I- Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil.
II- O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: AA.
Recorrido: BB.
Tribunal Judicial de Fafe – Instância Local, Secção Cível, J1.
BB, viúva, NIF XXXXXXXXX, residente em Paços de Ferreira, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra AA, divorciada, NIF YYYYYYYYY, residente nesta comarca de Fafe, pedindo seja a Ré condenada:
a. A retirar, imediatamente, o tanque, a piscina insuflável, os vasos com plantas, a caixa do correio, o chuveiro e o ponto de iluminação (candeeiro), do logradouro da requerente, deixando-o livre e desocupado de pessoas e bens;
b. A demolir o muro e o portão implantados em frente e contígua à travessa dos Pinheiros.
c. A abster-se da prática de quaisquer actos de ocupação abusiva do logradouro do prédio da Autora.
d. Na sanção pecuniária compulsória de € 50,00, por cada acto de violação do direito de uso e fruição sobre o logradouro da Autora e/ou por cada dia que esta não puder exercer esses direito, em razão da conduta da R.
e. A pagar à Autora a importância de € 3.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou.
Para tanto, alegou, em apertada síntese, que é dona e legítima proprietária do prédio que identifica em 1º da petição inicial, o qual adveio à sua posse através de escritura de doação lavrada em 28 de Agosto de 2002, no Cartório Notarial de Mondim de Basto, estando ainda o dito prédios descrito na Conservatória e aí inscrito a seu favor; acresce que, a propriedade de tal prédio foi reconhecida judicialmente, por sentença, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo n.º xxx/xx.xTBFAF, sendo certo ainda que, há mais de 20 anos que usa e trata dos referidos prédios como se coisa sua fosse, o que faz à vista e com o conhecimento de todos e sem qualquer oposição; alega, depois, que a Ré, em Outubro de 2013, invadiu o logradouro do seu prédio e aí colocou uma piscina insuflável, um tanque, vasos, um chuveiro e um ponto de iluminação, tudo contra a sua vontade e de forma a impedir o acesso da autora à loja integrada no seu prédio; tudo isto provocou na autora tristeza, revolta e apreensão.
A Ré contestou, impugnando os factos alegados na petição inicial, afirmando que não praticou nenhum acto que violasse o direito de propriedade da autora.
A Ré deduziu ainda reconvenção, peticionado seja:
a. Declarado e reconhecido que a Ré é dona e legítima possuidora do prédio urbano supra descrito no artigo 17;
b. Declarado e reconhecido que daquele prédio da Ré faz parte um terreno de logradouro com a área de 16 m2;
c. Condenada a Reconvinda a reconhecer os direitos da Ré referidos nas alíneas anteriores;
d. Declarado e reconhecida a falta de demarcação do terreno que corresponde aos logradouros dos prédios da A. e da Ré;
e. A A. condenada na demarcação das estremas entre o logradouro do seu prédio e o logradouro do prédio da Ré;
f. Efectuada a demarcação segundo os títulos e a posse, nos termos do disposto no artigo 1354º do Código Civil;
g. Serem colocados na estrema de ambos os logradouros muro ou marcos a assinalar a respectiva linha divisória.
Alegou, em apertada síntese que, é dona e legítima proprietária do prédio que identifica em 17º, da contestação/reconvenção, o que qual adveio à sua posse e propriedade por escritura pública de doação, lavrada no Cartório Notarial de Mondim de Basto; que, além do mais, está na posse do dito prédio há mais de 20 anos, usando-o à vista de todos, ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que o mesmo lhe pertence; mais, está tal prédio registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Fafe; alega, ainda que desse prédio faz parte um logradouro com área de 16 m2; que sendo o seu prédio contíguo ao da Autora e tendo ambos pertencido aos mesmos donos, os respectivos logradouros não estão demarcados e nem separados entre si, o que pretende seja feito por sentença; alega, ainda, que o acórdão do STJ proferido no âmbito do processo referido pela Autora apenas lhe reconheceu a propriedade de um logradouro com 48 m2, sendo certo que o logradouro existente tem área superior.
