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EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1) - O incumprimento definitivo do contrato de empreitada por parte do empreiteiro confere ao dono da obra o direito potestativo de resolução por justa causa. 2) - A resolução do contrato dá origem à relação de liquidação, devendo o dono da obra compensar o empreiteiro pelo valor dos materiais e trabalhos empregues (valor da obra realizada), devidamente executados. 3) – Embora conexionados, esta relação de liquidação é independente do direito à indemnização, atribuída pelo artº 801º, nº2, do CC. 4) - A indemnização cumulável com a resolução é distinta do direito à indemnização, nos termos gerais, conferida pelo art.1223º do CC ao dono da obra. 5) - Como critério geral de orientação, deve adoptar-se o entendimento de que a indemnização cumulável com a resolução reporta-se aos danos negativos (danos emergentes e lucros cessantes). Mas isto não obsta a que, em face do caso concreto, se deva acolher os danos positivos, sobretudo se o dono da obra já pagou a totalidade do preço. 6) – Resolvido o contrato de empreitada, o valor despendido pela Ré (comitente) para concluir a obra, tratando-se do dano de cumprimento (interesse contratual positivo), não está coberto pela indemnização. 7) – O dono da obra pode, no entanto, exigir o que despendeu com a eliminação dos defeitos da obra já executada, por o dano se integrar na função liquidatória da resolução.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
1.1. - O Autor - A... – instaurou na Comarca de Aveiro acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré - B..., com sede na Rua da Banda da Amizade, nº 2-E, Aveiro.
Alegou, em resumo:
O Autor, na qualidade de empreiteiro, e a Ré ( na qualidade de comitente ) celebraram, em 13/3/2001, um contrato de empreitada para construção de um bloco habitacional, pelo preço global de 175.000.000$00, com o prazo até 31/3/2002, modificado em 18/4/2002, com prorrogação do prazo até 31/1/2003, sendo o valor a pagar de 103.980.000$00.
A Ré não pagou determinadas prestações acordadas, trabalhos a mais, e ficou com materiais na sua posse.
Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 199.622,47, acrescida de juros de mora, à taxa de 12%, desde a citação e até integral pagamento.
Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação e excepção, dizendo, além do mais, que o Autor não executou a obra nos termos acordados, ficaram por concluir determinados trabalhos e outros foram mal executados, tendo resolvido o contrato, através de notificação em 17/1/2003, pelo que encarregou outrem de concluir a obra, com prejuízos patrimoniais.
Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu:
a) - Seja o contrato de empreitada, celebrado entre Autor e Ré, definitivamente resolvido por causa imputável ao Autor;
b) – A condenação do Autor/Reconvindo a pagar à Ré/Reconvinte a quantia global de € 184.623,35, acrescida do montante a liquidar em execução de sentença, referente aos juros de mora cobrados pelas instituições bancárias à Ré/Reconvinte, e ainda os juros de mora à taxa legal de 12% ao ano, que se vencerem desde a data da notificação da contestação ao Autor, até efectivo e integral pagamento sobre o montante total do capital a liquidar em execução de sentença (fls. 60 a 78).
Replicou o Autor e requereu a condenação da Ré como litigante de má fé.
No saneador afirmou-se tabelarmente a validade e regularidade da instância.
1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
a) - Julgar parcialmente procedente a acção e condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 58.351,97 (cinquenta e oito mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa e sete cêntimos), bem como a quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente aos materiais e utensílios mencionados em o) supra, com o limite do pedido a esse respeito (sem prejuízo de a Ré os poder devolver ao Autor), tudo acrescido de juros de mora, às taxas referidas, a contar da citação (28/04/2004), até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao demais peticionado;
b) - Julgar parcialmente procedente a reconvenção e condenar o Autor/Reconvindo a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 64.623,35 (sessenta e quatro mil, seiscentos e vinte e três euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, às taxas referidas, a contar da notificação da reconvenção (24/09/2004), até integral pagamento, absolvendo-o quanto ao mais peticionado.
1.3. - Inconformado, o Autor recorreu de apelação, com as conclusões que se passam a resumir:
1º) - Impugna as respostas aos quesitos 2º, 20º, 21º e 23º da base instrutória.
2º) - Deve ser dado como provado o quesito 2º e não provados os quesitos 20º, 21º e 23º, com base nos depoimentos das testemunhas Agnelo Santos Ferreira, João Manuel Seabra, José Santos Duarte, João Carlos Almeida Cruz e Helena Maria Silva Mateus.
3º) - Deve ser revogada a sentença quanto à indemnização atribuída à Ré pela deficiência dos trabalhos, pois não está provada a denúncia dos defeitos e nem a resolução do contrato tenha sido com base neles, violando-se os arts.1220, 1221 nº1 e 2, 1223, e 1223 do CC.
4º) - A Ré não podia, por administração directa, proceder à eliminação dos defeitos, sem primeiro dar oportunidade ao Autor de os eliminar.
5º) - Subsidiariamente, deve a indemnização ser reduzida apenas à quantia que foi gasta com a eliminação dos defeitos e não serem incluídos os valores gastos com a conclusão da obra.
