Ao friccionar com as mãos as zonas genitais de menores e ao tocar os seus dedos nas suas vagina e ao dar um beijo na boca , o recorrente praticou actos sexuais de relevo para efeitos do art.º 172º do Código Penal visto que os mesmos foram executados em zonas erógenas do corpo, objectivamente conotadas com a sexualidade das meninas e típicos de preliminares de uma relação sexual.
Inconformado com o decidido, vem o arguido impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:
1) O Tribunal a quo desconsiderou, sem justificação plausível, testemunhos produzidos em audiência de discussão e julgamento relevantes para a boa decisão da causa e que colocavam em causa a matéria de facto dada como assente no douto acórdão;
2) Da prova oferecida não poderá resultar a conclusão de que o arguido cometeu crimes de abuso sexual de crianças na piscina de sua casa e na sala do computador.
3) Na piscina, resultou claro que as menores B... e C... estiveram apenas por duas vezes na piscina de plástico comprada pelo filho do arguido, E..., sendo que apenas numa delas o arguido esteve dentro da piscina.
4) Das vezes que as menores estiveram na piscina, tiveram a companhia, do neto do arguido, F..., do menor G..., e de uns primos afastados que vieram por altura do Verão, do Luxemburgo.
5) De ambas as vezes, estiveram da parte de fora a esposa do arguido, um dos filhos, as noras, que testemunharam nesse sentido.
6) O arguido apenas uma vez esteve com as crianças dentro de água e alegar-se que o mesmo lhes friccionava a zona genital no lapso temporal em que as mantinha no ar, antes de as projectar para a água, quando se sabe que se tratam de meros instantes, meros segundos, em que tal se afigura como manifestamente impossível, vai contra as mais elementares regras do bom senso, da experiência e da razoabilidade.
7) A sala do computador fica num piso superior mas de fácil acesso, sendo habitual a presença de várias pessoas na mesma.
8) Nunca as menores estiveram sozinhas com o arguido na sala, sendo habitual a presença de outros menores e de adultos que não raras vezes se deslocavam para a sala.
9) Nenhum dos menores alguma vez viu, ouviu, presenciou ou testemunhou qualquer situação menos própria por parte do arguido, nem, inclusivamente, qualquer das menores viu fazer algo a outra.
10) Resulta como absolutamente incompreensível, em face da prova testemunhal oferecida nos presentes autos, concluir-se que o arguido friccionava a zona genital das crianças ao computador, quando se tratavam de jogos que duravam 1 a 2 minutos, numa sala em que era habitual a presença de várias crianças e adultos,
11) Quanto mais invocar-se que o próprio arguido usava da força e que só não alcançou outros intentos porque as menores não deixaram.
12) As menores referiram, quer no início do processo quer em sede audiência de discussão e julgamento, que o arguido lhes introduziu os dedos dentro da vagina, o que foi desmentido pelo Relatório pericial da Medicina Legal;
13) As professoras das menores foram unânimes em considerar que nunca notaram qualquer alteração comportamental das mesmas, compatível com o estado de espírito de uma criança que se sente abusada sexualmente.
14) O arguido é uma pessoa respeitada no meio em que vive, sempre lidou com crianças, na qualidade de pai, avô, tio e até como treinador de camadas jovens, sendo unanimemente considerado como respeitador e cidadão de créditos firmados.
15) Sem prescindir, o que se admite por mero dever legal de patrocínio, mesmo que se provassem tais factos, a conduta em causa não é susceptível de se subsumir à previsão normativa do art. 172.° do CP, porquanto o conceito de acto sexual de relevo não engloba simples beijos ou carícias não concretizadas em zonas erógenas, conforme resulta das explanações doutrinárias e jurisprudenciais supra referidas.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que absolva o arguido da prática de três crimes de abuso sexual de crianças na forma continuada, assim se fazendo JUSTIÇA.
Respondeu o Ministério Público, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido insurgiu-se contra o facto de o Exmo. Procurador-Geral Adjunto entender que não havia lugar ao convite para reformulação das conclusões.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso.