A Autora/Reconvinda respondeu, impugnando, totalmente, a alegação dos Réus/Reconvintes, afirmando, em oposição que o logradouro de 16 m2 a que se refere a escritura e o registo do prédio descrito em 17º, da contestação/reconvenção se situava nas traseiras daquele prédio e foi ocupada com a ampliação da casa da Ré. Mais, a Reconvinda invocou a excepção de caso julgado, alegando que a questão da propriedade dom logradouro foi já objecto de conhecimento no âmbito do processo n.º xxx/xx.xTBFAF.
Foi proferido despacho saneador (relegando para final o conhecimento da excepção de caso julgado invocada pela Reconvinda), despacho a fixar o valor da causa, a identificar o objecto do litígio e a fixar os temas da prova e dispensada a elaboração de base instrutória (cfr. fls. 138 a 141).
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:
1. Julga-se procedente a excepção dilatória de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolve-se a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré/Reconvinte;
2. Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência condena-se a Ré:
2.1. A retirar o tanque, tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos do logradouro do prédio descrito em 1.1. da matéria de facto provada, deixando-o livre e desocupado de pessoas e bens;
2.2. A abster-se da prática de quaisquer actos de ocupação abusiva do logradouro do prédio da Autora;
2.3. Na sanção pecuniária compulsória de € 50,00, por cada acto de violação do direito de uso e fruição sobre o logradouro da Autora e/ou por cada dia que esta não puder exercer esses direito, em razão da conduta da R;
2.4. A pagar à Autora a importância de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que lhe causou.
Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso a Ré, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:
1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem a presente Apelação interposta da douta sentença de 06/09/2016;
2. O ponto 1.6 da fundamentação de facto foi julgado provado única e exclusivamente com base nas certidões judiciais juntas aos Autos de procedimento cautelar;
3. Porém, face aos factos julgados provados, a Acção teria necessariamente de improceder, pois ao julgar-se provado que o prédio da A. tem um logradouro de 48m2, que o prédio da Ré tem um logradouro de 16m2, e que esta ocupou “parte do logradouro”, mas sem esclarecer concretamente a parte ocupada, ao mesmo tempo que se refere na motivação que “não pode chegar a nenhuma conclusão sólida”, tanto mais que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença apenas a uma ou às duas irmãs”, mister é concluir que a versão dos factos descrita na Petição Inicial improcede;
4. Não se verifica a excepção dilatória de autoridade de caso julgado relativamente ao pedido reconvencional formulado pela Ré/Reconvinte, porquanto na Acção n.º xxx/xx.xTBFAF discutia-se o concreto local dos “muros construídos pela Ré”, enquanto nesta acção se discute o concreto local onde a Ré colocou os objectos descritos em 1.6, daí que o objecto da presente acção não contenda com o objecto da acção anterior;
5. Naquela primeira acção o Supremo Tribunal de Justiça não excluiu que a Ré tivesse, no seu prédio, espaço de logradouro e que este confinasse com o logradouro do prédio da A.;
6. A acção de reivindicação e a acção de demarcação distinguem-se, essencialmente, porque na primeira, está em causa o próprio título de aquisição, enquanto na segunda, discute-se a extensão do prédio possuído;
7. Por essa razão, ao deduzir defesa por impugnação na Acção n.º xxx/xx.xTBFAF, a Ré não fica impedida de, em acção posterior, peticionar a demarcação dos logradouros do seu prédio e do prédio da A., não se verificando qualquer efeito preclusivo dos meios de defesa por virtude do processo n.º xxx/xx.xTBFAF;
