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ARMA PROIBIDA
MATERIAL PIROTÉCNICO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário
I - Um artigo pirotécnico não é um “engenho explosivo civil” nem um “engenho explosivo ou incendiário improvisado”, nos termos da para efeitos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro [regime jurídico das armas e suas munições]. II - A falta de indicação, na acusação e na sentença proferida, dos fins a que os arguidos destinavam os referidos artigos de pirotecnia afasta a possibilidade de integração de qualquer ilícito contraordenacional.
Texto Integral
Recurso n.º 354/10.0.TACHV-P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I.- RELATÓRIO
1. No PC n.º 354/10.0.TACHV do 2.º Juízo do Tribunal de Chaves, em que são:
Recorrente: Ministério Público
Recorrido/Arguidos: B… e C…
por sentença proferida em 2012/Jun./12 a fls. 229-240 deliberou-se:
a) absolver ambos os arguidos pela prática, como autores materiais, de um crime de detenção de arma proibida da previsão dos artigos 2.º, n.º 5, alínea m) e 86.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 5/2006, de 23/Fev., na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06/Mai.;
b) condenar o arguido B… pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida da previsão dos artigos 3.º, n.º 4, alínea b) e 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23/Fev., na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06/Mai., na pena de 100 dias de multa, correspondendo cada dia à quantia de € 7,00 (sete euros), num total de € 700,00 (setecentos euros), tendo-se ainda ordenado perdido a favor do Estado do revólver apreendido nos autos.
2. O Ministério Público insurgiu-se contra este acórdão e interpôs recurso do mesmo em 2012/Jun./28, a fls. 248-253, pugnando pela condenação dos arguidos pela prática de um crime de detenção de arma proibida da previsão dos artigos 2.º, n.º 5, alínea m) e 86.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 5/2006, de 23/Fev., na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06/Mai. ou, caso assim não se entenda, que se considere nulo o mesmo acórdão, mediante as seguintes conclusões:
1.ª) A detenção fora das condições legais, de explosivos civis, na forma de artifícios pirotécnicos designado por “petardo” integra o crime p. e p. pelo artigo 86.º, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. m) do n.º 5 do artigo 2.º do mesmo diploma legal;
2.º) Assim, deverá a decisão absolutória proferida pelo tribunal recorrido ser alterada e condenarem-se os arguidos pela prática do crime p. e p. pelo artigo 86.°, ai. a). da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. m) do n.º 5 do artigo 2.º do mesmo diploma legal, como lhe era imputado na acusação;
3.º) Aderindo, porém, ao decidido no Ac. da RP de 12-05-2010 proc. 1203/07.2GAVNF.P1 consultável in www.dgsi.pt, no sentido de que não existe concurso efectivo de crimes de detenção ilegal de armas, quando esteja em causa, em relação ao mesmo agente, a detenção, sob a mesma resolução criminosa, de armas de diversa natureza que preenchem mais que um dos diversos sub-tipos do art. 86°/1 da Lei 5/2006, deverá o arguido B… ser absolvido pelo crime de detenção de arma proibida por que foi condenado no acórdão recorrido (p. e p. pelo artigo 86.°, ai. c), não podendo, todavia, de deixar de ser considerada, em termos de agravamento da ilicitude e consequentemente na medida da pena;
4.º) Deverá ainda, sequentemente ser decretada a devolução ao tribunal recorrido para, em audiência complementar, proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos;
5.º) Sem prescindir, caso não proceda o supra peticionado, o tribunal recorrido na decisão proferida, apesar da absolvição decretada, não se pronunciou, como devia por ser de conhecimento oficioso, se a detenção, fora das condições legais, pelos arguidos de explosivos civis, na forma de artifícios pirotécnicos designado por “petardo”, era constitutiva de ilícito contra-ordenacional da previsão, designadamente, dos arts. 25°, 26° e 27° do Decreto-Lei n° 376/84, de 30 de Novembro e daí retirar as devidas consequências, face ao disposto no artigo 77.º, n.º 1 do DL n° 433/82;
6.º) Ora, tal omissão determina a consequência prevista no artigo 379°, n.º 1, alínea c), do CPP, ou seja a nulidade da sentença;
7.º) Assim, deverá ordenar-se a baixa dos autos à primeira instância, a fim de ser proferida nova sentença, com suprimento da nulidade detectada;
8.º) Violou o tribunal a quo, por erro de interpretação, os artigos 30.º, n.º 1, do CP e 86.º, al. c) e a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02.
