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REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RELEVÂNCIA JURÍDICA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário
I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).
II. Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstância próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
III. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado totalmente improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.
Texto Integral
APELAÇÃO N.º 121/15.5T8VVD.G1
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Comarca de Braga - Vila Verde - Instância Local - Secção Cível (J1)
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Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1ª Adjunta - Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente; 2º Adjunto - Heitor Pereira Carvalho Gonçalves.
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. AA e mulher, BB (aqui Recorrentes), residentes em França, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC. (aqui Recorrida),com em Lisboa, pedindo que
· fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 7.844,00 (sendo € 7.344,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e € 500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Alegaram para o efeito, em síntese, serem proprietários em Portugal de um prédio urbano (composto por casa de habitação, logradouro e quintal, vedado por muros e com portões), que apenas habitam nas férias, tendo o mesmo sido assaltado entre 6 e 16 de Abril de 2014.
Mais alegaram que, mercê do dito assalto, foram-lhes subtraídos bens no valor de € 4.790,00, e danificados outros, no valor de € 2.240,00, suportando ainda eles próprios despesas de € 314,00 com a participação do furto e a instrução destes autos.
Por fim, os Autores alegaram que, tendo previamente transferido para a Ré a responsabilidade civil por furto ou roubo de bens existentes na sua propriedade, por meio de contrato de seguro, e sendo o capital seguro de € 25.000,00, a mesma recusou-se a indemnizá-los, causando-lhes sentimentos de tristeza e angústia, cuja gravidade justificaria a respectiva ressarcibilidade.
1.1.2. Regularmente citada, a Ré (aqui Recorrida) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese, desconhecer os factos alegados pelos Autores, relativos ao denunciado assalto à sua residência, que impugnou, tais como as respectivas consequências, adiantando mesmo suspeitar que o evento fôra encenado (face às averiguações por si feitas).
Mais alegou não ter ainda aceite a verificação do pretenso sinistro por a cobertura acordado pressupor a perpetração de um furto ou roubo por meio de arrombamento, escalamento ou chaves falsas, não tendo ela própria apurado nenhuma destas circunstâncias.
Por fim, a Ré alegou que, tendo os Autores elencado como objectos furtados diversas máquinas, as mesmas estariam excluídas da definição contratual de bens seguros (relacionados com o uso habitacional do imóvel, e não com quaisquer ferramentas ou equipamentos de trabalho), tais como as pretensas despesas invocadas, ou os pretensos danos não patrimoniais.
1.1.3. Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: saneador, no qual se reconheceu a validade e a regularidade da instância; dispensando a definição do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes; e designando data para realização da audiência de julgamento.
1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu pela improcedência total da acção, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Nestes termos e face ao exposto, julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo a Ré “CC.” do pedido. (…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformados com esta decisão, os Autores (AA e mulher, BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida, sendo a Ré condenada a pagar-lhes a quantia de € 7.030,00.
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):
1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos que se quedarem indemonstrados,nomeadamente os relativos à ocorrência do furto em residência própria invocado nos autos, isto é, o artigo 5º da petição inicial(«Acontece que, no período compreendido entre as 16 horas do dia 6 e as 18 horas do dia 16 ambos do mês de Abril de 2004, a residência dos Autores foi assaltada»), o artigo 7º da petição inicial («Para o efeito, o(s) autor(es) do furto introduziram-se no local tendo para o efeito se aproximado da residência através do monte e junto ao muro, desviaram a rede de vedação e introduziram-se no logradouro deslocando-se para junto de uma porta nas traseiras da residência na tentativa de a estroncar, mas sem sucesso»), e o artigo 8º da petição inicial («Em seguida ter-se-ão deslocado para junto de uma janela, no rés-do-chão da residência, que estroncaram e através da mesma acederam ao interior da residência, passando por toas as divisões da casa onde remexeram em todos os armários e móveis e ainda danificaram as portas que se encontravam fechadas a fim de verificar a existência de bens alvo de furto. Arrombaram ainda o portão exterior da moradia e a porta lateral de acesso a um quarto»).
II - Conforme consta da sentença, as testemunhas DD e EE referiram situações reveladoras de existência de furto, nomeadamente, ambas referem que a janela estava aberta, a rede nas traseiras cortada e, no caso da última, as marcas de pegadas no colchão.
III - Do depoimento da testemunha DD e EE, que prestaram um depoimento sério, credível, não restam quaisquer dúvidas que existem sinais esclarecedores da existência de furto na habitação dos AA., quer no interior, quer no exterior da residência, descrevendo perante vestígios existentes por onde os assaltantes andaram, nomeadamente, tudo ocorreu pelo monte existente perto da residência, cortaram e escalonaram rede de vedação, que encontraram a janela aberta, arrombada, sendo através da qual que aos assaltantes tiveram acesso ao interior da residência.
IV - Sinal que existiu arrombamento e respectivo furto e que deveriam ser atendidos pelo Tribunal “a quo”.
V - O Tribunal “a quo” para a formação da sua convicção (dúvida), manifesta-se quanto a inexistência de vestígios relatados pelo Agente que tomou conta da ocorrência, por outro lado, entende como incoerente a revelação de vestígios referente ao furto pelas testemunhas por tais não estarem contemplados no relatório da autoridade. Daqui resulta incoerência na apreciação da prova constante na douta sentença.
VI - Pois, pode-se aferir que, as declarações das testemunhas não contrariam o relatório tácito de inspecção ocular elaborado por Agente da GNR, uma vez que, para além de estarem em consonância, são um complemento mesmo.
VII - Os AA. na sua p.i, nomeadamente nos seus artigos 7º e 8º alegaram que a sua residência foi objecto de furto juntando como prova relatório tácito de inspecção ocular elaborado por Agente da GNR que se deslocou ao local para tomar conta da ocorrência. Veja-se doc.2 da p.i que se encontra fls 6 a 8 dos autos.
VIII - Da análise do referido relatório, resulta de forma clara, com sinais visíveis e sem deixar qualquer dúvida, a forma como ocorreu o assalto.
IX - Descreve o referido relatório que, após uma análise atenta ao local do crime, os o(s) autor(es) do assalto acederam a traseira da residência através de escalonamento da rede de vedação.
X - Refere ainda o relatório que, posteriormente deslocaram-se até uma janela situada na parte lateral da residência, provocando o arrombamento da mesma, logrando assim desta forma a entrada na residência.
IX - As testemunhas DD e EE também referiram o escalonamento de uma rede e a janela aberta, conforme consta do seu depoimento e da motivação da douta sentença.
X - Do exposto, resulta claramente que o(s) autor(es) do assalto arrombaram a janela para se introduzir no interior da residência dos AA.
XI - Existiam sinais e vestígios do furto no relatório tácito de inspecção ocular, nomeadamente, danos nas portas e janelas, escalonamento de rede para ter acesso a residência e arrombamento de janela para os assaltantes se introduzirem na habitação.
XII - Trata-se de um relatório elaborado por uma autoridade isenta, sem qualquer ligação as partes, credível, imparcial, séria, e que, salvo o devido respeito, deveria ser valorado pelo Tribunal “a quo”.
XIII - Conforme se pode depreender das declarações da testemunha DD, quando o perito da Ré se deslocou ao local já tinha passado o carpinteiro KK para fechar a janela.
XIV - Os factos encontrados e observados pelo referido perito, não corresponde a realidade, pois, o carpinteiro já tinha efectuado arranjo na janela onde se verificou a introdução na residência.
XV - O relatado pela testemunha Sr FF não corresponde a real situação do furto.
XVI - O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não andou bem, ao valorar o depoimento da testemunha FF (funcionário da Ré) em detrimento do relatório elaborado por uma autoridade isenta, séria e credível.
XVII - O relatório elaborado por uma autoridade não pode levantar qualquer suspeição de seriedade e honestidade sob pena de subjugarmos as regras da prova e prevalência do respectivo direito.
XVIII - Aos recorrentes não podem ser impostos deveres de investigação criminal próprios das autoridades policiais e judiciais, mas tão só participar o sinistro e promover a abertura do inquérito, o que cumpriram.
XIX - Os recorrentes apresentaram queixa do referido furto nas autoridades competentes, sendo o inquérito arquivado por não terem identificado os autores do furto (factos provados).
XX - As dúvidas manifestadas na douta sentença, deveriam, salvo o devido respeito, ser dissipadas na sua totalidade fase ao conteúdo do relatório tácito de inspecção ocular conjugado com as declarações prestadas pelas testemunhas DD e EE.
XXII - O conteúdo constante no relatório tácito de inspecção ocular fornece uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado pelo tribunal a quo.
XXIII - A descrição do assalto constante no relatório tácito de inspecção ocular contém sinais e vestígios suficientes para daí se extrair que o furto ocorreu.