8. Não se tendo demonstrado que o concreto local dos “muros construídos pela Ré” (na primeira acção) seja exactamente o mesmo local onde a Ré colocou os objectos descritos em 1.6, razão nenhuma existe para que se julgue verificada a excepção dilatório de autoridade de caso julgado quanto ao pedido reconvencional;
9. Além disso, a douta sentença recorrida, na parte que julga procedente a excepção dilatória de autoridade de caso julgado, é contraditória com o douto despacho saneador de 06/07/2015, no qual o Tribunal decidiu que a apreciação da excepção dependia da prova a produzir na audiência de discussão e julgamento;
10. Sem prescindir, por se tratar de afirmação meramente conclusiva, o ponto 1.6 deve ser expurgado da fundamentação de facto, pois afirmar que “a Ré ocupou parte do logradouro com um tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos” é verter na matéria de facto a decisão (conclusão) de direito (o próprio “thema decidendum”);
11. Com efeito, “ocupar” é um conceito jurídico que pressupõe a ofensa de uma situação ou estádio jurídico de terceiro, in casu, o pretenso direito de propriedade da A., sendo que os factos naturalísticos que permitiriam aquela conclusão jurídica seriam, por exemplo, a colocação ou o depósito de objectos em determinado trato de terreno, perfeitamente identificado e delimitado, quando pertencente à pessoa que se arroga titular do direito de propriedade;
12. Ainda sem prescindir, com recurso à reapreciação da prova gravada, a Ré impugna a decisão da matéria de facto dos pontos 1.6, 1.8 e 2.5 a 2.12;
13. O factos provado em 1.6 e 1.7, que correspondem aos artigos 8.º e 20.º da Petição Inicial, foram expressamente impugnados pela Ré;
14. O Tribunal a quo julga provado o ponto 1.6 com base nas certidões juntas aos autos de procedimento cautelar, porém as ditas certidões não permitem a conclusão de que “a Ré ocupou parte do logradouro com um tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos”, pois esta matéria nem sequer se discutiu no processo n.º xxx/xx.xTBFAF;
15. Também, lida a motivação, não se encontra qualquer outro meio de prova que o Tribunal a quo tenha valorado, tanto mais que expressamente afirma que “dos depoimentos ouvidos o Tribunal não pode chegar a nenhuma conclusão sólida” e que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença apenas a uma ou às duas irmãs”;
16. Por decorrência da alteração da matéria de facto do ponto 1.6, naufraga também o ponto 1.8, na medida em que não havendo “ofensa” do direito da A. não há, também, “danos morais”;
17. Além do mais, é estranha a motivação do Tribunal a quo para julgar provado o ponto 1.8, pois não é possível que as testemunhas possam ser “unânimes” em afirmar o “desgaste” da A. e da Ré em simultâneo, pois se apenas uma delas tem razão, o “desgaste” de pelo menos uma delas não pode merecer a tutela do direito;
18. Tanto mais que, se o Tribunal a quo apenas considera ter resultado da prova “desgaste” da A., não pode depois julgar provado que a A. ficou “triste, apreensiva e revoltada”;
19. Há contradição entre o facto provado em 1.9 e o facto julgado não provado em 2.6, pois se o Tribunal a quo julga provado que a Ré é dona e legítima do possuidora prédio urbano, situado no Lugar LL, freguesia de Silvares S. Clemente, do concelho de Fafe, CASA DE HABITAÇÃO, de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 72m2 e logradouro com a área de 16m2, não pode depois julgar não provado que o dito prédio da Ré tenha um logradouro com a dita área de 16m2.
