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REVISÃO DA INCAPACIDADE
EXAME POR JUNTA MÉDICA
VINCULAÇÃO DO JUIZ AO EXAME PERICIAL
Sumário
I – No âmbito do incidente de revisão de incapacidade se alguma das partes não se conformar com o resultado do exame médico (singular) pode requerer, no prazo de dez dias, exame por junta médica, constituída por três peritos, exame que é secreto e presidido pelo Juiz (artºs 139º, nº 1, e 145º, nº 4, do CPT). II – Esta segunda perícia destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira – artº 539º, nº 3, do CPC. III – Havendo dúvidas na segunda perícia, e uma vez que ela é presidida por um juiz, impõe-se a formulação de novos quesitos, o pedido de esclarecimentos ou informações, afinal a confrontação do trio de peritos com o teor da primeiro exame, com vista à dissipação de qualquer dificuldade ou complexidade suscitadas pela especificidade do caso. IV – Por isso se entende que sempre que o julgador se desvie do teor das respostas dos peritos, impõe-se-lhe que fundamente adequadamente a sua motivação.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I –
- Na acção, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A.... e responsável a ‘B...’ foi desencadeado o presente incidente de revisão de incapacidade/pensão, com decisão a fls. 146, em cujos termos se condenou a requerida Seguradora no pagamento àquele do capital de remição correspondente à pensão anual de € 2.301,93, estabelecida com base na desvalorização permanente parcial para o trabalho (IPP) de 22,5%.
- É desta decisão que, inconformada, a Seguradora vem recorrer.
Alegando, concluiu:
1. Deverá ser revogada a douta sentença proferida, que valorou em maior grau o resultado do exame médico singular relativamente ao resultado do exame por Junta Médica e assim considerou o sinistrado afectado de uma IPP de 22,5%;
2. Com efeito, uma vez que o exame por Junta Médica não enferma de qualquer irregularidade, não foi impugnado pelas partes e o seu resultado foi obtido por unanimidade dos peritos nele intervenientes, a decisão de mérito que deveria ter sido proferida quanto à natureza e grau de desvalorização do sinistrado, nos termos do art. 140.º do C.P.T., deveria ter tido em conta todos os elementos constantes dos Autos, e, em especial, a prova coligida através deste exame por Junta Médica, que concluiu que o sinistrado não apresenta qualquer sequela emergente do acidente de trabalho a que se reportam os Autos;
3. Deste modo, nos termos do art. 712.º, a), primeira parte, do C.P.C., deverá ser revogada aquela decisão, proferindo-se decisão que considere que o sinistrado não apresenta qualquer sequela emergente do acidente de trabalho a que se reportam os Autos, conforme resultado do exame por Junta Médica, em obediência igualmente ao disposto no art. 140.º/1 do C.P.T.
4. O Tribunal 'a quo' violou, dentre outras, as disposições contidas no art. 140.º do C.P.T., que deveria ter aplicado decidindo em conformidade com as anteriores conclusões, isto é, em conformidade com o resultado obtido por unanimidade no exame realizado por Junta Médica – e não valorando em maior grau o resultado do exame médico singular relativamente ao resultado do exame por Junta Médica;
5. Pelo que deverá ser revogada a douta sentença proferida, decidindo-se que o sinistrado não apresenta qualquer sequela emergente do acidente a que se reportam os Autos e, deste modo, que não se encontra afectado de qualquer incapacidade parcial permanente.
- Respondeu o apelado, concluindo, por sua vez, que, contrariamente ao pretendido, a decisão sob protesto encontra-se perfeitamente fundamentada e justificada a razão por que foi desconsiderada a decisão da Junta Médica e se baseou no laudo do exame efectuado pelo perito singular do Tribunal.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, cumpre decidir.
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II –
1.
Anunciando entender-se que, apesar de o resultado da Junta Médica ser unânime, é de valorar em maior grau o resultado do exame singular, o Exm.º Julgador 'a quo' estabeleceu a seguinte base de facto:
ü A... nasceu em 10.7.1954 e trabalhava por conta, sob as ordens e direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro;
ü No dia 14.11.2006, quando procedia ao transporte de um doente numa cadeira de rodas, sentiu uma dor intensa ao nível da coluna lombar;
ü O sinistrado foi assistido pela Seguradora até 2.11.2007, data em que lhe foi atribuída alta sem desvalorização;
ü Em consequência dessas lesões o sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 22,5%;
ü A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se transferida para a ‘B...’ mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º AT29200308;
ü O sinistrado auferia o salário anual de € 14.615,40.
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2.
Conhecendo:
É questão posta a de saber se, afinal, – pressuposto não enfermar o exame por Junta Médica, alcançado em laudo unânime dos seus peritos, de qualquer irregularidade – deve prevalecer ou não a decisão em crise, que optou pelo diferente resultado do exame médico singular.