6º) - A Ré deve ser condenada ao pagamento integral da 6ª prestação, no valor de € 19.180,00.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC), impõe-se decidir as seguintes questões:
1ª Questão – A impugnação da matéria de facto ( respostas aos quesitos 2º, 20º, 21º e 23º da base instrutória);
2ª Questão – O incumprimento do contrato de empreitada e a indemnização fixada na sentença.
2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença ):
1) - O Autor é empresário em nome individual e dedica-se à actividade da construção civil.
2) - A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção e venda de prédios urbanos.
3) - No exercício das respectivas actividades profissionais, Autor e Ré celebraram, a 15-03-2001, um contrato de empreitada para construção de um bloco habitacional, sito em Vale de Cima, Vilar, freguesia de S. Bernardo, em Aveiro (doc. fls. 10 e 11).
4) - Do referido contrato constam (além do mais) as seguintes cláusulas:
a) - o adjudicatário (o ora Autor) compromete-se a executar a construção de um bloco habitacional, de harmonia com as regras da arte e bem construir e os projectos anexos de arquitectura, betão armado, águas pluviais, esgotos, electricidade, RITA, TV, gás e memórias descritivas, condições técnicas gerais e cadernos de encargos, as quais fazem parte integrante deste contrato;
O adjudicatário compromete-se a respeitar todos os regulamentos de segurança, bem como todas as posturas municipais, aplicáveis a uma obra desta natureza, obrigando-se igualmente a aceitar e respeitar todas as decisões dos técnicos e proprietários da referida obra;
b) - A empreitada é de “chave na mão”, incluindo todos os fornecimentos de materiais e toda a mão-de-obra necessária à conclusão da obra, incluindo todos os trabalhos exteriores da referida obra;
c) - Os materiais a empregar são os apresentados na memória descritiva e caderno de encargos, quando não explicados entende-se que se empregarão somente materiais de 1ª qualidade, escolhidos pelas duas partes, incluindo o técnico da obra;
d) - O valor é de 175.000.000$00 (IVA incluído);
e) - O prazo de execução da empreitada é até 31-03-2002. Caso este prazo não se cumpra por causas imputáveis ao adjudicatário terá uma penalização de 25.000$00 diários, que será abatido no pagamento que resta;
f) - Todas as despesas com o estabelecimento e montagem do estaleiro de obra, bem como a requisição e consumo de água e luz durante a obra, serão da responsabilidade do adjudicatário;
g) - O preço global do contrato respeita o fornecimento de todos os materiais necessários, assim como os armários das cozinhas e fornecimento de toda a mão-de-obra para a sua execução na totalidade;
h) - A empreitada incluirá também a preparação do terreno para a obra, escavação, remoção de terras excedentes, e a limpeza do terreno no fim da obra, execução das redes de água, saneamento, gás, RITA, e TV, até ao limite do prédio (passeios) para ligação às respectivas redes públicas.
5) - Não tendo sido cumprido o prazo estipulado no referido contrato de adjudicação, vieram as partes celebrar, a 18-04-2002, um aditamento, no qual estabeleceram:
a) - um novo prazo de execução da empreitada: 31-01-2003;
b) - o valor (final e global, com impostos incluídos), a pagar pela Ré ao adjudicatário para que este completasse a obra: € 518.650,00 (103.980.000$00);
c) - a forma como tal valor seria pago;
6) - como forma de garantia da execução da empreitada constituíram um penhor a favor da Ré sobre os seguintes equipamentos propriedade do Autor: uma grua com 22 mm de altura x 25, de lança galvanizada, uma grua 24x30 NR IT 4009 e uma máquina mini-car Mod. DSL 802, com garfo e retro (fls. 14 a 17).
7) - Este penhor foi constituído pela entrega dos respectivos documentos à Ré.
8) - A 22-03-2002, a Ré notificou judicialmente o Autor para que reiniciasse a execução dos trabalhos da obra, no prazo de 3 dias, a contar da data em que fosse notificado judicialmente, sob pena de não fazendo se considerar o contrato definitivamente incumprido por parte do Autor, conferindo à Ré o direito a ser indemnizada pelo valor das obras e materiais e ainda com a possibilidade de contratar com quem bem entendesse para levar a cabo os trabalhos não efectuados pelo requerido (fls. 138 a 143).
9) - A 19-12-2002, o Autor solicitou à Ré, através de carta registada, o pagamento das seguintes prestações já realizadas e, como tal, em dívida:
a) - prestação n° 3, relativa à aplicação de massas grossas e finas em todos os andares, no valor de € 31.690,00 (por a Ré já ter entregue, para inicio de pagamento desta prestação, a quantia de € 15.000,00);
b) - prestação n° 6, referente ao enfiamento eléctrico, Rita, TV, serviço de gás, águas e esgotos, no valor de € 19.180,00 (a Ré já tinha entregue, a 25-11-2002, uma letra de crédito no valor de € 10.000,00 para início de pagamento desta prestação);
c) - prestação n° 8, referente ao assentamento dos alçados, no valor de € 7.481,97 (valor da mão-de-obra, por a Ré ter pago, em própria, o material em causa) – (fls. 18 e 19).
