ACÇÃO DE APRECIAÇÃO JUDICIAL DO DESPEDIMENTO
PROVA TESTEMUNHAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
DEVER DE LEALDADE
Sumário

I - Nada obsta a que em audiência de julgamento se confira relevo probatório aos depoimentos de testemunhas no excerto em que estas relatam o que directamente lhes foi dito pelo trabalhador antes da dedução da nota de culpa, a propósito dos factos que a este são imputados na decisão de despedimento.
II - O comportamento do trabalhador que retira cobre do armazém do seu empregador ao longo de uma semana e o guarda na sua mochila é violador do dever de lealdade.
III - A diminuição da confiança resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da quantificação dos prejuízos, bastando a criação de uma situação apta a causar prejuízos.

Texto Integral


Processo n.º 191/11.5TTSTS.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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1. Relatório
1.1. B….. impugnou judicialmente no Tribunal do Trabalho de Santo Tirso a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…..Lda.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R., alegou, em síntese: que o autor foi despedido no dia 21 de Março de 2011, na sequência de um processo disciplinar válido, regular e lícito; que entre 26 de Janeiro e 3 de Fevereiro de 2011 o autor furtou cobre de um bidão existente no armazém da fábrica da R. e que o comportamento do A. violou os seus deveres profissionais e constitui justa causa para o despedimento.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, o A. trabalhador veio alegar, em resumo: que foi admitido ao serviço da ré, como serralheiro mecânico, há mais de 18 anos, tendo sido verbalmente despedido no dia 04 de Fevereiro de 2011; que, após, a R. lhe instaurou o processo disciplinar a que alude os autos com vista apenas a camuflar o despedimento verbal e ilícito de que fora alvo; que, por força do despedimento ilícito de que foi alvo, quer por o mesmo não ter sido precedido de processo disciplinar, quer, a entender-se que este existiu, por falsidade dos motivos justificativos que lhe foram imputados, deve ser indemnizado e pago pelos créditos salariais em divida. A final, pede que seja declarado ilícito o despedimento levado a cabo pela R., condenando-se a mesma a pagar ao autor uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fracção que, à data do pedido, liquida em 21.077,28 euros, 5.000,00 euros, a título e danos não patrimoniais, bem como nos salários vencidos e vincendos até decisão final, que, à data do pedido, liquida em 1.561,28 euros.
A R. empregadora apresentou resposta à contestação nos termos de fls. 68 e ss., concluindo pela improcedência da reconvenção deduzida
Por despacho de fls. 82 a 83, foi declarada a existência de erro na forma de processo na medida em que contrariamente ao inicialmente declarado no formulário – despedimento escrito ocorrido em 24 de Março de 2011 – invocou o trabalhador em sede de contestação, que, afinal, o seu despedimento foi verbal, tendo ocorrido em 04 de Fevereiro de 2011, sendo que, apenas a posteriori lhe havia sido instaurado o processo disciplinar a que aludem os autos com vista a camuflar o despedimento verbal e ilícito de que fora alvo. Não se determinou todavia a anulação de nenhum dos actos praticados, considerando-se o articulado de contestação/reconvenção como petição inicial e o articulado inicial e resposta como contestação e passou a acção a seguir os termos de uma acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo declarativo comum
Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto controvertida, bem como organizada a base instrutória (artigo 49.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Realizou-se audiência de julgamento e foi proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objecto de reclamação (fls. 99 e ss.).
Após, a Mma. Julgadora a quo proferiu sentença, que julgou totalmente improcedente a acção, absolvendo a R. dos pedidos contra si formulados.
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1-A prova produzida, quer testemunhal quer documental, quanto à matéria dos nºs. 1, 2, 4, 5 e 6 da B.I. impunha respostas diferentes.
2-A matéria do nº. 1 da B.I. deveria ter sido considerada provada com fundamento nos depoimentos das testemunha do Recorrente D.... e E....., conjugados com o auto de notícia de folhas … (junto com a resposta à contestação), pelo que a resposta deve ser alterada.
3-A matéria do nº 2 da B.I. deveria ter sido considerada provada com fundamento nos depoimentos das mesmas testemunhas do Recorrente conjugados com o conteúdo do auto de notícia já referido e com os depoimentos das testemunhas da Recorrida, F....., G..... e H....., e ainda com teor do auto de noticia, pelo que a resposta deve ser alterada.
4-A matéria do nº. 4 da B.I. deveria ter sido considerada como provada, pelo menos quanto à sua primeira parte, com fundamento no auto de noticia junto com a resposta à contestação, pelo que deve ser alterada.
5-A matéria dos nºs. 5 e 6 da B.I. deveria ter sido considerada não provada, com fundamento na contra-prova consistente nos depoimentos da testemunhas do Recorrente D...... e E......, bem como na falta de prova credível produzida pela Recorrida, pelo que as respectivas respostas devem ser alteradas.
6-Em consequência da alteração da resposta à matéria do nº. 1 da base instrutória, deveria ter sido declarado que o Recorrente foi despedido em 4/02/2011, sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, e que, em consequência , tal despedimento é ilícito, com todas as consequências constantes do pedido.
7-Mesmo que não sejam alteradas as respostas aos nºs. 5 e 6 da B.I., os factos dados como provados, só por si, são insuficientes para fundamentar o despedimento, pelo que o mesmo é ilícito.
8-Não foi feita qualquer prova quanto à quantidade de cobre alegadamente furtado, nem quanto ao seu valor.
9-Não foi demonstrado qualquer prejuízo.
10-Sempre e em qualquer caso a sanção de despedimento não se revela ajustada aos factos provados e à antiguidade do Recorrente e ao seu comportamento anterior, sendo manifestamente excessiva e, por isso, ilícita.
11-Ocorre claro erro de julgamento.
Foi violado o disposto: Artigos 351º., 353º., 354º., 328º. e 330º. do Código de Trabalho, artigos 352º. e 354 do C.Civil, artºs. 344º. e 355º. do Código Processo Penal, aplicados no caso por força do artigo 1º. do Código de Trabalho e artº. 552º. do C.P.Civil, ocorrendo , em qualquer caso, erro de julgamento. Revogando a decisão e julgando a acção procedente V. Exªs. farão JUSTIÇA.”
1.3. A R. apresentou contra-alegações, nelas concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 157.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto parecer a que as partes não responderam, no sentido de não merecer provimento a apelação (fls. 162 e ss.).
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1.ª – impugnação da decisão de facto quanto aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º e 6.º, da base instrutória;
2.ª – da verificação de um despedimento verbal em 4 de Fevereiro de 2011;
3.ª - da justa causa para o despedimento decidido na sequência do procedimento disciplinar instaurado ao A.
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3. Fundamentação de facto
3.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A-) O autor foi admitido ao serviço da ré, como serralheiro mecânico, no dia 13/04/1993.
B-) Auferia o valor de 690,00 euros líquidos, de vencimento base, acrescido de um subsídio de refeição de 4,40 euros por cada dia de trabalho prestado, bem como, a título de diuturnidades, o valor de 15,00 euros, a título de subsídio de turno, o valor de 75,64 euros, e, a título de prémio de assiduidade, o valor de 21,00 euros.
