PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
Sumário

Se, em caso de litisconsórcio voluntário activo, já na fase de julgamento, um dos co-autores, apesar de notificado nos termos do art.º 39.º, n.º 3, do CPC, da renúncia do seu mandatário forense, não constituir novo advogado, os autos devem prosseguir, não havendo lugar a suspensão nem a absolvição da instância.

Texto Integral

Agravo nº. 3128/07.2TVPRT-C.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº. 41)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

Pende, na Comarca do Porto – 2ª Vara Cível, acção declarativa ordinária, em que os Autores:

1º - B…, empresário, residente em Lisboa; e

2º - C…, empresário, residente no Porto;

Demandaram conjuntamente os Réus:

1º - D…, empresário, do Porto;

2º - E…, empresário, de Gondomar;

3º - F…, empresário, do Porto; e

4º - G…, esposa do primeiro.

Formularam aqueles o seguinte pedido:

“A) Devem os réus ser condenados a pagar aos autores todas as quantias correspondentes à quota parta de cada um dos RR dos pagamentos que os AA hajam feito ou venham a fazer à H… e ao I…, por força das garantias que os AA e RR prestaram àqueles bancos a favor da J…, Ldª., nos termos expostos, e por via disso
1. Deve o Réu D…, pagar aos AA a quantia já liquidada até à presente data na importância de 42.048,61€ correspondente à sua quota parte nos pagamentos efectuados pelos AA aqueles bancos até à presente data, Setembro de 2007 (…) a que acrescerá a quota parte que compita a este Réu nos pagamentos que os AA venham a continuar a fazer por conta e até cumprimento integral da dívida.
2. Deve o Réu E…, pagar aos AA a quantia já liquidada até à presente data, na importância de 96.298,61€ correspondente à sua quota parte nos pagamentos efectuados pelos AA aqueles bancos até à presente data, Setembro de 2007 (…) a que acrescerá a quota parte que compita a este Réu nos pagamentos que os AA venham a continuar a fazer por conta e até cumprimento integral da dívida.
3. Deve o Réu F…, pagar aos AA a quantia já liquidada até à presente data, na importância de 96.298,61€ correspondente à sua quota parte nos pagamentos efectuados pelos AA aqueles bancos até à presente data, Setembro de 2007 (…) a que acrescerá a quota parte que compita a este Réu nos pagamentos que os AA venham a continuar a fazer por conta e até cumprimento integral da dívida.
4. Deve a Ré G…, pagar aos AA a quantia já liquidada até à presente data, na importância de 42.048,61€ correspondente à sua quota parte nos pagamentos efectuados pelos AA aqueles bancos até à presente data, Setembro de 2007 (…) a que acrescerá a quota parte que compita a esta Ré nos pagamentos que os AA venham a continuar a fazer por conta e até cumprimento integral da dívida.”

Alegaram, para tanto, como causa de pedir: incumprimento, pelos RR, da sua obrigação de pagarem aos AA, titulares do direito de regresso, a quota-parte que a cada um compete nas quantias por aqueles satisfeitas, ou a satisfazer, como garantes e condevedores solidários.

E, como fundamentos, que:

> Os dois Autores e os três primeiros Réus foram, ou ainda são, sócios e gerentes da “J…” e, a terceira, casada com o primeiro, co-responsável pelas dívidas por ela contraídas no exercício da sua actividade comercial.
> Os AA e os RR afiançaram e avalizaram financiamentos pela Sociedade contraídos junto de Bancos, que esta não pagou.
> Foram, por isso, todos interpelados, pelos mutuantes, para, na sua qualidade de garantes e devedores solidários, cumprirem as inerentes obrigações, ao que os AA se dispuseram, em conjunto com os RR.
> Estes, porém, têm-se furtado a comparticipar com a sua quota-parte nos pagamentos e revelam intenção de assim continuar a proceder.
> Por isso, cada um deles é responsável, igualmente, na medida da respectiva quota-parte, por aquilo que cada um dos AA, sozinho, já teve de pagar, e efectivamente pagou, por todos e em substituição da “J…”.

Ambos os AA se apresentaram na acção patrocinados pelo mesmo grupo de advogados.

A acção foi contestada e saneada.

Sucedeu que, já na fase de julgamento, estes (advogados), renunciaram ao mandato conferido pelo Autor B….