XXIV - Da apreciação do conteúdo do relatório tácito de inspecção ocular, conjugado com as declarações das testemunhas DD e EE, que prestaram um depoimento sério, honesto e credível, não restam quaisquer dúvidas que a apreciação dos factos constantes nos artigos 7º e 8º da p.i deveriam ser considerados como provados, pois resulta claramente que a residência dos AA. foi assaltada sem o seu consentimento.
XXV - Existe prova nos autos reveladora de indícios e ocorrência ao furto, que não foi atendida nem valorada pelo Tribunal “a quo” como se impunha, e que, a ser valorada, acarretaria uma decisão diversa da proferida, nomeadamente, a consideração dos factos alegados no artigo 7º e 8º da XXV - p.i como provados.
XXVII - O erro notório na apreciação da prova configura-se porque a decisão recorrida, extrai da factualidade produzida nos autos uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
XXVIII - Trata-se de um erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais (relatório tácito de inspecção ocular) fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
XXIX - A prova de um crime não depende da existência de testemunhas presenciais nem a convicção do tribunal tem de limitar-se a esse tipo de prova podendo sustentar-se em prova instrumental que, logicamente ponderada e encadeada, permita inferir a factualidade imputada.
2ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos que se quedarem indemonstrados,nomeadamente os relativos aos objectos furtados e danificados discriminados nos autos, isto é, o artigo 9º da petição inicial («Do assalto supra referido resultou a subtracção dos seguintes bens: (…) TOTAL 4.790,00 €»), e o artigo 10º da petição inicial («No âmbito do furto, o(s) assaltante(s) danificaram e inutilizaram os seguintes bens: (…) TOTAL 2.240,00 €»).
XX - Os danos resultantes do furto (portas interiores, porta e janelas exteriores da residência) eram visíveis, sendo mencionados no relatório tácito de inspecção ocular, bem como, foram vistos e referidos pelas testemunhas em geral (mesmo pelo perito da Ré) conforme consta da sentença, deveriam, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” considerar provado os factos constantes do artigo 10º da p.i., e que desde já se requer.
XXI - Deve ser considerado provado o valor resultante da reparação dos bens danificados, por os mesmos possuírem documento de prova, tudo conforme, orçamentos, facturas e recibos juntos aos autos e que totalizam a quantia de 2.240,00 euros (artigo 10º da p.i e respectivos doc 14, 15 e 16).
XXIII - Existe prova nos autos reveladora de danos nas janelas e portas (interiores e exteriores) da habitação, que não foi atendida nem valorada pelo Tribunal “a quo” como se impunha, e que, a ser valorada, acarretaria uma decisão diversa da proferida, nomeadamente, considerar os factos alegados no artigo 10º da p.i como provados.
XXIV - Pelo exposto, devem os factos constantes nos artigos 10º da p.i serem dados como provados, pelo que, deve ser modificada da decisão de facto no que respeita a esse mesmo artigo da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo, considerando os mesmos como provados.
XXV - Conforme consta da douta sentença, quer o A. marido, quer as testemunhas DD e EE referem que forma subtraídos determinados bens móveis da residência dos AA, nomeadamente, máquina de cortar relva, martelo, plasma e bastantes que estavam na cave.
XXVI - Do depoimento da testemunha DD, resulta que foram subtraídos em consequência do assalto, bens móveis existentes na habitação dos AA. constantes no artigo 9º da p.i. pelo que deveria, salvo o devido respeito, ser valorado e em consequência serem considerados provados os factos constantes no artigo 9º da p.i..
XXVII - Qualquer cidadão comum quando celebra o contrato de seguro nos mesmos moldes dos presentes autos, esta convencido que todos os bens móveis que se encontravam na sua habitação estão cobertos pelo seguro.
XXVIII - A R. ao celebrar um contrato de seguro com os AA. para segurar o recheio da habitação atribuindo-lhe o valor de € 25.000,00 (capital seguro), implicitamente está a aceitar que este possuía na sua habitação um recheio cujo valor ascende àquele montante.
XXIX - Os AA. peticionam nos presentes autos uma indemnização de € 7.030,00, por forma a ver ressarcido o prejuízo decorrente dos danos e do furto em objectos que possuía na sua habitação e que se encontravam cobertos pelo seguro celebrado com a Ré.
XXX - Deve assim ser considerado provado o valor resultante dos bens subtraídos, por as razões supra referidas e por constar junto aos autos folhetos indicativos do seu valor, e que totalizam a quantia de 4.790,00 euros (artigo 9º da p.i e respectivos doc 3 a 13).
XXXI - Do depoimento das testemunhas DD e EE encontra-se provado, que, em consequência do furto, foram subtraídos da residência dos AA. determinados bens móveis, os constantes no artigo 9º da p.i, que não foi atendido nem valorado pelo Tribunal “a quo” como se impunha, e que, a ser valorada, acarretaria uma decisão diversa da proferida, nomeadamente, a valoração e consequentemente provado os factos constantes no artigo 9º da p.i..
XXXII - Os factos constantes no artigo 9º da p.i ser dado como provado, pelo que, deve ser modificada da decisão de facto no que respeita a esses mesmos artigos da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo, considerando os mesmos como provados.
XXXIV - Existe erro notório na apreciação da prova configura-se porque a decisão recorrida, extrai da factualidade produzida nos autos uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, para a generalidade das pessoas é evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio.
XXXV - A livre convicção do tribunal “a quo” pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência. E da motivação da sentença resulta de forma clara que a prova junta aos autos, quer a testemunhal, quer a documental, não obtiveram do tribunal “a quo” a valoração correta.
3ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos que se quedarem indemonstrados,nomeadamente os relativos aos custos suportados pelos Autores com o processamento do furto invocado nos autos, isto é, o artigo 11º da petição inicial («Em virtude do assalto o A. marido teve que se deslocar de França para Portugal tendo despendido a quantia de 300,00 € em viagem de ida e volta»).
4ª - Ter de ser alterada a decisão de mérito proferida, reconhecendo a validade do contrato de seguro celebrado entre os Autores e a Ré, com a consequente transferência de responsabilidade do furto ocorrido na residência daqueles para esta, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 7.030,00.
XXXVI - Da análise dos factos provados no ponto 11, 12, 13, 16 e 17 da douta sentença, constata-se que o contrato entre as partes é válido, transferindo os AA. para Ré a responsabilidade civil por furto cuja a cobertura teria como limite € 25.000,00 referentes ao recheio em geral existente na habitação sita na Rua RR, Cervães, 4730 Vila Verde.
XXXVII - Os AA. reclamam a quantia de € 7.030,00, referente a danos e objectos furtados, encontrando junto aos autos, orçamento, factura e recibo e folhetos identificativos do preço dos aludidos bens.
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1.3. Recursos (contra-alegações)
A Ré (CC.) contra-alegou, pedindoque fosse negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):
1 - O depoimento da testemunha DD mostrou-se contraditório com elementos objectivos constantes dos autos (v.g. a identidade de quem chamou a G.N.R., como foi deixada a janela por onde alegadamente os assaltantes teriam entrado, como encontrou a casa depois do alegado assalto, ou os vestígios deixados no local).
2 - O depoimento da testemunha EE foi marcado por afirmações inverídicas (v.g. ter sido partido o vidro da janela por onde alegadamente os assaltantes teriam entrado, bem como a respectiva persiana, e ter sido cortada uma rede metálica), e pela incapacidade de descrever o modo como encontrou a casa depois do alegado assalto.
3 - O depoimento da testemunha FF confirmou que a janela por onde alegadamente teriam entrado os assaltantes não foi arrombada, e que as fechaduras das portas interiores foram retiradas necessariamente com as mesmas já abertas, nelas ficando as respectivas chaves.
4 - O «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R. não é meramente descritivo, incorrendo em juízos conclusivos e pessoais do Militar que o elaborou.
5 - Seria necessário um veículo automóvel para a remoção dos objectos alegadamente furtados, não tendo porém ficado qualquer necessário vestígio da sua utilização.
