Respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança, não é necessário, quanto a ele, proceder a protesto (art.ºs 53.º e 78.º da LULL).
1. Relatório
”A....”, em 9 de Março de 2009, instaurou, no Tribuna Judicial da Comarca de Nelas, contra B.... e C....., execução comum para pagamento da quantia de € 60.544,62, acrescida de juros de mora vencidos desde 1.12.08 até 6.3.09, na importância de € 444,55, ou seja, do valor global de € 60.989,17, resultante da falta de pagamento de uma livrança avalizada pelas executadas, cujo original foi, entretanto, junto aos autos, de que a exequente é beneficiária e subscritora “D....” e através da qual esta prometera pagar à exequente tal quantia, na data do seu vencimento, em 1.12.2008.
Com fundamento em que da livrança não consta nenhuma cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”, nem indicação de que a mesma foi apresentada a pagamento, nem em que data, nem foi junto instrumento notarial de protesto e de que o título dado à execução apenas poderia valer como quirógrafo e relevar no âmbito das relações imediatas, o que não é o caso, do aval, a Ex.ma Juíza a quo, considerando haver manifesta falta de título executivo, rejeitou oficiosamente a execução e condenou em custas a exequente.
Inconformada com o assim decidido, recorreu a exequente, em cujas alegações verteu as seguintes conclusões:
a) – O despacho recorrido, que rejeitou oficiosamente a execução e a condenou em custas, com motivo em falta de título executivo, é incorrecto;
b) – Do título executivo dado à execução – livrança – consta o aval prestado pelas executadas, o qual garante ou cauciona a obrigação assumida pela subscritora perante a recorrente nos mesmos termos que o aceitante;
c) – Sendo o dador de aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada, nos termos do art.º 32.º da LULL, não se torna necessário o protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista do aceitante ou subscritor da livrança, pela simples razão de que tal protesto é também dispensável para responsabilizar judicialmente o próprio aceitante ou subscritor;
d) – Este tem sido o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência
Concluiu pela revogação da decisão recorrida e prosseguimento da execução contra as avalistas.
Não consta dos autos ter sido apresentada resposta.
Cumpre decidir, sendo que a única questão a apreciar é esta:
- Se constitui, ou não, título executivo a livrança junta à execução para pagamento de quantia certa com base no aval das executadas, não obstante não conter cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”, nem indicação de haver sido apresentada a pagamento, nem submissão a protesto.
Vejamos.
2.1 De facto
A factualidade relevante para a decisão resume-se à seguinte:
a) – A exequente deu à execução a livrança de fls. 9, subscrita por “ D...” e mediante a qual lhe prometeu pagar a quantia de € 60.544,62, na data do seu vencimento, em 1.12.2008;
b) – No verso desse título cambiário consta a expressão “bom por aval ao subscritor”, assinada pelas executadas B... e C...;
c) – Da livrança não consta nenhuma cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”, nem indicação de ter sido apresentada a pagamento, nem foi junto instrumento notarial de protesto.
Como é sabido, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o seu objecto, não podendo ser apreciada matéria diversa da aí não contida, salvo se de conhecimento oficioso (art.ºs 684.º, n.º 3 e 685-A, n.º 1, do CPC).
E a questão que nos vem submetida, acima equacionada, é, afinal, saber se pode constituir título executivo uma livrança accionada contra os avalistas sem haver sido submetida a protesto.
Nos termos do art.º 46.º, n.º 1, alín. c), do CPC constituem título executivo os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (…) e, de acordo com o seu n.º 2, consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.
Ora, é aí que, indiscutivelmente, se insere, como título executivo, uma livrança que, para ser válida, deve obviamente preencher os requisitos definidos pela Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL – diploma a que, a seguir, nos referiremos).
Recordando, o aval é o acto pelo qual um terceiro ou signatário de letra de câmbio ou livrança (avalista ou dador de aval) garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores (avalizado) (art.ºs 30.º e 77.º).
O avalista é considerado responsável “da mesma maneira” que o avalizado (art.ºs 32.º e 77.º).
Protesto é o acto jurídico formal efectuado perante um notário, destinado a certificar a falta de aceite ou de pagamento de uma letra ou livrança por parte do sacado ou subscritor (função de segurança), dar conhecimento desta aos demais subscritores cambiários (função informativa) e a salvaguardar os direitos do portador da letra ou livrança (função conservatória).[1]
Pode haver lugar a dispensa de protesto por motivo de ordem legal (falência ou insolvência do sacado – art.ºs 43.º e 44.º - ou motivo insuperável ou força maior – art.º 54.º, aplicáveis à livrança, nos termos do art.º 77.º) ou voluntário, com a inserção no título da cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”, ou equivalente (art.ºs 46.º e 77.º).
Ora, se bem que a própria decisão recorrida tenha dado como provada a insolvência de uma das executadas (B....) (e, daí, a dispensa legal de protesto, quanto a ela), é verdade que do título exequendo não constam tais cláusulas.
Todavia, o art.º 53.º exceptua o aceitante (e os art.ºs 77.º e 78.º o subscritor na livrança) da necessidade de protesto e na excepção não pode deixar de estar abrangido o avalista do aceitante, na medida em que, como vimos, assume a mesma obrigação cambiária que o avalizado.
Sendo mais claro, não é necessário o protesto da livrança para accionar o avalista do subscritor (ou, no caso de letra, o avalista do aceitante).
É esta a posição de há muito seguida pela larga maioria dos autores e dos tribunais portugueses.[2]
Assim sendo, porque o título dado à execução é apto a suportar o direito de acção do portador da livrança, na procedência das conclusões recursivas da apelante, importa revogar o despacho recorrido, a fim de ser substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução contra as executadas avalistas.
- Respondendo o avalista nos mesmos termos que o subscritor da livrança, não é necessário, quanto a ele, proceder a protesto (art.ºs 53.º e 78.º da LULL).
Face a todo o exposto, na procedência da apelação, acordam em revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução, contra as executadas.
Sem custas (art.º 2.º, n.º1, alín. o), do CCJ).
[1] José A. Engrácia Antunes, “Os Títulos de Crédito”, Coimbra Editora, 2009, pág. 90.
[2] Abel Pereira Delgado, “LULL, Anot.”, 4.ª ed., pág. 161 e José A. Engrácia Antunes, ob cit., pág. 92 e, em breve resenha, os Acs. do STJ de 19.3.81, Proc. 069104, 8.1.91, Proc. 080784, 12.12.91, Proc. 082467, 18.4.95, Proc. 087870, 14.11.96, Proc. 97B093, 9.12.97, Proc. 98B626, 11.11.04, Proc. 04B3453 e 9.9.08, Proc. 08A1999, todos no ITIJ.