C-) A ré instaurou ao autor um processo disciplinar, remetendo-lhe nota de culpa no dia 16/02/2011, comunicando-lhe que o mesmo “continuaria preventivamente suspenso”, tudo nos termos constantes de fls. 1 a 5 dos autos de procedimento disciplinar apensos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D-) O autor respondeu à nota de culpa, e, concluída a instrução, foi comunicada ao autor a decisão de aplicação de sanção disciplinar de despedimento com justa causa, no dia 21/03/2011, tudo nos termos constantes de fls. 6 a 23 dos autos de procedimento disciplinar apensos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E-) A ré pagou ao autor as retribuições, subsídio de férias e de natal, emergentes da cessação do contrato de trabalho, no termos documentados a fls. 52 destes autos cujo teor aqui se reproduz.
Mais se provou que:
1º No dia 07/02/2011, o autor apresentou-se ao trabalho, acompanhado de duas testemunhas.
2º Desde o dia 26 de Janeiro, e até ao dia 03 de Fevereiro, que o autor, por volta das 18h30m-19horas, usando uma chave que existia na manutenção, deslocava-se ao armazém da empresa.
3º O autor retirou cobre existente no armazém, tendo sido confrontado com isso pelos funcionários da empresa, I….., este seu superior hierárquico, e H......, acabando por admitir o furto do cobre.
4º Tendo, nervoso e emocionalmente instável, pedido para não ser despedido, pois que não voltaria a fazer a mesma coisa.
[...]».
Para fundamentar a sua convicção na resposta à matéria de facto controvertida, a Mma. Julgadora a quo, depois de fazer um resumo do que foi dito pelas pessoas ouvidas, procedeu à seguinte apreciação para sustentar que ficou com dúvidas sobre o sucedido no dia 4 de Fevereiro, o mesmo não sucedendo quanto à ocorrência do furto do cobre:
«[...]
Em primeiro lugar, e desde logo, as testemunhas ouvidas, H...... e I......, negaram expressamente que tivessem dito ao autor que o mesmo estava despedido, dizendo apenas que lhe deram, como possibilidade, desvincular-se voluntariamente da empresa, ou responder em processo disciplinar, nunca lhe tendo dito que estava despedido.
Por outro lado, apenas a mulher do autor, J….., afirmou que ambos disseram que ele estava despedido (e não podemos esquecer que este depoimento tem de ser analisado com algum cuidado, pois, como mulher do autor, pretende certamente ver reconhecida a alegação do seu marido. Ora, o seu depoimento, na situação concreta, não nos parece suficiente para afirmar a factualidade pretendida pelo autor, no sentido de que ouviu expressamente que estava despedido), o que não foi dito pela testemunha E...... que também o acompanhou naquele dia (e que apenas se referiu a uma carta de despedimento a que o autor se negara a assinar e ao facto de não terem permitido o mesmo trabalhar).
Aliás, e em bom rigor, parece que nem mesmo o autor, numa primeira fase, assim o pensou, pois que, juntando a decisão datada de 24/03/2011, aceitando como data de despedimento aquele dia, veio impugnar tal decisão no tribunal – ver fls. 1 – sendo certo que no articulado que depois apresenta acaba também por declarar que no dia 07/02 foi-lhe dito que estaria suspenso (ver art. 13º), o que contraria o que disse em julgamento bem como as declarações da sua esposa que afirmou que nunca lhe disseram que estava suspenso, nunca ouvira tais palavras, mas sim e apenas que estava despedido.
Seja como for, um despedimento verbal não pode deixar dividas, tem se ser proferido, de forma consciente e expressa, por parte do empregador, não deixando dúvidas ao trabalhador. Ora, ainda que possamos admitir que as testemunhas H...... e I...... tenham dito ao trabalhador, quando o confrontaram com o furto do cobre, que dada a gravidade da situação o mesmo poderia, querendo, assinar uma carta de despedimento ou, caso contrário, iria ser instaurado processo disciplinar e que ele seria despedido, daqui não podemos retirar, sem mais, um despedimento verbal. Até porque, e quanto a isso não nos ficaram dúvidas, foi o autor mandado para casa, para pensar no que queria fazer, tendo-se o mesmo voltado a apresentar na empresa no dia 07/02, onde acabou por lhe ser dito, e ele acaba por tal admitir no seu articulado, como vimos, ainda que não o dissesse em julgamento, que estaria suspenso.
Seja como for, as dúvidas que perpassaram a prova produzida, e atendendo às regras do ónus da prova, conduzem o tribunal a julgar não provada e/ou restritivamente provada a matéria constante dos artigos 1º, 2º, 3º e 4º da base instrutória.
Por outro lado, e no que alude ao furto do cobre, também nos parece não haver dúvidas de que o autor confessou o mesmo. Aliás, e se assim não fosse, dizendo o autor que nunca teve problemas na empresa, que sempre teve bom relacionamento com os engenheiros H...... e I......, e dizendo estes que aquele era um bom funcionário, cumpridor e merecedor de confiança ao longo dos anos da relação laboral, não teria qualquer sentido que os aludidos engenheiros, cujas declarações se nos afiguraram perfeitamente credíveis, tivessem mentido ao dizer que o autor confessou algo que ele não confessara apenas com vista ao seu despedimento.
E se bem que as declarações da testemunha F........ nos pudessem merecer algumas reservas, no sentido de, por si só, conduzir à conclusão de que fora de facto o aqui trabalhador o autor do aludido furto (pois que as chaves do armazém estariam colocadas à disposição de qualquer pessoa que ali se deslocasse, podendo o autor ser assim apanhado, de alguma forma, no seio de um crime não por si cometido), certo é que o mesmo acabou por confessar o dito furto, e a ser assim, se dúvidas existissem, as mesmas foram por si dissipadas. Veja-se que a testemunha F….. reportou a factualidade aos seus superiores, e estes confrontaram o aqui autor, afirmando peremptoriamente em tribunal que aquele lhes admitiu o furto, pedindo para não ser despedido.
Por essa razão julgamos provada e restritivamente provada a matéria constante dos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória.
[...]».
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3.2. O recorrente impugna a decisão de facto fixada na 1.ª instância no que diz respeito à resposta aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória.
Na reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Importando sempre ter presente, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: por exemplo o que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir (vide o Acórdão do STJ de 2008.04.24, Recurso n.º 3057/06, sumariado in www.stj.pt) e no qual não é possível interferir, vg. com a formulação de perguntas que se considerem pertinentes.
Assim, tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os assinalados pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos perante o tribunal a quo [cfr. o artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil], conhecer-se-á do recurso interposto apreciando-se a argumentação da recorrente no sentido de ser alterada aquela decisão.
Vejamos, pois.
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3.2.1. Quanto à resposta aos quesitos 1.º, 2.º e 4.º
Invoca o recorrente que a resposta a estes quesitos deveria ser a de “provado”, ou, quanto ao 4.º, devia considerar-se provada pelo menos a sua primeira parte.
Era o seguinte o teor de tais quesitos:
“1º O autor foi impedido de trabalhar no dia 04//02/2011, dia em que lhe foi comunicado que estaria despedido?
2º Pois que nesse dia, pretendia a ré que o mesmo confessasse um furto de cobre, ao que este se recusou fazer?
4º Só após o sucedido foi então instaurado o processo disciplinar, tendo todo este processo deixado o autor abalado e perturbado?”