Perante o respectivo requerimento junto aos autos, foi proferido o seguinte despacho [parte que interessa]:

“2. Notifique o Autor B… – e, bem assim, o Autor C… e os Réus – da renúncia do mandato apresentada a fls. 1024/1025, pelos Exmºs Advogados Drs. K…, L… e M…, nos termos do artº 39º, nº 1, do C.P.C..
O Autor B… deve ser advertido, ainda:
a) de que, uma vez notificado, se encontra extinto o mandato que havia sido conferido aos referidos Exmºs Advogados, através da procuração de fls. 29 (nº 2 do citado artº 39º);
b) de que deve constituir novo mandatário, depois de notificado da renúncia, no prazo de 10 dias, uma vez que, in casu, é obrigatória a constituição de advogado (artº 32º, nº 1, al. a), do C.P.C.).
3. Note-se que o Autor C… não pode ser prejudicado pela eventual falta de constituição de novo mandatário por parte do Autor B….
Consequentemente, se decorrido o apontado prazo de 10 dias o Autor B… não vier constituir novo mandatário, os autos prosseguirão os seus ulteriores termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelos Exmºs Advogados mencionados em 2..
Notifique” [referência Citius 8713363].

O Autor B… foi, expressa e presencialmente, notificado, em sua própria pessoa, por Oficial de Justiça, com entrega de cópias, de todo o conteúdo do requerimento de renúncia, bem como de todo o supra transcrito despacho, e advertido para os efeitos nele consignados referentes, designadamente à hipótese de, no prazo fixado, não constituir novo mandatário nos autos.

Subsequentemente, foi proferido o seguinte despacho:

“Não obstante regularmente notificado da renúncia do mandato apresentada a fls. 1024/1025, o Autor B… não veio constituir, no prazo fixado no despacho de fls. 1049/1050, novo mandatário.
Assim, considerando o já decidido a fls. 1049/1050, os autos prosseguirão os seus ulteriores termos, aproveitando-se os actos praticados pelos Exmºs Advogados Dr. K…, Dr. L… e Dr. M….” [referência Citius 8862038]

Inconformado, o 3º Réu, F…, veio interpor recurso de tal decisão, o qual foi admitido como de agravo, com efeito suspensivo, subida imediata, em separado.

Nas suas alegações, concluiu o agravante:

“1. A decisão do Mmº juiz a quo de ordenar o prosseguimento dos autos para além de ser ilegal porque contrária a uma norma processual expressa, é, desde logo, ilegal porque não se encontra sequer fundamentada.
2. Na verdade, o Mº Julgador, no despacho que ora se recorre, limitou-se a justificar o prosseguimento dos autos com o já decidido no despacho de fls. 1049/1501, com referência Citius 8713363.
3. Trata-se apenas de um fundamento de facto, sem que o Tribunal a quo fundamente de direito a sua decisão.
4. A referida decisão deve ser declarada nula por falta de fundamentação, por violação do disposto no artº 668º nº 1 al. e) do C. P. C.
5. O artigo 33º do C. P. C. determina que “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.”
6. Os presentes autos são de patrocínio obrigatório como preceitua o artigo 32º, nº 1 a) do CPC.
7. O Autor B… foi notificado da renúncia do mandato apresentada pelos seus mandatários, bem como para constituir novo mandatário no prazo que para tal lhe foi fixado.
8. O Autor não deu cumprimento ao ordenado pelo Mmº Juiz a quo, e por isso não constituiu novo mandatário.
9. O Mmº Juiz a quo, no despacho de fls. …, com referência Citius 8862038, não obstante considerar que o Autor B… foi regularmente notificado da renúncia do mandato apresentada e que este não veio constituir novo mandatário, ordenou o prosseguimento dos autos.
10. Verificando-se, assim, a irregularidade processual a que aludem os artigos 39º, 3 e 33º do CPC, deveria o Réu ter sido absolvido da instância, contrariam ente ao que foi decidido pelo julgador a quo.
Termos em que, e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e, consequentemente, ser anulado o despacho que determinou o prosseguimento do processo, substituindo-se por outro que declare não cumprido on dever legal de constituição de mandatário, com a consequente absolvição do Réu da instância, com todas as demais e legais consequências.”

