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ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
Sumário
Na fase de recurso, mesmo no processo contra-ordenacional, impõe-se a representação do arguido/recorrente, advogado, por outro advogado ou defensor.
Texto Integral
Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
1 –A... , (arguido e advogado, melhor id.º nos autos, máxime a fls. 4, 8 e 43), inconformado com a decisão judicial – exarada no despacho de fls. 43/50 – que lhe manteve a condenação administrativa [1] à sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, pelo reincidente cometimento em 14/11/2005 [2] de uma contra-ordenação rodoviária grave [condução de veículo automóvel em excesso de velocidade, (de pelo menos 36 km/h além do limite máximo local, de 50 km/h)], pugnando pela respectiva revogação, dela interpôs – pessoalmente, na qualidade de advogado em causa própria - o recurso ora analisando de cuja motivação [3] extraiu o seguinte quadro conclusivo (por transcrição): 1ª. «A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos» (artº 139º-1 CEst.). 2ª. «É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.», e «No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação são elevados para o dobro.» (artº 143º-1 e 3). 3ª. Os artºs 139º e 143º citados e transcritos, conjugados, não são de aplicação automática quer da sanção acessória, quer da sanção desta a título de reincidência. 4ª. O artº 139º, antes, exige que seja ponderada a culpa, sendo certo que é à acusação que cabe a arguição, não sendo, pois, ao REC.TE que cabe excluir e provar aquilo que nem foi arguido. 5ª. Nenhum facto consta dos autos a respeito da culpa, pelo que não podia o despacho recorrido suprir tal matéria, como declaradamente faz em primeira mão e sem possibilidade de defesa para o imprecante. 6ª. Por isso que não poderá ser estabelecida qualquer sanção acessória, designadamente a aplicada ao REC.TE de 60 dias de inibição da faculdade de conduzir; 7ª. mais ainda quando a decisão apenas conclui pela «culpa» e jamais por que tenha sido provada a «gravidade» especial da contra-ordenação e da culpa no caso concreto. 8ª. Mas, ainda e também, por maioria de razão não podia a douta decisão fixar aquela sanção acessória pela qualificação automática do REC.TE como reincidente. 9ª. Sempre, aliás, seria insustentável, o que a decisão não ponderou apesar de isso ter sido suscitado, que o sistema de contra-ordenações fosse mais exigente, e violento, do que o sistema penal em geral, cujos pressupostos o artº 75º do Código Penal estabelece. 10ª. Assim, não pode a simples e automática constatação de que o REC.TE já sofreu outra sanção acessória anterior, no período de tempo menor que o dos anteriores 5 anos ser suficiente para a qualificação da reincidência, 11ª. antes forçoso seria a ponderação - que não foi feita em parte alguma – da verdadeira natureza da anterior infracção e de que o agente mostraria que esta não lhe serviu de suficiente advertência contra a sua prática. TERMOS EM QUE, julgado provido o recurso, deverá seja revogado o despacho recorrido e, com isso, revogada a sanção acessória aplicada ao recorrente.
2 – Os Ex.mos magistrados/representantes do M.º P.º junto do tribunal recorrido e desta Relação pronunciaram-se pela manifesta insubsistência das razões invocadas e pela rejeição recursiva, (cfr. respectivas peças processuais – resposta e parecer - de fls. 81/85 e 95/96, nesta sede tidas por transcritas nos respectivos dizeres).
3 - O recorrente exerceu o direito de resposta prevenido no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, tecendo desprimorosas considerações à posição assumida pelo M.º P.º, de manutenção decisória e rejeição recursiva – que, como na minuta do recurso, qualifica de justiça por computador –, reiterando (por remissão) a tese argumentativa.
4 - Na fase processual própria (prevista no citado art.º 417.º do C. P. Penal) deixou-se consignado o parecer do relator da verificação de fundamento de rejeição do recurso por invalidade da litigação do arguido-advogado em causa própria, pelo que, observadas as demais formalidades legais, se procedeu à respectiva apreciação em conferência, [vide arts. 417.º, n.º 3, als. a) e c), 418.º, 419.º, ns. 3 e 4, al. a), e 420.º, do CPP].
II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÃO PRÉVIA
O cidadão-arguido A..., reunindo e invocando a qualidade jurídico-estatutária de advogado [4] , assumiu – opcional e expressamente – a própria defesa ao longo de todo o processo, inclusive, e particularmente, na fase recursória, que ora releva, (vide, máxime, fls. 73).
Porém, diversamente do que nas anteriores fases (administrativa e de impugnação judicial da decisão da AA) acontecia – em que se permitia a auto-defesa processual, [cfr. arts. 53.º, 59.º, n.º 2, e 68.º, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27/10 (actualizado pelos Decretos-lei ns. 356/89, de 17/10, e 244/95, de 14/9, e Lei n.º 109/2001, de 24/12)] –, na fase de recurso – ordinário – da decisão judicial é já obrigatória a intervenção de advogado ou defensor oficioso, como claramente decorre do normativo 64.º, n.º 2, al. d), do C. P. Penal, subsidiariamente aplicável ao processo contra-ordenacional por força dos arts. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, da LQCO [5].
