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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
DESPACHO DE EXPEDIENTE
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE LOCATÁRIO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
OUTORGA DO LOCADOR
CONSENTIMENTO DO LOCADOR
BENFEITORIAS
AQUISIÇÃO
Sumário
I – O despacho do juiz que, na sequência de suspensão da instância cautelar, manda notificar as partes para se pronunciarem sob pena de determinar a sua extinção por falta de interesse no seu prosseguimento, constitui despacho de expediente, não carente de fundamentação e sem virtualidade de poder transitar em julgado (artigos 156º, nº 4, início, 158º, nº 1, e 679º, do Código de Processo Civil); II – A transmissão da posição do locatário, em contrato de locação financeira de coisa que não seja bem de equipamento, não exige a outorga do locador no contrato instrumento dessa transmissão, mas apenas o consentimento dele à sua realização (artigos 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, 1059º, nº 2, e 424º do Código Civil); III – As benfeitorias que algum terceiro introduza no bem dado em locação financeira não são susceptíveis de gerar na esfera do locatário um crédito indemnizatório sobre o locador; e, por isso, insusceptíveis de sustentar o direito de retenção por ocasião do termo do contrato (artigos 1273º e 754º do Código Civil); IV – Se os factos apurados evidenciam que o contrato de locação financeira cessou, por decurso do prazo, e que o locatário não fez operar o direito à aquisição do bem, nem o devolveu ao locador, deve a providência cautelar de entrega judicial por este desencadeada ser julgada procedente e ordenada a pretendida entrega (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149/95).
Texto Integral
Recurso de Apelação Processo nº 297/10.8TBCPV.P1
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. Apelante - B… e - C…, ambos residentes no …, …, em Castelo de Paiva;
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. Apelado - D…, SA, com sede na …, nº .., no Porto.
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SUMÁRIO: I – O despacho do juiz que, na sequência de suspensão da instância cautelar, manda notificar as partes para se pronunciarem sob pena de determinar a sua extinção por falta de interesse no seu prosseguimento, constitui despacho de expediente, não carente de fundamentação e sem virtualidade de poder transitar em julgado (artigos 156º, nº 4, início, 158º, nº 1, e 679º, do Código de Processo Civil); II – A transmissão da posição do locatário, em contrato de locação financeira de coisa que não seja bem de equipamento, não exige a outorga do locador no contrato instrumento dessa transmissão, mas apenas o consentimento dele à sua realização (artigos 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, 1059º, nº 2, e 424º do Código Civil); III – As benfeitorias que algum terceiro introduza no bem dado em locação financeira não são susceptíveis de gerar na esfera do locatário um crédito indemnizatório sobre o locador; e, por isso, insusceptíveis de sustentar o direito de retenção por ocasião do termo do contrato (artigos 1273º e 754º do Código Civil); IV – Se os factos apurados evidenciam que o contrato de locação financeira cessou, por decurso do prazo, e que o locatário não fez operar o direito à aquisição do bem, nem o devolveu ao locador, deve a providência cautelar de entrega judicial por este desencadeada ser julgada procedente e ordenada a pretendida entrega (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149/95).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. Da instância cautelar. 1.1.D…, SA propôs, no dia 29 de Setembro de 2010, providência cautelar de entrega judicial contra B… e C…, pedindo a entrega do terreno de pinhal e da casa destinada a oficina de carpintaria de um pavimento sitos na …, em …, no concelho de Castelo de Paiva (descrição 00657 da conservatória do registo predial de Castelo de Paiva).
Alegou em síntese, que como locador celebrou com os requeridos como locatários, em Abril de 1998 e pelo prazo de 10 anos, um contrato de locação financeira que teve por objecto o mencionado bem imóvel; que os requeridos deixaram de pagar as rendas firmadas em Agosto de 2003; e que, ademais, o contrato chegou ao seu termo em Abril de 2008, sem que os locatários exercessem o direito de compra. Ainda assim, que em Março de 2010 lhes enviou carta de resolução do mesmo contrato. Mas que, por fim, nunca lhe restituíram o bem imóvel locado; coisa que se têm sempre recusado a fazer.
1.2. Em despacho liminar o tribunal “a quo” ordenou a citação dos requeridos para se oporem à providência.
1.3. Os requeridos apresentaram instrumento de oposição.
Disseram, em síntese, terem proposto, em 2004, a cessão da sua posição contratual a E… e esposa, pessoas idóneas e com capacidade financeira para honrar o contrato, aceite pelo requerente; este, contudo, no escrito do contrato, tendo trocado os nomes dos outorgantes; ficando os requeridos a aguardar regularização; tirando-lhes legitimidade para o procedimento; e gerando abuso de direito por a cessão só não se verificar por causa do requerente. Ainda que o artigo 21º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, que sustenta o procedimento, não é aplicável, face ao seu nº 9, por se tratar de imóvel; gerando a impropriedade do meio cautelar. Por fim, que por intermédio de terceiros realizaram no imóvel benfeitorias que lhe aumentaram substancialmente o valor; foram construídos muros de vedação e feitas instalações de escritórios que o valorizaram em mais de cem mil euros; gerando o direito de retenção até que o requerente lhes pague o respectivo valor, sob pena de enriquecimento ilegítimo. Em suma; devem proceder as excepções, ser reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel e, em qualquer caso, improceder o procedimento instaurado.
1.4. A instância cautelar prosseguiu.
Em 25 Out 2010 foi designada audiência final (v fls. 81); reagendada em 8 Nov 2010 (v fls. 94); e adiada por decisão de 23 Nov 2010.[1] A seguir, a instância cautelar foi suspensa; em 26 Nov 2010 (v fls. 101); e em 10 Dez 2010 (v fls. 110). Por despacho de 7 Mar 2011 foi agendada audiência (v fls. 122). Em 1 Abr 2011 foi suspensa a instância (v fls. 137). Em 16 Mai 2011, reagendada a audiência (v fls. 140). Em 16 Jun 2011, suspensa a instância (v fls. 158); voltando a sê-lo em 25 Jan 2012 (v fls. 161).
Entretanto, em 2 Mai 2012, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique-se as partes para requererem o que tiverem por conveniente com a advertência de que nada sendo dito, em 5 dias, se determinará a extinção da instância por falta de interesse processual no seu prosseguimento.»
(v fls. 162).
Este despacho foi notificado às partes, por transmissão electrónica, elaborada no dia 3 Mai 2012.[2]
Em 11 Mai 2012 o banco requerente pediu o seguimento da instância e a designação de nova data para a audiência (v fls. 164 e 165).
Em 5 Jun 2012 foi designada audiência (v fls. 166).
1.5. No dia 15 de Junho de 2012 o tribunal “a quo” produziu decisão. Julgou procedente a pretensão cautelar; e determinou a entrega ao banco requerente do bem imóvel objecto do contrato de locação financeira firmado com os requeridos.
2. Da instância de apelação.
2.1. Os requeridos apelaram da decisão que julgou o procedimento.
Produziram alegação; e findaram com estas sínteses conclusivas:
a) Pelo despacho anterior a designação do julgamento é dito que, se nada fosse comunicado nos autos, quanto ao estado das negociações, entre as partes, seria extinta a instância; b) Na falta de norma salvaguardando a sua não constituição, como e o caso do nº 3 do artigo 508º do CPC, em relação à audiência preliminar, aquele constitui caso julgado formal, nos termos do artigo 672º, nº 1, do mesmo código; c) Passando, esse despacho, a ter força obrigatória dentro do processo; não podendo ser proferida decisão posterior, que com ele não seja compatível; d) Como o é a sentença recorrida, determinando a apreensão e entrega à requerente do prédio em causa; e) Acresce que, na oposição que deduziram, foi pelos requeridos suscitada a inviabilidade processual do procedimento cautelar, por respeitar a imóvel; f) Conforme consta de c) dos factos provados, o contrato entre requerente e requeridos, tendo por objecto um prédio misto, que foi celebrado, em 27.4.1998; g) Entendendo os requerido, não ser o artigo 21º do DL nº 149/95, neste caso, aplicável, face ao seu nº 9, dado tratar-se de bem imóvel; h) Por ser esse o regime aplicável ao contrato de locação financeira em apreço, atenta a regra tempus regit actus; i) O que os requeridos alegaram em 21º da oposição; j) Pelo que, no entendimento de que a questão, em bom rigor, não foi conhecida na sentença recorrida, importa, também, a sua nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; l) De todo o modo, sem prescindir, sendo, nos termos do artigo 8º daquele artigo, subsidiariamente aplicáveis à providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Cód Proc Civil, conforme referido na sentença; m) Entende-se que não são verificados os requisitos cumulativos do decretamento da providencia cautelar comum, nos termos dos artigos 381º e 387º, do CPC, maxime o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, e ainda de não ser o prejuízo decorrente do decretamento da providência consideravelmente superior ao dano que através dela se pretende acautelar; n) É que, do objecto do contrato, faz parte uma casa destinada a oficina de carpintaria, ou seja, em que é exercida uma actividade industrial, sendo de presumir elevados os danos que causaria; o) Pelo que, uma vez findo o contrato, para os fins visados pelo requerente, deverá considerar-se a normal acção declarativa como o meio próprio; p) E não o recurso a procedimento cautelar, atenta a natureza deste;
Sem prescindir,
q) Por outro lado, os requeridos (também) alegaram na sua oposição (artigo 3º):
“(…) em 2004, os requeridos propuseram ao requerente a cessão da posição contratual no sentido da cessão da posição dos requeridos a E... e esposa, pessoas idóneas e com capacidade financeira bastante para poderem assumir as obrigações decorrentes do contrato em causa, o que foi aceite pelo requerente”; r) E que (artigo 4º):
“(…) no respectivo contrato de cessão de posição contratual, os serviços do requerente trocaram os respectivos agregados familiares, colocando o ora requerido B... casado com a esposa daquele, F...”; s) Não sendo assim compreensível o constante da sentença recorrida, referindo, nos factos não provados:
“1. Que B... e mulher fossem pessoas idóneas e com capacidade financeira para assumir as obrigações decorrentes do contrato.”; t) Independentemente de se concordar ou discordar do seu alcance; u) E, sobre tais factos alegados, nenhuma resposta foi produzida pelo requerente; v) Sendo, desde logo, das regras da experiência, que, as pessoas, em geral, não têm acesso a papel timbrado, em branco, do requerente banco; x) Pelo que, de acordo com as regras de alegação e prova (artigo 342º do CC) caberia ao requerente provar que a anomalia verificada (troca de identidades dos outorgantes) ou era imputável aos requeridos, ou não lhe era imputável; z) Pelo que, será de presumir que a si (aos seus serviços) se ficou a dever; aa) Referindo, ainda, os requeridos, em 9º da oposição, que, assim, “(...) estaria o requerente em manifesta posição de abuso de direito, porquanto a não, verificação da cessão da posição contratual só a si se deve”; bb) Questão que não se mostra, igualmente, conhecida; cc) Sendo certo que da motivação da convicção sobre os meios de prova, nada é concretizado quanto às testemunhas inquiridas, encontrando-se uma frase introdutória, que termina com “dois pontos”; o que, importa, manifestamente, suprir, completando;
Ainda sem prescindir,
dd) Requereram, os requeridos, lhes fosse reconhecido o direito de retenção, por benfeitorias realizadas no imóvel, conforme alegado em 14º da oposição, para além da construção contratual (que, conforme ficou provado, em c) dos factos provados, tinha por objecto um prédio misto, composto de pinhal e casa destinada a oficina de carpintaria), nomeadamente, vários muros de vedação e umas instalações destinadas a escritórios; ee) Sobre isso depôs a testemunha arrolada pelos requeridos, G..., com depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, da aplicação informática, conforme assinalado na acta do respectivo julgamento (fls. 171); ff) Tal depoimento, que não foi contrariado por qualquer outro, dá conta de terem sido gastos mais de 250.000 €; gg) Não sendo apresentadas quaisquer razões para não se ter, esse depoimento, como verdadeiro; hh) Motivo por que, ao invés, se deverão ter por provados os factos considerados não provados em 4; ii) Estando, assim, demonstrados os valores, e os limites contratuais; jj) Considerando-se bastante, o depoimento de tal testemunha, conjugado com os demais elementos dos autos, afiguram-se dispensáveis outros meios de prova; ll) E assim, com a respectiva alteração da matéria de facto, se devendo, considerar o direito de retenção dos requeridos, no âmbito contratual, uma vez que é dos requeridos exigida, neste momento, a entrega, nos termos do artigo 754º do Código Civil; mm) Independentemente do crédito de terceiro, tendo em conta o princípio da relatividade dos contratos (artigo 406º do CC); nn) Considerando, os requeridos, de quem é exigida a entrega, poderem, neste contexto, fazer valer direito de retenção, ainda que ficassem em divida, eles próprios, para com terceiros; oo) Consideram-se violadas as disposições dos artigos 334º, 342º, 406º, 754º, do CC, 21º, nº 9, do DL nº 149/95, de 24.6, 2164º, nºs 1 e 2, 381º, 387º, 660º, nº 1, e 672º, nº 1, do CPC.
Em suma; (1) deve ser declarada a nulidade invocada ou, caso não seja entendido, (2) alterar-se a matéria de facto e julgar-se improcedente o procedimento cautelar ou ainda, caso não seja entendido, (3) na sua procedência, reconhecer aos requeridos o direito de retenção sobre o imóvel.
2.2O requerente não respondeu.
2.3. Delimitação do objecto do recurso. As conclusões do apelante delimitam, no essencial, o tema de recurso.
A hipótese é de procedimento cautelar, pendente há dois anos e três meses, aproximadamente; e após cinco suspensões da instância.
No seu núcleo afigura-se-nos ser de decidir tão-só sobre se reunidos se acham, ou não, os requisitos substanciais suficientes para o decretamento da providência de apreensão. O aparente simplismo deste assunto não ofusca, porém, os temas que os apelantes autonomizam, instrumentais dele; e que são, então, estes.
1.º Há despacho, transitado, a impor a extinção da instância cautelar?
2.º Há inviabilidade no procedimento, por incidir o contrato sobre um bem imóvel?
3.º Falham os requisitos necessários conducentes à apreensão do bem?
4.º Omite, a decisão recorrida, o tema da cessão de posição contratual proposta pelos apelantes e aceite pelo apelado? Agindo este em abuso de direito? E falhando a motivação do julgamento de facto sobre o assunto?
5.º Há benfeitorias realizadas a gerarem um direito de retenção?
Vejamos então cada um destes temas. Concluindo, depois, pelo assunto primordial.
II – Fundamentos
1. O tribunal “a quo” julgou o mérito do procedimento cautelar; e foi esta a matéria de facto (provada) em que, para esse julgamento, se fundamentou:
i. O D..., SA, incorporou, por fusão, o H..., SA, com a consequente extinção do H... e a transferência universal de todo o seu património, obrigações e direitos, incluindo o crédito sobre os requeridos, para o D..., SA (v registo comercial; certidão permanente nº 7336-051-1628). ii. Dedicando-se o requerente, de forma habitual e de acordo com o seu objecto social, ao exercício da actividade bancária, com a latitude consentida por lei (entre as actividades permitidas conta-se a locação financeira). iii. No exercício da sua actividade, o requerente celebrou, em 23.4.1998, um contrato de locação financeira com os requeridos tendo como objecto um prédio misto, sito na ..., freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, composto de Pinhal e casa destinada a oficina de carpintaria de um pavimento, confrontando a norte com I..., nascente com J..., sul e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial de Castelo de Paiva sob o nº 00657 e actualmente inscrito na matriz sob o artigo 474, para o prazo de 10 anos (doc fls. 9 a 40). iv. Pelo referido contrato os requeridos assumiram, entre outras, a obrigação de pagar ao requerente 120 rendas, sendo a primeira no montante de 705,87 € e as restantes no montante de 705,87 € cada uma, sendo rendas mensais, indexadas à taxa Lisboa a três meses, sendo o valor residual de 2.992,79 €. v. Para efetivação do referido contrato, o requerente adquiriu o refe-rido imóvel por escritura pública, cedendo aos requeridos apenas e tão só, o seu gozo (cláusula 5ª das condições gerais do contrato de locação financeira). vi. Tal contrato foi objecto de aditamento em 23.6.1998, onde se convencionou a inclusão de valores para obras de adaptação no capital financeiro e consequente actualização das rendas mensais que passaram a ser da quarta à quadragésima oitava no valor de 997,60 € e da quadragésima nona à centésima vigésima no valor de 738,57 €. vii. Os requeridos deixaram de pagar a renda vencida em 15.8.2003 e as seguintes, não tendo, desde então (15.8.2003) pago mais nenhuma renda. viii. Para além de que, entretanto, decorreu o prazo da locação sem que os locatários tivessem exercido o direito de compra, tendo o contrato caduca-do pelo decurso do tempo em 15.4.2008. ix. Direito que a requerente exerceu através de declaração enviada aos requeridos, por carta registada com aviso de recepção, em 17.3.2010, para a morada por eles fornecida, onde, além de peticionar os montantes em dívida, exi-gia a entrega do imóvel (docs fls. 53 a 56); cartas essas devidamente recepcio-nadas pelos locatários. x. Acontece que, até à presente data, os requeridos não liquidaram os montantes em dívida e não procederam à entrega do imóvel ao requerente e têm sempre recusado a entrega do imóvel locado ao requerente, condenando, assim, ao insucesso todas as tentativas deste último de, pela via negocial, tentar a entre-ga do bem em causa. xi. Os requeridos têm tentado regularizar a situação junto do requeren-te. xii. Em 2004 os requeridos propuseram ao requerente a cessão da posição contratual para poderem assumir as posições do contrato em causa. xiii. Na minuta do contrato de cessão na posição contratual foi trocada a identificação dos agregados familiares dos contratantes, sendo que tal acordo nunca foi assinado por ninguém.
2. O mérito do recurso.
2.1. Brevíssimo enquadramento preliminar.
É meramente aparente a complexidade do problema de mérito do procedimento cautelar da hipótese, interposto que foi no dia 29 Set 2010.
Estamos, do ponto de vista substantivo, no campo do contrato de locação financeira; na óptica processual, no dos procedimentos cautelares. O quadro normativo prevalecente é o contido no Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, diploma entretanto intervencionado pelos Decretos-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro, nº 285/2001, de 3 de Novembro, e nº 30/2008, de 25 de Fevereiro.
Sobremaneira nos interessa a disposição contida no artigo 21º.
Aí se estabelece, em síntese, que se findo o contrato de locação, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, este pode requerer ao tribunal a providência cautelar consistente na sua imediata entrega (nº 1).
É a que se chama de providência cautelar de entrega judicial.
O locador há-de oferecer prova sumária dos concernentes requisitos (nº 2); e o tribunal ouvirá, via de regra, o requerido (nº 3). A providência é ordenada se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos apontados requisitos (nº 4). E a esta providência são subsidiariamente aplicáveis as disposições gerais sobre providências cautelares previstas no Código de Processo Civil (nº 8).
2.2. O caso julgado de despacho conducente à extinção da instância. É porém ainda de natureza estritamente processual o primeiro tema que os apelantes autonomizam no objecto do seu recurso. O juiz “a quo”, após cinco suspensões da instância cautelar, em Mai 2012, proferira despacho a dizer que, se as partes nada dissessem, determinaria a extinção da instância “por falta de interesse no seu prosseguimento” (v fls. 162); sendo a este despacho que os apelantes atribuem a força de caso julgado formal. Mas mal, do nosso ponto de vista. Se já era difícil, na hipótese, descortinar uma causa razoável para extinguir a instância (artigo 287º do código de processo), uma brevíssima atenção sobre o assunto permite logo dissipar alguma eventual dúvida sobre a questão. Vejamos. O banco requerente, na sequência do despacho e dentro do prazo nele concedido, pronunciou-se; e pediu expressamente o seguimento da instância (v fls. 164). Mas mais. Mesmo sem avaliar a adequação (ou justeza) do despacho proferido, se nos afigura estritamente se tra-tar de um despacho de mero expediente (artigo 156º, nº 4, início, do código de processo); por isso, nem carente de fundamentação alguma (artigo 158º, nº 1, do mesmo código); e sem a virtualidade de trânsito em julgado (artigo 679º do código). O que isto significa, para lá de toda a dúvida, que seria aquele despacho alterável a qualquer tempo, e sem óbice jurídico algum; sendo aliás de todo em todo estranho que o juiz, a seguir, pudesse ficar absolutamente vinculado (?) a um despacho extintivo do processo cautelar; situação sem paralelo e à margem de qualquer quadro jurídico minimamente razoável. Em suma; não há caso julgado (formal) a impor, com mínima razoabilidade, a extinção da instância.
2.3. A inviabilidade cautelar atenta a natureza (imóvel) do bem.
O segundo tema eleito pelos apelantes é o de que o procedimento não é viável por causa de o bem locado ser imóvel; assunto não tratado na decisão recorrida; e que, portanto, (dizem) enferma da nulidade de omissão de pronúncia.