O Mmº Juiz autor do despacho recorrido proferiu despacho, mantendo-o.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os Vistos, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES

O thema decidendum, nos termos do artº 690º, nº 1, CPC (redacção aplicável) e conforme entende a Doutrina e a Jurisprudência, é balizado pelas conclusões do agravante.

Assim, cabe a este Tribunal decidir se:

a) O despacho agravado é nulo, for falta de fundamentação.
b) A não constituição de mandatário pelo co-Autor, após renúncia do constituído, implica a absolvição dos RR da instância e não o prosseguimento da lide e, portanto, se o despacho agravado deve ser substituído por outro naquele sentido.

III. FACTOS

Consideram-se provados e relevantes para a decisão, com fundamento nas peças escritas dos autos, os mencionados no antecedente relato.

IV. APRECIAÇÃO

1ª Questão

O despacho agravado não é nulo.

Nulo, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 668º, CPC, será o despacho que não especifique os fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão, em ordem a possibilitar a sua compreensão e crítica.

O dever de o tribunal fundamentar as decisões radica na lei constitucional (artº 205º, nº 1, da CRP). A sua concretização depende das exigências traçadas pelo legislador em cada área do direito, designadamente processual. O nível de densificação exigido varia de acordo com a natureza e efeitos da decisão, não podendo nem devendo ser o mesmo no simples despacho relativo à relação processual ou na complexa sentença que decide sobre o mérito de uma causa.

Critério intransponível, na medida em que definidor do limite de conformidade com aquele princípio básico, é o de a fundamentação se expressar em termos que permitam apreciar e compreender as suas razões e motivos por forma gerar a sua aceitação ou crítica, maxime possibilitando a sua impugnação em recurso.

Ora, “Como é entendimento pacífico da doutrina – ainda há pouco o disse esta Secção[1] –, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 668º.”

E nem mesmo “a fundamentação deficiente, medíocre ou errada” gera tal vício, pois, apenas “afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” Só o implicará se tal deficiência não possibilitar a percepção dos termos em que se baseia de maneira a que os destinatários a apreciem e se convençam da sua solidez ou reajam crentes na sua fragilidade.

Com efeito, diz-se também noutro aresto da Relação de Coimbra, “A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.”[2]

No processo civil, “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” – artº 158º, nº1, CPC.

Ora, ao determinar-se, pelo despacho de 24-09-2012 [referência Citius 8862038], que “os autos prosseguirão os seus ulteriores termos, aproveitando-se os actos praticados”, ele está cabalmente fundamentado.

Tanto o está que o agravante compreendeu plenamente a sua razão e sentido e reagiu mediante recurso, atacando-o com notória proficiência.

Na verdade, ao basear-se e reportar-se ao “já decidido a fls. 1049/1050”, ou seja, ao contexto fáctico aí tomado em conta, às normas legais aí enunciadas como sendo as reguladoras da situação processual gerada, ao advertir as partes para as respectivas consequências e, até, ao cuidar de, cautelarmente, as prevenir do sentido e efeitos (controversos, como se vê) que o tribunal se propunha delas extrair em termos de orientação da marcha do processo, o tribunal a quo expressou, com clareza e precisão, que, embora na hipótese de o autor notificando da renúncia de seus advogados, normalmente, em vista do artº 39º, CPC, aí invocado, devesse ficar suspensa a instância, tal não sucederia no caso concreto e devido à especificidade decorrente da pluralidade activa e da fase em que o processo se encontrava.

Claro que esta solução não emana expressamente da norma apontada. Mas foi juridicamente concebida a partir dos efeitos nela previstos e da conjugação e balanceamento destes com os demais princípios legais relativos ao patrocínio forense, ao mandato, à renúncia e à pluralidade de partes do lado activo, face aos interesses naturalmente divergentes dos litigantes, de modo a alcançar a solução entendida como processualmente mais correcta e materialmente justa.

O dever de obediência à lei e o de fundamentar de direito harmonizam-se constitucional e legalmente quando se torna necessário, para julgar o caso, interpretar ou suprir lacunas daquela. Aí intervêm os princípios, regras e normas jurídicas ajustáveis ao caso, embora nem sempre expressamente relacionados em texto legal.

Como ensinava A. Varela[3], “a fundamentação da sentença [e, por maioria de razão, o despacho que visa prover, apenas, à relação processual e emana claramente da dinâmica ou das vicissitudes desta] contenta-se com as indicações das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.” Além disso, “não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia.”