6 - Não resulta do «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R. uma descrição detalhada dos danos verificados, nem foi produzida prova idónea sobre os bens furtados, face ao carácter vago e genérico dos depoimentos de DD e de EE.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do CPC).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:
1ª- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitia dar como provados factos que se quedarem indemonstrados,nomeadamente . os relativos à ocorrência do furto em residência própria invocado nos autos, isto é, o artigo 5º da petição inicial(«Acontece que, no período compreendido entre as 16 horas do dia 6 e as 18 horas do dia 16 ambos do mês de Abril de 2004, a residência dos Autores foi assaltada»), o artigo 7º da petição inicial(«Para o efeito, o(s) autor(es) do furto introduziram-se no local tendo para o efeito se aproximado da residência através do monte e junto ao muro, desviaram a rede de vedação e introduziram-se no logradouro deslocando-se para junto de uma porta nas traseiras da residência na tentativa de a estroncar, mas sem sucesso»), e o artigo 8º da petição inicial(«Em seguida ter-se-ão deslocado para junto de uma janela, no rés-do-chão da residência, que estroncaram e através da mesma acederam ao interior da residência, passando por toas as divisões da casa onde remexeram em todos os armários e móveis e ainda danificaram as portas que se encontravam fechadas a fim de verificar a existência de bens alvo de furto. Arrombaram ainda o portão exterior da moradia e a porta lateral de acesso a um quarto»); . os relativos aos objectos furtados e danificados discriminados nos autos, isto é, o artigo 9º da petição inicial(«Do assalto supra referido resultou a subtracção dos seguintes bens: (…) TOTAL 4.790,00 €»), e o artigo 10º da petição inicial(«No âmbito do furto, o(s) assaltante(s) danificaram e inutilizaram os seguintes bens: (…) TOTAL 2.240,00 €»); . os relativos aos custos suportados pelos Autores com o processamento do furto invocado nos autos, isto é, o artigo 11º da petição inicial(«Em virtude do assalto o A. marido teve que se deslocar de França para Portugal tendo despendido a quantia de 300,00 € em viagem de ida e volta») ?
2ª-Deveser alterada a decisão de mérito proferida, por forma a que - reconhecendo a validade do contrato de seguro celebrado entre os Autores e a Ré, com a consequente transferência de responsabilidade do furto ocorrido na residência daqueles para esta -, se condene a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 7.030,00 ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância 3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, foram considerados provados os seguintes factos:
1- AA (aqui Autor) tem inscrito em seu nome, na matriz predial urbana da freguesia de Cervães, Concelho de Vila Verde, artigo 660, o prédio sito na Rua RR, freguesia de Cervães, composto por casa de habitação, logradouro e quintal.
2 - O prédio identificado no facto provado enunciado sob o número 1 encontra-se totalmente vedado por muros e portões.
3 - O Autor e mulher, BB (aqui Autora) encontram-se actualmente a residir e a trabalhar em França.
4 - Os Autores apenas residem no prédio identificado no facto provado enunciado sob o número 1 no período de férias.
5 - Os Autores participaram à Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de Braga, Posto Territorial de Prado, a ocorrência de um furto no prédio referido no facto provado enunciado sob o número; e no período compreendido entre as 16.00 horas do dia 6 e as 18.00 horas do dia 16, ambos do mês de Abril de 2014.
6 - Os militares Guarda Nacional Republicana deslocaram-se ao local e tomaram conta da ocorrência.
7 - Os Autores, para instruírem o presente processo, requisitaram junto da GNR uma certidão, tendo despendido a quantia de € 14,00 (catorze euros, e zero cêntimos).
8 - Foi apresentada queixa contra desconhecidos na GNR de Prado, sendo o inquérito arquivado por não se terem identificado os autores do furto participado.
9 - No dia 24 de Abril de 2014 foi participada à CC. (aqui Ré) a ocorrência do furto referido no facto provado enunciado sob o número 5.
10 - A Ré respondeu através da missiva que é fls. 20 dos presentes autos, declarando que: «(…) Relativamente à sua participação do sinistro em referência, a qual mereceu a nossa melhor atenção, informamos que não poderemos assumir o evento. Após análise do relatório de peritagem a que mandamos proceder, verificamos a existência de inconformidades com as circunstâncias declaradas. Não foi possível verificar inequivocamente os danos de arrombamento declarados e como tal não nos é possível proceder ao enquadramento do sinistro na cobertura de “furto ou roubo” da presente apólice. Pelo exposto, não podemos assumir os danos reclamados. (…)»
11 - Entre a Ré e o Autor foi celebrado um contrato denominado «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, e subordinado às Condições Gerais, Especiais e Particulares juntas a fls. 18v., 19 e 52 a 80 dos presentes autos.
12 - O contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, destinava-se a garantir os danos causados aos bens seguros em resultado de algum dos riscos previstos nas Condições Especiais, quando expressamente contratados e designados nas Condições Particulares, e até aos limites nestas previstos.
13 - No âmbito do contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, o Autor subscreveu, para além de outras, a cobertura de «furto ou roubo».
14 - Nos termos da Cláusula 1ª, n.º 2, da Condição Especial de «Furto ou Roubo», relativamente à cobertura de «furto ou roubo» ficaram garantidos, nos termos estabelecidos nas Condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, e até aos limites nestas estabelecidos, «as perdas ou danos resultantes de furto ou roubo (tentado ou consumado) praticado no interior do local ou locais de risco, incluindo eventuais garagens e arrecadações quando devidamente fechadas, em qualquer uma das seguintes circunstâncias: a) arrombamento, escalamento e chaves falsas; b) Quando o autor ou autores do crime se introduzam ilegitimamente no local ou nele se escondam com intenção de furtar; c) Com violência contra pessoas que habitem ou se encontrem no local do risco ou através de ameaças com perigo iminente para a sua integridade física ou pondo-as, por qualquer maneira, na impossibilidade de resistir».
15 - No contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, e para efeitos da sua aplicação, foram definidos «arrombamento», «escalamento» e «chaves falsas» da seguinte forma: «a) Arrombamento: O rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte de qualquer elemento ou mecanismo, que servir para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interior no imóvel seguro; b) Escalamento: A introdução no edifício seguro ou em lugar fechado dele dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou por qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entrada; c) Chaves falsas: - As imitadas, contrafeitas ou alteradas; - As verdadeiras, quando, fortuita ou sub-repticiamente, estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar; - As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança».
16 - Foi acordado como objecto da indicada cobertura, ou seja, como bens seguros, o imóvel sito na Rua RR, Cervães, 4730 Vila Verde e seu recheio.
17 - Nos termos estabelecidos no contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, a cobertura de furto ou roubo do recheio teria como limite um capital máximo de € 25.000,00 (referente aos bens do recheio em geral), existindo ainda dois sublimites a esse capital, um de € 2.500,00 (para objectos preciosos) e outro de € 5.000,00 (para objectos de valor).
18 - No artigo 1º das Condições Gerais do contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, foram definidos como «recheio da habitação» os «bens ou objectos comumente utilizados numa habitação (com excepção dos objectos de valor e jóias e Objectos Preciosos) nomeadamente: móveis e roupeiros não embutidos, electrodomésticos de linha branca, objectos de adorno da habitação, tapetes, roupas e objectos de uso pessoal».
19 - No artigo 1º das Condições Gerais do contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, foram definidos como «objectos de valor» os «objectos que, não sendo classificados de jóias e objectos preciosos, constituam, pela sua natureza ou valor objectivamente constatável um risco agravado, nomeadamente: obras de arte, quadros e esculturas, abafos ou casacos de pele, armas, equipamentos de som e imagem ou ainda quaisquer antiguidades, objectos raros ou com interesse museológico».
20 - No artigo 1º das Condições Gerais do contrato «GG», titulado pela apólice xxxxxxxxxx, foram definidos como «jóias e objectos preciosos» «quaisquer objectos, independentemente do seu valor monetário, que incluam na sua composição pedras ou metais preciosos ou semipreciosos, nomeadamente colares, anéis, brincos, faqueiros de prata ou de ouro, salvas de prata, isqueiros, canetas, relógios ou molduras».
21 - Ficou estabelecido na alínea b) do nº 1 do artigo 4º das Condições Gerais da Apólice xxxxxxxxxx que o «capital dos bens móveis seguros: corresponderá ao capital seguro subscrito pelo tomador do seguro e indicado nas condições particulares da apólice. O capital seguro aí indicado será comum a todos os bens móveis seguros, independentemente da sua natureza, fazendo parte deste os sub-limites de indemnizações previstas para os objectos de valor e Jóias e objectos preciosos».
22 - Foi estipulado na Cláusula 3ª da Condição Especial de Furto ou Roubo que ficavam excluídos da garantia desta cobertura de furto: «o desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravios […] as subtracções de qualquer espécie, furtos ou roubos cometidos por familiares ou por pessoas ligadas ao Segurado por laços de sociedade ou contrato de trabalho».
23 - Ficou estabelecido nas Condições Particulares da Apólice xxxxxxxxxx que, em caso de sinistro que integrasse a cobertura de furto ou roubo, seriam devidas as seguintes franquias cumulativas, a abater à indemnização a atribuir: - em caso de sinistro que afecte o recheio da habitação, € 100,00; - em caso de sinistro que afecte objectos preciosos, € 100,00 - em caso de sinistro que afecte objectos de valor, € 100,00.
24 - Foi definida franquia, no artigo 1º alínea w) das Condições Gerais da Apólice xxxxxxxxxx, como «o valor da regularização do sinistro nos termos do contrato de seguro que não fica a cargo do segurador».