Vejamos então, relembrando o iter processual relevante e a fundamentação lógico-jurídica em que assenta a decisão ora 'sub judicio'.
Na sequência da dor intensa sentida pelo sinistrado no dia 14.11.2006, quando procedia ao transporte de um doente numa cadeira de rodas, foi o mesmo assistido pelo serviços médicos da Seguradora que, depois de o ter submetido a cirurgia à coluna lombar, lhe deu alta em 2.11.2007, considerando-o curado sem qualquer desvalorização/incapacidade.
Com base nos elementos (informações clínicas e exames auxiliares de diagnóstico) solicitados à Seguradora, demais exames realizados e exame directo do sinistrado, foi proferido o laudo de perito singular/auto de exame médico, em que se propôs uma IPP de 22,5% – fls. 110.
Não se conformando com tal resultado e proposta pericial, a Seguradora veio requerer exame por Junta Médica, para o que formulou quesitos, tudo conforme fls. 113, tendo o sinistrado sido oficiosamente notificado para apresentar também quesitos, querendo.
Reunida e observado o sinistrado, foi proferido por unanimidade o laudo seguinte, nele se respondendo aos quesitos apresentados (fls. 136): ‘Os peritos médicos, após consulta do processo e observação do sinistrado, respondem aos quesitos de fls. 113 desta forma: 1.º - Lombociatalgia direita; 2.º - Episódios ocasionais de lombociatalgia direita; 3.º - Não apresenta sequelas do acidente em avaliação’.
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Da prova pericial. Breve enquadramento.
O exame médico previsto no C.P.T. é, por via de regra, efectuado no Tribunal e presidido pelo M.º P.º, com observância do respectivo formalismo legal – arts. 105.º/1 e 106.º/1).
(Não no caso presente, excepcionalmente, porque aqui – por se tratar de um incidente de revisão, requerido no âmbito da hipótese constante do n.º7 do art. 145.º, (é responsável uma Seguradora e o acidente não foi participado ao Tribunal porque o sinistrado foi considerado curado sem incapacidade) – é o Juiz que manda submeter o sinistrado a exame médico, a ele devendo presidir).
Assim se cumpriu – cfr. Autos de exame de fls. 10 e 110 – acabando a Exm.º perito médico (na circunstância uma senhora Médica) por propor uma IPP de 22,5%.
O valor probatório das respostas dos peritos é, como se sabe, livremente apreciado e fixado pelo Tribunal, sendo que a segunda perícia não invalida a primeira – arts. 389.º do Cód. Civil e 591.º do C.P.C.
Todavia, importa ter presente duas circunstâncias, que aqui relevam especialmente. Por um lado, a livre apreciação deste tipo de prova tem contornos mais precisos/exigentes do que os postulados pela regra geral da liberdade de julgamento consagrada no art. 655.º/1 do C.P.C., cuja decisão remete para (…e se basta com) a prudente convicção do Julgador acerca de cada facto.
Aqui, embora o Julgador não esteja forçosamente vinculado à rigorosa observância das respostas periciais, (…ainda que unânimes), sempre terá de admitir que às conclusões a retirar presidam mais do que as regras normalmente decorrentes da lógica, da razão e das máximas da experiência comum …que terão naturalmente de ser precedidas/caucionadas/complementadas com as regras de uma ciência cultivada em especial pelos peritos intervenientes.
Face às suas naturais limitações científicas, e tratando-se de uma valoração eminentemente técnica, é induzido a aceitar, por via de regra, o saber técnico-científico inerente às‘legis artis’ do múnus pericial, nele se justificando e ficando-se habitualmente pela conferência da conformidade do laudo com os critérios legais decorrentes da TNI.
Por isso se entende pacificamente, há muito, que, sempre que o Julgador se desvie do teor das respostas dos peritos, se lhe impõe que fundamente adequadamente a sua motivação.
(Vide, ‘inter alia’, o Ac. desta Relação de 21.4.2005, in www.dgsi.pt, proc. n.º 311/05, e o Ac. R.L. de 11.10.2000, in C.J., 2000, tomo IV, pg. 167).
É disso cabal demonstração a consagração, na Lei processual penal, do princípio constante do art. 163.º, que vai mesmo mais longe, e em que, sob a epígrafe ‘Valor da prova pericial’, se estabeleceu que ‘O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do Julgador. Sempre que a convicção do Julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência’.
Por outro lado, a segunda perícia, embora não invalidando necessariamente a primeira, é uma perícia colegial, nela não podendo, por via de regra, intervir perito que tenha participado na primeira.
E o que tem a mais a segunda perícia?
Qual o seu alcance, uma vez que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira?
A resposta, sendo intuitiva, é dada pelo próprio legislador (n.º3 do art. 539.º do C.P.C.): destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados daquela.