20. Para julgar não provados os pontos 2.5 a 2.12 o Tribunal a quo refugia-se na dúvida, afirmando que “dos depoimentos ouvidos o tribunal não pode chegar a nenhuma conclusão sólida”, sendo que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença apenas a uma ou às duas irmãs e partes”;
21. Embora as testemunhas arroladas sejam maioritariamente familiares da A. e da Ré, a verdade é que numa situação como a dos Autos, em que os prédios da A. e da Ré já pertenceram ao mesmo proprietário – os seus pais –, são precisamente os familiares que estão melhor posicionamos para esclarecer o Tribunal acerca dos factos;
22. O grau de parentesco e o estado das relações das testemunhas com as partes são elementos importantes para a valoração do seu depoimento, mas não invalidam, só por si, que os depoimentos sejam lógicos e prestados com a necessária tranquilidade e distanciamento relativamente ao objecto do litígio;
23. O princípio da livre apreciação não justifica uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida;
24. “O legislador ao afirmar que a Relação «reaprecia as provas», acrescentando que na reapreciação se poderá atender a «quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão» (cf. art.º 712.º, n.º 2, do CPC[1961]), pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto”;
25. A prova documental constante dos Autos, mormente a supra especificada em D-iii, indicia fortemente que os prédios da A. e da Ré são confinantes pelos respectivos logradouros “com cortes e palheiro”, tendo pertencido outrora aos mesmos proprietários (os pais da A. e da Ré);
26. O levantamento topográfico junto pela Ré com a Contestação da Acção principal, elaborado e assinado pelo topógrafo Carlos Martins Soares, inscrito na Associação Nacional de Topógrafos sob o n.º 1150, onde este declara que o prédio delimitado pela cor vermelha corresponde à realidade física existente no local, resulta que a área que a Ré afirma carecer de demarcação tem um total de 78m2, superior até ao somatório das áreas dos logradouros dos prédios da A. e da Ré;
27. Do auto de inspecção judicial resulta que a área que a Ré afirma carecer de demarcação é acessível através de dois portões, de largura sensivelmente idêntica, e ainda dois planos distintos, um deles mais alto, encostado ao prédio da Ré, em cimento, e outro mais baixo, em terra e pedras, totalmente abandonado, assim como a casa da Autora, o que indicia fortemente que há um espaço que tem vindo a ser possuído regularmente, situado em plano superior e encostado ao prédio da Ré; e outro espaço totalmente abandonado, situado em plano inferior, que não tem sido possuído;
28. A prova testemunhal produzida vem confirmar a versão dos factos da Ré, senão vejamos:
a. CC afirmou que o segundo portão foi aberto “depois das partilhas” dos bens pelos filhos, pelo que, se nas partilhas a totalidade do espaço de logradouro tivesse ficado só para a A., nenhuma razão havia para se abrir um segundo portão;
b. DD afirmou que quer o prédio da A., quer o prédio da Ré têm as respectivas entradas directamente da Travessa dos Pinheiros, tendo sido o pai da A. e da Ré que procedeu à abertura de uma porta no prédio da Ré, a qual deita directamente para o espaço de logradouro em discussão nos presentes Autos; confirmou ainda que a A. não exerce qualquer acto de posse sobre o seu prédio e logradouro; e no final acabou por reconhecer que o portão encostado à casa da Ré, que deita directamente para o logradouro em discussão nos presentes Autos, existe em face da divisão do logradouro pelos prédios da A. e pela Ré., porque tal foi a vontade do pai;
c. EE diverge das anteriores testemunhas quanto ao portão que foi aberto em primeiro lugar, mas confirma o depoimento de DD no tocante à vontade do pai da A. e da Ré aquando da divisão do logradouro: era metade para cada uma das duas filhas; confirmou ainda que a Ré habita a casa há mais de 30 anos, sendo que o pai faleceu em 2005; esclareceu ainda que antes do falecimento do pai, este dividiu o logradouro pelos prédios da A. e da Ré e, para que a A. pudesse aceder à sua parte sem problema, mandou proceder à abertura de um segundo portão e também à construção das escadas de acesso ao prédio daquela; afirmou também que a Ré, após a divisão, cimentou o espaço do logradouro que lhe foi dado pelo pai e aí manteve vários objectos, desde o tanque de lavar roupa, vasos com plantas, cordas de estender roupa, entre outros objectos;
d. FF foi contratado pelo pai da A. e da Ré para realizar obras nos dois prédios em discussão nos presentes Autos e confirmou que foi o pai da A. e da Ré que ordenou que se cimentasse o logradouro que ficaria a pertencer ao prédio da Ré e que se abrisse um segundo portão e se construísse as escadas, para acesso ao logradouro e à casa da BB; esclareceu que o pai da A. e da Ré, ao mandar fazer obras, explicava ter dividido o logradouro pelas duas filhas; confirmou ainda que só a Ré possuía a parte cimentada, onde mantinha um tanque de lavar a roupa, água, vasos com flores e cordas para secar roupa;
e. GG trabalhou com a anterior testemunha, seu pai, nas preditas obras, tendo confirmado o depoimento daquele e esclarecido que não andou apenas no telhado, mas também no logradouro, onde cimentou o logradouro da Ré, abriu o segundo portão para a casa da A. e construiu as escadas de acesso a esta;
29. Pelo exposto, a prova produzida (documental, testemunhal e por inspecção judicial) permite concluir que o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova, impondo-se a correcção dos pontos supra impugnados, com a seguinte redacção:
1.6: Não provado.