Ao reportar-se, no despacho de 24-09-2012 [referência Citius 8862038] ao que havia já sido decidido e anunciado no anterior para que remeteu, integrando-o, e, designadamente, ao ponderar que o outro Autor “não pode ser prejudicado pela eventual falta de constituição de novo mandatário” do notificando, o Mmº Juiz não acolheu apenas a situação fáctica colocada, antes ajuizou sobre ela à luz do Direito e exerceu a iuris dictio.

A discordância dela não a invalida. Significa que foi compreendida e, por não aceite, tomada como base da impugnação. Por isso, é tema do recurso a discutir adiante.

Não se verifica, concluindo, a alegada nulidade. Improcede esta questão.

2ª questão

Na presente acção, é obrigatória a constituição de advogado – artº 32º, nº1.

Na sequência de, estando ela já na fase de julgamento, terem renunciado ao mandato forense os advogados inicialmente constituídos por um dos dois Autores e da sua notificação pessoal dessa declaração e para constituir novo mandatário em certo prazo, sem que nada tivesse feito, entendeu o tribunal a quo que, por causa disso, não pode ser prejudicado o outro Autor e, assim, em vez de, como resulta em princípio da regra constante do artº 39º, nº 3, suspender a instância, decidiu ordenar o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos, aproveitando-se os actos até ali praticados pelos renunciantes.

Defende o Réu agravante que, diversamente, deve decretar-se a absolvição da instância, nos termos do artº 33º.

Quid juris?

O patrocínio judiciário obrigatório constitui um dos pressupostos da acção, a par de outros[4]. Da sua verificação depende, portanto, em princípio e em certos termos[5], o poder de o juiz apreciar e decidir o mérito da causa e a sua falta implica o dever de disso se abster.

A sua razão de ser encontra-se na necessidade de, para defesa eficaz e serena dos interesses em disputa, serem exigíveis conhecimentos técnicos de direito e actuação desapaixonada que da parte não se esperam.[6]

Não há dúvida que a original falta de constituição de advogado, pelo autor ou pelo réu, se o faltoso, notificado para tal efeito, o não constituir em prazo certo, tem como consequência a absolvição da instância ou ficar sem efeito a defesa – artº 33º.

Todavia, só a falta de constituição de advogado por parte do autor e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção, são qualificadas como excepção dilatória geradora da absolvição da instância – artºs 494º, alínea h), e 288º, nº1, alínea e).

Tal mostra que, apesar de ser um pressuposto, a qualificação e os efeitos da falta de patrocínio judiciário obrigatório variam.

Ocorrendo, no decurso do processo, a revogação ou a renúncia ao mandato conferido pelo autor e se este não constituir novo mandatário no prazo concedido, suspende-se a instância – artº 39º, nº 3.

O mesmo sucede – seja ele mandatário do autor ou do réu – se falecer o advogado ou este ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato – artº 276º, nº 1, alínea b).

Enquanto que para aquele caso nada expressamente se prevê acerca de como e quando cessa a suspensão (parecendo, pois, que ela durará até se interromper ao fim de um ano nos termos do artº 285º), neste, prevê-se, especialmente, que a suspensão cessa quando a parte contrária tiver conhecimento judicial de que está constituído novo advogado ou de que cessou a impossibilidade que fizera suspender a instância – artº 284º, nº 1, alínea b).

Mas – acrescenta o nº 3 do mesmo artigo – se a parte não patrocinada se demorar a constituir novo advogado, pode qualquer outra requerer que seja notificada para o constituir dentro do prazo fixado. Se o não constituir, a falta terá os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial (absolvição da instância, caso seja do autor, ou ineficácia da defesa, caso seja do réu).

Esta norma (nº 3) era manifestamente destinada à hipótese específica da suspensão da instância ocasionada por falecimento ou impossibilidade absoluta de advogado no decurso da acção, pois que, para a revogação ou renúncia, cujos efeitos só se produziam depois de constituído novo mandatário, continuando, portanto, o patrocínio obrigatório assegurado pelo anterior, dispunha o nº 3 do artº 39 (na sua redacção original) que se a parte, depois de notificada da renúncia, se demorasse a constituir novo advogado, podia o mandatário requerer que se fixasse prazo para esse fim.

A redacção deste último preceito (nº 3 do artº 39º) foi alterada pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, no sentido de a fixação de tal prazo e os consequentes efeitos não dependerem da iniciativa do mandatário, passando a determinar-se ope legis. A verdade, porém, é que, enquanto para o caso do artº 284º, nº 3 (inalterado), continua a estipular-se (se não for constituído novo advogado em prazo fixado a requerimento) “os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial”, para o do artº 39º, nº 3, apesar da alteração referida – cuja alteração permitira antever a consagração de efeito idêntico, fosse de modo expresso, fosse por remissão – continua a prever-se o mesmo efeito[7] que constava da sua redacção primitiva: “suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado.”

Enquanto que, para o caso de suspensão da instância causada pelo falecimento de advogado ou sua impossibilidade absoluta e decretada uma vez junta ao processo a respectiva prova do facto, não é cominado qualquer prazo para a parte constituir novo mandatário, fazendo, portanto, sentido que, se esta se demorar a fazê-lo, pode qualquer outra lançar mão do mecanismo previsto no artº 284º, nº 3, tendo em vista os efeitos neste consignados (os previstos no artº 33º e, entre eles, a absolvição da instância, se a falta for do autor), já para o caso da renúncia ou revogação, apesar do prazo legalmente fixado e de que logo a parte notificada dispõe, apenas se prevê a suspensão da instância, sem se lhe ligar qualquer outro específico efeito.

Mais uma vez, portanto, se conclui que para a falta de patrocínio judiciário em caso de obrigatoriedade, dada a diversidade de situações concretas, a consequência não ressalta da lei com a nitidez desejável, sendo necessário buscar a solução que, por melhor adequada ao caso, respeite o seu espírito e lhe confira harmonia.

Foi o que se fez no Acórdão da Relação de Coimbra, de 14-02-2012, citado pelo agravante[8], no qual, a partir de um caso peculiar de revogação de mandato pelo único autor (com que se pretenderia também alcançar de forma enviesada a extinção da instância com que o réu não concordou) e em que o juiz de primeira instância havia entendido que o artº 39º, nº 3, apenas se aplica ao caso de renúncia, e, por isso, depois de notificado o mandante ao abrigo nos termos e para os efeitos do artº 33º, que nada fez, absolveu os réus da instância ao abrigo desta norma.

Nesse aresto, depois de se concluir que assim não é – ou seja, que o artº 39º, nº 3, se aplica, indistintamente, tanto à renúncia como à revogação e, portanto, que o efeito, após a notificação e face à passividade do autor, é o da suspensão da instância – e de se questionar sobre até quando durará tal suspensão se, antes do prazo de deserção, o autor persistir em não mandatar advogado, defendeu-se, como solução, a prevista no artº 284º, nº 3, enquanto “aplicável a todas as situações em que a instância esteja suspensa a aguardar que a parte constitua novo advogado”, solução cujo desencadeamento, nesse caso, fica dependente da posição que o réu, em conformidade com os seus interesses, decidir tomar.

E solução não isenta de dúvida, pois, sendo a suspensão da instância prevista no nº 3 do art 39º caso especial subsumível à previsão do artº 276º, nº1, alínea d), é defensável que a suspensão só cessa nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 284º, correspondente.

Só que, mesmo a perfilhar-se aquele entendimento de Coimbra e seguindo-se com coerência a sua linha de raciocínio, no caso sub judice jamais, por efeito do provimento do agravo, poderia este tribunal ad quem substituir-se ao tribunal a quo e considerar verificada a situação de incumprimento pelo autor do seu dever (de constituir novo advogado depois de expressamente notificado para o efeito e com a cominação prevista no artº 284º, nº3) em termos de, como consequência, decretar a absolvição dos réus.

Na verdade, como se defende em tal aresto, a notificação da revogação efectuada nos termos do artº 39º, nº 3, apenas tem como efeito imediato a suspensão da instância. O recurso ao mecanismo do artº 284º, nº3, é subsequente e autónomo. Ora, nestes autos, dada a especificidade do caso decorrente da pluralidade activa, entendeu-se não poder haver lugar a tal suspensão e, assim, nem sequer se abriu tal oportunidade, cujo aproveitamento sempre dependeria, como se disse, de expressa tomada de posição pela outra parte, nenhuma tendo sido manifestada, mormente pelo agravante, a não ser, agora, em sede de alegações de recurso.

Deste modo, o nosso problema remonta a momento anterior e circunscreve-se à escolha do caminho correcto, entre os dois, na encruzilhada em que nos encontramos: prosseguimento dos autos, aproveitando-se os actos já praticados (por não poder ser prejudicado o co-autor, como se argumenta no despacho agravado)? Ou suspensão da instância, nos termos do artº 39º, nº 3, admitindo-se como uma das saídas possíveis, em caso de demora, então sim, a aplicação do artº 284º, nº 3, a partir daí se devendo retirar os efeitos taxados no artº 33º para a falta de constituição inicial (como pressupõe o agravante)?

Notando-se que o Acórdão desta Relação, de 06-10-2009[9], citado pelo agravante, nenhuma analogia apresenta com o nosso caso e que mesmo o sumário (parcial) dele transcrito, reportando-se ao texto do artº 33º, não traduz a situação naquele apreciada à qual se entendeu, aliás, inaplicável, cremos que o enfoque da questão está na consideração do artº 39º, nº 3, em face da pluralidade de partes que ele não prevê, mas cuja solução temos de encontrar.

Por isso, que, apenas, o citado Acórdão da Relação de Évora, de 18-05-95[10], merece reflexão e pode servir de ponto de partida.

É o seguinte o seu sumário completo [truncado, na transcrição feita pelo agravante]:

“I – O facto de se tratar de litisconsórcio necessário implica que ambos os autores tenham advogado constituído na acção, sendo que a sanção prevista nos artigos 33º e 284º, nº3, do Código de Processo Civil pode e deve ser decretada mesmo que só um dos autores não cumpra o determinado em tais disposições.
II – Todavia, enquanto no citado artigo 33º se trata de pôr cobro a uma ilegalidade, de corrigir uma falta que se cometeu, dando lugar à suspensão da instância, com o artº 284º, nº 3, pretende-se reagir contra a negligência da parte em suprir essa falta.
III – Daí que, para que seja viável o requerimento da absolvição da instância, este mesmo requerimento seja precedido da notificação do faltoso que, nessa parte, por força do disposto do artigo 284º, nº3, é da iniciativa dos réus.”

Não se colhe, com clareza deste texto, se, no caso a que se reporta a decisão respectiva, se tratou de falta de constituição inicial de advogado (artº 33º) ou se de falta subsequente a revogação ou renúncia (artº 39º, nº3).

Parece, no entanto, uma vez que, no ponto II, se alude a “suspensão da instância”, tratar-se desta última hipótese, em que, nos termos preconizados acima (cfr. citado Acórdão da Relação de Coimbra[11]), se admite, como meio de lhe pôr cobro, o recurso à notificação prevista no artº 284º, nº3, para só então se alcançar o efeito previsto no artº 33º.

De qualquer modo, é certo poder inferir-se que o entendimento subjacente ao acórdão sumariado foi o de que, em caso de litisconsórcio necessário, ambos os autores têm de ter advogado constituído na acção e de que se um deles, depois de notificado e advertido nos apontados termos, o não constituir, tem lugar a absolvição da instância dos réus.

Efeito, portanto, que só se produz depois de decretada a suspensão e após a notificação prevista no artº 284º, nº3.

É um entendimento, compreensível à luz das regras do litisconsórcio necessário. Todavia, difícil de aceitar, uma vez que a absolvição da instância com base na voluntária recusa de um dos co-autores em constituir novo mandatário após a renúncia ou revogação, em plena marcha do processo e depois de nele ter intervindo efectivamente, parece desajustada ao sentido e fins visados e que se prendem, sobretudo, com a legitimidade.

Sem embargo, importa saber se, com base no ali decidido, e a partir da constatação assumida pelo agravante de que os aqui AA propuseram a acção em litisconsório voluntário, é verdadeiro o seu pretenso argumento “a fortiori” assim por ele exposto: se, por falta de constituição de advogado por um dos autores há lugar a absolvição da instância no caso de litisconsórcio necessário, então, por maioria de razão, a mesma cominação tem de ser aplicada em caso de litisconsórcio voluntário, pois, acrescentou, o prosseguimento dos autos, nos termos determinados, beneficia indevidamente o Autor que não quis constituir mandatário (ao contrário do previsto no artº 33º), sendo que nenhum prejuízo resulta da absolvição para o outro Autor patrocinado uma vez que sempre poderá propôr outra acção.