A Mma. Juiz que julgou a matéria de facto conferiu resposta negativa aos quesitos 1 .º e 2.º e parcialmente positiva ao quesito 4.º, pois que, quanto a este último, considerou provado apenas o que consta das alíneas C) e D), das quais se retiram as datas da instauração e conclusão do procedimento disciplinar. E fundamentou a sua convicção na interpretação conjugada das testemunhas H......, I….., D......, E...... e, também, do próprio comportamento processual do autor.
O recorrente invoca para fundar as respostas positivas que entende deverem ser dadas aos mesmos, essencialmente, os depoimentos destas mesmas testemunhas e um denominado auto de notícia que consta de fls. 73 e 74, que se mostra subscrito pela testemunha I...... com data de 2011.02.09.
Deve começar por se dizer que quem subscreve este documento de fls. 73-74 é a referida testemunha I......, a qual é trabalhadora da recorrida e responsável pelo seu departamento de manutenção – segundo afirmou a própria e foi confirmado pelas demais, incluindo pelo próprio autor, quando foi ouvido –, nada demonstrando que, apesar da relevância que ora lhe confere o recorrente, as suas declarações de qualquer modo obriguem a recorrida. Em bom rigor, este documento, no qual se relatam acontecimentos que estão em causa nos presentes autos, mais não consubstancia do que um depoimento testemunhal escrito, obtido fora dos condicionalismos prescritos na lei adjectiva, vg. sem observância do contraditório. Uma vez que a testemunha que o subscreveu foi ouvida em tribunal e ambas as partes puderam confrontá-la com as perguntas que bem entenderam e, até, com o próprio por si denominado auto de notícia, torna-se muito reduzido o valor probatório do documento
No que diz respeito especificamente ao quesito 1.º, o recorrente alega que no dia 4 de Fevereiro (6.ª feira) foi pelo menos impedido de trabalhar e que não ficaram dúvidas ao tribunal a quo de que “foi mandado para casa para pensar”. Invoca ainda o depoimento da testemunha D...... que foi peremptória a afirmar que o marido chegou a casa mais cedo nesse dia. E invoca o já referido auto de notícia datado de 9 de Fevereiro, notando que este documento situa a suspensão preventiva de funções apenas no dia 7 de Fevereiro (2.ª feira) mas que logo no dia 4 as testemunhas I...... e H...... falaram com o sócio gerente e decidiram que o trabalhador “não terá mais condições para continuar na empresa”, daqui retirando que o auto de notícia se destinou a camuflar um despedimento já consumado.
Reapreciada a prova produzida, com particular atenção para estes meios probatórios indicados no recurso, devemos dizer que se nos afigura perfeitamente razoável a convicção formada pelo tribunal a quo, exposta lógica e coerentemente no despacho que decidiu a matéria de facto em litígio, quando nele conclui não ter ficado provado que no dia 4 de Fevereiro de 2011 a ré despediu verbalmente o autor.
Com efeito, desde logo as testemunhas Engs. I...... e H...... negaram expressamente que tivessem dito ao autor que o mesmo estava despedido no dia 4 de Fevereiro, dizendo apenas que, depois de nesse dia o terem confrontado com a prática do furto e de o mesmo o ter assumido, lhe disseram haver dois caminhos: desvincular-se voluntariamente da empresa, ou responder em processo disciplinar. Nada nos autoriza a questionar a credibilidade que lhes foi conferida pelo tribunal a quo a estas testemunhas, com a imediação de que dispôs. Pelo contrário, a sua audição através do registo da prova constante do CD apenso, apesar das limitações inerentes a esta forma de apreciação da prova testemunhal, denotou que depuseram de forma que nos pareceu segura, sincera e coerente, não demonstrando qualquer tipo de hostilidade quanto à pessoa do ora recorrente.
Quanto ao dia 7, apenas a testemunha D...... afirmou que as testemunhas I...... e H...... disseram ao marido que ele estava despedido, o que a testemunha E......, que a pedido do autor também o acompanhou naquele dia, não confirmou, apenas se referindo a uma “carta de despedimento” que o autor se negou a assinar (a que a testemunha D…… também alude) e ao facto de não terem permitido ao mesmo trabalhar nesse dia. Nada há a censurar ao tribunal a quo quando o mesmo coloca algum cuidado na análise do depoimento daquela testemunha, que naturalmente pretende ver reconhecido o que seu marido alega e que, quanto aos factos ocorridos no dia 4, não teve intervenção directa nos mesmos, nada havendo susceptível de corroborar a sua afirmação de que foi por ter sido despedido que o marido chegou mais cedo a casa no dia 4.
Quanto à alegação do recorrente relacionada com as datas constantes do denominado auto de notícia e da resposta à contestação, também se nos afigura não serem as discrepâncias que alega suficientes para dar como provado ter sido o A. despedido no dia 4 de Fevereiro de 2011.
Para além do duvidoso valor probatório de tal documento, a verdade é que o relato do mesmo constante de que o autor foi chamado à sala de reuniões quando chegou à empresa para trabalhar no dia 4 (6.ª feira) e de que ali lhe foi dito que teria que abandonar a empresa por livre iniciativa ou através de procedimento disciplinar nada adianta – pelo contrário – quanto à tese de que se verificou nesse dia o despedimento do recorrente. E a referência no mesmo feita a que o A. foi suspenso preventivamente de funções no dia 7 (2.ª feira), quando o auto tem a data de 9, e é alegado na resposta que a gerência da R. só tomou conhecimento dos factos da nota de culpa nesse dia 9, também não é susceptível de levar a concluir, como diz o recorrente, que o auto de notícia apenas se destinou a camuflar um despedimento já consumado. Note-se em primeiro lugar que tudo indica que quem subscreveu o auto não tem formação jurídica, pelo que a referência a suspensão preventiva de funções pode não ter um sentido preciso e rigoroso. Além disso, nesse mesmo auto relata-se também, em conformidade com os depoimentos de H...... e I......, que logo no dia 4 estes abordaram o sócio-gerente da empresa para o colocar ao corrente da situação, o que não significa necessariamente que este tenha desde logo ficado ciente de que era efectivamente o ora recorrente o autor do furto do cobre. Segundo relataram as testemunhas H...... e I......, falaram ao sócio-gerente no dia 4 pela manhã da desconfiança que tinham quanto ao autor do cobre desviado e disseram-lhe que iam confrontar o recorrente com a situação, o que vieram a fazer quando este se apresentou ao serviço nesse dia pelas 15 horas, pelo que nada custa a admitir que apenas em data ulterior o sócio gerente houvesse ficado ciente dos factos já como eles vieram a ser relatados na nota de culpa. E não pode conferir-se à afirmação, relatada no dito auto, de que o trabalhador não terá “condições para continuar na empresa”, o significado de que se verificou nesse dia o despedimento verbal do ora recorrente. Note-se que a intenção de despedimento deve sempre constar de qualquer nota de culpa, sem que a tal se possa atribuir o significado de que tal despedimento se verifica no momento. E é obviamente compreensível que, descobrindo-se o autor de um furto de cobre que se vem verificando numa empresa, o empregador entenda que o mesmo, sendo trabalhador da empresa, não terá condições para ali continuar.