1.8: Não provado.
2.5: Provado que os factos descritos em 1.12 e 1.15 foram praticados sobre o logradouro defronte da casa da Ré e da Autora (art.º 40.º da Reconvenção).
2.6: Provado que aquele prédio da Ré, para além da área coberta de 72m2, também tem um logradouro de área não concretamente apurada, mas não inferior a 16m2 (art.º 29.º da Reconvenção).
2.7: Provado que os prédios da Autora e da Ré são contíguos no que aos logradouros concerne (art.º 30.º da Reconvenção).
2.8: Provado que os logradouros de ambos os prédios não estão demarcados e nem separados entre si (art.º 32.º da Reconvenção).
2.9: Provado que um dos portões dá acesso à parte do logradouro da Autora e o outro à parte do logradouro da Ré (art.º 39.º da Contestação).
2.10: Provado que o prédio da Ré, do logradouro em questão, tem saída para o caminho público (art.º 33.º da Contestação).
2.11: Provado que a Ré tem vindo a possuir, como sempre possuiu, a parte do logradouro que considera seu, há mais de 15 e 20 anos, nos termos sobreditos (art.º 40.º da Reconvenção).
2.12: Provado que os logradouros dos prédios da A. e da Ré não estão demarcados (art.º 41.º da Reconvenção).
30. São requisitos de procedência das acções de reivindicação, com fundamento no direito de propriedade, a prova da titularidade desse direito sobre a coisa reivindicada e a sua ocupação pelo demandado;
31. Embora a A. beneficie da presunção que emerge do art.º 7.º do Código do Registo Predial, tal presunção não abrange os factores descritivos, como as áreas, limites e confrontações dos prédios;
32. A A. não provou qualquer acto de posse sobre o logradouro em discussão nos presentes autos e muito menos sobre o concreto local onde a Ré colocou um tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos;
33. Pelo contrário, provou-se que é a Ré quem vem possuindo, há mais de 15 e 20 anos, a parte do logradouro que foi cimentada, sendo que o corpus faz presumir a existência do animus, sendo, pois, o animus inferível pelo poder de facto – a intenção de domínio não tem de explicar-se, presumindo-se, como já dito, a posse naquele que exerce o poder de facto;
34. O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º xxx/xx.xTBFAF.G1.S1 em Recurso de Revista da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em que a Ré foi condenada a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o referido prédio urbano e de remover os muros instalados no seu logradouro, não concretizou a área, extensão e limites do logradouro do prédio da Autora;
35. Além disso, nestes Autos não se discute o concreto local dos muros em discussão naqueles autos;
36. A Acção tem necessariamente de improceder, de modo que que, ao não decidir assim, a douta sentença recorrida viola os art.os 350.º, n.º 1, 1252.º, n.º 2 e 1311.º do Código Civil; e os art.os 7.º e 80.º, n.os 1 e 2, do Código do Registo Predial.