10) - A Ré enviou ao Autor a carta datada de 26-12-2002 (junta a fls. 154 a 159).
11) - A Ré requereu, a 17-01-2003, através de notificação judicial avulsa, que o Autor fosse notificado para, no prazo de 3 dias, recomeçar a execução das obras, bem como para o facto de que se não concluísse as referidas obras no prazo acordado, se consideraria definitivamente resolvido o contrato de empreitada por culpa do ora Autor (fls. 100 a 112).
12) - O Autor entregou a letra de câmbio referida em g)-2 supra à empresa Materbairrada, Ldª.
13) - A referida letra não foi paga.
14) - A Materbairrada intentou contra a ora Ré uma acção executiva que correu termos neste 1° Juízo Cível, com o n° 1614/03.2, junto da qual se encontra a referida letra.
15) A ora Ré deduziu embargos de executado, que obtiveram provimento, uma vez que a então exequente/embargada Materbairrada figurava na letra como tomadora e não como legítimo portador da mesma.
16) - Ficaram na obra, na posse da Ré, materiais e utensílios pertencentes ao Autor, nomeadamente andaimes, escoras, cimento, cimento cola, guincho de correr, material cerâmico não aplicado, carros de mão, areia, baldes e extensões eléctricas.
17) - Pelo menos em certas alturas era demasiado lento o ritmo empregue pelo Autor na execução da obra.
18) - O que tomou impossível para ele a conclusão da obra dentro do prazo estipulado – 31-03-2002.
19) - Essa situação preocupava a Ré, que tinha interesse em ver cumpridos os prazos estabelecidos.
20) - A Ré, por carta registada com A/R, datada de 01-02-2002, chamou a atenção do adjudicatário (ora Réu) para o grande atraso da obra, aconselhando-o a assumir uma atitude diferente na execução daquela, corrigindo os erros praticados, de forma célere, para que a entrega da obra à respectiva dona (ora Autora) fosse feita dentro do prazo estipulado.
21) - O Autor, porém, abandonou a obra a 14-03-2002.
22) - A 31-03-2002 encontravam-se por concluir os seguintes trabalhos da obra:
– coretos, chaminés e telhado totalmente acabados;
- conclusão do entubamento da totalidade do prédio para águas, esgotos, RITA, electricidade, gás e TV;
- terminar massas grossas e finas interiores em todos os andares;
- terminar o assentamento de todo o material cerâmico interior;
- concluir caixilharia de alumínio;
- conclusão de todo o enfiamento eléctrico, RITA, TV, serviço de gás, água e esgotos;
- conclusão da carpintaria;
- terminar os alçados, incluindo serralharia;
- concluir todos os acabamentos nas zonas comuns, assim como toda a cave, incluindo toda a serralharia, portas, corta fogo, portões de acesso à cave;
- terminar todo o assentamento de pavimento de madeira;
- terminar toda a pintura da obra incluindo a aplicação de vernizes;
- terminar todos os assentamentos de louças sanitárias, banheiras, torneiras, acessórios de banho, tais como toalheiros e outros;
- conclusão total de todos os móveis de cozinha com aplicação de tampos de granito, lava-loiças, esquentadores, extractores e torneiras:
- terminar todo o sistema de vídeo porteiro e TV, aparelhagem eléctrica e quadros gerais;
- concluir todos os arranjos exteriores e
- entregar as chaves todas, assim como os certificados das especialidades e licenças de ocupação emitida pela Câmara Municipal de Aveiro.
23) - Após ter sido celebrado o aditamento referido em d) supra, o ritmo empregue pelo Autor, na execução dos trabalhos atinentes à conclusão da obra e a forma de execução dos mesmos continuou a preocupar a Ré.
24) - A 13-12-2002, a Ré comunicou ao Autor, por carta registada com A/R, essa preocupação.
25) - Solicitava-lhe que a informasse, no prazo de 5 dias, se tencionava concluir a obra e se previa conclui-la até 31-01-2003.
26) - E informava-o que se não respondesse a essa solicitação, a Autora entenderia essa omissão como um não, assumindo o “comando” da obra e podendo exigir todos os direitos inerentes ao contrato e respectivo aditamento, subscrito por ambos.
27) - O Autor não recomeçou as obras no prazo que a Ré lhe concedeu pela notificação judicial avulsa referida em i) supra.
28) - Por essa razão a Ré tomou o “comando da obra” e executou-a por administração directa.