São também acertadas as considerações emitidas pelo tribunal a quo no que diz respeito à conduta processual do recorrente em 1.ª instância, demonstrativa de que se considerou despedido com a decisão proferida no procedimento disciplinar, ao afirmar no formulário inicial que foi despedido em 24 de Março e juntar com o mesmo tal decisão, sendo certo que na resposta à contestação acaba também por referir que no dia 7 de Fevereiro lhe foi dito que estaria suspenso (ver art. 13º), o que contraria o que disse em julgamento bem como as declarações da testemunha D…… ao afirmar que nunca lhe disseram que estava suspenso, nunca ouvira tais palavras, mas sim e, apenas, que estava despedido.
Aliás, perpassa de todos os depoimentos, incluindo do próprio depoimento do autor, o cuidado posto pelos engs. I...... e H...... no sentido de o A. assinar o que denominaram de “carta de despedimento”, após o chamarem no dia 4 para o confrontar com o furto de cobre que se verificava na fábrica e com as suas suspeitas de que ele seria o autor dos mesmos. Senão vejamos. Segundo as testemunhas I...... e H......, depois de o autor ser confrontado nesse dia com o furto e de o ter admitido, disseram-lhe que a situação era muito grave e que só havia dois caminhos, ou deixava a empresa por livre iniciativa ou abririam um processo disciplinar e, perante o estado alterado em que ficou, a chorar e a dizer que não podia ficar sem trabalho, disseram-lhe para ir para casa pensar e que na segunda feira falariam melhor sobre o assunto. Segundo o autor, naquele mesmo dia 4 estes dois engenheiros disseram-lhe para assinar uma “carta de despedimento” o que ele não aceitou, embora refira que logo após lhe disseram ambos “estás despedido”. A testemunha E......, por seu turno, que nunca afirmou em tribunal ter presenciado um despedimento, afirmou que quando foi com o autor à fábrica no dia 7, a pedido do mesmo, “queriam que ele assinasse uma carta de despedimento” e disseram ao autor “que ele disse que assinava”, o que o autor negou. E a própria testemunha D…. que, com a testemunha E......, acompanhou também o autor seu marido no dia 7 quando este foi à fábrica, referiu que lhe foi pedido nesse dia para “assinar a carta de despedimento”.
Ora, perante este cuidado posto pelos superiores do autor em que o mesmo se desvinculasse unilateralmente, não é crível que logo após, sem qualquer cautela, procedessem a um despedimento verbal e com efeitos imediatos.
Reapreciada a prova que se produziu a este propósito, não podemos considerar demonstrado que o recorrente foi verbalmente despedido, quer no dia 4, quer no dia 7 de Fevereiro de 2011, sendo de recordar que incumbia ao recorrente alegar e provar a verificação de tal despedimento verbal, como facto constitutivo do seu direito (cfr. o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Como bem é dito pela Mma Julgadora a quo, um despedimento verbal não pode deixar dúvidas, tem se ser proferido, de forma consciente e expressa, por parte do empregador, não deixando dúvidas ao trabalhador.
Quanto à alegação de que sempre se deveria considerar provada a primeira parte do quesito 1.º – que o A. foi impedido de trabalhar no dia 4 – também não deve a mesma proceder.
Com efeito, o que resulta dos depoimentos das testemunhas H...... e I...... é que disseram ao trabalhador, quando o confrontaram com o furto do cobre e o mesmo admitiu a sua prática, que dada a gravidade da situação o mesmo poderia, querendo, assinar uma carta de despedimento ou, caso contrário, iria ser instaurado processo disciplinar e que ele seria despedido, tendo-lhe sido dito também, face ao estado pesaroso e alterado em que o mesmo ficou, que fosse para casa pensar no que queria fazer e que depois, na 2.ª feira, falariam melhor.
Neste episódio participaram apenas estas duas testemunhas e o autor, sendo que este nunca falou em impedimento de trabalhar, referindo só no seu depoimento que depois de ter dito que não assinava a carta de despedimento como lhe propuseram, lhe disseram “estás despedido”.
Neste contexto de crise que se instalou no dia 4 de Fevereiro – que resulta de todos os referidos depoimentos – cremos que não poderá falar-se propriamente em impedimento de trabalhar nesse dia. Deve ainda notar-se que a prova positiva de tal impedimento, desacompanhada de outros factos que pudessem clarificá-lo no sentido de que o mesmo consubstanciaria um despedimento, sempre careceria de relevância para o desfecho final da acção.
Quanto à resposta ao quesito 2.º, independentemente do que ficou a constar do documento invocado no recurso (auto de notícia), cremos que resulta com clareza dos depoimentos das testemunhas com quem o A. esteve em reunião no dia 4 de Fevereiro que era intenção dos mesmos confrontarem o ora recorrente com o furto do cobre e com os elementos de que dispunham e que as levaram a convencer-se de que era ele o autor do furto, para ver se o mesmo admitia a sua prática. Cremos que esta é uma realidade diversa da perguntada no quesito, que tem ínsita uma pré-intenção de confissão com vista ao despedimento perguntado no quesito anterior, que não vislumbramos em qualquer dos depoimentos ouvidos. É de salientar quanto a este aspecto o depoimento da testemunha I......, que se revelou consternado, e até chocado, de uma forma que nos pareceu sincera, com o facto de o autor ter retirado cobre do armazém da fábrica, uma vez que tinha uma relação de “extrema confiança” com este trabalhador que era seu subordinado há muitos anos e, segundo disse, era a última pessoa de quem desconfiaria.
No que diz respeito ao quesito 4.º, diz o recorrente que não há dúvidas de que o procedimento disciplinar só foi instaurado depois do dia 7 de Fevereiro, pelo que a primeira parte do quesito devia ter sido dada como provada.
Não se entende o objectivo do recorrente com esta impugnação da resposta ao quesito 4.º.
Com efeito, a resposta dada foi restritiva e com essa restrição que lhe foi conferida pelo tribunal a quo, dando como “[p]rovada apenas a matéria constante das als. C-) e D-) da matéria assente”, mostra-se cumprido o objectivo do recorrente, ou seja, retira-se da conjugação dos factos provados que o procedimento disciplinar foi instaurado depois de o recorrente se ter apresentado ao serviço acompanhado de duas testemunhas, ou seja, após 7 de Fevereiro de 2011. É a conclusão que se retira da conjugação dos factos constantes da alínea C) e da resposta ao quesito 3.º (que ficou a constar do ponto 1.º da matéria de facto elencada na sentença) e que o recorrente não impugnou na apelação.
O facto que o ora recorrente pretende ver provado nesta instância assumiria um cariz conclusivo, pelo que não deverá ser autonomamente afirmado na decisão final (cfr. o artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho).
Nada há pois a alterar, também neste aspecto, na decisão de facto do tribunal recorrido.
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3.2.2. Quanto à resposta aos quesitos 5.º e 6.º
Era o seguinte o teor de tais quesitos:
“5º Desde o dia 26 de Janeiro, e até ao dia 03 de Fevereiro, que o autor, por volta das 18h30m-19horas, usando uma chave que existia na manutenção, deslocava-se ao armazém da empresa?
6º Dai retirando cobre lá existente, que guardava na sua mochila?”