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Questões a decidir:
- Erro na apreciação da matéria de facto
- Âmbito do conceito “acto sexual de relevo”
O tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade:
1 - O arguido é ainda familiar (cunhado da avô materna) das menores B..., nascida em 28 de Junho de 1996, e sua irmã C..., nascida em 12 de Dezembro de 1997;
2 - Residem na localidade de MB, área da comarca de Cantanhede, onde são também vizinhos da menor D..., nascida em 23 de Julho de 1997;
3 - Dada a aludida relação familiar, e uma vez que o arguido tem um neto (F…), de idade aproximada à das referidas menores, que, para além de amigos, eram colegas na mesma escola, era usual o arguido dar boleia às três menores, quando levava ou trazia o seu neto;
4 - O arguido era, assim, uma pessoa da inteira confiança das famílias das três crianças, chegando estas últimas a ir também, por diversas vezes, brincar para casa do arguido, com o seu neto;
5 - Foi em tal contexto que no Verão de 2005 as menores B... e C... se deslocaram, por algumas vezes, a casa do arguido, onde brincaram com o neto deste, numa piscina de plástico montada no quintal, sendo que o mesmo arguido, no interior da piscina, tomava parte nas brincadeiras aquáticas das crianças;
6 - Em tais alturas, o arguido pegava na B... e na C... para as lançar à água
7 - Quando assim fazia, e durante o tempo em que as mantinha no ar, agarrando-as com as mãos, o arguido, movido pelo desejo sexual, por duas ou três vezes introduziu uma das mãos por dentro do fato de banho das menores (B... e C...) e friccionou-lhes a zona genital, acabando, depois, por as lançar para dentro de água;
8 - Em datas não concretamente apuradas do mesmo ano de 2005, durante a época escolar, era normal, após o período de aulas, as aludidas B... e, C... e, em algumas outras ocasiões, também a D..., ficarem em casa do arguido, a brincar com o neto, até os pais regressarem do trabalho;
9 - Nessas ocasiões, os menores recreavam-se, com o arguido, em jogos de computador, numa divisão do último andar da casa, onde estava instalado (além do mais) um computador, sendo pouco frequente encontrarem-se outras pessoas nesse piso;
10 - Era então costume do arguido sentar as menores ao seu colo, colocando o seu neto numa das pernas e na outra cada uma das meninas, alternadamente;
11 - Durante os jogos de computador, e enquanto as crianças jogavam, o arguido, guiado pelos seus apetites libidinosos, meteu a sua mão, em número não concretamente apurado de vezes, dentro da roupa interior das menores, mesmo até por dentro das cuecas que estas vestiam, tocando e friccionando a zona genital, chegando a tentar, igualmente, introduzir os seus dedos na vagina das meninas, só não logrando alcançar os seus intentos porque as menores o não permitiam e retiravam a mão do mesmo;
12 - Para concretizar os seus propósitos, o arguido, dependendo da roupa que as crianças vestiam (larga ou apertada), apenas introduzia a mão, sem mais, por dentro da roupa ou, caso não conseguisse desta forma alcançar a zona genital das mesmas, desapertava o botão da roupa que vestiam;
13 - O arguido agiu sempre de forma discreta e dissimulada, de maneira a, por um lado, não permitir que o seu neto se apercebesse do que ocorria e, por outro lado, de modo a que, distraídas como estavam com o decurso dos jogos de computador, as próprias menores desvalorizassem tal conduta;
14 - De todas as vezes em que ocorreram estas práticas, além do arguido e da própria vítima, mais nenhum dos presentes se apercebia do que estava a acontecer;
15 - Ainda no ano de 2005, em data também não concretamente apurada, o arguido levou a menor D... (que tinha, momentos antes, chegado a sua casa a fim de apanhar boleia para a escola) para um quarto existente no pátio da sua habitação, onde, sem que nada o fizesse prever, lhe deu um beijo na boca, tão só para satisfação do seu apetite sexual;
16 - Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o único propósito de satisfazer os seus instintos sexuais, aproveitando a situação gerada pelo silêncio das menores e da sua aparente não oposição, beneficiando, assim, de uma situação que foi facilitando e propiciando a repetição da sua actuação;