29) - Para correcção dos defeitos cometidos pelo Autor na execução de alguns trabalhos e para conclusão dos trabalhos não concluídos por ele, tiveram de ser executados os seguintes trabalhos:
- trabalho de estucador: € 3.090,15 (docs. fls. 161 e 162);
- trabalho de estucador: € 3.532,69 (docs. fls. 163 e 164);
- trabalho de pedreiro: € 8.675,00 (doc. fls. 165);
- blocos, sacos de cimento, ferro, tijolos, carradas de pedra, carradas de areia: € 3.913,31 (doc. fls. 166);
- agueiros e cumes lusos para a execução do telhado: € 151,78 (doc. fls. 167);
- telha para aplicação no telhado: € 241,57 (doc. fls. 168);
- mapelastic para correcção de trabalho de impermeabilização: € 578,00 (doc. fls. 169);
- substituição e colocação de molduras de gesso: € 1.050,00 (doc. fls. 170/171);
- correcção de trabalhos de impermeabilização: € 8.925,00 (doc. fls. 172/176);
- mapelastic, malha e pintura: € 649,00 (doc. fls. 177);
- sacos de cimento, cruzetas, discos de pedra, carradas de pedra de reboco, tijolos, vigoras: € 971,04 (doc. fls. 179);
- sacos de caule hidráulica, arame queimado, sacos de cimento, sacos de maxi-cal, areia de reboco e cimento branco: € 424,24 (doc. fls. 180);
- serviços prestados para a correcção de trabalhos mal feitos: € 13.835,37 (docs. fls. 181/182);
- tubo pvc, curvas, tesouras, arame queimado, cimento cola, aluquetes, tijolos, réguas de estuque, dobradiças, areão e areia de reboco: € 1.320,42 (doc. fls. 184 e 185) e
- serviços prestados para a correcção de trabalhos mal feitos: € 7.265,78 (doc. fls.186).
30) - A Ré teve de pagar ao electricista contratado pelo Autor trabalhos feitos por aquele e não pagos pelo Autor, no montante de € 10.000,00, sob pena de o electricista não concluir os trabalhos da sua especialidade ainda em falta (doc. fls. 187).
31) - A Ré tinha expectativas de vender os oito apartamentos tipo duplex pelo preço de € 150.000,00 e veio a diminuir o preço de cada um para € 135.000,00.
2.3. - 1ª QUESTÃO / A impugnação da matéria de facto:
Quesito 2º:
Para além das prestações devidas em G), encontram-se ainda por pagar os valores referentes às seguintes prestações:
a) - Na prestação nº9, relativa a acabamentos das zonas comuns, bem como da cave, foi realizado trabalho, no valor de e 5.252,00?
b) - Na prestação nº15, relativa a arranjos exteriores, foi efectuado trabalho no valor de e 8.754,00?
c) - Em trabalhos extra, que não constavam do projecto, nomeadamente nas paredes dos apartamentos tipo duplex, foram realizados trabalhos no valor de e 5.550,00?
O tribunal respondeu não provado.
Quesito 20º:
O Autor não recomeçou as obras no prazo que a Ré lhe concedeu pela notificação judicial avulsa referida em I)?
O tribunal respondeu Provado
Quesito 21º:
Por essa razão, a Ré tomou comando da obra e adjudicou a empreitada a outro empreiteiro?
O tribunal respondeu - Provado por essa razão a Ré tomou o comando da obra e executou-a por administração directa.
Quesito 23º:
A Ré teve de pagar ao electricista contratado pelo Autor trabalhos feitos por aquele e não pagos pelo Autor, no montante de €10.000,00, sob pena do electricista não concluir os trabalhos da sua especialidade em falta ( doc. de fls.187 )?
O tribunal respondeu Provado.
Da fundamentação ( fls.304 e 305 ) consta a análise crítica da prova, justificando o tribunal fundamentadamente a sua convicção.
Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar ( até pela própria natureza das coisas ) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 do CPC ) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador, dialecticamente construída ( sobre a comunicação interpessoal, RICCI BITTI/BRUNA ZANI, " A Comunicação Como Processo Social", editorial Estampa, Lisboa, 1997, LAIR RIBEIRO, "Comunicação Global", Lisboa, 1998, pág. 14).
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão ( cf. MICHEL TARUFFO, “La Prueba De Los Hechos”, Editorial Trotta, 2002, pág.435 e segs. ).
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ( art.653 nº2 do CPC ).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Com base nestes princípios e ouvida a gravação, resulta à evidência que os depoimentos das testemunhas indicadas não impõem decisão diversa.
Sobre o quesito 2º:
A testemunha Agnelo Ferreira, pedreiro, por haver trabalhado na obra, por conta do Autor, referiu apenas ter ouvido este a pedir dinheiro à representante da Ré, por duas vezes, sem precisar as datas, desconhecendo a que se destinava e muito menos se chegou a ser efectivamente pago. Embora ouvisse dizer ao Autor, não sabe se as prestações estavam ou não em dívida.
A testemunha João Seara, ajudante de pedreiro, por ter trabalhado para o Autor, também revelou desconhecer o facto quesito, declarando apenas ter havido conflitos por causa dos pagamentos, nada sabendo sobre as condições acordadas.
Quanto às demais testemunhas indicadas, nada disseram sobre o conteúdo do facto quesitado.
Sobre os quesitos 20º, 21º e 23º:
A testemunha Helena Maria Mateus, prestava serviços à Ré como fiscal das obras, deslocando-se diariamente, revelou ter conhecimento do contrato de empreitada e explicitou que após a notificação judicial avulsa o Autor não mais compareceu, tendo a Ré concluído os trabalhos por sua conta, em regime de administração directa.
Revelou desconhecer qual o concreto valor que a Ré pagou ao Autor, na totalidade, bem assim o valor dos trabalhos não concluídos e mal executados.