Como assim, de harmonia com o estatuído nos arts. 32.º, n.º 3, da CRP, e 1.º, ns. 1, 5, 7 e 10, da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto – definitória do sentido e alcance dos actos próprios dos advogados e solicitadores – impor-se-ia a representação do id.º arguido/recorrente por outro advogado ou defensor.
De facto, na sequência do – praticamente – pacífico entendimento doutrinal e jurisprudencial sobre a proibição legal de auto-defesa de arguido-advogado em processo penal e a consequente necessidade de adequada representação/assistência [6] , a Assembleia da República definiu legislativamente – pelo citado diploma, e depois de esclarecer, no respectivo dispositivo 1.º, n.º 7, que apenas se consideram actos próprios dos advogados e dos solicitadores, os actos que forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissional – que “Nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por defensor, esta função é obrigatoriamente exercida por advogado, nos termos da lei”, (dito art.º 1.º, n.º 10).
Tais princípios vieram naturalmente a ser plasmados no Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, que, diversamente, do anterior, deixou de permitir o exercício da advocacia em causa própria, (vide, máxime, respectivos arts. 61.º/64.º, 76.º, ns. 1 e 2, 78.º e 189.º).
Por conseguinte, o acto de interposição de recurso pelo próprio arguido, porque contrário a disposição legal de carácter imperativo, é inexoravelmente nulo, (cfr. arts. 294.º e 295.º do Código Civil).
Por efeito de tal invalidade – nulidade – e da preclusão do direito de recorrer, consequente do decurso do respectivo prazo peremptório, empiricamente impeditiva – por inutilidade – da constituição de defensor, (cfr. arts. 145.º, ns. 1 e 3, 33.º e 137.º, do C. P. Civil, e 74.º, n.º 1, da LQCO), é, de todo, vedado a este tribunal conhecer do mérito do recurso, cuja rejeição antes se impõe, em conformidade com o disposto no art.º 420.º, n.º 1, com referência ao dispositivo 414.º, ns. 2 e 3, do CPP.
III – DECISÃO
Em razão do exposto, delibera-se: 1 – A rejeição do recurso. 2 –A condenação do arguido/recorrente ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 3 (três) UC, nos termos do art.º 420.º, n.º 4, do CPP, a que acrescerá idêntico valor de 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo soçobramento, [cfr. ainda normativos 513.º, n.º 1, do CPP; 82.º e 87.º, ns. 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais].
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[1] Da Direcção-Geral de Viação, Delegação de Viação da Castelo Branco.
[2] Juízo resultante do seguinte definido quadro factual: 1. No dia 14 de Novembro de 2005, pelas 11h:03m, na E.N. 233, ao Km 94,4, em Escalos de Cima, o recorrente A..., conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula 69-72-XB. 2. Submetido ao controlo de velocidade, através de RADAR MULTANOVA 6FD, devidamente aprovado pela Direcção Geral de Viação, acusou a velocidade de 86 Km/h. 3. O limite máximo de velocidade permitido no local para os veículos ligeiros de passageiros é de 50 Km/h, tendo-se verificado um excesso de 36 Km. 4. O recorrente agiu como descrito sem atentar na velocidade a que seguia, sabendo que não podia circular a velocidade superior a 50 Km/h, cuidado que omitiu livre e voluntariamente. 5. Do Registo Individual do Condutor do recorrente consta a prática, em 19.09.2004, de uma contra-ordenação grave, por excesso de velocidade, tendo sido aplicada, por decisão notificada a 4 de Abril de 2005, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias; 6. O recorrente é advogado.
[3] Ínsita na peça de fls. 55/63 e 65/73 (telecópia e respectivo original).
[4] De cuja Ordem foi Bastonário no período de 1987-1989, (informação disponível em http://www.oa.pt/).
[5] Lei-quadro das Contra-ordenações, aprovada pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27/10.
[6] Vide, entre outros, Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 3.ª ed., Editorial Verbo, 1996, pags. 295/296; Parecer n.º E-21/97, do Conselho Geral da Ordem do Advogados, de 4 de Maio de 1999, inhttp://www.oa.pt/; Acs. do STJ, de 19/03/1998, BMJ, 475, pag. 498, e de 6/12/2001, inhttp://www.gde.mj.pt/jstj; Ac. do Tribunal Constitucional n.º 578/01, de 18/12/2001, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; Ac. da RE, de 25/09/1999, CJ, 1999, III, 291, e Acs. da RP, de 5/06/2002, e da RG, de 3/05/2004, in http://www.gde.mj.pt/.