D... "por comparação dos algarismos das folhas de caixa" assinadas por aquele", embora não tenha detectado uma contabilidade paralela, mas "fugas de proveitos" cujo beneficiário ignora. Foi proferida decisão de não pronúncia nesse processo a 2.2.2004 (fls. 382 e ss.). Vejamos do direito: Os crimes de difamação e de injúria partilham a tutela do mesmo bem jurídico, residindo a distinção entre ambos na circunstância de a imputação ofensiva ser feita perante o próprio atingido (injúria) ou perante terceiro (difamação). Da distinção básica entre os dois ilícitos resulta nítida a não verificação do imputado crime de injúria. E o crime de difamação? O artº 180º do Código Penal tutela a honra, isto é, o direito que cada cidadão tem de reclamar o respeito dos outros e de não receber deles juízos ou imputações vilipendiosos e degradantes. Enquanto bem jurídico com assento ôntico no Texto Fundamental a honra será definível como "a merecida ou fundada pretensão de respeito da pessoa no contexto das relações de comunicação e interacção social em que é chamada a viver" [6] .. Do exposto defluem duas conclusões basilares: a honra é um bem jurídico de recorte supra pessoal que assenta no primado da dignidade humana, pelo que a pretensão ao respeito que lhe anda associada se consubstancia num direito plural na titularidade de todos e não apenas de alguns. A honra é um "valor ou bem imaterial (...) e perfila-se a mesma quer a vejamos encarnada no mais nobre espírito, quer a olhemos no mais refinado biltre" [7]. A violação da honra, em cada momento concreto e em cada recorte da vida, só constituirá crime quando se veja violado o seu fundamento imediato – a dignidade humana –, sem prejuízo de se ultrapassar este momento estático [8] e se tratar de forma diferente o que não se não vislumbra igual à partida com o que se exige, igualmente, uma articulação entre a igualdade, o pluralismo e a liberdade. Já não ocorre crime quando a comunidade não sente que a honra, enquanto decorrência da dignidade humana e princípio básico do livre desenvolvimento da personalidade nas relações sociais, tenha sido postergada. Não são actuações criminosas, do ponto de vista da injúria ou da difamação, as que exprimem juízos ou conceitos, verdadeiros ou falsos, que vêm a redundar na opinião que o agente tem ou pensa ter sobre terceiro desde que se não verifique que os conceitos expressos a propósito de outrem, ainda que veiculados de forma mais veemente ou contundente, lesem a sua dignidade e constituam obstáculo à sua liberdade pessoal enquanto meio necessário para prosseguir na convivência social. Ora, o contexto do que se diz e a energia empregue para veicular o pensamento são essenciais para definir uma determinada atitude ou actuação (o artº 182º do Código Penal equipara a palavra verbal à escrita, gesto, imagem ou outro meio de expressão capaz de lograr atingir a honra e consideração de outrem) como criminosa, ou não. No caso que nos ocupa o escrito surgiu no contexto de um processo judicial pendente no qual a ora arguida interveio como perita tendo prestado compromisso de honra perante o juiz de instrução. Nessa qualidade exerceu a respectiva função como já anteriormente fizera, por nomeação do Ministério Público, um funcionário qualificado da Direcção de Finanças (recorde-se que o outro relatório a que se alude foi apresentado particularmente pela empresa denunciante, representada pelo sócio aqui assistente). Mercê do exercício daquele múnus a arguida expôs o que considerou dever expor quanto ao tema da perícia solicitada. Na verdade, a acusação referia-se à actuação de um sócio de uma empresa em desfavor desta. Esta actuação – ilícita – fora já constatada anteriormente em duas perícias (uma efectuada no âmbito dos autos e outra efectuada extra-judicialmente a solicitação do outro sócio). O arguido acusado entendeu dever requerer a instrução e o juiz desta fase considerou justificar-se a perícia requerida tendo nomeado a perita indicada pelo aí arguido. A arguida elaborou um relatório onde concluiu pela actividade já constante da acusação, actividade que considerou dever imputar-se ao sócio não acusado. Esta sua conclusão não foi aportada de forma gratuita porquanto, não obstante a ausência exaustiva de toda a documentação necessária – facto que a arguida não escamoteou –, os documentos a que teve acesso (e cuja cópia juntou) permitiram-lhe extrair as conclusões que o ora assistente considera difamatórias. A ausência de toda a documentação foi circunstância comum às três perícias sem que isso, contudo, tivesse impedido o aporte das respectivas conclusões: A primeira perícia – elaborada por pessoa contactada directamente pelo sócio que representou a denunciante conforme intróito do relatório de fls. 98 dos autos 731 – baseou-se na documentação que este último entendeu dever facultar-lhe. A segunda – da lavra de um inspector tributário – "teve como limitação a própria contabilidade e as suas carências de