25 - Face ao surgimento da participação referida no facto provado enunciado sob o número 9, a Ré decidiu levar a cabo uma investigação tendente a averiguar as circunstâncias nas quais o evento descrito teria ocorrido, e suas consequências.
26 - Juntamente com a participação referida no facto provado enunciado sob o número 9, foi enviada à Ré a listagem de bens que os Autores diziam ter sido furtados, junta a fls. 86 dos presentes autos.
27- No dia 29 de Abril de 2014, um Perito da Ré deslocou-se ao imóvel referido no facto provado enunciado sob o número 1, na companhia de DD, cunhado do Autor marido.
28 - Na visita que fez à habitação referida no facto provado enunciado sob o número 1, o Perito constatou que a mesma correspondia a uma moradia, situada num aglomerado urbano composto por várias outras casas.
29 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 situava-se numa posição elevada em relação à via pública adjacente, existindo uma outra casa de habitação com janelas a deitar directamente para esse mesmo prédio, situada a não mais de 20 metros de distância.
30 - Na margem contrária da via existia uma outra habitação, situada a cerca de 40 metros de distância, também dotada de janelas, que deitavam directamente para o prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1.
31- O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 era dotado de um único acesso à via pública, que correspondia à Rua RR, inexistindo nas proximidades qualquer outro caminho ou estrada que permitisse o acesso ao mesmo.
32 - Para além da Rua RR, existia nas imediações do imóvel uma outra via pública, denominada Travessa TT, a qual não era directamente acessível a partir da dita habitação, mas sim, apenas, mediante o atravessamento de diversos prédios e campos de cultivo.
33 - O acesso directo a partir dessa via até à habitação dos Autores processava-se através de uma rampa, existindo no início desta um portão metálico.
34 - A Rua RR era uma via com cerca de 4 metros de largura.
35 - Aquando da sua visita referida no facto provado enunciado sob o número 27 (29 de Abril de 2014), o referido DD mostrou ao Perito da Ré uma das portas do prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1, que apresentava danos, que interpretava como indícios de tentativa de arrombamento, e uma persiana e respectiva janela, que se encontravam também danificadas.
36 - Segundo referiu o dito DD, teria sido através dessa janela que o autor ou os autores do alegado furto teriam acedido ao interior da habitação.
37 - Referiu ainda o dito DD que os vestígios no local se encontravam intactos, por não terem ainda sido reparados os danos alegadamente causados no decurso do alegado evento.
38 - O Perito examinou, então, os danos existentes no imóvel e referenciados pelo dito DD.
39 - A habitação em causa apresentava danos numa das portas exteriores, e numa das persianas de uma janela.
40 - A referida porta exterior apresentava-se fechada.
41- A janela apresentava apenas dois vincos na sua caixilharia, sem afectação do mecanismo de fecho, que permitia manter a janela fechada.
42 - A referida janela dava acesso a um quarto de dormir.
43 - Três portas interiores da habitação, que antes estavam fechadas à chave, tinham as respectivas fechaduras retiradas.
44 - Essas fechaduras e respectivos espelhos encontravam-se depositados no chão, junto das várias respectivas portas interiores, entre elas a do quarto de dormir referido no facto provado enunciado sob o número 43.
45 - Junto às ditas fechaduras, encontravam-se depositadas no chão as respectivas chaves.
46 - As referidas fechaduras examinadas mostravam-se intactas.
47 - A porta e respectivos aros do quarto referido no facto provado enunciado sob o número 43 só apresentavam danos pelo seu lado exterior, voltado para um corredor.
48 - As fechaduras das portas referidas no facto provado enunciado sob o número 44 são montadas nas portas de forma a nelas estarem embutidas.
49 - Cada uma das portas tinha escavada no seu miolo uma concavidade destinada a permitir a introdução da ferragem da fechadura, de modo a que todo esse mecanismo ficasse envolvido pela madeira, com a excepção da parte da qual saía o trinco.
50 - Essas fechaduras só podem ser removidas com as respectivas portas abertas, desapertando-se os respectivos parafusos de fixação e “puxando-se” a mesma para o exterior, ou mediante o recorte na face da porta de uma secção que rodeie a zona da fechadura, de modo a que a mesma fique sem madeira na zona correspondente à da dimensão da dita fechadura.
51- Em nenhuma face de qualquer das portas interiores da habitação se verificou a remoção de qualquer secção da madeira, de forma a retirar a respectiva fechadura.
52 - O perito da Ré solicitou ao referido DD que obtivesse um orçamento para a reparação da janela, tendo este dito que o material da mesma é PVC e «tem de ser tudo novo».
53 - No artigo 1º, alínea o), das Condições Gerais da Apólice xxxxxxxxxx foram definidos como «Bens Móveis Seguros»: «Os bens propriedade do Segurado que constituem o recheio de uma habitação, podendo os mesmos ser classificados enquanto Recheio de Habitação, Objectos de Valor ou ainda Jóias e Objectos Preciosos, conforme a seguir definido. / Não são, para efeitos do presente Contrato, considerados Bens Móveis Seguros: - Veículos motorizados, caravanas, atrelados, aviões e embarcações a motor e respectivas peças ou acessórios neles incorporados; - Bens móveis materialmente ligados ao bem imóvel com carácter de permanência; - Bens detidos para fins profissionais ou de negócio; - Dinheiro em numerário, nacional ou estrangeiro, cheques, e letras, valores selados, vales postais, acções e obrigações».
54 - Nos termos da Cláusula 3ª, n.º 2.3, alínea d) das Condições Gerais da Apólice xxxxxxxxxx, lê-se: «Salvo expressa convenção em contrário nas Condições Particulares, não ficam igualmente garantidas as perdas ou danos que derivem directa ou indirectamente de […] d) Prejuízos indirectos, tais como a perda de lucros ou rendimentos».
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3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão do Tribunal de 1ª Instância, foram considerados não provados os seguintes factos (por mera - e indesejável - remissão para os articulados das partes):
. Artigo 5º da petição inicial, salvo na parte que resulta do ponto 5 dos Factos Provados;
. Artigos 7º a 11º da petição inicial;
. Artigo 15º da petição inicial, salvo na parte que resulta dos pontos 11 e 12 dos Factos Provados;
. Artigo 16º da petição inicial, salvo na parte que resulta do ponto 17 dos Factos Provados;
. Artigo 17º da petição inicial;
. Artigo 20º da petição inicial, salvo na parte que resulta do ponto 9 dos Factos Provados;
. Artigo 25º da petição inicial;
. Artigo 20º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 22 dos Factos Provados;
. Artigo 34º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 32 dos Factos Provados;
. Artigo 37º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 34 dos Factos Provados;
. Artigo 38º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 35 dos Factos Provados;
. Artigo 40º da contestação;
. Artigos 43º e 44º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 39 dos Factos Provados;
. Artigo 45º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 40 dos Factos Provados;
. Artigos 48º e 49º da contestação;
. Artigo 50º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 41 dos Factos Provados;
. Artigos 51º e 52º da contestação;
. Artigo 54.º da contestação;
. Artigos 56º e 57º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 43 dos Factos Provados;
. Artigo 58º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 44 dos Factos Provados;
. Artigo 78º da contestação;
. Artigos 81º e 82º da contestação, salvo na parte que resulta do ponto 52 dos Factos Provados;
. Artigo 89º da contestação;
. Artigo 92º da contestação;
. Artigos 99º a 101º da contestação.
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto - Em geral 3.2.1.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).
Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
Lê-se ainda, no nº 2, als. a) e b) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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3.2.1.2. Âmbito da sindicância do Tribunal da Relação - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdiçãoem sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com ageneralidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causapelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) - , vêm sendo firmadas as seguintes orientações:
. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade(neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);
.não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1);
. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação
(neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);
. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);
. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);
. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);
. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);
. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);
. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);
.a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatóriado recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).
De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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3.2.1.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).
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3.2.2. Concretizando, e tendo em conta os critérios relativos ao cumprimento do ónus de impugnação previstos no art. 640º do C.P.C., dir-se-á que os Autores (Recorrentes) os cumpriram na sua generalidade, com uma única excepção (conclusão distinta de saber se, ao terem-no feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como não provados).
Com efeito, indicaram: os concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente provados (no caso, o não se terem dado como provados os factos vertidos nos artigos 5º, e 7º a 11º da petição inicial); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (identificando os documentos e os depoimentos que valorizaram para o efeito); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como provados os referidos artigos 5º, e 7º a 11º da petição inicial).
Relativamente ao juízo crítico próprio, foi o mesmo apresentado sobretudo como uma crítica à menor credibilidade conferida ao «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R., e aos depoimentos das testemunhas DD e EE, face à excessiva credibilidade conferida ao depoimento da testemunha FF.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos que os Recorrentes seleccionaram na sua impugnação, e pôde consultar os documentos por eles referidos, certo é que fez - e fundamentou com pormenor - dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face às regras da experiência.