3. Recebidos os autos nesta Relação, onde foram autuados em 2012/Out./26, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que em 2012/Nov./09, a fls. 267-269, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, porquanto e em suma:
1.º) Os artigos apreendidos aos arguidos não se podem considerar como sendo engenho explosivo civil para efeitos de integração da sua conduta no crime de detenção de arma proibida porquanto a sua perigosidade não se pode equiparar à perigosidade das armas proibidas da previsão do artigo 86.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. m) do n.º 5 do artigo 2.º do mesmo diploma legal;
2.º) O acórdão recorrido não sofre de nulidade, porquanto o artigo 77.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 23/Set. ao prever que “O tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime”, corresponde a uma faculdade, para além de que não tendo sido suscitada a questão de a conduta dos arguidos constituir um ilícito criminal não tinha o tribunal de pronunciar-se sobre a mesma.
4. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, aguardando-se o prazo de réplica, e os autos foram com vista, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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O objecto do presente recurso passa pela determinação de se a detenção de artefactos pirotécnicos integra um crime de detenção de arma proibida e caso tal não ocorra se existe nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, por não se terem pronunciado pela ocorrência de uma contra-ordenação em virtude dessa mesma detenção.
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II. FUNDAMENTAÇÃO 1. O acórdão recorrido
Na parte que aqui releva transcrevemos o seguinte:
1) No dia 08 de Maio de 2010, em cumprimento de um mandado de busca domiciliária ao acampamento sito na R. …, em …, Chaves, no âmbito do inquérito NUIPC 335/09.7GAVLP, do Tribunal de Valpaços, foram apreendidos:
- na roulote propriedade de B…: um revólver sem marca e sem número, calibre 32; 89 artigos pirotécnicos, de nome comercial “petardos”, os quais são produtos que contêm substâncias explosivas;
- na roulote propriedade do arguido C…: dois mil e cem (2100) petardos da marca “picos de Oro”; quatro mil (4.000) petardos da marca “Americanos”; trezentos e vinte e cinco (325) petardos da marca “PK-2”; cem (100) petardos da marca “Super Falleros”; duzentos (200) petardos da marca “Pino Manig Cebets”; vinte e dois (22) da marca “TNT”; cem (100) petardos da marca “plaston S.A. Super Musculet”; cinquenta (50) petardos da marca “Cobras”.
2) A arma apreendida ao arguido B… não se encontrava manifestada nem registada e o arguido não tinha licença de uso e porte de arma.
3) Os artigos de pirotecnia são produtos explosivos.
4) Os arguidos não possuíam autorização para aquisição e venda de produtos explosivos, nem possuíam alvará para armazenamento de tais artigos, nem estavam habilitados com licença para a queima de fogos-de-artificio.
5.º) O arguido B… conhecia as características e qualidades da arma que adquiriu e detinha.
6.º) Sabia que à data não era possuidor de licença de uso, porte ou detenção de arma, nem a respectiva arma se encontrava manifestada e registada, apesar de saber que tais documentos eram obrigatórios.
7.º) Conheciam os arguidos as características das substâncias explosivas que tinham na sua posse e que não estavam autorizados a adquirir, utilizar, guardar ou ter consigo explosivos.
8.º) Os arguidos sabiam que as suas condutas, naquelas condições eram proibidas e punidas por lei, actuando livre, deliberada e conscientemente.
9.º) Os arguidos são pessoas consideradas no seu meio social, sendo vistos como pessoas trabalhadoras.
10.º) O arguido B… vive em união de facto, tem 8 filhos, estando 5 ainda a seu cargo, aufere cerca de € 500,00 por mês e completou o 4.º ano de ensino básico.
11.º) O arguido C… vive em união de facto, tem 1 filha menor, aufere cerca de € 300,00 por mês e completou o ensino básico.