Diga-se, desde já, embora não tomemos o exemplo como decisivo, que não foi esse o entendimento seguido no Acórdão desta Relação do Porto, de 28-09-2004, num caso qualificado como de litisconsórcio voluntário e que revogou a decisão de 1ª instância que o havia considerado necessário e, por alguns dos AA julgados habilitados não se apresentarem devidamente patrocinados, decretara a absolvição da instância.

Efectivamente, em face do objecto deste processo, não haverá grandes dúvidas que os Autores se associaram legitimamente para demandar os Réus numa relação qualificável como de litisconsórcio voluntário activo, pois pedindo a condenação a reembolsarem-nos do valor que pagaram correspondente à quota-parte de cada um deles na dívida solidária de todos perante os bancos mutuantes, nada obrigava a que o direito de cada Autor fosse exercido em conjunto.

Apesar de a relação material controvertida, do lado activo, respeitar a duas pessoas, é certo que tanto podia a acção ser proposta por ambas como por cada uma delas, devendo, nesta hipótese, o tribunal conhecer apenas da respectiva quota parte do interesse, ainda que o pedido abranja a totalidade – artº 27º, nº1.

No litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes – artº 29º.

Podendo, pois, cada Autor demandar separadamente os RR e pedir a condenação destes a pagarem-lhe a quota-parte da responsabilidade destes por aquele satisfeita, vários motivos se conjugam no sentido do consórcio.

Apesar de assim se gerar uma voluntária acumulação de acções, cada litigante actua com independência (o que, por exemplo, se manifesta no regime da desistência, da confissão e da transacção). Todavia, como anota Antunes Varela[13], “também se não podem ignorar, nem subestimar, os vínculos que a unidade do processo estabelece entre as várias acções, no que nomeadamente se refere ao processamento destas, à produção de prova e ao próprio julgamento da matéria de facto que seja comum a todas as acções cumuladas ou a algumas delas”, nem, obviamente, as vantagens práticas que os consortes sopesaram ao resolveram associar-se (desde logo, ao nível da poupança de meios).

Em face disso, não faz sentido que o co-Autor interessado em prosseguir na demanda, depois das expectativas postas no litisconsórcio e do investimento voluntariamente feito na cooperação, veja, a meio da lide, paralisado e postergado todo esse esforço com uma suspensão da instância apenas causada pelo desinteresse e passividade do outro e, pior ainda, mesmo admitindo como possível o recurso, para tentar demovê-lo, ao mecanismo do artº 283º, nº 3, sujeito a que ele persista e venha a ser confrontado com uma inelutável e prejudicial absolvição dos RR da instância, então por força da aplicação do artº 33º.

Claro que – diz o agravante – não ficaria o Autor impedido de propor nova acção sobre o mesmo objecto (artº 289º, nº1).

Tal é verdade e nem tudo estaria perdido (nºs 2 e 4, do referido artigo). Mas, ainda assim, os benefícios visados e em parte, nesta fase, já alcançados pelo litisconsórcio voluntário, desperdiçar-se-iam, com reflexos para os interesses privados das partes (mormente quanto à pronta e efectiva resolução material do litígio) e para o interesse público ligado especialmente ao processo civil e, em geral, ao sistema de administração da justiça, que não se ajustam em proporção, equilíbrio e razoabilidade, com a observância estrita de regras formais, tal como preconizado pelo agravante.

Bem pode, portanto, acontecer que as soluções já de si controversas para a falta de patrocínio subsequente no caso de autoria singular, menos se ajustem ao de pluralidade activa, particularmente no caso de a acção (como esta) se encontrar na fase de julgamento.

Em vez de as partes se terem consorciado voluntariamente no início da demanda, bem podia suceder que, por identidade de motivos e objectivos, apenas o fizessem já na pendência desta, mediante incidente de intervenção de terceiros, assim provocando a modificação subjectiva da instância (artº 270º, alínea b)).