17 - Muito embora estivesse perfeitamente ciente da idade das menores, em momento algum o arguido desistiu de alcançar o seu intuito, bem sabendo que a sua conduta atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da B..., C... e D... e, do mesmo passo, punha em causa o normal e livre desenvolvimento da personalidade das mesmas na esfera sexual;
18 - Mais sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
19 - Devido aos factos acima descritos, e sobretudo nos períodos de tempo subsequentes à prática dos mesmos, as menores B..., C... e D... sentiram-se perturbadas, tristes e confusas, embora tenham vindo progressivamente a conseguir uma certa estabilidade emocional (sobretudo quando não "lembram" tais factos);
20 - O arguido é casado e pai de dois filhos, com 30 e 34 anos de idade;
21 - Foi emigrante durante cerca de 30 anos na Venezuela, onde manteve um negócio de venda de peixe e, posteriormente, a exploração de um parque de estacionamento;
22 - Regressou definitivamente a Portugal em 1990, onde desenvolveu actividades negociais quase sempre ligadas ao ramo da restauração;
23 - Actualmente tem uma padaria, explorada pela família (mulher e filhos);
24 - Ocupa o quotidiano, sobretudo, no amanho das suas terras agrícolas;
25 - O arguido tem também a seu cargo os pais, já reformados, sendo que a mãe faleceu entretanto;
26 - Vive em casa própria;
27 - É tido por pessoa integrada na comunidade social em que vive;
28 - Desempenhou as funções de treinador de futebol das camadas jovens da "UDB" durante dois anos, ligando-se mais tarde à "ARCM", onde permaneceu três anos;
29 - Hoje em dia, está desligado das actividades mencionadas no ponto 28 (dos presentes factos provados);
30 - Não tem antecedentes criminais.
Factualidade não provada:
- que nas ocasiões referidas supra no ponto 1 (dos factos assentes) tenha ainda o arguido tentado introduzir os dedos na vagina das menores B..., C... e D..., lançando-as depois para dentro de água;
- que todas as práticas (descritas supra nos factos provados) levadas a cabo pelo arguido sobre as menores B..., C... e D... tenham ocorrido até Janeiro de 2006.
Fundamentação da matéria de facto:
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica, ponderada e maturada do conjunto dos elementos probatórios produzidos, "peneirados", nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal (C.P.P.), à luz das regras normais da experiência da vida (regras estas especialmente importantes in casu, atento o segmento factual que a presente causa nos proporciona).
Com efeito, este foi um dos julgamentos em que se fez sentir, de forma evidente, a necessidade de adopção de um especial senso crítico na depuração dos contributos processuais (maxime, testemunhais) prestados em sede de audiência. Por isso, o ditame do art. 127º C.P.P. - com o seu apelo às regras da experiência e à livre convicção da entidade julgadora - revelou-se de uma especial acuidade e oportunidade na apreciação da prova produzida (e, também, não produzida), por forma a, de modo realista e convincente, edificar a estrutura sustentadora de uma ciência minimamente "resistente" a dúvidas, incertezas e aporias.
O que acaba de ser dito entronca numa ideia básica: a de que a verdade judicial não é (nem pode ser) uma verdade "absoluta", no sentido de uma verdade "ontologicamente" indestrutíve1. A verdade judicial alicerça-se em factos alcançados - e alcançáveis - através da interpretação e depuração dos diversos elementos probatórios produzidos e analisados em audiência de julgamento (quando a mesma ocorra) ou relativamente aos quais as partes (quando o processo as admita) estão de acordo quanto à significação e valoração próprias. A convicção do julgador baseia-se, pois, nesse conjunto de elementos, mediante a produção de um juízo de verosimilhança, a que as normais regras da experiência comum não poderão ser alheias.
Assim, e posta esta pequena nota introdutória, importa realçar ter ficado formado um todo probatório conducente à comprovação do essencial da tese factual descrita no douto despacho de acusação.