12.º) À data da prática dos factos, o arguido C… ainda não tinha sido condenado pelos tribunais através de decisão transitada em julgado.
13.º) À data da prática dos factos, o arguido B… tinha sido condenado na pena de multa de 90 dias, correspondendo cada dia à quantia de € 5,00, pela prática em 12/08/2009 de um crime de ofensa à integridade física.”
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2. Os fundamentos do recurso
O actual regime jurídico-penal das armas e munições encontra-se definido pela Lei n.º 5/2006, de 23/Fev. (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 04/Set.; Lei n.º 17/2009, de 06/Mai.; Lei n.º 26/2010, de 30/Ago. e Lei n.º 12/2011, de 27/Abr.), comina no seu artigo 86.º, n.º 1, que “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças de segurança, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”;
Trata-se, assim como os demais sub-tipos a seguir enunciados neste n.º 1 do artigo 86.º, de um crime de perigo abstracto, mediante o qual se visa proteger a segurança das pessoas, bem como os seus haveres, o que de resto é corrente a todos os crimes de perigo comum. Isto significa que para a sua consumação não é exigível a verificação de um “dano efectivo e real”, bastando a ocorrência de um dos actos descritos no correspondente tipo legal de crime e que integram, por isso, o núcleo base do desvalor da acção.
Nesta conformidade o que está aqui em causa neste tipo de ilícito é a disponibilidade, por parte de quem não está autorizado, de um instrumento potencialmente letal, que se encontra classificado como uma arma, daí derivando um acentuado risco pela utilização indiferenciada das mesmas, susceptível de afectar a segurança das pessoas, acautelando-se o possível cometimento de outros crimes. Deste modo, podemos afirmar que mediante este crime de detenção de arma proibida ou fora das condições legais se acaba por tutelar, grosso modo, a segurança da comunidade contra o risco da livre circulação e detenção dessas mesmas armas.
O caso em apreço passa pela determinação do que será “explosivo civil” “engenho explosivo” ou “incendiário improvisado”, cuja definição legal é a seguinte e decorre do artigo vem no artigo 5.º da mesma lei, que se passa a transcrever:
“l) «Explosivo civil» todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente;
m) «Engenho explosivo civil» os artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização estão sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente;
n) «Engenho explosivo ou incendiário improvisado» todos aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado”.
Uma referência comum a estas definições é que os mesmos correspondem a substâncias, produtos ou artefactos explosivos. Conjugando estas definições com o bem jurídico tutelado pelo crime aqui em causa, então teremos de considerar como “substâncias, produtos ou artefactos explosivos” todos aqueles que correspondam a um instrumento potencialmente letal que seja susceptível de afectar a segurança da comunidade mediante, mormente através da realização de outros crimes.
Por sua vez, de acordo com o Decreto-Lei n.º 34/2010, de 15/Abr. que transpôs a Directiva n.º 2007/23/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Maio, relativamente à harmonização do regime jurídico para a colocação no mercado de artigos de pirotecnia, de forma a garantir a sua livre circulação no mercado interno, bem como a assegurar a protecção da saúde e segurança humanas, a defesa dos consumidores e a protecção dos utilizadores profissionais finais, considera-se no seu artigo 3.º, al. a) como “artigo de pirotecnia” “qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas auto–sustentadas”.
Nesta conformidade, não podemos considerar um artigo pirotécnico como sendo um “explosivo civil” “engenho explosivo” ou “incendiário improvisado” para efeitos do regime jurídico-penal das armas (Ac. TRPorto de 2011/Jul./06, em www.dgsi.pt).
Por outro lado, não resulta da acusação e muito menos do acórdão recorrido a que título é que os arguidos detinham tais artigos de pirotecnia, designadamente se era para fins comerciais ou então para fins pessoais, como seja de mero divertimento, o que sempre seria necessário para enquadrar qualquer ilícito contra-ordenacional. Daí que seja manifestamente inútil, o que é proibido por lei (137.º Código de Processo Civil ex vi 4.º do Código de Processo Penal) fazer qualquer outro juízo de ponderação, que não seja a absolvição dos arguidos nesta parte
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
Não é devida tributação.
Notifique.
Porto, 30 de Janeiro de 2013
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro