SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
ARRESTO
FALTA DE REGISTO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário

1) Para os efeitos do artigo 871.º do CPC, não releva o arresto registado antes do registo de outras penhoras sobre o mesmo imóvel, mas só convertido em penhora depois do registo destas.
2) A omissão das citações a que alude o artigo 864.º do CPC implica a nulidade de tudo quanto se processou depois da sua falta; mas a nulidade haverá de considerar-se sanada se o credor cuja citação foi omitida intervier no processo sem arguir logo a falta.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Relatório:

A... , com sede na ...., intentou execução sumária contra B... , com sede na ...., atinente a obter pagamento da quantia de € 6.090,71, acrescida de juros, titulada por sentença transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de ....

            Prosseguindo a execução seus normais trâmites, veio a ser penhorada uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 3.000 m2, onde se encontra implantado um barracão destinado a transformação de mármores, granitos e rochas similares, com s.c. de 879 m2, omisso na respectiva matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire sob o n.º 00083/121190, sob as inscrições Av. 1 e Av. 3, da freguesia de Monteiras.

            Registada a penhora e junta certidão de ónus/encargos, houve lugar à convocação de credores, a que concorreram o Instituto de Segurança Social e a Caixa Geral de Depósitos (esta, por via de penhora do mesmo prédio em execução proposta no Tribunal de Castro Daire, entretanto, sustada, ao abrigo do art. 871.º do CPC), tendo os respectivos créditos sido reconhecidos e graduados por sentença de 10 de Outubro de 2007.

            Em plena fase da venda, veio C..., com sede em ..., requerer a sustação da execução, por apelo ao disposto no art. 871.º do CPC, alegando a conversão em penhora de um arresto, a requerimento seu, sobre o prédio em questão, registado em momento anterior ao da penhora levada a efeito na execução.

            O ex.mo juiz, sensível à argumentação da requerente, atendeu ao requerido e sustou a execução, nos termos do falado artigo 871.º.

            A credora Caixa Geral de Depósitos veio, ainda, requerer o esclarecimento e reforma do despacho, com fundamento em lapso na determinação da norma aplicável, mas, dando, na prática, como certa a improcedência do incidente, [1] interpôs, desde logo, recurso da decisão de suspensão, por dela discordar.

            O ex.mo juiz indeferiu o pedido de esclarecimento/reforma e recebeu o recurso, que definiu correctamente, quer quanto à espécie (agravo), quer quanto ao regime de subida (imediatamente e em separado), quer, ainda, quanto ao efeito (devolutivo).

            A agravante apresentou atempadamente as suas alegações, que concluiu deste modo:

            1) A norma constante do artigo 871.º do CPC apenas admite a interpretação de que a sustação da execução se determina pela anterioridade do registo da penhora

            2) O efeito retroactivo da conversão do arresto em penhora opera no plano substantivo, que não no processual: faz retroagir a garantia à data do arresto, mas não se sobrepõe, para efeitos processuais, mormente os do disposto no artigo 871.º do CPC, a penhora com registo anterior ao da conversão.

            3) Esta interpretação em nada prejudica o beneficiário do arresto, uma vez que terá sempre de ser citado para a execução onde houve o primeiro registo de penhora, para além de que, não dispondo de título executivo, sempre pode fazer uso do preceituado no artigo 869.º do CPC.

            4) Deste modo, o aludido registo da conversão do arresto em penhora não implica a sustação da execução, conferindo, antes, e tão-só, prioridade na graduação de créditos.

            5) Não é justo, de resto, e contraria o princípio da celeridade processual, obrigar os credores que já reclamaram a repetir a reclamação noutro processo, duplicando-se anúncios e sentenças de graduação.

            6) Deve, pois, ser proferido acórdão que altere a decisão recorrida e ordene o prosseguimento da execução.

            Não houve resposta à alegação da agravante.

            A decisão recorrida foi sustentada por magistrado diferente do que a proferiu, por adesão aos fundamentos na mesma invocados.

            Colhidos os vistos legais, importa decidir.