É certo que o arguido negou, in totum, a prática dos factos (reputados de ilícitos) a si assestados, só conseguindo vislumbrar em tal imputação acusatória o resultado de um eventual "engano" (porventura decorrente da imaginação fértil das crianças?... ). Na sua versão, não teria havido sequer qualquer oportunidade para a perpetração de actos atentatórios da liberdade e autodeterminação sexual das menores, atenta a "vigilância" a que arguido e crianças estariam sempre sujeitos (maxime, pelo neto do arguido - com quem a B..., a C... e a D... gostavam bastante de brincar), nas diversas ocasiões em questão.
Contrariamente à prestação processual do arguido, atribuiu-se, no entanto, credibilidade ao conjunto dos depoimentos das menores B..., C... e D..., que contaram - primeiramente em sede de memória futura e, depois, na tomada de esclarecimentos na audiência de julgamento, perante o Tribunal, com tudo o que a imediação processual concreta permite -, de um modo que ao Colectivo se afigurou sincero, globalmente coerente e verosímil, o por elas passado ao sofrerem as incidências dos comportamentos do arguido. A este propósito, não podemos deixar de notar que algumas hesitações, imprecisões ou até mesmo esquecimentos das menores se compreendem num todo circunstancial complexo e variado. Isto é, não se pode exigir que uma criança de oito ou nove anos de idade se revele (perdoe-se a expressão) um "adulto em miniatura", com o grau de maturidade reflexiva e intelectiva (e, até, valorativa) própria de uma pessoa já plenamente formada. Importa, sim, que o conspecto geral dos depoimentos e da razão de ciência revelada se afigure globalmente coerente, verosímil e sustentado. E isso, salvo o devido respeito, está presente in casu (como decorre, aliás, do teor dos relatórios de perícia sobre a personalidade das menores, constantes de fls. 392 a 415, que concluem, no essencial, pela difícil verificação de uma situação de efabulação nos relatos que desencadearam o início do presente processo).
O acabado de referir surge também consonante com os depoimentos das testemunhas H... e I... (pais da D...) e J... e K... (pais da B... e da C...), testemunhas essas que deram conta do modo como tomaram conhecimento, pelas suas filhas, da conduta do arguido, mais falando da percepção que tiveram da alteração de ânimo e postura das crianças nessa altura e da necessidade que sentiram de confrontar o arguido com os factos descritos pelas menores. Diga-se que a emotividade com que tais testemunhas timbraram os seus depoimentos não as tornou, aos, olhos do Tribunal, menos convincentes, antes revelou a proximidade afectiva em relação às suas filhas e a preocupação que toda esta situação gerou nas testemunhas.
Depois, o depoimento da testemunha K... - professora das crianças à época da prática dos factos - foi relevante em dois aspectos essenciais: por um lado, no que ajudou a perceber das distintas características de personalidade de cada uma das menores; por outro lado, no que revelou da (infelizmente) cada vez maior proximidade das crianças em relação a temas (como os de cariz sexual) que surgem disponíveis a todos (e a todo o momento) por via dos meios informáticos (Internet, e-mail) hoje em dia tão em voga. Todavia, o acabado de expor não permitiu erigir uma qualquer "frente" de menor credibilidade dos depoimentos das menores quanto ao objecto dos presentes autos.
Depois, as testemunhas arroladas pela defesa não trouxeram um, efeito processual susceptível de pôr em causa o juízo probatório decorrente dos elementos acima expostos.
É certo que os contributos das testemunhas que estiveram com o arguido e as menores B..., C... e D... em várias ocasiões (sobretudo em casa daquele) convergiram na ideia de não haverem presenciado o que quer que fosse de anormal (mormente no que toca a possíveis "avanços" físicos em relação às menores): é o caso de M..., G… e N... (amigos e colegas - ou ex-colegas, pelo menos - da B..., C... e D... e do neto do arguido, F…), que, em síntese, referiram ter assistido sempre a um clima de boa disposição e alegria (também partilhado pelas menores) nas diversas ocasiões (mormente após o horário escolar) em que estiveram em casa do arguido.
No sentido acabado de mencionar valeu igualmente o depoimento da testemunha F..., neto do arguido, que para além de confirmar a habitual boa disposição das meninas sempre que se encontravam em casa do seu avô, admitiu apenas sentar este último as menores ao colo, quando jogavam computador, fazendo-lhes cócegas debaixo dos braços e no pescoço, e nada mais que isso.
Também as testemunhas O... (pessoa que faz limpezas em casa do arguido durante a semana, constatou ali a presença das menores por diversas vezes), P… (mãe da testemunha M... e madrinha do neto do arguido), Q... e R... (mãe e avó, respectivamente, da testemunha G…) manifestaram a sua incredulidade perante a hipótese de terem ocorrido os factos em questão nos presentes autos, pois tal não se coadunaria com a imagem muito positiva que guardam do arguido. Acrescentem-se, neste particular, os depoimentos das vizinhas do arguido S... (que viu, por uma vez, a B... e a C... na piscina montada no quintal do arguido, nada de estranho tendo notado a tal propósito) e T..., que para além de louvarem o carácter do arguido, nada de especialmente relevante referiram.
Ademais, os restantes familiares do arguido (a sua mulher U..., o seu filho E… e as noras V... e X...) acentuaram igualmente a tónica da "normalidade" nas ocasiões em que as menores confraternizaram na piscina ou no computador.
Mas, na perspectiva do Tribunal, a grande questão é esta: indagar o que trouxeram os mencionados depoimentos de útil a um esclarecimento mais completo do caso.
Ora, crê-se que tais prestações testemunhais denotaram uma certa falta de conhecimento concreto das situações, contrariamente ao conhecimento que as menores souberam dimanar, pelo que permitiram apreender do facto de o arguido pautar sempre a sua actuação por uma clara discrição e cautela, no contexto da "confusão" inerente ao habitual movimento e descontracção dos ambientes povoados de crianças.
Ora, se há que «( ... ) ser prudente com o diagnóstico de crime sexual apenas através de evidências físicas e biológicas, uma vez que num elevado número de casos os exames são negativos, não significando isso que o crime não possa ter acontecido» (Dra. Teresa Magalhães, "Clínica médico-legal!", pág. 60, disponível na Internet, no site da Delegação do Porto do Instituto Nacional de Medicina Legal), não poderemos prescindir nunca, como no caso dos autos, de uma apreciação ponderada, maturada e exigente dos diversos elementos probatórios produzidos.
Como acabou de dizer-se, tal ponderação, à luz das regras da experiência, apontou no sentido da valia dos depoimentos das menores B..., C... e D..., revelando-se os demais depoimentos algo 1acunares e pouco circunstanciados (pois, como se referiu, os momentos da prática dos factos revelaram, quase sempre, a discrição, cautela e cuidado de quem não pretendeu nunca ser surpreendido...).
Note-se ainda que para a percepção das condições económico-vivenciais do arguido valeram, além das declarações do próprio, os depoimentos da generalidade das testemunhas acima identificadas e das testemunhas Y..., Z… e AA… (respectivamente, presidente da "UDB" e colegas do arguido enquanto treinador de futebol das camadas jovens desta agremiação), AB… e AC… (pessoas que conhecem o arguido há já diversos anos, e de quem têm a melhor das impressões), e ainda o teor do relatório social de fls. 367 a 369 dos autos.
Por último, tomou-se em conta o relevante conteúdo do auto dos depoimentos para memória futura de fls. 315 a 317 - transcritos de fls. 335 a 380 e lidos em audiência -, dos relatórios médico-legais de exames corporais das menores de fls. 199 a 203, 205 a 209 e 211 a 215, dos já acima referidos relatórios de avaliação psicológica de fls. 392 a 415, bem como dos documentos de fls. 17 (certificado do registo criminal do arguido) e 280, 282 e 284 (certidões dos assentos de nascimento das menores), tudo devida e conjugadamente analisado com os outros elementos já referidos.
O recorrente discorda da factualidade considerada provada pelo tribunal a quo e por isso pretende que a mesma seja alterada por forma a que seja absolvido.
Porém, a desejada alteração da matéria de facto não pode ser atendida.
Explicando:
A impugnação da matéria de facto impõe o cumprimento do formalismo consignado no Código de Processo Penal[() Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem] e este formalismo mostra-se totalmente ausente, não só nas conclusões, mas também nas motivações “stricto sensu”, o que conduz à impossibilidade desta Relação apreciar a decisão recorrida nesta vertente.
Por isso, a impossibilidade de reapreciação da prova fica a dever-se exclusivamente ao recorrente, o qual só se pode queixar de si próprio[() A este propósito, não podemos deixar de referir que a jurisprudência invocada na resposta a que se refere o art.º 417º, n.º 2 é inaplicável ao caso “sub judice”, uma vez que apenas diz respeito a casos em que das motivações “stricto sensu” se podem extrair conclusões que contenham as exigências legais. ].
Vejamos:
Atento o disposto nos art.ºs 410.º, n.º 2, 428.º e 431.º, a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação apenas pode ser abordada por duas formas:
1) Através da aferição de vícios que decorram do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência(()“… vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto — insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam a própria decisão —, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade da sentença” Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/03) (sem apoio de quaisquer outros elementos externos, ainda que constantes do processo), e
2) Através da reavaliação da prova produzida (sempre ressalvando qualquer intromissão no princípio da livre apreciação da prova consignado no art.º 127º).
Assim:
Embora o art.º 428.º nos diga que “as relações conhecem de facto e de direito”, exceptuando os casos abrangidos pelo n.º 2 do art.º 410.º — situação que não é sequer invocada no recurso —, a modificabilidade da decisão de facto da l.ª instância só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos estabelecidos no art.º 431.º do mesmo diploma e que são:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base,
b) se a prova tiver sido impugnada, nos termos do art.º 412.º n.º 3 ou
c) se tiver havido renovação da prova.
Conjugado com este normativo há que tomar em consideração que o referido n.º 3 do art.º 412.º impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
Dispõe, ainda o n.º 4 que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Temos assim que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é susceptível de modificação se tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º n° 3 e 4[() Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2006, www.stj.pt, com este normativo “visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos”.][()O facto de a alínea b. do art.º 431.º remeter para o n.º 3 do art.º 412.º não exclui o n.º 4 uma vez que este se limita a regular o modo de em sede de recurso apresentar as provas especificadas em b. e c. do n.º 3 que hajam sido gravadas, ou seja, o n.º 4 nada mais é do que uma extensão do n.º 3.].
No caso ”sub judice”, como resulta evidente das conclusões, o recorrente não impugnou a decisão nos termos acima referidos, ou seja, não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, nos termos do n.º 4, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Tão manifesto é o incumprimento do disposto na alínea b., que dispensa maior explicação!
Contudo, até por força do disposto no n.º 4, do art.º 417º[() “O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido sido fixado na motivação”], não é caso para convidar o recorrente a reformulá-las uma vez que, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões(() Neste sentido e entre muitos outros, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, de 11 de Janeiro de 2001, processo n.º 3408/00-5, de 8 de Novembro de 2001 e processo n.º 2453/01-5, de 4-12-03 (www.pgdlisboa.ptpgdljurelstj)) e sendo estas, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso(() Neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, processo n.º 328/98 (cfr. Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, II Volume, 2ª edição, pág. 824)), há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões.
Aliás, como bem explica o AcSTJ de 5 de Junho de 2008[()http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a64f4961e6c64dd880257460002d2ac5?OpenDocument], onde se escreve:
“Este Supremo Tribunal de Justiça (cfr. v.g. o AcSTJ de 07/10/2004, proc. n.º 3286/04-5, com o mesmo Relator) tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, na versão da Lei n.º 59/98, na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.º 2263/01, de 18-10-01, proc. n.º 2374/01, de 10-04-02, proc. n.º 153/00 e de 5-6-02, proc. n.º 1255/02)
Dessa posição resulta que, não tendo o recorrente dado cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do art. 412.º do CPP, nas conclusões da motivação, mas tendo-o feito no texto dessa motivação, não pudesse, sem mais, a Relação rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer. Entendendo que o recorrente não fornecia os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não era "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões.
Assim o vinha decidindo também o Tribunal Constitucional (Acs. n.º 259/03, DR, IIS, de 13.02.02 e n.º 140.04, DR, IIS, de 17-4-04) que distingue a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção.
Veio o Tribunal Constitucional a declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (AcTC n.º 320/2002, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.º 3 e 4 daquele art. 412.º. Nesse caso, a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos (cfr. neste sentido o AcSTJ de 12/12/2002, proc. n.º 4987/02-5, com o mesmo Relator)
Também esclarecera este Tribunal (AcSTJ de 11/01/2001, proc. n.º 3408/00-5, com o mesmo Relator) que o convite a que se reporta o n.º 4 do art. 690.º do CPC se prende exclusivamente com as conclusões não abrangendo o texto da motivação. Este enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Assim, no texto da motivação terão de estar especificamente indicados os fundamentos do recurso, fundamentos (ou razões do pedido) que devem reaparecer resumidos nas respectivas conclusões.
O ónus de formular conclusões da motivação do recurso (definiu-se no AcSTJ de 11/01/2001, proc. n.º 3408/00-5, com o mesmo Relator) visa, assim, proporcionar ao tribunal um maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos deste. E, para isso, aquelas devem conter um resumo preciso e claro dos fundamentos de facto e de direito da tese ou teses defendidas na motivação, de tal modo que possibilite um apreciação crítica ao tribunal de recurso.
Daí que, quando o texto da motivação contenha fundamentos que não reaparecem nas conclusões, seja compreensível que se admita a correcção: a impugnação assentou também naqueles fundamentos que não aparecem, ou só aprecem incorrectamente retomados nas conclusões, que importa corrigir.
Mas se no texto que fixa os fundamentos da impugnação não contem algum dos que depois aparecem nas conclusões, também é compreensível que se não admita a correcção do texto da motivação. É que então a impugnação não assentou naquelas razões do pedido que só aparecem nas conclusões.
Quando as conclusões (algumas das conclusões) não encontram correspondência no texto da motivação, está-se perante a insuficiência da motivação que deve ser tratada, no respectivo âmbito, como falta de motivação.
A recente Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio, aliás, consagrar esta posição na nova redacção dada ao art. 417.º do CPP, vigente aquando da prolação da decisão recorrida.
Com efeito, estabelece no seu n.º 3 que, se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
Mas logo esclarece, no n.º 4, que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação. Ou seja, que o texto da motivação constitui o limite da correcção possível das conclusões.
E, na verdade, já se vinha pronunciando este Supremo Tribunal, como se deu notícia (cfr. v.g. o AcSTJ de 27/04/2006, proc. n.º 1287/06-5, com o mesmo Relator), pela necessidade de formulação de convite ao recorrente para completar as conclusões da motivação, mas só quando o recorrente formule pretensões e proceda a especificações no texto da motivação, mas exprima deficientemente tais pretensões e especificações nas respectivas conclusões.
O texto da motivação constitui, pois, um limite intransponível ao convite à correcção. Sujeita, como está, a apresentação da motivação a um prazo peremptório, apresentada a mesma, não pode ela ser aditada, através da correcção das conclusões, de matéria que o seu texto não contenha. Se o texto da motivação não contém os elementos, tidos em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite para correcção, por não poderem, nesse caso, ser aditados.”
Ora, examinando a motivação stricto sensu verifica-se que na mesma também não constam as exigências legais acima referidas, nomeadamente, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados[() Como diz Paulo Pinto de Albuquerque no seu “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135, “a Especificação dos concretos pontos de facto” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado”.] e, nos termos pormenorizados pelo n.º 4, do art.º 412º, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (os recorrentes não indicam as passagens das gravações em que fundamentam a impugnação).
Assim sendo, nunca poderiam as conclusões vir a cumprir com o determinado no n.º 4.
Daí a impossibilidade de convidar os recorrentes a apresentarem novas conclusões.
Em face do exposto e uma vez que não se vislumbra no acórdão qualquer dos vícios consignados no art.º 410º, n.º 2, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto.