Assim, pretendendo os Recorrentes sindicar este juízo, importaria que indicassem as razões pelas quais entendem que àqueles documento e depoimentos deveria ter sido dada outra relevância, o que fizeram.
Crê-se, assim, que estará este Tribunal da Relação em condições de poder proceder (nos limites autorizados pelo art. 640º do C.P.C.) à reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes.
Deste juízo apenas se exclui a factualidade vertida no artigo 11º da petição inicial («Em virtude do assalto o A. marido teve que se deslocar de França para Portugal tendo despendido a quantia de 300,00 € em viagem de ida e volta»), dado como não provado na sentença recorrida, uma vez que, quanto a ele, os Recorrentes não cumpriram minimamente o ónus de impugnação que lhes estava cometido.
Com efeito, pretendendo que fosse agora considerada provada, não indicaram «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão (….) diversa da recorrida», como desde logo o denunciou a Ré nas suas contra-alegações.
Por outras palavras, os Recorrentes não referiram, discriminaram ou detalharam quaisquer documentos, ou qualquer passagem de qualquer depoimento, que confirmasse a realização, pelo Autor, de uma deslocação de França a Portugal - e posterior regresso -, imposta unicamente pelo assalto denunciado nos autos, e que haja importado um custo para si de € 300,00.
Assim, e nos termos do art. 640º, nº 1, al. b) do C.P.C., rejeita-se nessa parte o recurso de impugnação da matéria de facto, isto é, não se aprecia a sindicância da não prova (na sentença recorrida) da factualidade vertida no artigo 11º da petição inicial.
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3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto 3.3.1. Ocorrência do furto, por escalamento e arrombamento (artigos 5º, 7º e 8º da petição inicial)
Vieram os Autores (Recorrentes) defender ter o Tribunal a quo, na sentença recorrida, dado indevidamente como não provado: o artigo 5º da petição inicial(«Acontece que, no período compreendido entre as 16 horas do dia 6 e as 18 horas do dia 16 ambos do mês de Abril de 2004, a residência dos Autores foi assaltada»); o artigo 7º da petição inicial(«Para o efeito, o(s) autor(es) do furto introduziram-se no local tendo para o efeito se aproximado da residência através do monte e junto ao muro, desviaram a rede de vedação e introduziram-se no logradouro deslocando-se para junto de uma porta nas traseiras da residência na tentativa de a estroncar, mas sem sucesso»); e o artigo 8º da petição inicial(«Em seguida ter-se-ão deslocado para junto de uma janela, no rés-do-chão da residência, que estroncaram e através da mesma acederam ao interior da residência, passando por toas as divisões da casa onde remexeram em todos os armários e móveis e ainda danificaram as portas que se encontravam fechadas a fim de verificar a existência de bens alvo de furto. Arrombaram ainda o portão exterior da moradia e a porta lateral de acesso a um quarto»).
Defenderam, para o efeito, serem suficientes para os comprovarem «o depoimento da testemunha DD e EE, que prestaram um depoimento sério, credível», não restando «quaisquer dúvidas que existem sinais esclarecedores da existência de furto, quer no interior, quer no exterior da residência, descrevendo perante vestígios existentes por onde os assaltantes andaram, nomeadamente, tudo ocorreu pelo monte existente perto da residência, cortaram e escalonaram rede de vedação, que encontraram a janela aberta, arrombada, sendo através da qual que os assaltantes tiveram acesso ao interior da residência».
Mais defenderam que tais factos foram «também constantes no relatório tácito de inspecção ocular elaborado pelo Agente da GNR», sendo o mesmo «um relatório elaborado por uma autoridade isenta, sem qualquer ligação às partes, credível, imparcial, séria», não tendo o Tribunal a quo andado «bem, ao valorar o depoimento da testemunha FF (funcionário da Ré) em detrimento do relatório elaborado por uma autoridade isenta, séria e credível e que e corroborado pelas testemunhas DD e EE».
Importa assim, e antes de mais, considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se poder aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes.
Enfatiza-se, porém, que o mesmo teve presente (como este Tribunal da Relação o terá de ter igualmente), que nas «Condições Especiais» do contrato escrito invocado nos autos «apenas serão consideradas (…) as situações de furto quando o mesmo for praticado através de arrombamento, escalamento ou chaves falsas»; e que aí se definem igualmente «arrombamento» como o «rompimento, factura ou destruição, no todo ou em parte de qualquer elemento ou mecanismo, que servir para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interior no imóvel seguro», e «escalamento» como a «introdução no edifício seguro ou em lugar fechado dele dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem em bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entada».
Por outras palavras, estando a responsabilidade civil contratual assacada pelos Autores à Ré dependente de um concreto modo de subtracção de bens do interior da sua residência, importará que a prova produzida tenha não só demonstrado a dita subtracção, mas igualmente o modo próprio exigido para a sua verificação.
Compreende-se, por isso, que na demonstração exigida, quer o Tribunal a quo, quer este Tribunal da Relação, não se possam bastar com meras afirmações conclusivas da verificação do dito «arrombamento» ou do dito «escalamento», mas antes exijam a descrição dos vestígios materiais que lhes permitam concluir pela efectiva perpetração do furto por tais modos (secundando, ou afastando, os prévios juízos de «arrombamento» ou de «escalamento» que tenham sido produzidos por partes, ou por testemunhas).
Assim, ponderou a sentença recorrida para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes para tal objecto, e sendo o bold apócrifo): «(…) O Tribunal teve em consideração, para a formação da sua convicção, os documentos juntos a fls. 5v. a 20, 52 a 80, 84 a 89, 93 a 109, 120 a 128, e os constantes do CD apenso, os depoimentos de parte dos Autores e os depoimentos das testemunhas HH, II, DD, EE, JJ e FF. Assim, no que se refere à prova documental, cabe dizer que: (…) - Os documentos juntos a fls. 6 a 8 são cópias da participação apresentada pelos Autores na G.N.R. e do relatório táctico de inspecção ocular elaborado nessa sequência, documentos esses que, além domais que adiante se referirá, permitiram a demonstração da matéria constante dos pontos 5 e 6 dos Factos Provados; (…) - Os documentos juntos a fls. 14v. a 16 são cópias de facturas e/ou recibos relativos à substituição ou reparação de portas e janelas, emitidos em nome do Autor; (…) - A fls. 87 a 96 encontram-se juntos vários registos fotográficos extraídos da aplicação informática Google Earth, que retraram o exterior do imóvel e as suas redondezas, cabendo sublinhar que o confronto com a primeira fotografia de fls. 7v. permite concluir que o edifício em causa nos autos é o que se avista na segunda fotografia de fls. 88, permitindo a fotografia aérea de fls. 89 verificar qual é a sua envolvente; - A fls. 97 a 108 encontram-se juntas várias fotografias do exterior e do interior do imóvel, com particular relevância para as fotografias da janela exterior e das portas interiores. Os Autores, em depoimento de parte, confirmam, no essencial, o alegado quanto à situação geográfica do prédio e à circunstância de as partes interiores se encontrarem fechadas à chave. Relativamente à prova testemunhal, importa salientar, em breve síntese, que a testemunha HH é militar da G.N.R. e exerce funções no Núcleo de Investigação Criminal de Braga, recordando-se que foi chamado pelo posto para realizar uma inspecção, declarando que aquilo que fez é o que consta do respectivo relatório táctico de inspecção ocular junto a fls. 6v. a 8. Refere que, naquela época, ocorreram vários furtos em residências na localidade de Cervães e, ressalvando a eventualidade de estar a fazer qualquer confusão por esse motivo, refere que acorreu ao local no dia 17, pelas 9 horas da manhã, mais 5 minutos ou menos 5 minutos. Não sabe se existia acesso de veículos para as bouças existentes junto ao imóvel em causa nos autos, dizendo que acha que essas bouças não eram cultivadas. Esclarece que, se existissem vestígios de terra no interior do imóvel, teria referido esse facto no relatório, mais referindo que não foram retirados vestígios lofoscópicos. Revela dificuldade em concretizar em que é que se traduziu o “arrombamento” a que se refere no relatório de inspecção. A testemunha II é comandante do posto de Prado da G.N.R., referindo que apenas assinou o expediente junto a fls. 6, nada sabendo sobre os factos, uma vez que foram outros militares quem se deslocou ao terreno. A testemunha DD é irmão da Autora, referindo que os Autores residem na França, desconhecendo se alguém, em Portugal, fica na posse de qualquer chave da casa. Relata que a sua irmã EE lhe telefonou a dizer que a casa dos Autores tinha sido assaltada e que tinha chamado a G.N.R. Deslocou-se ao local e assistiu à chegada dos militares da G.N.R., que, depois