            É uma, apenas, a questão a requerer solução: a de saber se, para efeitos do disposto no artigo 871.º do CPC, a conversão do arresto em penhora retroage os seus efeitos à data do próprio arresto, prevalecendo, portanto, sobre as penhoras levadas a efeito depois do arresto, mas antes da sua conversão em penhora.

            II. Os factos relevantes para a decisão da questão:

            A..., com sede na Zona Industrial de ..., instaurou execução sumária contra B..., com sede na..., com vista a obter pagamento da quantia de € 6.090,71, acrescida de juros vencidos e vincendos, cujo direito lhe foi reconhecido por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de ..., já transitada em julgado.

            No prosseguimento da normal tramitação processual, em um de Julho de 2003, foi efectuada a penhora de uma parcela de terreno para construção urbana com a área de 3.000 m2, onde se encontra implantado um barracão destinado a transformação de mármores, granitos e rochas similares, com s.c. de 879 m2, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire sob o n.º 00083/121190, sob as inscrições Av. 1 e Av. 3 da freguesia de Monteiras.

            O registo de tal penhora foi realizado a 22 de Setembro de 2003.

            Aberta a fase do concurso de credores, reclamaram créditos o Centro Distrital de Solidariedade Social de Viseu e a Caixa Geral de Depósitos, naquele caso, no valor de € 17.499,90, acrescido € 1.658,30 de juros vencidos, garantido por privilégio imobiliário geral, e, neste, na importância de € 5.915,50, acrescida de juros de mora, garantido por penhora sobre o mencionado imóvel, efectuada e registada em 28.03.2006.

            Por sentença de 10.10.2007, o crédito da Segurança Social foi graduado em primeiro lugar, o da exequente em segundo e o da Caixa Geral de Depósitos em terceiro.

            Por requerimento de 12 de Novembro de 2007, veio C..., com sede em Alagoas, Avelãs de Caminho, Anadia, requerer a sustação da execução, ao abrigo do disposto no artigo 871.º do CPC, alegando dispor de uma penhora mais antiga em seu favor, resultante da conversão de arresto efectuado em 11.07.2003.

            Conforme se pode ver do pertinente documento da Conservatória competente, está registado, em favor da referida Diaman, com a data de 11 de Julho de 2003, arresto sobre o prédio em causa, efectuado em 8 de Julho de 2003.

            Em 30 de Novembro de 2006, foi registada a conversão do arresto em penhora.

            III. O direito:

            Nos termos do artigo 871.º do CPC (diploma de que serão os demais preceitos a citar sem menção de origem), na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-lei 38/2003, de 8 de Março, que é a aqui aplicável, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina.

            No caso em apreço, temos em confronto uma penhora registada em 22.09.2003 (a da exequente), outra em 28.03.2006 (a da recorrente) e um arresto registado em 08.07.2003, com conversão em penhora registada em 30.11.2006.

            Para o que ora interessa, a data a atender é a do registo, uma vez que, sendo o bem em causa de natureza imóvel, a penhora está a ele sujeita e só produz efeitos em relação a terceiros depois da sua efectivação (artigos 2.º, n.º 1, alínea n) e 5.º, n.º 1 do Código do Registo Predial e 838.º, n.º 4, do CPC).

            Pois bem: para efeitos do citado artigo 871.º, como determinar a antiguidade da penhora, na hipótese de esta ter sido precedida de arresto? Pela data do arresto (do seu registo, quando referente a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo) ou pela data da conversão do arresto em penhora?

            É bom que se diga que a resposta não é fácil.

            O ex.mo juiz do Tribunal “a quo”, baseando-se na disposição do n.º 2 do artigo 822.º do CC (que reporta a anterioridade da penhora à data do arresto), na consideração de que o arresto convertido em penhora, por via do artigo 846.º do CPC, assume a natureza desta e deixa de existir como arresto, e na razão de ser do mecanismo da sustação (evitar que o segundo exequente, prosseguindo com a execução, implemente a venda em primeiro lugar de bens com penhora não prioritária e torne a primeira praticamente ineficaz, contra o disposto no artigo 822.º, n.º 1, do CC), concluiu pela relevância da data do arresto como factor de anterioridade.

