CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE VEÍCULO COM MOTOR
Sumário

1.Não satisfaz as exigências mínimas de prevenção geral nem se mostra adequada à culpa concreta, a pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada a agente que, pese embora ter confessado e estar inserido familiar e profissionalmente, conduz na via pública veículo automóvel com uma taxa de álcool 3,84g/l, não obstante saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais,
2.A confissão tem muito reduzido valor atenuativo quando o condenado é detido flagrante delito.

Texto Integral

RELATÓRIO

            Em processo sumário do 2ª Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, o arguido F, foi submetido a julgamento, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 6,50.

            Foi ainda o arguido condenado na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, nos termos do artº 69º nº 1 a) CP.

            Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:

            “ A- A sanção de inibição de conduzir deve, in casu, ser fixada em período não inferior a 11 meses;

            B- Foram violadas as normas do artº 69º e 71º, ambos do Código Penal;

            C- Com efeito a aplicação do artº 69º do CP tem de se articular com o disposto no artº 71º do CP;

            D- E em obediência ao disposto no artº 71º do CP a medida da sanção acessória tem de se fundamentar devidamente na culpa, nas exigências de prevenção e no grau de ilicitude e na intensidade do dolo.”.

            Respondeu o arguido, pugnando pela manutenção da douta sentença.

            Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer é do entendimento que o recurso deve merecer provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

            É a seguinte a matéria de facto dada como provada:

            “ 1. No dia 4 de … de 2009, pelas 01 h20m, na Rua de Olivença, em Alcobaça, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro mistos, com a matrícula NC-… fazendo-o com uma TAS de 3,84 g/l.

            2. Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas, o que sabia, e, não obstante, quis conduzir, como conduziu, o referido veículo.

            3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, no exercício da condução automóvel de veículo na via pública, não obstante saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais.

            4. O arguido sabia ainda que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.

            5. No exercício da actividade profissional o arguido aufere, em média, cerca de 500,00 € mensais.

            6. Sua esposa é doméstica

            7. Como encargos mensais fixos suporta a renda de casa no valor de 125,00 € mensais.

            8. O arguido, como habilitações literárias, tem o 4.° ano de escolaridade.

            9. O arguido confessou os factos constantes da acusação de forma livre, integral e sem reservas.

            10. Revelou atitude contrita.

            11. Do seu certificado de registo criminal nada consta.”


*

            As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.

            Assim a divergência do Ministério Público assenta apenas na medida da pena acessória de inibição de conduzir.

            Passemos pois à sua análise.

            Entende o recorrente que tal pena deve ser elevada para não menos de 11 meses, face à elevada TAS com que o condutor conduzia.

            Vejamos.

            Estabelece o artº 69º nº 1 a) do Código Penal que é    condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto no artº 292º .

            Ora o arguido ao conduzir veículo automóvel com uma taxa de 3,84 g/l, incorreu  na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pois que o artº 292º CP criminaliza como tal a  condução de veículo com  taxa igual ou superior a 1,2 g/l.

            Daí que ao arguido, para além da pena prevista no artº 292º CP, se aplique ainda a pena acessória prevista no citado artº 69º nº 1 a) do mesmo diploma.

            O Tribunal entendeu fixá-la em quatro meses.

            Como é sabido para  graduar quer a pena principal quer a pena acessória deve atender-se à  culpa, às exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (artº 71º do CP).

            A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar  que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool.

            Como se refere no Manual de Alcoologia para o Clínico Geral[1] “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobreestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos,... são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais.

            Portanto o álcool desempenha um papel não somente como factor de risco de acidente, mas também na gravidade do mesmo.

            De acordo com o fenómeno da multiplicação de RISCO, de Freudenberg, verifica-se que este não cresce proporcionalmente com os valores da alcoolémia.

            Assim, em relação a um condutor abstinente, um outro com uma alcoolémia de 0,5 gramas/litro está sujeito ao dobro do risco, um segundo com a de 0,8 gramas/litro, ao quádruplo do risco do primeiro, e um terceiro com a de 1,5 gramas/litro passa a estar sujeito a um risco dezasseis vezes maior.”

            É que a taxa a que o arguido conduzia é exactamente aquela em que se considera estar sob o estado de embriaguez profunda, topor alcoólico de dupla visão e condução impossível.

            Como referem aqueles autores[2], a alcoolémia superior a 2 gramas por litro, caracteriza-se “ por alterações muito marcadas – a nível de pensamento, da atenção, da esfera sensorial, da sensibilidade, da coordenação motora e do equilíbrio”.

            Ora quem, como o arguido, se coloca voluntariamente numa situação destas, pondo em perigo não só a sua vida mas também a daqueles que com ele se cruzam na estrada, não só o desabona em termos de personalidade como torna ainda mais censurável a sua conduta, pois revela o desrespeito que lhe merecem todos aqueles que circulam ou andam na via pública.

            Por outro lado há que ter igualmente em conta que o legislador, consciente do contributo que a condução sob o efeito do álcool constitui para a alta sinistralidade rodoviária, classificou a condução sob esse efeito, e acima de taxa de 1,2 g/l, como conduta que viola de forma muito grave e perigosa as regras de trânsito rodoviário ( Cfr. artº 146º j) do Código da Estrada).

            Assim sendo e tendo em consideração as fortíssimas exigências de prevenção geral – frequência com que as infracções relacionadas com a condução sob o efeito do álcool são praticadas e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária com milhares de vítimas e elevados danos patrimoniais - , o grau de ilicitude do facto, que assume muita gravidade ( o arguido apresentava uma taxa, 3,84 g/l, que excedia o mínimo previsto no artº 292º CP – 1,2 g/l, em 2,64  g/l!);

            Que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir tal veículo na via pública sob a influência de álcool, e de que tal conduta lhe estava vedada por lei;

            Que em seu favor temos fundamentalmente, a circunstância de estar inserido familiar e profissionalmente, já que a confissão prestada é de reduzidíssimo valor, pois que foi detido em flagrante delito (Como refere o Prof. Eduardo Correia[3] “ não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e duma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios”).

            Assim tendo em consideração tais circunstâncias e a taxa de alcoolémia de que era portador, entende-se mais justo e equilibrado aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de dez meses

            Por essa razão conclui-se pela procedência do recurso.

DECISÃO
Face ao exposto acordam os Juízes desta Relação em alterar a decisão recorrida, fixando agora a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, em dez meses.
Honorários legais à ilustre defensora oficiosa.
Sem tributação.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
            Coimbra, 18 de Maio de 2010.


[1] De Maria Lucília Mercês de Mello, Augusto Pinheiro Pinto, Maria Henriqueta Frazão e José P Pereira da Rocha, pág. 70 e ss.
[2] Obra citada, pág. 48
[3] Lições de Direito Criminal, Vol. 2, pág. 387.