de feita a inspecção, lhe disseram que podia arrumar a casa. Viu uma janela arrombada e aberta e uma porta exterior também arrombada, mas não aberta. Segundo diz, essa janela dá para um quarto e, depois da investigação, foi consertada pelo carpinteiro de nome “KK”, não se recordando quem chamou esse carpinteiro – muito embora admita ter sido ele próprio. Refere que, no interior da habitação, estava um armário de uma despensa com a roupa toda atirada para chão, uma cómoda com as gavetas todas no chão e a porta do quarto arrombada, não se recordando se existiam mais portas interiores arrombadas. (…) Instado, diz desconhecer quem chamou a G.N.R. e que, quando chegou ao local, estava lá a sua irmã EE e mais alguém que não sabe bem dizer quem era. Diz que ninguém entrou na casa antes de chegarem as autoridades e que ninguém mexeu em nada. Confrontado com a fotografia da janela a que fez alusão, diz que ambas as portadas estavam abertas. No interior da casa não viu quaisquer pegadas ou vestígios de terra, não reparando, de igual modo, em quaisquer marcas de pneus no exterior. Não se recorda de ter acompanhado os militares da G.N.R. no decurso da inspecção, desconhece se as portas interiores da casa estavam fechadas e onde é que se encontravam as respectivas chaves. Desconhecia, à data, que a casa tinha seguro, tendo sido o Autor quem o informou desse facto e lhe deu a apólice, tendo sido a testemunha quem fez a participação à Ré, porque o Autor se encontrava em França. Foi também a testemunha quem tratou de obter orçamentos para as reparações, não tendo dado qualquer ordem para reparar. (…) Diz ter visto a rede exterior danificada numa esquina à beira de um anexo, numa zona que confina com uma bouça de mato, não tendo andado a ver se aí existiam marcas de passagem de carros. Começa por dizer que não se recorda de como estava a fechadura da janela, depois hesita, dizendo “depois vi… estava arrombada”. Esclarece que, quando o perito da seguradora se deslocou ao local, a janela ainda estava nas mesmas condições, não conseguindo identificar os danos nas fotografias juntas aos autos. Esclarece que as portas também estavam nas mesmas condições aquando da visita do perito da seguradora. A testemunha EE é irmã da Autora e refere ter sido ela, testemunha, quem se apercebeu da ocorrência em causa nos autos. Relata que ia buscar flores ao quintal da casa sua irmã, porque um familiar tinha falecido recentemente, e deparou-se com uma janela aberta e toda arrebentada. Então, olhou para o interior da casa e viu que o guarda-fatos do quarto estava aberto e o chão estava cheio de papeis. Foi pedir socorro a um cunhado da sua irmã e a um vizinho, que emprestou o telemóvel com o qual telefonou ao seu irmão, a testemunha DD, que chegou passados 10 minutos. Diz ter acompanhado os militares da G.N.R. durante a inspecção ao local, referido que não tocaram em nada e tiraram fotografias a tudo. Diz ainda que estava tudo espalhado pelo chão e que o vidro da janela do quarto estava partido e que esta estava aberta de forma a permitir a passagem de uma pessoa. Mais refere que o colchão da cama tinha pegadas e que a persiana tinha uma ponta para cima e outra para baixo; viu a rede exterior cortada junto ao anexo; a porta interior que dá acesso à divisão onde se encontra a máquina de lavar estava rebentada, mas não reparou e pormenores dos danos porque, segundo diz, esta muito nervosa. (…) Instada, refere que o lacado da janela do quarto estava riscado e saído, embora não à volta toda da janela. A persiana estava toda partida, Não viu quaisquer sinais do lado de fora da habitação, esclarecendo que, nesses dias tinha chovido muito. Diz que foram os militares da G.N.R. quem disse para fecharem a janela do quarto, mas não viu fechar a mesma nem a viu fechada. Diz que, quando foi limpar a casa, viu as fechaduras das portas no chão, não se recordando se as mesmas já estavam assim na ocasião em que entrou com os militares da G.N.R. Não sabe onde estavam as chaves dessas portas. Diz, por fim, que tinha visto o plasma furtado na Páscoa anterior e que o mesmo cabia pela janela. A testemunha JJ é profissional de seguros e funcionário da Ré, referindo que trabalha com sinistros dos ramos reais e que a apólice em causa nos autos cobre sinistros no recheio normal de uma habitação, designadamente, os decorrentes de furto, até ao capital de € 25.000,00. Não se recorda do dia da participação, referindo que a mesma foi formulada por escrito, já não se lembrando se por carta ou em impresso próprio. Não sabe o que é que consta da participação ou por quem foi elaborada. Sabe que, em Maio de 2014, a Ré declinou o sinistro, por considerar que os danos não eram compatíveis com o arrombamento. Por fim, a testemunha FF é perito averiguador e presta serviços à Ré, tendo efectuado a averiguação do sinistro em causa nos autos. Refere que, nesse âmbito, contactou o Autor, que lhe indicou o cunhado, a testemunha DD, como seu representante. Então, contactou telefonicamente o referido DD e agendou diligência para 29.04.2014, data em que se deslocou ao local. Descreve o imóvel como sendo uma moradia rodeada de jardim, recuada relativamente às estrada e situada a um nível superior a esta. Dispunha de dois acessos contíguos para a mesma rua: um “portãozinho” e uma entrada maior, para a garagem. Nas traseiras dispunha de um espaço ajardinado, com a uma rede vedação. No local, o referido DD disse que a casa estava exactamente como havia sido encontrada, mostrando-lhe uma porta lateral com um pequeno dano, que estava fechada, e uma janela com um pequeno dano na persiana e alguns vestígios na própria janela, e dizendo-lhe que havia sido por aí que os assaltantes tinham entrado. Todavia, segundo diz, não encontrou modo de aquela janela ter sido aberta por fora, já que os fechos não apresentavam qualquer arranhão. A persiana tinha um dano lateral, mas oferecia resistência quando se tentava movimentar; a janela estava fechada, apresentando umas amassadelas na estrutura, junto da fechadura; não existiam danos no fecho, mas faltavam algumas peças, não sabendo dizer quais. Refere que a janela fechava normalmente, tendo-lhe dito a testemunha DD, como explicação para esse facto, que já tinha ido lá o serralheiro para “dar um jeito”. Acrescenta que, mesmo que fosse forçado um fecho, aquela janela ainda dispunha de mais dois fechos, em cima e em baixo. Relata que, depois de ter estado no quarto onde se situada a dita janela, observou a porta de acesso ao mesmo, constatando que a respectiva fechadura e a chave estavam pousadas no chão. Explica que a fechadura é embutida na porta e que, para a retirar, era necessário abrir ou desfazer a porta. Por outro lado, a porta em questão só apresentava danos no seu lado de fora, não apresentando quaisquer danos no lado de dentro. Constatou que em outros quartos se verificava a mesma situação: as respectivas fechaduras e chaves pousadas no chão, não apresentando danos que permitissem a retirada das fechaduras sem que as portas estivessem abertas. As fechaduras, por outro lado, estavam todas intactas. (…) Instado, esclarece que não viu mais nenhuma janela da habitação, porque não lhe foi indicada. A janela que viu é basculante, permitindo a abertura lateral ou em báscula, dispondo, para o efeito, de três fechos. Ponderando criticamente o conjunto da prova, cabe desde logo dizer que o teor do “relatório táctico de inspecção ocular” junto a fls. 6v. a 8 não permite, com suficiente segurança, saber quais os vestígios com que se deparou o militar da G.N.R. que efectuou tal diligência. Na verdade, ao invés de enumerar e descrever esses vestígios, o autor desse documento optou por fazer um relato sobre aquilo que hipoteticamente teriam feito os eventuais assaltantes, reportando-se expressamente, por vezes, ao que lhe foi dito pelo denunciante – veja-se o parágrafo 18. Assim, entre os parágrafos 7 e 17, o autor desse documento limita-se a expor as suas ilações quanto à dinâmica do assalto, sem nunca referir expressamente ou descrever quais os vestígios que observou e que lhe permitiram extrair tais ilações – veja-se, por exemplo, que diz “acederam inicialmente à parte traseira da residência através de escalamento da rede de vedação” mas nunca diz em que estado encontrou a rede de vedação, que também não fotografou. Pior: diz que “Posteriormente, deslocaram-se até uma outra janela situada na parte lateral da residência, provocando o arrombamento da mesma” mas, mais uma vez, não explica que vestígios é que revelam esse arrombamento e em que termos, limitando-se a empregar um conceito de direito e a fotografar a janela em causa – fotografias, de resto, pouco reveladoras. Quando inquirida, esta testemunha relevou-se incapaz de concretizar quais os vestígios que encontrou no local, limitando-se a remeter para o relatório e chegando a manifestar algum agastamento para com o mandatário da Ré quando se pretende saber em que é que consistiu, em concreto, o “arrombamento” que relata no dito relatório. Não soube dizer se existia acesso de veículos para as bouças existentes junto ao imóvel em causa nos autos, mais referindo que se existissem vestígios de terra no interior do imóvel, teria