A estes quesitos o tribunal a quo considerou “provado” o quesito 5.º e deu uma resposta conjunta aos quesitos 6.º e 7.º, que ficou com a seguinte descrição:
“Provado que o autor retirou cobre existente no armazém, tendo sido confrontado com isso pelos funcionários da empresa I......, este seu superior hierárquico, e H......, acabando por admitir o furto do cobre.”
Invoca o recorrente que a resposta a estes quesitos deveria ser a de “não provado”, com fundamento na contra-prova consistente nos depoimentos da testemunhas do recorrente D...... e E......, bem como na falta de prova credível produzida pela recorrida.
Não se compreende bem esta invocação dos depoimentos de D...... (cônjuge do recorrente) e E...... (pessoa dele conhecida a quem pediu para o acompanhar no dia 7 à fábrica), que só por lapso se pode compreender que tenham sido referidos nas conclusões, já que nenhum deles estava a par da questão das idas ao armazém e da retirada do cobre. Aliás o recorrente não dedica uma palavra no corpo das alegações ao contributo que estes depoimentos poderiam dar para a resposta aos quesitos 5.º e 6.º, aí esgrimindo que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência presenciou a prática de qualquer ilícito por parte do recorrente.
Quanto ao depoimento da testemunha F........, o recorrente invoca que esta testemunha se limitou a ver cobre dentro da sua mochila, sem nunca o ver a lá o colocar e sem que tenha visto se o cobre alguma vez saiu da empresa, que a testemunha confirmou haver várias pessoas com acesso à chave do armazém, que não foi dada explicação plausível para ter sido ela escolhida para estar vigilante em 26 de Janeiro e 3 de Fevereiro e que não se compreende por que não foi o recorrente confrontado com a presença de cobre na sua mochila, embora as testemunhas se refiram a fotografias à mochila que nunca foram exibidas. Alega ainda que a alegada confissão verbal extra-judicial não podia ser valorada como foi e que devem aqui observar-se as regras e princípios do direito processual penal.
É manifesto que, no caso em análise, não há a prova directa da prática do furto do cobre: o autor negou os factos na audiência de julgamento e ninguém presenciou o(s) acto(s) de o mesmo a retirar cobre do bidão no armazém.
A questão é, pois, de valoração da prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções que, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Quando, em determinadas circunstâncias (como geralmente sucede com o momento da subtracção na prática do crime de furto), não se alcança prova directa sobre alguns factos, podem eles ser inferidos dos factos objectivos conhecidos e dados como provados, vistos à luz da normalidade das coisas e mediante raciocínio lógico e indutivo, assim se atingindo um juízo de verosimilhança ou verdade dos primeiros. O fundamento da credibilidade e da suficiência da prova indirecta está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios, de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a afirmação da verificação do facto – cfr. o artigo 655.º do Código de Processo Civil.
A Mma. Julgadora a quo, na ponderação que faz da prova produzida a este propósito não deixa de ter presentes algumas das reservas que o recorrente coloca. Tal é patente no seguinte excerto: “se bem que as declarações da testemunha F........ nos pudessem merecer algumas reservas, no sentido de, por si só, conduzir à conclusão de que fora de facto o aqui trabalhador o autor do aludido furto (pois que as chaves do armazém estariam colocadas à disposição de qualquer pessoa que ali se deslocasse, podendo o autor ser assim apanhado, de alguma forma, no seio de um crime não por si cometido), certo é que o mesmo acabou por confessar o dito furto, e a ser assim, se dúvidas existissem, as mesmas foram por si dissipadas. Veja-se que a testemunha F….. reportou a factualidade aos seus superiores, e estes confrontaram o aqui autor, afirmando peremptoriamente em tribunal que aquele lhes admitiu o furto, pedindo para não ser despedido”.
Resulta pois claro que o tribunal recorrido não valorou atomisticamente o depoimento da testemunha F........ - cuja relação com o recorrente era, no dizer da mesma, “razoável” -, e que conferiu grande importância e credibilidade aos depoimentos dos engenheiros I...... e H......, demonstrando ter ficado sem dúvidas de que o autor confessou a estes o furto do cobre. É o que resulta claramente também do seguinte excerto da fundamentação da decisão de facto: “Aliás, e se assim não fosse, dizendo o autor que nunca teve problemas na empresa, que sempre teve bom relacionamento com os engenheiros H...... e I......, e dizendo estes que aquele era um bom funcionário, cumpridor e merecedor de confiança ao longo dos anos da relação laboral, não teria qualquer sentido que os aludidos engenheiros, cujas declarações se nos afiguraram perfeitamente credíveis, tivessem mentido ao dizer que o autor confessou algo que ele não confessara apenas com vista ao seu despedimento”.
Ora, ouvindo de novo os depoimentos das testemunhas I......, H...... (ambos engenheiros a exercer funções na fábrica e já referidos neste texto) e F........ (este colega de trabalho do autor que foi incumbido de vigiar as movimentações no armazém no segundo turno da noite, quando se começou a constatar a falta de cobre), nos excertos assinalados pelo recorrente, mas também perspectivando a globalidade de tais depoimentos, entendemos que os vários factos pelas mesmas percepcionados e de que mostraram ter conhecimento, conjugados entre si, levam à convicção de que corresponde à verdade o que ficou relatado nos pontos 2.º e 3.º da sentença recorrida, correspondentes, respectivamente, à resposta ao quesito 5.º (o ponto 2.º) e à resposta aos quesitos 6.º e 7.º (o ponto 3.º).
Na verdade, afigura-se-nos desde logo compreensível, que numa empresa em que se começa a detectar a falta de cobre num armazém que se encontra fechado à chave, embora com a chave num chaveiro a que os trabalhadores têm acesso, se façam diligências para perceber quem retira o cobre e se incumba a pessoa que referiu aos superiores ter visto várias vezes a porta do armazém entreaberta, de vigiar os movimentos que ali se processam. A forma como tudo se processou – com um trabalhador electricista a vigiar os movimentos de entrada e saída do armazém dos outros trabalhadores do 2.º turno (das 15 às 24 horas), particularmente do recorrente – não pode obviamente merecer o aplauso de ninguém, sendo nosso entendimento que com base unicamente no que esta testemunha “vigilante” relatou, não poderia afirmar-se ter o recorrente cometido o furto do cobre.
Simplesmente, não temos apenas o depoimento desta testemunha que viu o autor a sair do armazém com um saco, o que não era normal, e que, entre 26 de Janeiro e 3 de Fevereiro, viu todos os dias cobre na sua mochila, factos estes que naturalmente indiciam a prática, pelo autor, do furto do cobre que tinha em seu poder. Temos também o relato desta e das testemunhas engenheiros de que o cobre era pesado e ía faltando sempre da noite para o dia seguinte, sendo o que faltava superior à saída normal para o processo produtivo. E temos o ulterior comportamento do autor que assumiu ter tirado cobre do armazém, o que foi dito directamente a estas duas pessoas a que a Mma, Juiz a quo conferiu credibilidade.
Não pode esquecer-se que é o tribunal recorrido o que melhor posicionado está para apreciar a credibilidade dos depoentes, pois que beneficia da imediação e da possibilidade de percepcionar todo o comportamento verbal e não verbal de todos aqueles com quem se confrontou, particularmente no momento em que procedeu à acareação.
E deve notar-se que o recorrente não pôs em causa no recurso a credibilidade destas testemunhas I...... e H......, apesar de na audiência ter negado ser verdade que lhes confessou o furto, o que não mereceu crédito ao tribunal recorrido, no confronto com os outros depoimentos.
Finalmente, nada obsta a que se confira relevo probatório aos depoimentos das testemunhas I...... e H...... no excerto em que relatam o que directamente lhes foi dito pelo autor.
Não pode confundir-se o que ocorre com uma investigação criminal, em que uma confissão formal efectuada aos órgãos de polícia criminal será sempre insuficiente para uma incriminação (desde logo pelas limitações impostas pelos artigos 356.º e 357.º do Código de Processo Penal). Movemo-nos aqui ao nível de uma empresa em que há indícios de que alguém furta cobre, em que se levantam suspeitas sobre uma pessoa e em que essa pessoa, confrontada pelos superiores com tais suspeitas e com as provas que estes entendem demonstrar o furto, começa por negá-lo, aceita depois tê-lo feito por uma vez e acaba por referir que o fez por mais vezes, começando a chorar. É absolutamente compreensível que perante esta atitude (e confiando que a mesma não vai mudar) os superiores entendam que nada mais é necessário para comprovar o furto. É paradigmático o que diz a testemunha Eng. I….. a este propósito: “Eu não entendo. Se a pessoa diz «eu roubei» não é ela?
De todo o modo, e uma vez que o recorrente também invoca o argumento de que neste domínio devem ser observados os princípios do direito processual penal, deve dizer-se no âmbito do processo penal é possível valorar o depoimento de alguém a quem, fora do ambiente formal de um procedimento criminal, o autor de factos que podem acarretar responsabilidade criminal relata tê-los praticado[1].
Mesmo relativamente a órgãos de polícia criminal, tem-se entendido, é certo, serem irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos de um processo, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe (para que se não frustre o direito do arguido ao silêncio). Mas também se tem sustentado que as coisas se passam de forma diferente quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia e ainda não há um inquérito: aí compete ao agente de autoridade praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP), não sendo proibidos os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação praticadas no cumprimento da sua missão policial, os quais devem ser valorados como prova válida e atendível para determinar em julgamento a autoria dos factos[2].
Em suma, perante os indícios que se extraem do depoimento da testemunha F........, complementados com a confissão efectuada pelo ora recorrente às testemunhas engenheiros I…. e H...... – cujos depoimentos, reiteramos, nos pareceram seguros, sinceros e coerentes, não demonstrando qualquer tipo de hostilidade quanto à pessoa do ora recorrente –, entendemos ser perfeitamente razoável e conforme com as regras da experiência comum a convicção firmada pelo tribunal a quo de que o ora recorrente praticou os factos relatados na matéria de facto, vg. retirando do armazém da recorrida cobre que guardava na sua mochila.
Deve notar-se ainda que, em bom rigor, o recorrente não impugna formalmente no recurso que admitiu a prática daqueles factos no dia 4 de Fevereiro de 2011, pois que apenas questiona as respostas aos quesitos 5.º e 6.º, sendo certo que este último (onde se perguntava se o autor retirou o cobre e o guardou na sua mochila) foi respondido em conjunto com o quesito 7.º (onde se perguntava se “no dia 04/02 o autor foi confrontado com os factos ocorridos e testemunhas que o presenciaram – I...... e H...... –, acabando por admitir o furto do cobre”). A resposta conjunta aos quesitos 6.º e 7.º veio dar origem ao ponto 3.º da matéria de facto da sentença onde ficou a constar que: “O autor retirou cobre existente no armazém, tendo sido confrontado com isso pelos funcionários da empresa, I......, este seu superior hierárquico, e H......, acabando por admitir o furto do cobre.” Deduzindo a sua impugnação apenas contra a resposta aos quesitos 5.º e 6.º (e nunca referenciando o 7.º nas alegações e nas conclusões), é manifesto que acatou a resposta conjunta dada aos quesitos 6.º e 7.º na parte em que a mesma incidia sobre os factos perguntados no quesito 7.º, pelo que, verdadeiramente, apenas estava impugnado no recurso se “o autor retirou cobre existente no armazém”.
E este facto foi julgado como “provado” pela Mma. Julgadora a quo sem que, como resulta do exposto, nesta instância se considere haver erro de julgamento na atinente decisão factual.
Improcede, totalmente, o recurso interposto em sede de matéria de facto.
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4. Fundamentação de direito
4.1. Alega o recorrente ter sido vítima de um despedimento verbal em 4 de Fevereiro de 2011, radicando esta sua alegação na alteração que defendia à resposta ao quesito 1.º da base instrutória.
Por força da decisão proferida quanto à impugnação da matéria de facto, em nada foi alterado o quadro factual sobre que o tribunal recorrido se debruçou, do mesmo não podendo retirar-se que a recorrida despediu o recorrente naquele referido dia sem precedência de procedimento disciplinar.
Improcede, pois o recurso quanto a esta questão.
4.2. Resta aferir se o despedimento do ora recorrente verificado em 2011.03.21 na sequência do procedimento disciplinar instaurado se fundou, ou não, em justa causa, o que deverá ser analisado à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei], pois que os factos em causa ocorreram já na vigência do mesmo.
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4.2.1. O artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
A metodologia utilizada pelo legislador da LCCT[3] para regular o despedimento por motivo imputável ao trabalhador foi retomada nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009. Com referência este último, a lei começa por apresentar uma cláusula geral de justa causa que integra com recurso a diversos critérios (art. 351.º, n.º 1); depois enumera um conjunto de situações típicas de justa causa para despedimento (art. 351.º, n.º 2); e por fim apresenta alguns critérios de apreciação das situações de justa causa no quadro da empresa (art. 351.º, n.º 3)[4]
A noção de justa causa decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Tem a jurisprudência considerado, a propósito destes elementos da justa causa:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica[5].
Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, ao “quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”.
Há-de, outrossim, ter-se presente que o despedimento se apresenta, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, pois que, tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo principio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas.
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4.2.2. Na decisão proferida no processo disciplinar instaurado pela R., esta fez assentar o despedimento do A. no comportamento ali relatado – de forma que não podemos reputar de muito ortodoxa, na medida em que frequentemente ali se confunde a descrição de factos com o relato de meios de prova, o que veio a condicionar a própria decisão de facto que foi proferida na presente acção –, concluindo que tal comportamento constitui justa causa de despedimento.
A sentença da 1.ª instância considerou que o comportamento do recorrente violou o dever de lealdade, constituindo por isso infracção disciplinar, e concluiu pela licitude do despedimento por considerar que os factos imputados e apurados integram o conceito de justa causa de despedimento.
Para sustentar esta sua decisão, depois de proferir doutas considerações sobre o conceito de justa causa de despedimento e o ónus da prova nestas acções, ponderou o seguinte:
«Entre os deveres do trabalhador, e para o que agora interessa, surge o dever de lealdade, expressamente referenciado no artigo 128º, nº 1 alínea f) do CT.
Tal dever de lealdade é hoje visto como obrigação acessória de conduta, que radica na boa fé, e que decorre do princípio geral fixado pelo artigo 762º do CC (Cfr. FERNANDES, ANTÓNIO MONTEIRO, “Direito do Trabalho”, Livraria Almedina, 2004, pág. 230 e ss), constando do enunciado legal já citado um catálogo exemplificativo, a que acrescem outras, de conteúdo positivo ou negativo – contando-se, entre estas, a obrigação de não apropriação de bens da entidade empregadora (Cfr. MARTINEZ, PEDRO ROMANO, “Direito do Trabalho”, Livraria Almedina, 2002, pág. 456-457).
Ora, dos factos provados, parece-nos que tal normativo foi, sem sombra de dúvidas, violado.
Vejamos pois.
Ficou provado que desde o dia 26 de Janeiro, e até ao dia 03 de Fevereiro, o autor, por volta das 18h30m-19horas, usando uma chave que existia na manutenção, deslocava-se ao armazém da empresa, e dai retirou cobre existente no armazém, tendo sido confrontado com isso pelos funcionários da empresa, I......, este seu superior hierárquico, e H......, acabando por admitir o furto do cobre, tendo, nervoso e emocionalmente instável, pedido para não ser despedido, pois que não voltaria a fazer a mesma coisa.
Tal confissão do trabalhador, comprovativa do ilícito praticado, é, quanto a nós suficiente para pôr fim à relação de trabalho.
Com efeito, a quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, conduz à conclusão de que deixa de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Na sua obra, Monteiro Fernandes diz-nos “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…). Basicamente preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Importa, todavia, não esquecer que, sendo o despedimento a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador, na medida em que é a única que quebra, desde logo, o vínculo laboral até aí existente entre as partes contratantes, a mesma só deve ser aplicada relativamente casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adopção de uma sanção correctiva mas conservatória da relação laboral. Isso verificar-se-á apenas quando a conduta violadora assumida, culposamente, pelo trabalhador ponha, definitivamente, em causa a relação de confiança em que assenta o referido vínculo laboral.
Para nós, o desvalor da acção aqui em causa (mesmo que se traduzisse numa simples tentativa frustrada de furto, que não foi, e independentemente do valor da coisa em si, que não apuramos), que está na acção propriamente dita e não no valor pecuniário que ela em si mesmo encerra, atento o tipo de relação de que cuida a laboral (contrato intuitus personae), com as suas especificidades, é por si só suficiente para legitimar a empregadora a despedir o seu trabalhador, pondo fim, por se tornar insubsistente, a relação laboral.
O comportamento adoptado pelo autor, mesmo que assumido pela primeira vez ao serviço da ré, mesmo que por si confessado, com a promessa de não se voltar a repetir, apresenta-se dotado de uma tal gravidade que, por si só, e independentemente do valor do objecto furtado (cobre), põe em causa, de uma forma que consideramos irreversível, a base de confiança que se exige na execução de uma relação laboral. Apenas a empregadora poderia, assim o entendendo, dar nova oportunidade ao seu colaborador, se entendesse que, pese embora aquela conduta, pudesse nele novamente confiar. Assim não sendo, optando por o despedir, o tribunal deve, por entender que tal sanção é adequada à situação dos autos, concluir pelo despedimento justificado e adequado, proferido no âmbito e como culminar de um procedimento disciplinar regular e licito (dado que pela leitura do mesmo não vislumbramos nenhuma irregularidade ou nulidade cometida nem tanto foi invocado pelo autor).
E, a ser assim, forçoso se torna concluir que logrou a empregadora demonstrar os factos invocados para o ocorrido despedimento, não lhe sendo exigível, de forma alguma, manter o contrato de trabalho, o que leva ao falecimento da pretensão do aqui autor.»
Concordamos na sua essencialidade com estas considerações, com excepção do enfoque que é posto na imputação da causa da inexigibilidade da relação de trabalho à confissão do trabalhador.
Na verdade, o que assume relevo disciplinar e se projecta na relação laboral é a prática do ilícito em si (o furto do cobre), não a confissão do trabalhador.
O que faz quebrar a confiança que constitui a base do contrato é a atitude camuflada do trabalhador que se apropria de bens do seu empregador e não a sua confissão destes factos. Aliás, deve dizer-se que esta atitude confessória, revelando a responsabilização pessoal pela prática de um acto errado, se fosse seguida de outro tipo de atitudes demonstrativas de retratação ou similares, poderia levar a que se considerasse mitigada a culpa.
Mas não foi isso que sucedeu, já que o trabalhador, apesar de confessar a prática do furto, mudou inexplicavelmente de atitude de um dia para o outro, dando o dito por não dito, o que retira à confissão feita a sua aptidão reveladora de arrependimento e de assunção de responsabilidade pelos actos praticados.
Invoca o recorrente que se ignora os dias em que os alegados furtos ocorreram, não foi feita qualquer prova quanto à quantidade de cobre alegadamente furtado, nem quanto ao seu valor, que não foi demonstrado qualquer prejuízo e que, em qualquer caso, a sanção de despedimento não se revela ajustada aos factos provados e à antiguidade do recorrente e ao seu comportamento anterior.
Ora resulta dos factos provados que os furtos ocorreram desde o dia 26 de Janeiro até ao dia 3 de Fevereiro, por volta das 18.30 – 19 horas, estando pois determinados os dias e, aproximadamente, as horas, da sua prática.
Quanto à quantidade de cobre retirado, o seu valor e o inerente prejuízo, é certo que nada ficou provado a tal propósito mas, para estes efeitos de aferir da violação do dever de lealdade no âmbito de uma relação de trabalho e de ponderar os reflexos do comportamento do recorrente na relação de confiança subjacente ao vínculo laboral, cremos ser irrelevante a inexistência de tal prova desde que apurado – como ficou – que o recorrente retirou cobre do armazém da empresa e o colocou na sua área de disponibilidade.
Com efeito, e como há longo tempo salienta a jurisprudência, a diminuição da confiança resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos, bastando a criação de uma situação apta a causar prejuízos[6].
De todo o modo, quanto ao facto de ter o cobre valor comercial, tal constitui um facto notório, a que este tribunal terá que atender por força do que estabelece o artigo 514.º do Código de Processo Civil[7].
Mostra-se, pois, preenchida a primeira condição da justa causa de despedimento: a existência de um comportamento do trabalhador violador de deveres de conduta inerentes à disciplina laboral – o ora recorrente violou o dever de lealdade que se mostra previsto no artigo 128º, nº 1 alínea f) do Código do Trabalho –, culposo e grave.
Passando para a averiguação da existência da impossibilidade prática da relação de trabalho ou da "inexigibilidade" da sua subsistência, deve dizer-se que a mesma deve ser feita em concreto, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença e pressupõe um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade e normalidade[8].
A subsistência da relação de trabalho é neste sentido impossível quando, à luz deste juízo, se conclua que a ruptura é irremediável e, portanto, nenhuma outra medida se revela adequada a sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador[9].
Invoca o recorrente a este propósito ser inadequada a sanção de despedimento aos factos provados, à antiguidade do recorrente e ao seu comportamento anterior.
Ora, se é certo que estas circunstâncias são relevantes e devem estar presentes no horizonte de quem procede a esta análise, entendemos que as mesmas não têm peso suficiente para tornar injustificado o despedimento e implicarem a aplicação de uma sanção menos gravosa.