João Carlos Cruz, construtor, deslocou-se à obra por várias vezes, a pedido da Helena Mateus, para verificar quais os trabalhos que estavam feitos quando o Autor deixou a obra, chegando a indicar um pedreiro ( José Martins ), sabendo que a Ré concluiu a obra por administração directa.
José Santos Duarte, trolha, trabalhou para a Ré na conclusão da obra, descrevendo os respectivos trabalhos, confirmando o teor de alguns dos documentos de fls.161 a 186.
Em face das considerações expostas sobre os critérios da valoração da prova e tendo o tribunal objectivado a sua convicção, com uma análise criteriosa, sem que se mostrem violadas as regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, a indicada pelo recorrente não impõe decisão diversa, pelo que improcede o recurso sobre a matéria de facto, mantendo-se intangível a descrita na sentença.
2.4. - 2ª QUESTÃO/ O incumprimento do contrato de empreitada e a indemnização fixada na sentença:
O Autor ( empreiteiro ) e a Ré ( comitente ) celebraram, em 1/2/2002, um contrato de empreitada (art.1207 do CC), posteriormente modificado em 18/4/2003.
Tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergem reciprocamente direitos e deveres, consubstanciados numa relação jurídica complexa.
Polarizando-se a relação jurídica obrigacional em torno de uma ou mais prestações típicas - deveres principais ou primários da prestação - o seu âmbito alarga-se, no entanto, aos deveres acessórios, secundários ou complementares de conteúdo diversificado, sujeitando ainda as partes à “ ordem envolvente da interacção negocial “, ou seja, a critérios normativos de razoabilidade e de boa fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes.
De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes procederem de boa fé ( arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC ).
A impostação do problema situa-se aqui em sede de responsabilidade contratual, concretamente quanto ao incumprimento do contrato de empreitada e as implicações decorrentes.
Nesta medida, são convocadas, para além das normas específicas do contrato de empreitada ( art.1207 e segs.do CC), as regras gerais do cumprimento das obrigações, cuja aplicação não se compadece com uma actividade lógico-subsuntiva, pelo que o critério de resolução há-de encontrar-se antes no “circulo hermenêutico” da relação entre o “caso” e a “norma”, dada a unidade de realização do direito e a natureza constituinte da decisão.
Em termos factuais, assume particular relevância, como se verá, a comunicação da Ré, em 17/1/2003, a considerar resolvido o contrato.
O principal direito do dono da obra traduz-se no direito de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que este se obrigou e como contrapolo a sua obrigação principal consubstancia-se na prestação do preço acordado, já que a retribuição é um elemento essencial do contrato.
E o preço da empreitada é normalmente fixado até ao momento da celebração do contrato, podendo ser determinado de um modo global, também designado por preço "à forfait".
Na falta de convenção ou uso em contrário, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra (art.1211 nº2 CC). Trata-se, porém, de uma regra supletiva, sendo frequente, na empreitada de construção de imóveis, o pagamento do preço de forma escalonada, efectuando-se o pagamento em períodos ou fases determinadas, em função do trabalho executado.
De resto, a lei não proíbe que se combine o critério "forfait" (em relação à obra global, na conclusão do contrato), com o preço unitário: a obra deve ser paga consoante os preços das obras parcelares, mas o preço em caso algum deve exceder o preço "à forfait".
Como resulta da factualidade apurada, o Autor não cumpriu o contrato, no prazo inicialmente acordado, o que motivou a sua prorrogação para 31/1/2003, nos termos do aditamento de fls.12 a 16.
Obrigando-se o Autor a concluir a obra no prazo inicialmente estipulado, o certo é que manteve um ritmo de trabalho demasiado lento o que motivou o incumprimento, tanto assim que, nessa data, faltavam concluir vários trabalhos, mas apesar disso a Ré acordou na prorrogação do prazo ( até 31/1/2003 ).
Acontece que o ritmo de trabalho continuou a preocupar a Ré, tendo-lhe comunicado por carta de 13/12/2002 que a informasse se tencionava concluir a obra e caso não respondesse assumiria ela o comando da mesma, sem prejuízo de reclamar os seus direitos.
Em 17/1/2003, a Ré notificou judicialmente o Autor ( fls.100 ), para reiniciar os trabalhos, no prazo de 3 dias, sob pena de não o fazendo se considerar resolvido o contrato. Como o Autor não recomeçou os trabalhos, a Ré completou a obra, através de administração directa.
Pese embora o Autor haver abandonado a obra, em 14/3/2002, ficando por acabar os trabalhos descritos na alínea u) dos factos provados, a posterior prorrogação do prazo da empreitada, acordada entre ambos, significa um inequívoco interesse na manutenção do contrato, confiando a Ré que o Autor não só recomeçasse os trabalhos, como imprimisse um ritmo adequado, de molde a proceder à entrega da obra em 31/1/2003.
Acontece que, não obstante a prorrogação do prazo, o ritmo empregue continuou a preocupar a Ré, de tal forma que o avisou em 13/12/2002, e, em 17/1/2003, através de notificação judicial avulsa, intimou-o a recomeçar os trabalhos, no prazo de 3 dias, sob pena de considerar resolvido o contrato.