            Diferente é a opinião da recorrente, para quem a retroactividade afirmada no n.º 2 do artigo 822.º do CC opera, tão-somente, no plano substantivo (na hierarquização da garantia, para efeitos da graduação de créditos), mas já não no plano adjectivo (para fins meramente processuais).

            A doutrina e a jurisprudência são muito parcas a este respeito. Pronunciou-se sobre a situação este Tribunal da Relação (acórdão de 8 de Fevereiro de 2000, proferido no agravo n.º 2813/99, proveniente da comarca de Santa Comba Dão, referenciado e junto pela recorrente), no sentido de se dever atender à data da conversão do arresto em penhora, e não à data do arresto. Mas logo aí se chamou a atenção para a quase ausência de tratamento específico da matéria, que só foi encontrado em Miguel Teixeira de Sousa (A Acção Executiva Singular, 1998, página 335) e, exactamente, na mesma linha de pensamento.

            A argumentação utilizada no aresto foi, em síntese, a seguinte: o artigo 871.º pressupõe a pendência de uma pluralidade de execuções sobre os mesmos bens e, portanto, a existência de mais do que uma penhora, o que não sucede se os bens estiverem arrestados. O arresto não impede o incidente de reclamação de créditos na execução com penhora mais antiga, devendo, aliás, o arrestante ser citado nos termos do artigo 864.º, o qual, mesmo que não disponha de título exequível, pode lançar mão do meio previsto no artigo 869.º. Obtendo título e vindo o arresto a ser convertido em penhora, não há razão válida para ser parada a execução onde teve lugar a primeira penhora, porque o seu direito está completamente acautelado. A sustação da primeira execução a mais não conduziria do que a uma escusada repetição de actos processuais: inutilização do apenso de reclamação de créditos e sua repetição no processo onde se operou a conversão do arresto em penhora.

            E esta parece ser, de facto, a posição que melhor interpreta a letra e o espírito da lei.

            Antes de prosseguir, convirá, para uma melhor compreensão do tema, que se trace uma breve panorâmica dos termos da execução posteriores à penhora.

            À fase da penhora, segue-se a da convocação dos credores e verificação dos créditos, determinando a lei (artigo 864.º) a citação do cônjuge do executado (só nos casos ali previstos, que aqui não interessa considerar), dos credores com garantia real sobre os bens penhorados, das entidades referidas nas leis fiscais, com vista à defesa dos direitos da Fazenda Nacional, e dos credores desconhecidos.

Incidindo a penhora sobre bens sujeitos a registo, há que juntar, previamente, certidão de direitos, ónus ou encargos, elemento necessário para a identificação dos credores que devem ser citados.

A convocação dos credores visa uma dupla função: “evitar que o pagamento pelo produto dos bens em que outros credores tenham garantia se venha a fazer com detrimento do seu direito a serem pagos segundo a ordem das sua preferências” e “assegurar-lhes a participação na escolha da forma da alienação e nas demais operações…” (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular Comum e Especial, 3.ª edição, página 168).

A mesma opinião perfilha Lebre de Freitas, ao dizer que “os credores vêm ao processo, não tanto para fazerem os seus direitos de crédito e obterem pagamento, como para fazerem valer os seus direitos de garantia sobre os bens penhorados”, e ao indicar os poderes processuais do credor reclamante (A Acção Executiva, 2.ª edição, páginas 250/251).

A reclamação de créditos pressupõe que o credor reclamante goze de garantia real sobre os bens penhorados e disponha de título executivo e que a obrigação seja certa e líquida (artigo 865.º, n.ºs 1 a 3).

O credor que não goze de garantia real à data da penhora pode obtê-la durante o prazo das reclamações, nomeadamente, através de hipoteca judicial ou de arresto sobre o bem penhorado.

Por outro lado, na falta de título executivo, pode requerer que a graduação de créditos aguarde a sua obtenção em acção já pendente ou a propor no prazo de 30 dias; mas, neste caso, a execução prossegue até à venda ou adjudicação dos bens (artigo 869.º).