Na verdade, é manifesta a gravidade dos factos apurados, a lesão de interesses da recorrida que os mesmos implicam e a sua aptidão para quebrar a relação de confiança que constitui a base de uma relação contratual de natureza laboral.
Não pode esquecer-se que a exigência geral da boa fé na execução dos contratos genericamente prevista no art. 762º do Código Civil, assume especial acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra[10].
Como pode a R. confiar num trabalhador que, em segredo, retira cobre de um armazém da fábrica onde trabalha a cujas chaves tem acesso e o guarda para si na sua mochila?
A subtracção do cobre, a caracterizar um ilícito criminal doloso (furto), constitui acto que merece forte e generalizada reprovação, maior ainda quando cometido no desempenho de funções profissionais em que o empregador coloca os seus bens à mercê do trabalhador, confiando em que este respeita a sua propriedade.
Tendo assim o trabalhador violado basilares princípios de fidelidade e honestidade e adoptado um comportamento merecedor de elevada censura, a sua antiguidade (de 18 anos) e a inexistência de notícia de que haja sido anteriormente objecto de sanção disciplinar, não são suficientes para atenuar a gravidade do comportamento por si prosseguido e levar a concluir que o despedimento constituiu uma sanção excessiva. Como tem sido salientado na jurisprudência, o facto de o trabalhador estar há longo tempo ao serviço do empregador actuando com lealdade torna mais grave a violação deste dever, por representar um abuso da maior confiança que, devido à duração regular da prestação laboral, nele normalmente devia depositar o empregador. Como geralmente é dito, “[o] seu passado sem faltas impunha-lhe proceder de harmonia a não trair a confiança que esse mesmo passado inspiraria”[11].
Em suma, e como decorre do exposto, o comportamento prosseguido pelo recorrente é grave e justifica plenamente, à luz do critério objectivo do "empregador razoável", que tenha levado a recorrida a instaurar o procedimento disciplinar e a concluir no mesmo pela aplicação da sanção do despedimento, por estar integrado o conceito de "justa causa", tal como é enunciado no artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
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Improcedem as alegações do recorrente, merecendo confirmação a sentença recorrida.
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Uma vez que o recorrente não obteve vencimento no recurso que interpôs da sentença final, deverá suportar as custas (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 4 de Fevereiro de 2013
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
_________________________
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - Nada obsta a que em audiência de julgamento se confira relevo probatório aos depoimentos de testemunhas no excerto em que estas relatam o que directamente lhes foi dito pelo trabalhador antes da dedução da nota de culpa, a propósito dos factos que a este são imputados na decisão de despedimento.
II - O comportamento do trabalhador que retira cobre do armazém do seu empregador ao longo de uma semana e o guarda na sua mochila é violador do dever de lealdade.
III - A diminuição da confiança resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da quantificação dos prejuízos, bastando a criação de uma situação apta a causar prejuízos.
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[1]Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2009.05.25, Processo n.º 359/06, in www.colectaneadedejurisprudência.com, segundo o qual “quando uma testemunha relata que o arguido lhe disse que foi participante num furto e até lhe indica, com pormenores posteriormente confirmados, onde se encontram os objectos furtados, não está, quanto a essa conversa, a depor indirectamente, mas a relatar factos concretos por si directamente ouvidos e vistos”. Diz-se neste aresto que quando alguém relata factos que directamente viu ou ouviu sobre a ocorrência e autoria de um crime, está, nos termos do artº 128º, nº 1, a prestar depoimento directo, válido e legal, a ser sujeito às regras da livre apreciação prescritas no artº 127º do Código de Processo Penal. Se uma testemunha conta que o arguido lhe disse que foi participante num furto e até lhe indica, com pormenores muito significativos (posteriormente confirmados), onde se encontram os objectos furtados, não está, quanto a essa conversa, a depor indirectamente, mas a relatar factos concretos por si directamente ouvidos e vistos e que, aliás, têm relevo decisivo para a descoberta da verdade material, cabendo ao Tribunal que os ouve analisá-los e trabalhá-los no seu livre critério, para, a seguir, conjugando-os com outros, fazer a subsunção ao direito quanto aos factos para os quais o depoimento dessa conversa, esse sim, é prova indirecta. O conhecimento que a testemunha transmite naquele depoimento é aquele que ela própria adquiriu através dos seus próprios sentidos e, visto que ouvir de um arguido que ele praticou um facto criminoso e reproduzir isso em Tribunal não é ilegal, cabe ao Tribunal analisar e avaliar essa prova como contributo para a procedência ou não da acusação.
[2] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.02.15, Proc. n.º 4593/06 - 5.ª Secção e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2008.07.09, processo n.º 601/07.6GBCNT.C1, in www.dgsi.pt, que decidiu dever ser “valorado em audiência de julgamento [em que se julgava um crime de condução sob a influência do álcool] o depoimento de um agente da autoridade que ,no exercício das suas funções, ao tomar conta de uma ocorrência, foi informado por um interveniente em acidente de viação, que era ele o condutor”, assim revogando a sentença que absolveu o arguido por não valorar aquele depoimento policial.
[3] Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
[4] Vide M. do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 806, no que diz respeito ao Código do Trabalho de 2003.
[5] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt
[6] Vide os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.12 (Recurso n.º 4017/00) e de 2006.05.03 (Recurso n.º 3821/05), ambos da 4.ª Secção.
[7] Embora nos não situemos já no âmbito da reapreciação da decisão de facto, deve notar-se que não é correcta ou, pelo menos, não é completa, a alegação do recorrente feita nesta sede de impugnação da decisão de direito de que a testemunha I...... disse que o cobre “não vale nada” e que foi a única que a tal se referiu. Se é certo que o disse, quando no seu depoimento revelava que não entendia porque é que o autor tomou aquela atitude, é também certo que, quando após foi expressamente confrontada com a questão de saber se o cobre furtado tinha ou não valor, respondeu: “Tem valor comercial. Mas não é ouro, é cobre” (a partir do minuto 00.37 do seu depoimento), o que é revelador de que, também na perspectiva da testemunha, o cobre tem efectivamente valor.
[8] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.31, proferido na Revista n.º 704/01 da 4ª Secção, de 2003.02.19, proferido na Revista n.º 2673/02 da 4ª Secção e de 2003.02.26, proferido na Revista n.º 1198/02 da 4ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt
[9] Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 551 e ss., Jorge Leite e C. Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985 pp. 248 ss., B.Lobo Xavier, "Da justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova" in R.D.E.S., 1988, pp.1 ss e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.01.17, proferido na Revista n.º 3318/00 da 4ª Secção, de 2001.10.11, proferido na Revista n.º 591/01 da 4ª Secção, de 2001.12.12, proferido na Revista n.º 2167/01 da 4ª Secção e de 207.06.21, Recurso n.º 3540/06 - 4.ª Secção, também sumariados in www.stj.pt
[10] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Recurso n.º 2842/06 - 4.ª Secção.
[11] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 87.7.17 in Ac. Dout.nº314, p.187, de 2000.02.02, Revista n.º 256/99 - 4.ª Secção, de 2001.10.17 proferido na Revista n.º 700/01 da 4ª Secção e o Acórdão da Relação de Lisboa de 89.11.7 in C.J.V, p.161