informação, algumas perfeitamente normais e justificadas (…), mas outras que temos de considerar omissões graves à contabilidade (...)" - fls. 869 e 870 do proc. 731. Que dizer do relatório trazido pela arguida àquele processo? Cremos, em primeiro lugar, que não pode considerar-se como típica a actuação do agente quando a sua intervenção visou, antes de mais, a exposição processual em fase de instrução de uma situação financeira e contabilística a que teve acesso apenas e só por tal lhe ter sido solicitado por tribunal com a finalidade de informar o tribunal do resultado do seu trabalho, sendo que, nos termos da lei aplicável, "os elementos de que o perito tome conhecimento no exercício das suas funções só podem ser utilizados dentro do objecto e das finalidades da perícia" (artº 156º, nº 4, do Código de Processo Penal). Para além disso, o resultado do trabalho da arguida poderia ter sido contraditado e sindicado por quem nisso tivesse interesse naqueles autos, designadamente pela denunciante C... .cujo advogado, Dr. G... , foi notificado da apresentação do relatório, conforme duplicado de notificação de fls. 1349 do 5° vol. Curial seria então que a denunciante, então representada pelo sócio A..., se tivesse constituído assistente e, no seu próprio interesse, tivesse intervindo activamente na descoberta da verdade dos factos no processo cujo tema era a sua própria situação financeira e a exaustivamente denunciada irregularidade das contas apresentadas [o assistente procurou, na fase de instrução destes autos, inverter o tema do processo e fazer aqui a prova do contrário do conteúdo do relatório apresentado no outro processo]. No caso, não foi descabida, despropositada ou gratuita a conclusão pericial a que chegou a perita, aqui arguida, a qual, ademais, foi confrontada com os subscritores dos dois outros relatórios também juntos aos autos os quais, em momento algum, colocaram em causa a idoneidade da perita, a adequação do seu método de trabalho ou a fiabilidade das suas conclusões. Tratou-se do debate judicial de temas cuja análise foi solicitada à arguida e não pode afirmar-se que a exposição desta – conclusiva num determinado sentido – seja difamatória, apenas porque desse seu relatório não foram extraídas quaisquer consequências, nomeadamente a remessa da competente certidão ao Ministério Público para averiguação exaustiva do que aí foi denunciado. Pretender que a perita cujo relatório indica actividade ilícita com coloração criminal por banda de alguém que, não sendo sujeito processual, tem interesse directo no tema debatido, constitui crime de difamação apenas e só porque esse tema não foi objecto de investigação, como podia e devia, é levar demasiadamente longe a tutela criminal. A arguida actuou no exercício das funções para as quais foi nomeada e teve em vista dar o seu contributo para a descoberta da verdade numa instrução que tinha em vista exactamente saber se o acusado era a pessoa responsável pelo desvio financeiro já colocado em evidência pelas duas perícias anteriormente elaboradas. Só nessa base se justificou uma terceira perícia que fosse mais além do que simples constatação da realidade contabilística e financeira e permitisse ao juiz de instrução uma ponderação fundada sobre a situação criminal do arguido que requereu a instrução. Ora, a realização da justiça, interesse na prossecução do qual a perícia foi solicitada e realizada, constitui um interesse legítimo, por ser um bem jurídico próprio de um Estado de Direito. Destarte, o confronto entre o peso do interesse individual, que privilegia os direitos individuais de cada cidadão concreto e estimula a perseguição e punição dos que denunciam actuações ilícitas, e o primado dos valores do Estado que privilegiam e estimulam a colaboração com a justiça, se não logra ser favorável ao primeiro nos casos de delação ou falsa denúncia, já resulta favorável ao segundo quando, comprovadamente, o agente não actua com conhecimento da falsidade do que afirma ou com temerário desprezo pela verdade[9] . Se assim não fosse, qualquer cidadão que noticiasse um crime, designadamente de que tivesse sido vítima, e não lograsse reunir prova da sua verificação ou da sua autoria, seria sempre responsabilizado por denúncia caluniosa, situação que é repudiada abertamente pela lei (artº 365º, nº 1, do Código Penal) e pela jurisprudência [10] . Finalmente, a arguida baseou as conclusões que apartou em documentos que juntou aos autos, tendo cumprido o dever de informação, e estando excluída a ilicitude da conduta (artºs 180º, nº 2 als. a) e b) e 181º, n º 2 do Código Penal). Termos em que decido não pronunciar a arguida, B..., pela prática dos crimes de injúria e difamação previstos e punidos pelos artºs 180º e 181º, do Código Penal, conforme acusação particular destes autos. […].
Com o devido respeito por diversa opinião, nenhuma substancial censura jurídica se antolha – dizemo-lo já afoitamente – a tão bem-fundado e assisado acto decisório.