A incerteza ou a iliquidez da obrigação terão de ser supridas pelos meios legais consagrados para o efeito, concretamente, os artigos 803.º e 805.º e seguintes.

Se os créditos reclamados não forem impugnados, ter-se-ão por reconhecidos e são logo graduados; sendo impugnados, todos ou alguns deles, mas não havendo necessidade de produção de prova, é proferida, igualmente, sentença de reconhecimento e graduação; sendo impugnados e sendo necessária produção de prova, seguem-se os termos do processo sumário de declaração, mas no despacho saneador declarar-se-ão reconhecidos os que o puderem ser, ficando a graduação de todos para sentença final (artigo 868.º, n.ºs 1, 2 e 3).

Se, porém, junta a certidão de direitos, ónus ou encargos, se verificar que um ou mais bens foram objecto de penhora anterior noutras execuções, já se não segue, quanto a eles, a fase da convocação de credores; a execução é sustada nessa parte e o exequente terá de reclamar o seu crédito no processo com penhora mais antiga, a menos que desista da penhora e nomeie outros bens em sua substituição. É o que preceitua o falado artigo 871.º.

Evidentemente, que é, também, a esse processo que deverão ir os restantes credores que gozem de garantia real.

            Pretende-se, com tal normativo, obstar à venda dos mesmos bens em processos diferentes, o que poderia redundar em prejuízo do credor com penhora prioritária, e garantir a unidade de liquidação (Alberto dos Reis, Processo de Execução, volume 2.º, página 287; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, página 524; Gama Prazeres, Do concurso de credores e da verificação e graduação dos créditos nos actuais Códigos Civil e do Processo Civil, 2.ª edição, página 68).

            Repare-se, porém, que é a pluralidade de penhoras que determina a sustação. A eventual existência de melhores garantias (hipoteca com registo anterior, v. g.), mas em que a execução não foi, ainda, instaurada, nenhuma influência tem neste conspecto. Os credores beneficiários deverão fazer valer os seus direitos em sede de reclamação de créditos.

            Outro tanto sucede, naturalmente, com o arresto, que é uma garantia real, a que são aplicáveis as disposições relativas à penhora (artigos 622.º do CC e 406.º, n.º 2, do CPC). Desde que o arresto conste do registo, o arrestante tem de ser citado, nos termos do artigo 864.º, n.º 1, alínea b), para reclamar o seu crédito e pode deduzi-lo, ainda que não disponha, como é provável, de título executivo (se o tivesse, já teria, com certeza, instaurado execução); a falta de título é ultrapassável por via do disposto no art. 869.º, como acima se referiu.

            Obtido o título na acção própria e intentada a execução, o arresto é convertido em penhora, de acordo com o disposto no artigo 846.º. E, convertido o arresto em penhora, esta reporta os seus efeitos à data daquele, o que significa que o seu beneficiário é pago com preferência sobre quem registou penhora ou outra garantia real depois do registo do arresto (cfr. o artigo 822.º do CC).

            Este é o efeito substantivo da conversão, que ninguém discute, nem está aqui em causa. O problema é saber se, operada a conversão, a execução onde foram reclamados os créditos, inclusivamente o garantido pelo arresto, acaba sustada, por força do artigo 871.º, perdendo-se, assim, o trabalho processual e o tempo despendidos nas citações do artigo 864.º e na tramitação do apenso de reclamação de créditos.

            A resposta é, não pode deixar de o ser, negativa. Num ordenamento processual declaradamente [2] virado para a prontidão da justiça, para a simplificação processual, para a desburocratização, para a modernização, para a maleabilidade da tramitação e para o aproveitamento dos actos praticados, não faz o menor sentido inutilizar processado, por vezes, longo, moroso e, até, dispendioso, para o repetir “ipsis verbis” desde o seu início.

            Até porque o beneficiário do arresto nenhum prejuízo sofre (bem pelo contrário) com o prosseguimento da execução em questão; chamado obrigatoriamente ao processo, tem a oportunidade de reclamar o seu crédito, que, sendo reconhecido, será graduado à frente do do exequente.