É por isso que – no âmbito deste Incidente de Revisão de Incapacidade – se alguma das partes não se conformar com o resultado do exame médico (singular) pode requerer, no prazo de dez dias, exame por Junta Médica, constituída por três peritos, exame que é secreto e presidido pelo Juiz (arts. 139.º/1 e 145.º/4 do C.P.T.).
‘In casu’:
Isto posto – e não obstante a clara e unânime resposta dos Senhores peritos que integraram a Junta, a que presidiu o Exm.º Julgador 'a quo', como consta do termo e auto respectivos, a fls. 135 e 136 – entendeu-se que deveria prelevar o laudo do perito singular.
Mas, com o devido respeito, sem fundada razão, a nosso ver.
À partida, sempre se estranharia que, face ao objectivo da segunda perícia, (o de corrigir a eventual inexactidão dos resultados do exame singular, como já se disse), se não retirasse das respostas dadas aos quesitos aí formulados a convicção mais ou menos segura sobre a valia do juízo técnico colegial, ademais alcançado em uníssono!
Se dúvidas restassem –...e sendo a diligência presidida, como foi, pelo Exm.º Juiz – impor-se-ia a formulação de outros/novos quesitos, o pedido de esclarecimentos ou informações, afinal a confrontação do trio de peritos com o teor do primeiro exame, com vista à dissipação de qualquer dificuldade ou complexidade suscitadas pela especificidade do caso…
Intervenção que mais se teria justificado se não houvesse unanimidade de pontos de vista…assim se sindicando directamente as conclusões ou juízos científicos firmados.
É que, afinal, o que se adianta para desprezar o resultado da segunda perícia não é suportado por qualquer razão científica ou técnica, apoiada em sólidos e convincentes argumentos, que imponha decisão diversa da tirada pela Junta Médica: optou-se por uma mera adesão ao descritivo, considerandos e proposta do exame singular!
O Exm.º Julgador – com o devido respeito – não podendo ignorar a vocação da segunda perícia, limitou-se a adoptar os termos do primeiro exame, que achou certamente mais impressivos, sem propriamente fundamentar por que divergiu do laudo colegial, sem explicitar por que motivo não deve prevalecer o juízo alcançado, não por um, mas por três peritos, unanimemente.
(Veja-se que invoca como determinante que …A RM da coluna lombo-sagrada de fls. 18 revela fenómenos de hiper-captação do produto de contraste paramagnético ao nível da porção proximal do canal de conjugação direito de L3-L4, com extensão inferior ao recesso lateral direito de L4, compatíveis com fenómenos cicatriciais fibróticos pós-cirúrgicos… …Tudo confirmado pela EMG de fls. 27, que refere lesão radicular mais evidente a nível de L4…Tudo isto compatível, como refere a senhora perita singular, com as queixas do sinistrado. …Para, com isto, concluir que …Estes elementos e a análise feita pela senhora perita singular não podem ser postos em crise pelo relatório da junta médica…
Isso não basta, para o efeito, como é patente).
Como seria normal, os peritos da Junta consultaram o processo, (conferindo todos os seus passos relevantes e observando o sinistrado, como aliás se consignou no respectivo auto, fls. 136), e responderam ao que concretamente se lhes perguntou.
Não desconhecendo que o sinistrado foi sujeito a intervenção cirúrgica a nível lombar, foram porém unânimes em considerar que, não obstante as evidências dessa intervenção e os subjectivos dolorosos, (a que foi quiçá mais sensível a Exm.ª perita do exame singular…), o sinistrado, tendo sofrido as lesões decorrentes de lombociatalgia direita, com episódios ocasionais, não apresenta (agora, à data da realização da segunda perícia) sequelas do acidente em avaliação.
Com o devido respeito – repete-se – não há qualquer fundamento válido para desvalorizar o resultado da segunda perícia que, avaliando necessariamente os mesmos factos sobre que incidiu a primeira, ajuizou, por unanimidade dos seus membros, que o sinistrado não apresenta sequelas do acidente dos Autos.
O assim decidido constitui erro de julgamento.
Impõe-se, consequentemente, alterar a decisão sobre a matéria de facto, o que se opera ao abrigo da previsão constante do art. 712.º, n.º1, a), do C.P.C. Não podendo subsistir a asserção de facto estampada no ponto 4 do respectivo alinhamento, a fls. 147, elimina-se, substituindo-a pela seguinte: ‘O sinistrado não apresenta sequelas do acidente dos Autos’.
Não se achando o sinistrado afectado de qualquer incapacidade para o trabalho, a Seguradora Apelante não poderá ser responsabilizada.
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III –DECISÃO.
Em conformidade com o exposto – e na procedência das asserções conclusivas da motivação do recurso – delibera-se julgar procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a sentença impugnada, com absolvição da R. do pedido.
Sem custas, atenta a isenção subjectiva de que goza o apelado – art. 2.º, n.º1, e), do CCJ.
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