A segunda questão prende-se com a integração jurídica dos factos.
Entende o recorrente que “mesmo que se provassem tais factos, a conduta em causa não é susceptível de se subsumir à previsão normativa do art. 172.° do CP, porquanto o conceito de acto sexual de relevo não engloba simples beijos ou carícias não concretizadas em zonas erógenas”.
Vejamos:
No que a este ponto respeita, ficou provado que “o arguido, movido pelo desejo sexual, por duas ou três vezes introduziu uma das mãos por dentro do fato de banho das menores (B... e C...) e friccionou-lhes a zona genital, acabando, depois, por as lançar para dentro de água”, que “o arguido, guiado pelos seus apetites libidinosos, meteu a sua mão, em número não concretamente apurado de vezes, dentro da roupa interior das menores, mesmo até por dentro das cuecas que estas vestiam, tocando e friccionando a zona genital, chegando a tentar, igualmente, introduzir os seus dedos na vagina das meninas, só não logrando alcançar os seus intentos porque as menores o não permitiam e retiravam a mão do mesmo”, que “para concretizar os seus propósitos, o arguido, dependendo da roupa que as crianças vestiam (larga ou apertada), apenas introduzia a mão, sem mais, por dentro da roupa ou, caso não conseguisse desta forma alcançar a zona genital das mesmas, desapertava o botão da roupa que vestiam” e que “ainda no ano de 2005, em data também não concretamente apurada, o arguido levou a menor D... (…) para um quarto existente no pátio da sua habitação, onde, sem que nada o fizesse prever, lhe deu um beijo na boca, tão só para satisfação do seu apetite sexual”.
Ora, entende o arguido que friccionar a zona genital das menores com a mão, tentar introduzir os seus dedos nas suas vaginas (o que só não conseguiu por elas o impedirem) e dar um beijo na boca de uma delas, não são actos sexuais de relevo.
Lendo as motivações, ficamos sem perceber o que é que o recorrente entende por “acto sexual de relevo”, pois que, apesar da jurisprudência e doutrina citadas, não explica em que medida as mesmas lhe dão razão.
No entanto, não temos a mínima dúvida de que os seus actos integram inequivocamente o conceito de acto sexual de relevo.
Com efeito, embora não seja pacífica a caracterização do conceito, parece-nos claro que os actos praticados pelo recorrente o integram inequivocamente, até porque, sendo sujeitos passivos meninas de oito e nove anos, as condutas do arguido, claramente de cariz sexual, são de molde a prejudicar gravemente o livre desenvolvimento das suas personalidades (neste sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 154).
Neste âmbito, pondera Sénio Alves, in “Crimes Sexuais”, pág. 8 e ss., o seguinte: “O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (…) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais). São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual”, pelo que “o acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas” e “a relevância ou irrelevância de um acto sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade (…)” que “considerará relevante ou irrelevante um determinado acto sexual consoante ofenda, com gravidade ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas”.
Por outro lado, como se diz no AcSTJ de 5 de Setembro de 2007[()http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0968db54922eafb08025737d002c71e5?OpenDocument], “a lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem (…). O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.”
Parece-nos assim claro que ao friccionar com as mãos as zonas genitais das meninas e ao tentar os seus dedos nas suas vagina (no que foi por elas impedido) e ao dar um beijo na boca da D..., o recorrente praticou actos sexuais de relevo para efeitos do art.º 172º do Código Penal visto que os mesmos foram executados em zonas erógenas do corpo, objectivamente conotadas com a sexualidade das meninas e típicos de preliminares de uma relação sexual.
Para mais, quando as vítimas tinham oito e nove anos de idade e por isso, dada a sua imaturidade e insuficiente desenvolvimento volitivo, tais actos acarretarão necessariamente obstáculos para o seu desenvolvimento psíquico harmonioso.
Em face do exposto, bem andou o tribunal ao considerar os factos praticados pelo arguido como actos sexuais de relevo para efeitos do art.º 172º do Código Penal.
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DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 8 UC a taxa de justiça.
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Coimbra,
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