            Para que serviria, afinal, voltar a processar um incidente (o de reclamação de créditos) que nada traria de novo?

            A lei é, por natureza, harmónica, consagrando soluções que se concertam entre si. Deste modo, as diversas disposições legais de um qualquer ordenamento não podem ser lidas isoladamente, mas, sim, à luz do todo em que se inserem e sem olvidar os princípios em que assentam e os fins que as determinam.

A norma do artigo 871.º não é dissociável das dos artigos 865.º e seguintes, que fazem, aliás, parte da mesma secção. Evidentemente que afecta a harmonia do sistema uma interpretação como a que foi seguida na decisão sob recurso, que dá azo à repetição, teoricamente, “ad nauseam”, dos mesmos actos processuais. Imagine-se que, sustada a execução e processada e decidida uma nova reclamação de créditos por apenso à execução onde ocorreu a conversão do arresto em penhora, aparecia uma outra conversão em penhora de arresto anterior? Voltava-se ao princípio? E, assim, sucessivamente?

            Um legislador sensato, ponderado e sabedor (artigo 9.º, n.º 3, do CC) não o quereria, com certeza.

            A chamada à execução dos credores titulares de direito real de garantia, mormente os que beneficiam de arresto, imposta pela alínea b) do n.º 2 do artigo 864.º, significa, muito simplesmente, que é aí que eles terão de deduzir as suas reclamações, não relevando a futura conversão do arresto em penhora (sempre eventual) para a determinação do processo que há-de prosseguir e dos que hão-de ser sustados. O critério da anterioridade baseia-se, pois, nas penhoras já existentes, e não nas que, porventura, venham a resultar da conversão do arresto.

            O que quer dizer, por conseguinte, que o despacho recorrido interpretou a lei de forma incorrecta e não pode manter-se.

            Cabe, no entanto, um último esclarecimento, exactamente, porque, na hipótese em equação, o arrestante viu limitadas as possibilidades de exercer o direito conferido pelos artigos 865.º e seguintes; de facto, em claro desrespeito pelo teor do normativo ínsito na alínea b) do n.º 1 do artigo 864.º, não foi citado para reclamar o seu crédito. Sendo óbvio que a omissão resultou em seu prejuízo, uma vez que ficou impossibilitado de reclamar o seu crédito na presente execução, que consequências extrair da falta de citação?

            A falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu (artigo 864.º, n.º 3). E a falta de citação do réu, que é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida em qualquer estado do processo, enquanto não sanada (artigos 202.º e 206.º), importa a nulidade de tudo o que se processe depois da omissão (artigo 194.º).

            Só que, no caso, a nulidade tem de se considerar sanada, na medida em que o arrestante interveio no processo (para requerer a sustação da execução) sem arguir logo a falta da sua citação (artigo 196.º).

            Nenhuma ilação, portanto, a extrair deste desacerto processual, que redundou em perda de direitos para o arrestante; houve erro do Tribunal, é um facto, mas houve-o, também, daquele, que não soube acautelar os seus interesses no momento próprio.

            IV. Em síntese:

            1) Para os efeitos do artigo 871.º do CPC, não releva o arresto registado antes do registo de outras penhoras sobre o mesmo imóvel, mas só convertido em penhora depois do registo destas.

            2) A omissão das citações a que alude o artigo 864.º do CPC implica a nulidade de tudo quanto se processou depois da sua falta; mas a nulidade haverá de considerar-se sanada se o credor cuja citação foi omitida intervier no processo sem arguir logo a falta.

            V. Decisão:

            Em face do que se deixou exposto, decide-se conceder provimento ao agravo e, nessa medida, revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que indefere o requerimento de sustação da execução.

            Custas pelo agravado.


[1] Inevitável, de facto, na medida em que o que a credora invocou foi um erro de interpretação, e não de determinação da norma (no caso, o artigo 871.º do CPC).
[2] Como consta do preâmbulo do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.