Ora, faltando poucos dias para terminar o prazo, o Autor não recomeçou os trabalhos, sendo certo, além do mais, que se havia obrigado a reiniciá-los, em primeiro lugar, “pela correcção e complemento dos trabalhos do telhado, sob a orientação da entidade fiscalizadora da obra” ( cf. cláusula 5ª do aditamento ).
Neste contexto, a recusa em recomeçar os trabalhos significa uma renúncia ao cumprimento integral da obrigação, sendo justa causa de resolução do contrato pelo dono da obra ( arts.432 nº1, 801 e 802 CC ) ( cf. por ex., Ac STJ de 11/11/76, BMJ 261, pág.143, Ac RE de 5/5/82, C.J. ano VII, tomo III, pág.279, Ac RL de 16/1/90, C.J. ano XV, tomo I, pág.138).
Esta modalidade de inadimplemento integra-se, de certo modo, na categoria mais geral de recusa de cumprimento ( "o rifiuto di adempiere", da doutrina italiana), também chamado de "incumprimento definitivo ipso facto", e cuja eficácia da declaração é imediata.
Diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa, que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do incumprimento para efeitos de resolução.
Na verdade, o direito de resolução por "justa causa" há-de aqui ser apreciado em função da "inexigibilidade". Como salienta BAPTISTA MACHADO, "esta não exigibilidade tem obviamente a ver com o valor sintomático da violação imputável ao contraente infiel, tem a ver com o prognóstico do risco e com a frustração do fim do contrato, olhado este na sua economia complexiva " ( Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência ano XIV, tomo II, pág.27).
Nestes casos, a existência de justa causa de resolução exclui a necessidade do recurso ao mecanismo da interpelação admonitória do ar.808 C.C, e a justa causa capaz de justificar a denúncia com efeito imediato, é, em regra, no sistema do nosso Código, uma justa causa de resolução ( cf. BAPTISTA MACHADO, RLJ ano 118, pág.278 nota 9 e 280 ).
Pois bem, sendo o contrato de empreitada de execução continuada ou prolongada ( cf.RUBINO, in Appalto, 2ª ed., pág.79), a base de confiança foi aqui seriamente perturbada pela conduta do Autor, não obstante a Ré haver acedido à prorrogação do prazo, a pedido daquele.
Em suma, verificou-se um incumprimento definitivo do contrato de empreitada, imputável ao Autor ( empreiteiro ), assistindo à Ré o direito potestativo de resolução por justa causa, produzido “ope voluntatis”, pois o art.436 nº1 CC consagra o principio de que a resolução do contrato se pode fazer mediante declaração à outra parte, dispensando qualquer acção resolutória, a não ser em casos excepcionais, de que o mais importante se situa no domínio do contrato de locação, logo pedido de resolução feito pela Ré é meramente confirmatório.
O incumprimento definitivo por parte do Autor confere à Ré o direito de indemnização ( arts.793 e 801 CC ) e de resolução ( arts.801 nº2 e 802 nº2 CC ), pelo que quebrado o sinalagma, abre-se a chamada “ relação de liquidação “ ( arts.433, 289 e 434 do CC ).
O não cumprimento definitivo converte a relação de cumprimento em relação de liquidação, pelo que o programa negocial, como programa a cumprir se extingue, operando-se automaticamente a conversão.
A restituição abrange tudo o que haja sido prestado, ainda que pelo valor correspondente, se não for possível a restituição em espécie, de modo a que as partes sejam colocadas na situação objectiva que tinham antes da celebração do negócio ou como se este não tivesse sido celebrado.
Se as partes em virtude de um contrato resolvido fizeram prestações ou cumpriram durante algum tempo uma obrigação de trato sucessivo, em princípio há lugar a uma “ relação de liquidação “, cujo objectivo é estabelecer no possível uma situação tal como existisse se não se houvesse realizado os actos de cumprimento ( cf. LARENZ, Derecho Civil, Parte General ( tradução espanhola ), pág.624 e 625 ).
Por conseguinte, a resolução do contrato dá origem à relação de liquidação, por força do princípio da retroactividade, mas que aqui intervém em termos relativos ( art.434 nº2 do CC ), por ao dono da obra não interessar a demolição ou não seja possível devolver ao empreiteiro a devolução dos materiais empregues.
Neste caso, o dono da obra deve compensar o empreiteiro pelo valor dos materiais e trabalho empregues ( valor da obra realizada), segundo o princípio da “ compensatio lucri cum damno “ ( cf., por ex., VAZ SERRA, RLJ ano 102, pág.169, Ac STJ de 25/2/87, BMJ 364, pág.849, Ac RP de 21/3/2006, de 20/9/2007, em www dgsi.pt ).
Contudo, esta relação de liquidação é independente do direito à indemnização, como se extrai dos arts.801 e 802 nº1 do CC ( cf., por ex., Ac do STJ de 11/10/94, BMJ 440, pág.437 ).
Por seu turno, também esta indemnização cumulável com a resolução parece ser distinta do direito à indemnização, nos termos gerais, conferida pelo art.1223 do CC ao dono da obra, por abranger os danos causados por outro acontecimento que está com o cumprimento defeituoso numa “ conexão mediata “ ( por ex., danos resultantes da mora, danos causados à pessoa do dono da obra ou a outros bens jurídicos dele ) ( cf., por ex., Ac do STJ de 14/3/95, BMJ 445, pág.464 ).