referido esse facto no relatório. Por outro lado e ainda no que tange aos factos que se referem à alegada ocorrência do sinistro, cabe dizer que os depoimentos das testemunhas DD e EE também não foram completamente esclarecedores e convincentes. Na verdade e em primeiro lugar, as testemunhas não explicam a discrepância entre o estado em que dizem ter encontrado a janela exterior da habitação – ambos dizem que estava aberta, afirmando a testemunha EE, inclusivamente, que tinha um vidro partido e que só foi fechada quando se foram embora os militares da G.N.R. – e o que consta do documento de fls. 6v. a 8, onde é visível a janela em casa, que se apresenta fechada e sem qualquer vidro partido. Referem, ainda, outros vestígios que não estão mencionados no dito documento: a rede nas traseiras cortada e, no caso da última, as marcas de pegadas no colchão. Importa também notar que estas testemunhas, em particular a testemunha EE, prestam um depoimento vago e impreciso quando se trata de explicar os danos existentes nas portas interiores, dizendo esta que não se lembra de pormenores, que, passados 18 dias, quando foi limpar a casa, viu as fechaduras arrancadas das portas mas não sabe dizer se já estavam assim quando acompanhou a G.N.R.na deslocação ao local O confronto destes depoimentos com os documentos juntos a fls. 87 a 108 e com o depoimento da testemunha FF cria no Tribunal a dúvida quanto à efectiva ocorrência do furto no imóvel identificado nos autos, pelo menos nos termos em que é descrito na Petição Inicial. Em primeiro lugar, há que assinalar a própria localização do imóvel, com um único acesso a uma via pública com cerca de 4 metros largura, situando-se num plano elevado relativamente a esta, vedado e ladeado por outras habitações e por prédios rústicos – Cfr., fls. 88 e 89. Dada a quantidade e natureza dos bens que se dizem ter sido furtados, não é plausível a sua remoção e transporte por uma única pessoa e sem o apoio de um veículo automóvel. Ora as características da via pública e a situação do imóvel são de molde a dificultar o acesso e transporte por esse lado, já que implicaria a passagem por um espaço relativamente exposto e a eventual imobilização num caminho estreito – muito embora não tenha o Tribunal considerado que tal imobilização impossibilitaria o trânsito de outros veículos, dado que, diante dos vários portões, existe uma zona de terreno adjacente à via e que permite o estacionamento. Acresce que, quanto ao hipotético acesso pelo lado dos terrenos rústicos existentes nas traseiras da casa – versão defendida pelos Autores –, constata-se, para além da relativa extensão desses terrenos, visível na fotografia aérea de fls. 89, a circunstância de não terem sido referidos no documento de fls. 6v. a 8 quaisquer vestígios de rodados de pneus, de danos na vedação ou de terra no interior da habitação: só a testemunha EE refere a existência de pegadas, referindo também, tal como a testemunha DD, danos na rede que não foram reclamados nestes autos – o que também se estranharia, caso tivessem de facto ocorrido. Em segundo lugar e quanto ao modo como se diz ter ocorrido a introdução da residência, cabe dizer que, se bem que não se tenha provado que o mecanismo de fecho da janela exterior estava intacto – por um lado, a testemunha FF refere que faltavam peças, que não sabe identificar, por outro, na primeira fotografia de fls. 101 parece visível uma amolgadela no mecanismo –, não deixa de causar estranheza, para além das contradições dos depoimentos das testemunhas EE e DD com o documento junto a fls. 6v. e 8, já atrás referidas, a circunstância de tal mecanismo de fecho se encontrar operacional – além de que, segundo a testemunha FF, aquela janela dispunha de mais dois fechos, pois que também era basculante. Perante esta dúvida, constata-se que não lograram os Autores, com a prova pelos mesmos apresentada, um mais cabal esclarecimento quanto aos concretos danos provocados no mecanismo de fecho da janela, de molde a que se pudesse concluir, com alguma segurança, por que modo é que a mesma foi “estroncada”. Em terceiro lugar, não pode deixar de causar grande estranheza os danos constatados nas portas interiores. Desde logo, não se compreende como é que a porta de acesso ao quarto servido pela janela acima aludida apenas apresentava danos no seu lado exterior, virado para o corredor e não para o quarto. Se acaso alguém tivesse penetrado naquele quarto pela respectiva janela e se deparasse com a porta fechada, o normal é que, na tentativa de forçar a sua abertura, causasse danos no seu lado interior. Ora, o que aconteceu foi, inexplicavelmente, o inverso. A circunstância de estarem danificadas duas outras portas interiores, junto às quais foram encontradas as respectivas chaves, pode ser explicável num cenário de furto. Imaginemos que, tal como referiu o Autor, existe um corredor de acesso aos vários quartos e que este corredor é fechado por uma porta. Imaginemos, ainda, que existe um acesso exterior à habitação através de uma cozinha ou de uma cave e que essa divisão é, por sua vez, também fechada com uma porta interior – o que é comum, quando se trata de moradias. Se o dono da casa, encontrando-se no quarto, quiser sair para o exterior através de uma dessas divisões – a cave ou a cozinha –, começa por fechar à chave, atrás de si, a porta do quarto; percorre, então, o corredor e fecha à chave, atrás de si, a porta de acesso ao corredor; prossegue para a cozinha ou para a cave, fechando à chave, atrás de si, a porta de acesso a essa divisão, após o que sairá para o exterior pela porta exterior da cozinha ou da garagem. Um qualquer intruso que tenha entrado pela janela do quarto e queira fazer o mesmo percurso – ainda que não queira sair para o exterior pela cozinha ou pela cave mas, tão só, entrar nessas divisões – terá que forçar as mesmas portas que o proprietário fechou atrás de si. E de nada lhe adiantará que o proprietário tenha deixado as respectivas chaves em casa uma das fechaduras, dado que as ditas chaves estarão sempre do lado oposto àquele em que se encontra o intruso antes de foçar a porta. Esta explicação hipotética é aparentemente coerente com o relato feito pelo Autor em depoimento de parte. O que já se afigura estranho é que as fechaduras das portas em causa, que são encastradas no interior da porta, conforme resulta de fls. 102 a 105 e do depoimento da testemunha José Barros, tenham sido retiradas sem que tivesse ocorrido o corte ou a quebra da madeira que as envolvia, o que parece apontar para a sua inexplicável retirada num momento em que as portas já se encontravam abertas – Cfr., pontos 48 a 51 dos Factos Provados. Por fim, cabe dizer que os Autores também não lograram demonstrar, com o mínimo de rigor, a subtracção dos bens a que aludem na Petição Inicial. Não juntaram aos autos qualquer documento comprovativo da sua aquisição, sendo certo que se tratam de máquinas e electrodomésticos de considerável valor, relativamente ao qual é normal guardar os respectivos comprovativos de compra, mais não seja para fins de garantia em caso de avaria. O Autor, para além de mostrar alguma dificuldade em explicar a utilização dada a algumas dessas máquinas, atentas as suas características, oferece uma explicação pouco plausível para a ausência de documentos comprovativos da sua aquisição: diz que o seu patrão compra as máquinas para uma determinada obra e que, quando essa obra está concluída, oferece as máquinas aos funcionários. As testemunhas DD e EE manifestam um conhecimento muito escasso quanto à existência dessas máquinas, referindo a primeira que apenas tinha visto a máquina de cortar relva e o martelo e a segunda que viu o plasma, aludindo, em termos vagos, a “bastantes outras máquinas que estavam na cave”. Deste modo, não foi possível considerar demonstrada a matéria alegada nos artigos 5.º, 7.º a 11.º e 25.º da Petição Inicial. É certo que, não obstante tudo o exposto, concluiu o Tribunal que também não se demonstrou – porque os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, que em parte constituem depoimentos indirectos, e a demais prova produzida não se afiguram suficientes para tal – que o assalto alegado nos autos não tenha ocorrido. O mesmo é dizer: a Ré não fez a prova do contrário daquilo que é alegado na Petição Inicial – daí a resposta negativa aos artigos 51.º, 52.º, 54.º, 78.º e 89.º da Contestação. Contudo, e por tudo o exposto, também se afigura que a fragilidade da prova apresentada pelos Autores, conjugada com o que resulta da análise da prova documental e restante prova testemunhal, foi suficiente para criar uma dúvida fundada quanto à ocorrência do assalto nos moldes descritos na Petição Inicial, logrando a Ré a contraprova, por resultarem duvidosos os factos alegados a tal respeito na Petição Inicial – Cfr., art.º 346.º, do Código Civil. (…)»
Logo, uma primeira conclusão se pode desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de não prova da factualidade constante dos artigos 5º, 7º e 8º da petição inicial, ponderou toda a prova (pessoal e documental) sobre ela produzida, incluindo àquela que os Autores (Recorrentes) elegeram para fundarem o seu antagónico juízo.