De harmonia com o estatuído nos normativos 308.º, ns. 1 e 2, e 283.º, n.º 2, do CPP, só poderá ser pronunciado o sujeito-arguido a quem houver sido imputada específica atitude comportamental criminal, típica, se a ponderada concatenação dos elementos informativo-probatórios reunidos nos autos até ao encerramento da instrução – logicamente relacionados e conjugados – consubstanciar um todo persuasivo da sua culposa responsabilidade comissiva [ou omissiva, quando punível, (vide art.º 10.º, n.º 2, do C. Penal)], e, consequentemente, sustentar a convicta prognose do decisor da probabilidade – da possibilidade razoável, nos dizeres legais, (art.º 283.º/2) – de oportuna e referente condenação.
Essencial, pois, se torna, desde logo, a revelação dos elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, da respectiva figura-de-delito.
Ora, no caso sub judice, abstraindo da natureza efectivamente atentatória da honra/consideração do cidadão-assistente das imputações e juízos sobre si exaradas no relatório pericial em questão, que, para efeitos práticos, desde já se concede e pressupõe, falha, de todo – ou, pelo menos, muito dificilmente se reconhece – o necessário nexo de causalidade adequada entre o referido acto-instrumento e o prevenido/acautelado perigo de difusão pela comunidade de tal virtual infâmia, pressuposto pelo tipo-de-ilícito de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do C. Penal, pela simples razão de que, destinando-se a um específico processo judicial – e não a terceiros – tudo imperativamente se queda em circuito fechado, no âmbito do objecto e das finalidades da perícia, como expressamente estabelecido no dispositivo 156.º, n.º 4, do CPP.
Ademais, como é fácil de entender, independentemente do estilo e energia redactoriais ou do fundado acerto técnico das críticas e juízos formulados sobre o id.º cidadão, a Sr.ª perita – ora arguida –, norteada pela missão de que fora incumbida pelo tribunal – causa e fim do relatório pericial –, apenas ao desiderato do respectivo esclarecimento e tratamento jurídico vocacionou a sua tecida análise e opinião.
Por conseguinte, mal se lobriga o vislumbre do – pelo assistente/recorrente assacado – dolo ofensivo, e, particularmente, do de perigo de descontextualizada propagação de tal negativa apreciação, ainda que a título de dolo eventual, (cfr. art.º 14.º, n.º 3, do C. Penal).
Decorrentemente, fica lógico-juridicamente comprometido qualquer juízo de prognose condenatória e, por tal sorte, de pronunciamento da id.ª perita/arguida.
Tanto basta, pois, ao soçobramento da pretensão recursiva.
III – DECISÃO
Por conseguinte – e sem outras considerações por despiciendas/inócuas –, delibera-se:
1 – A denegação de provimento ao recurso interposto pelo id.º cidadão-assistente A... do referido despacho de não pronúncia da denunciada/arguida B....
2 – A sua (dele) condenação ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 5 (cinco) UC, a título de taxa de justiça pelo respectivo decaimento, [cfr. normativos 515.º, n.º 1, al. b), do CPP; 82.º e 87.º, ns. 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais].
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[1] Exarado na peça processual de fls. 499/511.
[2] Em acusação particular – não acompanhada pelo M.P.º – de fls. 215/298-302/385.
[3] Ínsita na peça de fls. 514/542 e 547/575 (telecópia e respectivo original)
[4] A arguida louvou-se essencialmente no mérito do despacho recorrido.
[5] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de processo Penal, 2.ª Ed., III, 335, e jurisprudência uniforme do STJ (por todos, Ac. STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, ano de 1999, pag. 196, e jurisprudência aí citada), bem como Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., pag. 74, e decisões aí referenciadas./ Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos indicados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, de acordo com o Ac. n.º 7/95 – para fixação de jurisprudência –, do STJ, de 19/10/1995, publicado no DR, I-A Série, de 28/12/1995.
[6] Costa Andrade, Liberdade de Imprensa, 1996, 81
[7] Faria Costa, Comentários Conimbricenses, Tomo I, pág. 652.
[8] Quintero Olivares, Comentário al Nuevo Código Penal, Aranzadi Editorial, pág. 1025.
[9] Como expressa Costa Andrade: uma justiça eficaz reclama a participação de todos, devendo por isso estimular-se os cidadãos a dar notícia dos crimes de que tenham conhecimento. E a fazê-lo sem o risco de "estarem permanentemente com um pé na prisão (...) - in Comentário Conimbricense elo Código Penal, Tomo III, págs. 519 e 520.
[10] "Respondendo uma testemunha, em Tribunal, com verdade, a perguntas que lhe foram dirigidas, referindo expressões que atingem a honra e consideração do assistente, que diz ter presenciado, não comete qualquer acto ilícito, e por isso não deve responder em juízo" - Ac, RP, de 27.1.99, BMJ, 483, 273.