Nos casos de resolução, discute-se qual a amplitude da indemnização cumulável, com base na polémica e clássica distinção entre o “ interesse contratual negativo “ e o “ interesse contratual positivo “, havendo três orientações doutrinárias e jurisprudenciais:
a) - A indemnização cumulável com a resolução destina-se a ressarcir os danos positivos ( tese minoritária ), visando colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido – “ interesse de cumprimento” - ( cf., VAZ SERRA, RLJ ano 101, pág. 264 e ano 104, pág.205, BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol.I, pág.125 e segs., ANA PRATA, Cláusulas de Exclusão e Limitação de Responsabilidade Contratual, pág.479 e segs. );
b) - A indemnização visa os danos negativos ( tese maioritária) destinando-se a compensar o credor das desvantagens sofridas com a conclusão do contrato ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral II, 5ª ed., pág.107, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pág.762, PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, pág.31, PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.350, Ac do STJ de 15/6/93, BMJ 428, pág.530, de 21/3/95, BMJ 445, pág.487, de 17/11/98, C.J. ano VI, tomo III, pág.127, de 21/3/06, em www dgsi.pt );
c) – Uma terceira posição que rompendo com a distinção, admite a possibilidade da indemnização abarcar ambos os interesses ( negativo e positivo ), se as circunstâncias do caso concreto e a equidade o justificarem, apelando-se à “ flexibilização da jurisprudência “ ( cf., por ex., GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág.463, BRANDÃO PROENÇA, A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1982, pág.214, Ac RP de 7/7/05 e de 17/11/2005, www dgsi.pt.).
Como critério geral de orientação, deve adoptar-se, a nosso ver, o entendimento ( prevalecente na jurisprudência) de que a indemnização cumulável reporta-se aos danos negativos ( danos emergentes e lucros cessantes ). Mas isto não obsta a que, em face do caso concreto, se deva acolher os danos positivos, sobretudo se o dono da obra já pagou a totalidade do preço.
A sentença, deferindo parcialmente o pedido do Autor, condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 58.351,97, relativa às prestações já realizadas, aquando da resolução, cujo pagamento fora solicitado por carta de 19/12/2002.
Não atendeu, porém, à verba reclamada de € 38.473,00 ( prestações 9ª e 15ª e trabalhos a mais ), face à resposta negativa ao quesito 2º.
A pretensão recursiva do Autor sobre esta verba tinha como pressuposto a alteração da resposta ao quesito 2º, mas uma vez inviabilizada, não lhe assiste o respectivo direito de crédito, por lhe caber o ónus a prova ( art.342 nº1 do CC ) de que a quantia reclamada correspondia ao valor das obras realizadas até ao momento em que se efectivou a resolução ( cf., por ex., Ac do STJ de 9/12/2004, em www dgsi.pt ).
Convencionaram na 6ª prestação o pagamento de € 29.180,00, correspondente à “ conclusão de todo o enfiamento eléctrico, RITA, Tv, serviços de Gás, Águas e Esgotos concluídos “ ( doc. de fls.15 ).
Alegou o Autor que a Ré, para pagamento parcial desta prestação, lhe entregou uma letra de crédito, vencida a 25/2/2003, mas que não foi paga.
Não logrando demonstrar tal facto ( cf. respostas negativas aos quesitos 3º a 5º ), que motivou o indeferimento, sustenta o apelante o crédito do remanescente da 6ª prestação, no valor de € 19.180,00, mas sem consistência.
Desde logo, porque não englobou no pedido total de € 199.622,47 a prestação integral, mas apenas e tão só a importância de € 10.000,00, correspondente ao valor da letra, alegadamente não paga.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, sempre teria de alegar e provar a conclusão desses trabalhos, o que não demonstrou ( art.342 nº1 do CC ), resultando provado até que em 31/3/2002 ainda não estavam concluídos.
A sentença condenou o Autor a pagar a quantia global de € 64.623,35, sendo € 54.623,35 corresponde ao montante gasto com a reparação das deficiências e conclusão dos trabalhos ( contratação de pessoal e aquisição de materiais ) e € 10.000,00 relativa ao pagamento ao electricista, não pago pelo Autor.
Mantendo-se inalterado o quesito 23º, assiste à Ré o direito de crédito pelo pagamento de €10.000,00.
Na situação concreta, sabe-se que a Ré gastou o valor global de € 54.623,35, tanto para a conclusão dos trabalhos não feitos pelo Autor, como para a correcção de defeitos na execução, e a sentença considerou que a resolução não excluiu esta indemnização.
Coloca-se a questão de saber se estes danos são ou não indemnizáveis, nos termos do art.801 nº2 do CC.
Uma vez pressuposta a validade e eficácia da resolução do contrato, impõe-se indagar qual a indemnização a que a Ré tem direito e se podia concluir a obra, por sua conta, sem a prévia denúncia dos defeitos.
A indemnização reclamada pela Ré assenta na resolução do contrato ( 801 nº2 do CC ) e não no regime específico dos arts.1221 e segs. do CC sobre o cumprimento defeituoso.
