Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses de prisão entre cada apreciação da liberdade condicional
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o despacho recorrido ao decidir que entre cada apreciação da liberdade condicional deve haver um período mínimo de 6 meses, diferindo a apreciação da liberdade condicional para cinco meses mais tarde, em vez da data em que ocorreu o cumprimento dos 2/3 da pena de prisão, viola o disposto nos artigos 61.º, n.º 3 do C.P. e 484.º do C.P.P., pelo que deve fixada em 9/4/2008 a data daquela reapreciação.
Passemos ao conhecimento da questão.
Importa, antes do mais, fazer uma referência aos preceitos legais que o recorrente entende terem sido violados pelo despacho recorrido, fazendo recair a nossa atenção em especial sobre o art.61.º do Código Penal , expressamente invocado no despacho recorrido para sustentar o momento para que se remete a reapreciação da liberdade condicional.
Para este efeito iremos atender essencialmente à letra ou texto da norma , porque este é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, cabendo-lhe , desde logo , uma função negativa: eliminar tudo quanto não tenha apoio ou correspondência no texto da norma.
Sem prejuízo dos elementos sistemático e histórico , o elemento racional tem aqui particular importância, pois dele resulta o fim visado pela norma , nas soluções que tem em vista e nas finalidades que pretende realizar.
O art.61.º do Código Penal, enuncia, sem dúvidas, os pressupostos e duração da liberdade condicional.
Para este efeito, estabelece, designadamente, o seguinte:
« 1 – A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores , o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena. (…).»
Por sua vez, o art.484.º do C.P.P. regula o processo de liberdade condicional, estabelecendo , designadamente, o seguinte:
« 1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação , com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução de Penas:
a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso;
b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento.
2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução de Penas solicita aos serviços de reinserção social:
a) Plano individual de readaptação;
b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou
c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional. (…).».
É pacífico que com a liberdade condicional visa-se criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, de modo a que o recluso readquira o sentido da vida em comunidade , debilitado pela reclusão.
È ainda uma maneira de incentivar o recluso a que durante o cumprimento da pena no estabelecimento prisional mantenha um comportamento de acordo com as normas legais e regulamentares.
De acordo com o n.º 2 do art.61.º do Código Penal , é pressuposto da liberdade condicional o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão e no mínimo 6 meses de prisão efectiva, e ainda a verificação dos dois requisitos substanciais a que aludem as duas alíneas do preceito.
No âmbito ainda da chamada liberdade condicional facultativa e de acordo como o n.º 3 do art.61.º, do C.P., o arguido poderá ser colocado em liberdade condicional logo que se cumprirem 2/3 da pena e no mínimo seis meses, bastando agora a verificação do requisito substancial a que alude a al. a), n.º 2 , do mesmo preceito.
Sobre os mencionados períodos previsto no art.61.º do Código Penal , diz o Conselheiro Maia Gonçalves que « Trata-se aqui de afloramento da ideia de que as penas de prisão de muita curta duração não podem realizar os fins das penas , nem permitem prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.» Código Penal anotado, Almedina 8ª edição, pág. 337..
Nem da letra , nem do espírito do preceito , resulta que o legislador quis estabelecer no art.61.º do Código Penal um período mínimo para a reapreciação da liberdade condicional.
Se o quisesse fazer não deixaria de o referir expressamente, como o fazia o art.97.º do DL n.º 763/76, de 29 de Outubro, que estabelecia que «Quando a liberdade condicional não seja concedida, o caso do recluso deve ser reexaminado de doze em doze meses, contados desde o meio da pena.» - e que temos como revogado com a entrada em vigor do Código Penal de 1982 , que alterou significativamente o regime da liberdade condicional previsto no Código Penal de 1886.
Do exposto resulta que o TEP deverá reapreciar a liberdade condicional aquando do cumprimento da metade da pena de prisão e dos dois terços da mesma pena e se tiver como verificados todos os pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional facultativa, seja ao meio da pena, seja aos 2/3 do seu cumprimento, tem o mesmo o poder-dever de a conceder.
O art. 484.º do Código de Processo Penal ao estabelecer que os serviços prisionais, até 2 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado, deve remeter ao TEP os relatórios nele previstos e que até 4 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado o TEP deve solicitar os relatórios ali previstos aos serviços de reinserção social , apenas permite concluir que os serviços supra referidos devem fornecer atempadamente os elementos necessários à apreciação e reapreciação da liberdade condicional.
Pode acontecer que, por razões diversas, não tenha sido possível ao TEP realizar a apreciação da liberdade condicional ao meio do cumprimento da pena de prisão e o tempo para a reapreciação dos 2/3 de cumprimento da pena seja relativamente próximo.
Uma vez que os requisitos da liberdade condicional aos 2/3 da pena são diferentes dos necessários para a metade da pena e não há um período legal mínimo para a sua reapreciação entendemos que ainda assim deve reiniciar-se o processo da liberdade condicional , sendo que se não houver novos elementos poderão os serviços prisionais e os de reinserção social limitar-se a renovar a posição anteriormente tomada nos relatórios.
Só assim ficam seguramente acautelados os direitos que aos reclusos são concedidos no art.61.º do Código Penal.
No presente caso, a Ex.ma Juíza do TEP de Coimbra, defende no despacho recorrido e no despacho de sustentação que , nos termos do art.61.º, n.º 2 do C.P. , entre cada apreciação da liberdade condicional deve haver um período mínimo de 6 meses para possibilitar que o arguido se reoriente pelo que, tendo a apreciação da liberdade condicional a que se deve proceder ao abrigo do art.61.º, n.º 2 do C.P., tido lugar apenas a cerca de dois meses da reapreciação dos 2/3 a que alude o n.º 3 do mesmo preceito , esta não deverá ser efectuada nessa data , mas quando se perfizer o tal período mínimo de 6 meses.
Tendo o Tribunal da Relação já decidido que a interpretação do art.61.º, n.º2 do Código Penal não permite considerar ali estabelecido um período mínimo entre cada apreciação da liberdade condicional , designadamente um período de 6 meses, não pode subsistir o despacho recorrido de 3 de Fevereiro de 2008 que determinou a renovação da instância para Julho de 2008 – em Agosto de 2008 fariam os 6 meses da anterior apreciação.
Tendo ocorrido em 9/4/2008 os 2/3 da pena de prisão cumprida pelo arguido , importa que o TEP, com a brevidade possível, reaprecie a liberdade condicional facultativa relativa àqueles 2/3, desencadeando para o efeito e desde já os respectivos procedimentos.
Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e revogar a decisão recorrida, devendo esta ser substituída por outra que desencadeie os respectivos procedimentos com vista à imediata reapreciação da liberdade condicional do arguido relativamente aos 2/3 da pena de prisão cumprida.
Sem custas.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
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Coimbra,