O problema da nulidade, com quadro normativo contido nos artigos 660º, nº 2, início, e 668º, nº 1, alínea d), início, do código de processo), é só por si facilmente superável à luz do regime de substituição do tribunal de recurso estabelecido pelo artigo 715º, nº 1, do código do processo civil. Embora nem assim, na hipótese, alguma razão assista aos apelantes. Vejamos. O nº 9, do artigo 21º, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, que excluía do mecanismo da entrega judicial cautelar os contratos que tivessem por objecto bens imóveis e que os apelantes estranhamente invocam continha-se na redacção original do diploma; mas que veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro, o qual nos precisos termos do seu preâmbulo estabeleceu “um regime jurídico uniforme para o contrato de locação financeira, independentemente do respectivo objecto”. E, exactamente, o actual nº 9 do artigo (que era o nº 8 introduzido por aquele diploma revogatório, mas renumerado pelo mais recente Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro) literalmente estabelece que a providência cautelar “é aplicável a todos os contratos de locação financeira, qualquer que seja o seu objecto”.
Assim, não nos parece que mereça alguma dúvida, minimamente sustentável, que o mecanismo cautelar da apreensão fique à margem da locação financeira da hipótese; aliás, firmada em Abril de 1998, já no quadro de vigência normativa do mencionado Decreto-Lei nº 265/97. Em suma; sem merecimento algum o argumentado pelos apelantes.
2.4. A falha dos requisitos necessários para a apreensão do bem.
O terceiro assunto é o de que falham, por um lado, requisitos cumulativos, do código de processo, necessários ao decretamento da providência; e, por outro lado, que o meio o próprio de tutela material seria o da acção declarativa. Vejamos então. E para começar por dizer que a opção pelo mecanismo negocial da locação financeira há-de ter sido voluntária e esclarecida de banda dos apelantes; e há-de ter-se radicado, ao fim e ao resto, no exercício da sua livre autonomia da vontade (artigo 405º do Código Civil).
Isto dito; situados nesse contexto. O mecanismo cautelar que a lei prevê para os negócios de locação financeira é típico e nominado; e não se assimila ao procedimento comum, do código de processo, pensado para as situações em que, precisamente, a tutela cautelar se não ache tipificada na lei (artigo 381º, nº 3, do código). As normas do código escapam assim, neste particular, ao mecanismo da apreensão; sendo bem mais simples as condições de viabilidade desta última que o concedente artigo 21º, nº 1, do DL 149/95, evidencia.[3] Isto é; estará sempre em causa, naturalmente, uma locação financeira e, bem assim, a iniciativa do concernente locador; depois, e designadamente, o fim ou o termo desse contrato; particularmente, quando opere a sua caducidade pelo decurso do prazo, e salvo quando o locatário haja exercido regularmente o direito que lhe assiste perante o locador de adquirir o bem (artigos 9º, nº 1, alínea c), e 10º, nº 2, alínea f), do DL 149/95). Pois se, nestas circunstâncias, ocorrer que o locatário não restitua o bem ao locador (em preterição portanto do vínculo que lhe comete o artigo 10º, nº 1, alínea k), do DL 149/95), é o que basta para o imediato decretamento da entrega judicial.
Ademais disto. Nem há como confundir, também, a adjectivação cautelar, que a lei estabelece, da adjectivação definitiva, como mecanismos de tutela e protecção de interesses substantivos. É um aspecto em que o código de pro-cesso esclarece, indicando a natureza provisória e instrumental do primeiro, de maneira a permitir salvaguardar com melhor conveniência, a posição patrimonial do requerente (locador), possibilitando-lhe prevenir outros maiores prejuízos.[4]
A acção declarativa há-de ser, depois, aquela outra onde o (mesmo) interesse substantivo há-de merecer um escrutínio mais aprofundado, com carisma de tutela mais concludente e categórico. Acarretando a inexistência ou negligenciação desta segunda, em princípio, a extinção do cautelar. Mas sem prejuízo naturalmente da virtualidade daquele primeiro mecanismo. E embora até neste aspecto havendo de reconhecer algum ineditismo e originalidade no contrato de locação financeira; como apanágio do actual nº 7,[5] do artigo 21º, citado.
Em suma; sem merecer, aqui, dúvida a justeza da entrega judicial; co-mo procedimento cautelar típico e no rigor com cariz distinto da acção principal.
2.5. A cessão da posição contratual e o abuso de direito.
Os apelantes invocam uma proposta de cessão da sua posição contratual, (alegadamente) aceite pelo requerente; após, mencionam alguma sorte de equívocos na minuta do correspondente contrato; por fim, aludem a um abuso de direito do lado do locador. É este o quarto tema decidendo.
Vejamos. E primeiramente para lembrar o quadro normativo.
A cessão da posição contratual constitui, em geral, aquela situação mediante a qual certo sujeito, num contrato de prestações recíprocas, consente em transmitir a um terceiro a totalidade da sua posição nesse contrato; supondo assim um contrato instrumental que é aquele que permite realizar essa transmissão (artigo 424º, nº 1, início, do Código Civil). No quadro particular da locação financeira refere-se à transmissão da posição do locatário o artigo 11º do Decreto-Lei nº 149/95, com a redacção do Decreto-Lei nº 265/97, para esclarecer, ao que aqui importa, que se a coisa não constituir bem de equipamento aquela é feita nos termos previstos para a locação (nº 2).
O abuso de direito constitui um instituto de direito substantivo que exerce a função de válvula de escape do sistema, criando um obstáculo às situações em que, pese embora no cumprimento das estritas normas concedentes de direitos substantivos, ainda assim, no concreto, o seu exercício não se mostra adequado por se evidenciar contrário a princípios enquadrantes da ordem jurídica (artigo 334º do Código Civil).
A tese dos apelantes, neste particular, é a de que só não houve cessão por razões que apenas ao banco locador se devem; e que, na decisão, foram julgados não provados (incorrectamente) factos relevantes sobre este tema.
Mas sem razão, segundo a nossa perspectiva. Nada aponta para que o bem imóvel locado, na hipótese, configure o que habitualmente se designa como bem de equipamento;[6] e assim sendo, atento o quadro legal e o disposto, ainda, no artigo 1059º, nº 2, do Código Civil, mostrando que a transferência sempre necessitaria do consentimento do banco locador, não sendo portanto aquela forçada ou imperativa em relação a ele.[7] Mais; a cláus 9ª das condições gerais do contrato de locação financeira firmado exigia a prévia notificação do locador e o pedido de consentimento com a antecipação de 30 dias relativamente à data prevista para a sua efectivação (nºs 1 e 3).
Ora, visto isto. A verdade é que a cessão se não concretizou. Mas, em bom rigor, nem se percebendo bem porquê; se afinal era esse o concludente propósito dos locatários; e tanto mais se, como dizem, até o locador já o aceitara. Pois, se assim era, e se a pessoa cessionária era a idónea, bastar-lhes-ia, no quadro do consentimento do banco, em obediência ao convencionado e às normas jurídicas aplicáveis, outorgarem o contrato instrumental dessa cessão, por via do qual aquele ficasse investido na situação jurídica de locatário; não carecendo, no bom rigor, o banco de outorgar nesse contrato.
O que isto significa é que ao banco não vinculava o patrocínio da feitura da transmissão; da sua participação ou outorga nela; havendo de dele obter apenas a produção de um consentimento. Mas, mesmo este, sem alcance de vínculo obrigatório. Isto é, sendo uma das vertentes da autonomia da vontade privada exactamente a da liberdade de consentir ou não, e cuja opção só é condicionada a partir de um certo patamar consolidado de comprometimento, que a ordem jurídica já tutela e cuja preterição já censura,[8] o que se infere dos factos alegados pelos apelantes é que não são capazes de evidenciar este patamar de compromisso, para além do qual já gerados se devessem considerar vínculos para as esferas jurídicas das partes; desde logo (e pese a alegada aceitação da transmissão pelo banco locador), em face da inércia (essa sim evidenciada) deles mesmos, como locatários, e desde o tempo em que afirmam ter proposto a transmissão ao banco (em 2004 [9]) e o tempo da caducidade da locação (em 2008); só 4 anos após.
Ademais disto; até falar abstractamente em idoneidade do transmissário e, outrossim, na sua capacidade financeira para assumir obrigações, como os apelantes enfatizam ter-lhes sido preterido, em termos fácticos pouco mais significa do que nada, constituindo mera conceitualização, sem substrato de realidade, esta sim a matéria de facto de que, se alegada fosse, se pudessem inferir aquelas ilações e conclusões.
A significar, do nosso ponto de vista, que a realidade alegada (e só a ela nos podemos reportar) não integra matéria relevante para a decisão do mérito cautelar (artigo 511º, nº 1, do código de processo); e, nessa óptica, que aceite ou suprimida como objecto do procedimento, não acarreta diferente julgamento de mérito; nem por algum modo se mostra capaz de condicionar a sua decisão final.
Semelhantemente a arguição do abuso de direito. A cláusula de salvaguarda que comporta pressupõe que o seu titular, no exercício de faculdade que lhe assiste, exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico próprios do direito; é, por algum modo, em qualquer situação, um juízo que se formula de algum tipo de desvirtude intolerável à aprovação da ordem jurídica e dos valores que a constituem. A iniciativa da cessão, se mais (e intui-se que muito) interessava aos locatários, destes exigia um comportamento concludente na sua viabilidade, particularmente junto da contraparte na locação, impulsionando-a e gerando nela, igualmente, o tipo de conduta também concludente que, agora, permitisse verificar que, só em abuso de direito, voltara atrás com a palavra dada, ferindo de uma forma inaceitável o seu compromisso. Ora, esta realidade não está evidenciada; nem no instrumento da oposição que os apelantes produziram; não se vendo como é que os factos que aí constam, mesmo que provados todos, pudessem comportar algum tipo de eficácia impeditiva ou extintiva ao direito do locador.
E se assim é, semelhantemente se deve concluir a respeito do trecho em que os apelantes, acerca dos mesmos factos, colocam em causa a motivação da convicção sobre os meios de prova que se contém na decisão recorrida. Subjaz ao juízo de reapreciação dos factos, e da competente fundamentação, uma ideia de indispensabilidade, de essencialidade, em função do julgamento que se exige da causa (artigo 712º, nº 4, intermédio, e nº 5, início, do código). O que se compreende em função até da proibição de prática de actos inúteis (artigo 137º). Ora, se os factos nenhuma condição constituem para a decisão de mérito, indiferente será ainda avaliá-los, quer em si mesmos, quer a respeito da respectiva motivação probatória que, porventura, se mostre provinda do tribunal “a quo”.
Em suma; não se nota desvirtuamento com vocação capaz de poder atingir (negativamente) o exercício do mecanismo cautelar.
2.6. As benfeitorias realizadas e o direito de retenção.
O quinto assunto evidenciado pelos apelantes é o de que, tendo alegado a introdução de benfeitorias no imóvel locado, confirmadas pelo depoimento testemunhal produzido por G…, e para sustentar um direito de retenção, o tribunal “a quo” veio a julgá-las erradamente não provadas.
Vejamos. O tema não nos parece longe do que precedentemente abordámos; parecendo-nos inócuo o acervo factual, a este respeito, produzido. Com a consequência de não vermos aqui garantia real alguma, ainda que efectivas se mostrassem a introdução das alegadas benfeitorias no espaço, exactamente consistentes na construção de muros de vedação e na edificação de instalações de escritórios numa valorização global em mais cem mil euros (artigo 14º da oposição). Começa até por ser curiosa a alegação dos apelantes no sentido de que não foram eles quem realizou tais benfeitorias, mas que elas ali foram feitas por intermédio de terceiros (artigo 13º da oposição); sempre ficando equivocamente por saber quem sejam estes terceiros; apenas que não são eles, os locatários.
Mais importante do que isso. Sobre benfeitorias dispôs a cláus 7ª das condições gerais do contrato; e para estabelecer essencialmente assim:
«cláusula sétima
1. Com excepção do disposto no número seguinte, todas e quaisquer obras, benfeitorias, instalações e construções efectuadas pelo locatário no decurso do presente contrato tornar-se-ão pertença do prédio, sendo por isso o locatário obrigado a deixá-los no prédio, sem que possa exigir qualquer indemnização, compensação ou exercer direito de retenção.
2. As benfeitorias, equipamentos e materiais não incorporados no prédio e por isso amovíveis poderão ser retiradas pelo locatário (…).»
O quadro normativo a respeito de benfeitorias contém-se principalmente nos artigos 216º e 1273º do Código Civil; dele se inferindo que dão lugar a crédito indemnizatório as necessárias e, dentro de certas condições, as úteis.
O direito de retenção, de seu lado, conhece a sua mais geral cláusula no artigo 754º do Código Civil; constituindo um direito real de garantia; exercendo, primeiramente, uma função compulsória, compelindo o devedor ao cumprimento, sob pena de o credor licitamente poder consigo guardar o bem; mas, porventura de mais profundo alcance jurídico, viabilizando àquele poder ser pago preferencialmente pelo produto da respectiva venda.
Dito isto; é notório, da própria alegação dos apelantes, que eles não são credores do banco, pela introdução de benfeitorias algumas que “hajam feito” (na letra do artigo 1273º, nº 1) no espaço imóvel locado. Foram terceiros ou, para usar a sua terminologia, foi por “intermédio de terceiros” que as benfeitorias ali foram realizadas; com a consequência de, dessa maneira, a eles se não reconhecer o poder de obter do locador uma recomposição patrimonial que a nenhuma compressão corresponde na sua própria esfera.
A operacionalidade do mecanismo retentivo supõe que a esfera do devedor, obrigado à restituição da coisa, esteja apetrechada com um certo crédito que possa eficazmente ser feito valer contra o seu credor; podendo o crédito resultar de despesas por benfeitorias. Porém, há-de ser crédito do devedor, daquele obrigado à entrega da coisa. E, na hipótese, se os locatários do imóvel nada despenderam (como eles próprios dizem) também nada podem reclamar.
Mas, para lá disso, há a cláusula convencionada e antes transcrita.
Isto é, nos termos expressamente ajustados entre as partes logo se firmou que, para lá de algumas benfeitorias amovíveis, que os locatários sempre poderiam remover, as demais passariam a pertencer ao prédio, com o vínculo de os locatários nele terem de as deixar, sem possibilidade de exigência de indemnização ou de exercício do direito de retenção.
Mal se compreende, diante do (então) ajustado, o direito retentivo (agora) reclamado.
Ao terem a ele renunciado, voluntariamente e sem nota de reparo à respectiva cláusula do contrato de locação financeira que o evidencia, resulta perfeitamente inócuo conhecer a natureza e o volume das intervenções que se classificam como benfeitorias; quer dizer, as despesas de conservação ou melhoramento que se hajam feito sobre a coisa (artigo 216º, nº 1).
Os factos alegados sobre este assunto carecem de qualquer interesse para a avaliação cautelar; e, como tal, indiferente também a sua reapreciação.
Em suma; é com toda a clareza inviável o argumentário dos apelantes.
.7. Pressupostos para o decretamento da providência.
Resta rematar com a nota de que se nos afiguram, com evidência, improcedentes todas as conclusões formuladas na apelação interposta.
O contrato firmado foi de locação financeira de bem imóvel, em Abril de 1998 e por dez anos; chegou ao seu fim em Abril de 2008. Não há notícia da vontade do exercício da aquisição do bem, por parte dos locatários. Em Março de 2010, o locador pediu extrajudicialmente a sua entrega (docs fls. 53 a 56).
O mecanismo cautelar foi desencadeado em Setembro de 2010.
É a seguinte a redacção do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149/95:
«Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, …, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.»
É a hipótese em que o locador não deixou de ser o dono; por outro lado, em que já não há contrato; e é essa a situação em que o legislador presume que a continuação do bem na esfera do locatário é susceptível de afectar relevantemente os interesses daquele; a justificar a imediata recuperação (sem outra qualquer exigência) dos seus plenos poderes.[10]
É, por fim, a hipótese que se evidencia no caso concreto.
2.8. Em suma; decaindo, em toda a linha, a apelação interposta.
3. O decaimento condiciona a distribuição do encargo das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de processo). E, na hipótese, improcedente o recurso, há-de ser sobre os apelantes a recair, na íntegra, esse encargo.
4. A hipótese, porém, impressiona pela seu claro infundado. Vejamos. Afigura-se mais do que evidente a justeza do seguimento da instância (que só pecou por tardio) após a sua suspensão, na sequência aliás de pronúncia do banco apelado, e a pretexto de um despacho inequivocamente de expediente, logo, sem a virtualidade do trânsito. A invocação do revogado artigo 21º, nº 9, da versão originária do diploma da locação financeira, assenta também em patente equívoco. É claríssimo ainda, à luz de toda a jurisprudência, e impassível de confundibilidade, o carisma do mecanismo cautelar típico e nominado da entrega judicial, que permite diferenciá-lo do da acção cautelar comum do código de processo. Por fim, há cláusulas firmadas, explicitando vínculos das partes, a exigência de consentimento na cessão, a renúncia à indemnização por benfeitorias e ao direito de retenção, e a invocação, agora, de pretensões que se traduzem, ao cabo e ao resto, em efeitos à margem, não só do quadro jurídico comum aplicável à situação mas, até mais, ao ali expressamente assumido e firmado com a assinatura do contrato de locação financeira.
Como dizemos, nota-se um enfoque de evidente inconsequência; que só um mínimo de cautela procedimental permite compreender. A instância é cautelar; por isso, urgente (artigo 382º, nº 1, início, do código de processo); mesmo assim pende há mais de dois anos, muito por causa de sucessivas e incompreensíveis suspensões; quando é inequívoco que a locação financeira há muito findou e que o proprietário do bem até terá já procedido ao cancelamento do encargo da locação. Os factos alegados na oposição, sem mínima consistência para pôr em dúvida a viabilidade cautelar e, mais do que isso, a sua reafirmação em sede recursória, como alicerces de pretensões manifestamente inconsistentes, mostram haver mais uma dilação irrazoável no desfecho da lide e na concretização do interesse de direito substantivo (que, esse sim, é inequívoco) do banco apelado. Em suma; cremos julgar verificada a previsão normativa do artigo 447º-B, alínea b), do Código de Processo Civil; e, dessa feita, merecer o recurso interposto a aplicação de uma taxa excepcional que, atenta a moldura contida no artigo 10º do Regulamento das Custas Processuais, considerada natureza cautelar da instância, as vicissitudes dilatórias que já conheceu e a intensidade da improcedência das pretensões formuladas, se fixa equitativamente em 4 UC.[11]
5. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:
I – O despacho do juiz que, na sequência de suspensão da instância cautelar, manda notificar as partes para se pronunciarem sob pena de determinar a sua extinção por falta de interesse no seu prosseguimento, constitui despacho de expediente, não carente de fundamentação e sem virtualidade de poder transi-tar em julgado (artigos 156º, nº 4, início, 158º, nº 1, e 679º, do Código de Proces-so Civi);
II – A transmissão da posição do locatário, em contrato de locação fi-nanceira de coisa que não seja bem de equipamento, não exige a outorga do locador no contrato instrumento dessa transmissão, mas apenas o consentimento dele à sua realização (artigos 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, 1059º, nº 2, e 424º do Código Civil);
III – As benfeitorias que algum terceiro introduza no bem dado em locação financeira não são susceptíveis de gerar na esfera do locatário um crédito indemnizatório sobre o locador; e, por isso, insusceptíveis de sustentar o direito de retenção por ocasião do termo do contrato (artigos 1273º e 754º do Código Civil);
IV – Se os factos apurados evidenciam que o contrato de locação financeira cessou, por decurso do prazo, e que o locatário não fez operar o direito à aquisição do bem, nem o devolveu ao locador, deve a providência cautelar de entrega judicial por este desencadeada ser julgada procedente e ordenada a pretendida entrega (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149/95).
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida que, proferida no dia 15 Jun 2012, mandou proceder à entrega ao locador do bem imóvel, constituído por terreno de pinhal e casa destinada a oficina de carpintaria de um pavimento, sito na …, em …, concelho de Castelo de Paiva [descriç 00657 conserv reg pred Castelo de Paiva].
As custas são, na íntegra, encargo dos apelantes; os quais pagarão ain-da, a título de taxa excepcional, a quantia de 4 UC.
Porto, 21 de Janeiro de 2013
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
_______________
[1] Esta decisão, em acta, apenas consta no processo em suporte informático.
[2] Esta notificação apenas se encontra documentada no processo em suporte informático.
[3] Para uma esclarecida distinção das situações, veja-se Fernando de Gravato Morais, “Manual da locação financeira”, 2006, páginas 246 e 247.
[4] Fernando de Gravato Morais, obra citada, páginas 245 a 246.
[5] Consagra-se aí a possibilidade de antecipar o juízo sobre a causa principal (o da acção declarativa) na própria providência cautelar, permitindo no contexto da locação financeira diluir a diferença entre acção principal e acção cautelar; regime introduzido pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de Fevereiro.
[6] A este respeito, veja-se o interessante Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 2009, proc.º nº 363/07.7TVPRT-B.S1, em www.dgsi.pt.
[7] Veja-se Fernando de Gravato Morais, obra citada, página 98.
[8] Veja-se, a este respeito, o artigo 227º, nº 1, do Código Civil.
[9] A minuta do contrato de cessão tem a data de 9 de Junho de 2004 (doc fls. 70 a 71).
[10] O locador não necessita, nesta hipótese, de alegar ou demonstrar o justificado receio de lesão. Veja-se F de Gravato Morais, obra citada, página 247 e António Abrantes Geraldes, “Temas da reforma do processo civil”, IV volume (6. procedimentos cautelares especificados), 2001, página 309.
[11] Para outros desenvolvimentos, a respeito da taxa sancionatória excepcional, veja-se Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, 4ª edição, páginas 87 a 91 e 288 a 289.