Sendo assim, depois do contrato ser resolvido, já não pode haver lugar à eliminação dos defeitos, à substituição ou à redução do preço, pois estes direitos pressupõem a manutenção do contrato ( cf. PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.344 ).
É que a exigência da denúncia dos defeitos funciona como pressuposto da acção de cumprimento, ou da excepção do não cumprimento relativamente ao pagamento do preço, visto que o direito de exigir a eliminação dos defeitos é um misto de restauração in natura ( art.562 do CC ) e de execução específica ( art.827 e segs. do CC.
Só quando o dono da obra opte, não pela resolução, mas pela acção de cumprimento, é que a recusa do empreiteiro em eliminar os defeitos apenas faculta àquele a possibilidade de requerer a execução específica e já não de ele próprio reparar, por si ou terceiro, e depois exigir do empreiteiro o valor correspondente às despesas, ressalvando a situação de estado de necessidade (cf., por ex. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.II, 3ª ed., pág.820, PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.388, Ac STJ de 11/5/93, C.J. ano I, tomo II, pág. 97, de 18/10/94, C.J. ano II, tomo III, pág.93, Ac RC 6/1/94, C.J. ano XIX, tomo I, pág.10 ).
Relativamente ao valor despendido pela Ré para concluir a obra, tratando-se do dano de cumprimento ( interesse contratual positivo ), não está coberto pela indemnização, que apenas abrange os danos negativos, conforme já se observou.
Quanto ao valor da eliminação dos defeitos, alguma jurisprudência, havendo resolução do contrato, rejeita categoricamente a indemnização ( autónoma ), com o argumento de que configuram também danos positivos ( cf., neste sentido, por ex., Ac do STJ de 22/6/2005, de 2/11/2006, Ac RL de 18/9/2007, disponíveis em www dgsi.pt ).
Consideramos, no entanto, que este dano deve ser indemnizado.
Por um lado, a indemnização do interesse negativo, a completar a necessidade reintegradora da resolução, não se mostra incompatível com a indemnização dos danos especiais no seio do cumprimento ( cf., neste sentido, BRANDÃO PROENÇA, loc.cit., pág.211 ).
Por outro, a solução deve ser equacionada no âmbito da relação de liquidação resolutiva, por traduzir um dano patrimonial pela desvalorização do objecto “restituído”, com diminuição efectiva do património da Ré.
Na verdade, se o dono da obra já pagou esses trabalhos e não os podendo devolver, significa que eles, por conterem defeitos, não correspondem ao valor contratado, e no fundo é como se tratasse de uma restituição em espécie defeituosa.
Por isso, mesmo que se postergue o dano do espectro normativo da obrigação indemnizatória autónoma, sempre terá que ser admitido pela função reintegradora ou “liquidatória da resolução”.
Resultando dos factos provados ( ponto 29) que a Ré gastou com correcção de trabalhos o montante global de € 30.0261$00, será este o valor, para efeitos de indemnização.
Em resumo, procede parcialmente a apelação, impondo-se revogar a sentença recorrida, condenando-se o Autor a pagar à Ré a quantia de € 40.026,15, acrescida de juros de mora, às taxas referidas, a contar da notificação da reconvenção (24/09/2004), até integral pagamento, mantendo-se o demais decidido.
2.5. - Síntese conclusiva:
1) - O incumprimento definitivo do contrato de empreitada por parte do empreiteiro confere ao dono da obra o direito potestativo de resolução por justa causa.
2) - A resolução do contrato dá origem à relação de liquidação, devendo o dono da obra compensar o empreiteiro pelo valor dos materiais e trabalhos empregues (valor da obra realizada), devidamente executados.
3) – Embora conexionados, esta relação de liquidação é independente do direito à indemnização, atribuída pelo art.801 nº2 do CC.
4) - A indemnização cumulável com a resolução é distinta do direito à indemnização, nos termos gerais, conferida pelo art.1223 do CC ao dono da obra.
5) - Como critério geral de orientação, deve adoptar-se o entendimento de que a indemnização cumulável com a resolução reporta-se aos danos negativos ( danos emergentes e lucros cessantes ). Mas isto não obsta a que, em face do caso concreto, se deva acolher os danos positivos, sobretudo se o dono da obra já pagou a totalidade do preço.
6) – Resolvido o contrato de empreitada, o valor despendido pela Ré ( comitente ) para concluir a obra, tratando-se do dano de cumprimento ( interesse contratual positivo ), não está coberto pela indemnização.
7) – O dono da obra pode, no entanto, exigir o que despendeu com a eliminação dos defeitos da obra já executada, por o dano se integrar na função liquidatória da resolução.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:
1.1.) - Revogar, em parte, a sentença, condenando-se o Autor a pagar à Ré a quantia de € 40.026,15 ( quarenta mil e vinte e seis euros e quinze cêntimos ), acrescida de juros de mora, às taxas referidas, a contar da notificação da reconvenção (24/09/2004), até integral pagamento.
1.2.) - Manter o demais decidido.
2)
Condenar Autor nas custas da apelação, na proporção de 70%, sem prejuízo do apoio judiciário.