Com efeito, mesmo nos casos de litisconsórcio voluntário, qualquer das partes primitivas pode, nos termos do artº 325º, nº1, chamar a intervir como seu associado o interessado com direito a intervir na causa, designadamente nos termos do artº 27º. Assim como este pode intervir espontaneamente, ao abrigo do artº 320º, alínea a).[14]

No caso de intervenção espontânea, o interveniente faz valer direito próprio, paralelo ao do autor, podendo apresentar o seu articulado ou aderir ao já apresentado pela parte com a qual se associa. Aceita a causa no estado em que se encontrar, sendo considerado revel quanto aos actos e termos anteriores (artºs 321º e 322º).

No caso de intervenção provocada, se o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele – artº 328º, nº1.[15]

Ora, se, em vez de se desencadear por via incidental já no desenvolvimento da instância, uma tal intervenção (efectiva) ocorreu inicialmente em litisconsórcio voluntário, apenas tendo sucedido que a revelia do comparte, naquele caso, foi anterior e aqui se tornou superveniente, mas estando reunidas as condições indispensáveis para, presumindo-se a partir da passividade do co-autor não patrocinado, que ele aceita a causa nos termos em que esta se encontra actualmente e se conforma com seu resultado (ainda que porventura possa a sua revelia prejudicá-lo), sem, todavia, desistir dos seus direitos nem do processo e dos actos nele praticados em sua representação, não se descortina motivo bastante para, à luz dos princípios dos artigos 265º, 265º-A e 266º, analogamente ao que prevê o citado artº 328º, nº 1, não viabilizar o prosseguimento dos termos da causa, evitando os prejuízos referidos, sobretudo para o Autor que se mantém devidamente patrocinado, mas propiciando a apreciação na sentença, com possíveis efeitos de caso julgado, do direito do autor revel, e assim a resolução do litígio, com todas as vantagens daí advenientes para a pacificação das partes desavindas e para a eficácia e credibilidade do sistema de justiça.

Eis porque – nos antípodas da preconizada, mas inaceitável, absolvição da instância – se nos afigura ajustada e adequada, ao caso concreto, e juridicamente bem fundada, a decisão agravada e, por isso, entendemos negar provimento ao agravo, confirmando-a.

V. DECISÃO

Em função do exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho recorrido.

Custas do agravo pelo recorrente – Tabela I-B, do RCP.

Notifique.

Porto, 24-01-2013
José Fernando Cardoso Amaral
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo (dispensei o visto)
Mário Manuel Baptista Fernandes (dispensei os vistos)
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[1] Acórdão da Relação do Porto, de 13-09-2012, relatado pela Desemb. Deolinda Varão.
[2] Acórdão de 17-04-2012, relatado pelo Desemb. Carlos Gil.
[3] Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, página 688.
[4] Antunes Varela, ob. citada, página 104 a 107.
[5] Em princípio e em certos termos, porque, por exemplo, a falta de advogado do réu decorrente da renúncia ou revogação do mandato que fora conferido nos autos não impede o prosseguimento destes com aproveitamento dos actos anteriormente praticados (artº 39º, nº3, in fine) e o falecimento ou impedimento absoluto do mandatário não obsta à prolação da sentença se o processo estiver concluso para tal (artº 278º).
[6] Antunes Varela, ob. cit., páginas 189 e 190, e A. Anselmo de Castro, DPCD, II, página 137.
[7] Apenas se modificou o momento e a condição em que se produz a extinção do mandato.
[8] Relator: Falcão de Magalhães.
[9] Relator: Desemb. Henrique Antunes.
[10] Relator: Desemb. Ribeiro Luís, do qual apenas conhecemos Sumário no BMJ nº 447, página 600.
[11] Nota 8, supra.
[12] Relator: Desemb. Marques Castilho.
[13] Ob. cit., página 162, nota 2, in fine.
[14] O litisconsórcio é uma forma de legitimação plural ad causam, questão independente da do patrocínio forense.
[15] Normativo também aplicável à intervenção espontânea, como defende Salvador da Costa, Os Incidentes das Instância, Almedina 1999, página 115.
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Sumário (artº 713º, nº 7, CPC):
Se, em caso de litisconsórcio voluntário activo, já na fase de julgamento da acção, um dos co-autores, apesar de notificado nos termos do artº 39º, CPC, da renúncia de seu mandatário forense, não constituiu novo advogado nos autos, os autos devem prosseguir, não havendo lugar a suspensão nem a absolvição da instância.