Com efeito, e reportando-se concretamente aos depoimentos das testemunhas DD e EE, o Tribunal a quo não deixou de referir (de forma sintónica com os Recorrentes) quais as afirmações produzidas por elas que indicariam o percurso feito pelos alegados assaltantes - pelas traseiras da casa -, o rompimento de uma rede metálica, e o posterior arrombamento de uma janela.
Contudo, o mesmo Tribunal a quo foi minucioso na forma como fez notar que: . um tal percurso, por terrenos rústicos, numa altura em que tinha chovido (segundo referido pela testemunha EE), teria deixado pegadas na terra, e vestígios desta no interior da habitação, umas e outros não referidos no «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R. (precisando o seu autor - testemunha HH - que, se existissem, ali teriam sido mencionados), nem pela testemunha DD; . o rompimento da rede metálica voltou a não ser referido no «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R., e o valor da sua reparação não foi reclamado nos autos; . nenhuma das testemunhas inquiridas (v.g. HH, DD e EE) conseguiu descrever, ou fazê-lo coerentemente com a demais prova produzida, os vestígios que concretamente observou na janela por onde alegadamente teriam entrado os assaltantes, que permitissem ao Tribunal - a quo e da Relação - secundar o seu conclusivo juízo de que foi arrombada; e a testemunha FF afirmou que nem o vidro, nem a persiana respectivos se encontravam partidos, nem nenhum dos três fechos da janela se encontrava inoperacional (de forma conforme com as fotografias juntas aos autos); . os danos constatados nas portas interiores da casa (e a retirada das suas fechaduras, depositadas depois no chão, com as chaves respectivas) foram produzidos de forma inversa à que seria permitida pelo acesso ao interior da casa pela dita janela, já que as portas foram necessariamente abertas pelo lado oposto, e as fechaduras retiradas precisamente depois de se encontrarem abertas (numa actividade inexplicavelmente inútil para a realização do assalto, implicando mesmo um risco acrescido para o seu sucesso, pela demora de uma tal operação); . o número e o volume dos bens alegadamente furtados exigiria o concurso de um veículo automóvel, excessivamente visível pela configuração do terreno onde se insere o imóvel em causa (sobrelevado e distando da via pública), e que inexplicavelmente nem foi visto, nem ouvido, pela vizinhança, nem deixou vestígios no local.
Logo, uma segunda conclusão se pode igualmente enunciar: não só os depoimentos eleitos pelos Recorrentes para fundarem a sua sindicância à matéria de facto provada (DD e EE) não se mostraram conformes entre si, e com a prova documental junta, em pontos de primordial importância (v.g. a descrição dos vestígios encontrados, quer na janela dita arrombada, quer no interior da casa), como se mostraram desconformes com as regras da experiência.
Prosseguindo, e desta feita quanto à relevância atribuída pelo Tribunal a quo ao «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» elaborado pela G.N.R., nomeadamente face ao depoimento produzido pela testemunha FF, dir-se-á que não se tratou de conferir menor credibilidade àquele, face a este.
Com efeito, resulta claramente da motivação de facto da sentença recorrida (já reproduzida supra) que o dito documento foi tido como elaborado com isenção, embora de forma deficiente, isto é: plasmaram-se indesejavelmente no mesmo juízos conclusivos (do seu autor), em vez da exigível descrição dos concretos vestígios encontrados (que o mesmo autor - testemunha HH - não conseguiu em sede de audiência de julgamento reproduzir). Ora, só nesta medida - e apenas nela - foi o dito «Relatório Táctico de Inspecção Ocular» secundarizado, face à dita descrição de tais vestígios, feita pela testemunha FF.
Logo, uma terceira conclusão se pode igualmente tirar: o Tribunal a quo não desvalorizou aprioristicamente o «Relatório Táctico de Inspecção Ocular», tendo apenas limitado a valia concedida ao mesmo ao seu legal âmbito, isto é, às inspecções oculares nele efectivamente plasmadas, e não aos conclusivos e pessoais juízos nele vertidos (sem a prévia descrições dos vestígios onde se alicerçaram).
Por fim, precisa-se (tal como o fez o Tribunal a quo) que o juízo de não prova da factualidade vertida nos artigos 5º, 7º e 8º da petição inicial se deveu ao facto de não ter sido atingido o standard de prova exigido para a sua demonstração, quedando-se a mesma duvidosa (e não por se ter provado a realidade inversa, isto é, que efectivamente não ocorreu o furto no interior da residência dos Autores, ou não ocorreu por meio de arrombamento ou escalamento).
Por outras palavras, reconhece-se que, no «âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança (...)» (Lebre de Freitas, Introdução do Processo Civil, Coimbra Editora, 2006, ps. 175, com bold apócrifo). Logo, o convencimento do Tribunal julgador fundar-se-á numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, tendo em vista obter a paz social, o que não se compadece com indagações intermináveis e de natureza puramente epistemológica. As provas não terão que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência comum.
Contudo, se não é exigível uma certeza científica, absoluta, também não bastará ao Tribunal a reunião de indícios, simples ou ainda que reforçados, tornando o facto simplesmente verosímil ou plausível. Importará, nesta sede, que a prova (produzida) que sustenta a convicção sobre a verificação de um determinado facto não seja simultaneamente compatível com a admissão de que a realidade histórica ocorrida possa ter sido diferente (por todos, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2014, Reimpressão, p. 373-383).
Ora, quando o julgador se veja perante esta hipótese, de dúvida irredutível sobre a realidade de um facto (pressuposto da aplicação de uma norma jurídica) - ponto de chegada após a valoração da prova - terá de recorrer ao ónus da prova objectivo, isto é, considerando não provado o facto alegado pela parte que dele aproveitava (arts. 342º, nº 1 e 346º, ambos do C.C.).
Logo, uma quarta e última conclusão se impõe: a prova produzida pelos Autores não permite afirmar, de forma excludente da hipótese inversa, que ocorreu um furto no interior da sua residência, por escalamento de uma rede metálica existente nas traseiras da sua propriedade, e com o arrombamento de uma das janelas da respectiva casa.
Inexiste, assim, fundamento para a pretendida alteração da factualidade dada como não provada na sentença recorrida, pertinente aos artigos 5º, 7º e 8º da petição inicial, improcedendo por isso o correspondente recurso de impugnação.
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3.3.2. Objectos furtados e danificados (artigos 9º e 10º da petição inicial)
Vieram ainda os Autores (Recorrentes) defender ter o Tribunal a quo, na sentença recorrida, dado indevidamente como não provados: os factos relativos aos objectos furtados e danificados discriminados nos autos, isto é, o artigo 9º da petição inicial(«Do assalto supra referido resultou a subtracção dos seguintes bens: (…) TOTAL 4.790,00 €»), e o artigo 10º da petição inicial(«No âmbito do furto, o(s) assaltante(s) danificaram e inutilizaram os seguintes bens: (…) TOTAL 2.240,00 €»).
Contudo, e tal como referido supra, a apreciação deste remanescente objecto do seu recurso mostra-se prejudicada pelo insucesso da anterior sindicância sobre a matéria de facto provada, isto é: não se tendo provado a efectiva ocorrência de um furto, no interior da residência dos Autores, perpetrado por escalamento ou arrombamento, torna-se inútil para a decisão de mérito a proferir apurar o elenco de bens desaparecidos do interior da dita residência, os danos nela causados, ou o valor de uns e outros.
Com efeito, e regressando ao teor do contrato escrito em causa nos autos, de acordo com as suas «Condições Especiais»«não ficam garantidas (…) situações» como o «desaparecimento inexplicável», isto é, a responsabilidade da Ré fica limitada à subtracção ou ao desaparecimento de bens ocorridos de um determinado modo; e os eventuais danos verificados na propriedade dos Autores, ainda que demonstrados, também só poderiam colher indemnização junto da Ré quando radicados na mesma concreta forma de subtracção (que, repete-se, se quedou indemonstrada).
Logo, e por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, rejeita-se o conhecimento do remanescente objecto do recurso relativo à decisão sobre a matéria de facto, apresentado pelos Autores (nomeadamente, quanto à factualidade vertida nos artigos 9º e 10º da petição inicial).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (conhecimento prejudicado)
Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não o tendo os Autores logrado, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente orecurso de apelação interposto por AA e mulher, BB, e, em consequência, em confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 02 de Fevereiro de 2017.
(Relatora)_________________________________________
(Maria João Marques Pinto de Matos)
(1ª Adjunta)_______________________________________
(Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)