37. No que toca aos pedidos reconvencionais, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a diferentes proprietários e inexista linha divisória entre eles (seja porque ela não está marcada, seja porque é objecto de controvérsia ou até porque desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação;
38. Uma vez verificados os pressupostos do exercício do respectivo direito, não há lugar à improcedência da acção, no sentido de desatender a pretensão de definir os limites dos prédios, devendo a mesma ser resolvida (i) pelos títulos de cada um dos proprietários; (ii) na sua impossibilidade, pela posse destes ou outros meios de prova; (iii) ou ainda dividindo a área em litígio por cada um em partes iguais;
39. Em face dos factos 1.9 a 1.15 e 2.5 a 2.11 (estes últimos, que devem ser julgados provados), mister é concluir que não há dúvida que a Ré é legítima possuidora do espaço do logradouro que se encontra cimentado, o que faz há mais de 15 e 20 anos, publicamente e de forma pacífica, sem oposição de ninguém; que os prédios da A. e da Ré confinam, pelos respectivos logradouros; e que estes não estão demarcados;
40. A reconvenção tem necessariamente de proceder, de modo que, ao não decidir assim, a douta sentença recorrida viola os art.os 1253.º e 1254.º do Código Civil”.
*
A Apelada apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:
- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, na hipótese de alteração, se deverá ser alterada a decisão recorrida.
- Apreciar da verificação ou não da excepção de caso julgado.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:
Factos Provados.
[Da petição inicial]
1.1. Por escritura de doação lavrada em 28 de Agosto de 2002, no Cartório Notarial de Mondim de Basto, EE e mulher HH, doaram à Autora o prédio urbano composto de casa e logradouro com cortes e palheiro, com área coberta de 91 m2 e logradouro com 48 m2, sito no Lugar LL, freguesia de Silvares S. Clemente, do concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial n.º xxx/xxxxxx e inscrito na matriz sob o artigo xxx da união de freguesias de Antime e Silvares S. Clemente;
1.2. O dito prédio encontra-se, definitivamente, registado a favor da Autora, pelo que, o invocado direito de propriedade, se presume – art.9.º do Código do Registo Predial;
1.3. A Autora, por si e antepossuidores há mais de vinte anos, está na posse e fruição do prédio, procedendo à sua limpeza, manutenção, nele fazendo obras, benfeitorias e arcando com todas as despesas atinentes à sua utilização;
1.4. Ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na firme convicção de que está e sempre esteve no exercício pleno e exclusivo do direito de propriedade de tal prédio;
1.5. Por douto acórdão proferido no processo n.º xxx/xx.xTBFAF.G1.S1 em Recurso de Revista da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, foi, a R., condenada a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o referido prédio urbano e de remover os muros instalados no seu logradouro e de abster-se da prática de qualquer acto violador do direito de propriedade da Autora sobre o identificado prédio;
1.6. A R. ocupou parte do logradouro com um tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos;
1.7. A R. demoliu dois muros que se encontravam no logradouro e não demoliu o portão e o muro que se encontram em frente à Travessa dos Pinheiros;
1.8. Em consequência do descrito em 1.6. a Autora ficou triste, apreensiva e revoltada;
[DA RECONVENÇÃO]
1.9. A Ré é dona e legítima possuidora do seguinte prédio urbano, situado no lugar LL, freguesia de Silvares S. Clemente, desta comarca: CASA DE HABITAÇÃO, de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 72 m2 e logradouro com a área de 16 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número xxx/xxxxxxxx, inscrito na actual matriz da União de Freguesia de Antime e Silvares S. Clemente sob o artigo yyy, que proveio do antigo artigo yy, com o valor patrimonial de € 19.224,62;
1.10. Tal prédio adveio à posse e propriedade da Ré, por o ter havido, na raiz ou nua propriedade, por doação de seus pais, EE e HH, por escritura lavrada a fls. 87 a 89, do Livro de escrituras diversas nº 132-A, do extinto Cartório Notarial de Mondim de Basto, em 28 de Agosto de 2002, tendo o usufrutuário EE já falecido e a usufrutuária HH renunciado ao usufruto, por escritura lavrada a fls 17 a 17V, do livro de escritura diversas nº xxx-A, do extinto Cartório Notarial de Mondim de Basto, em 11 de Setembro de 2007;
1.11. A Ré, por si e antepossuidores, está na posse, uso e fruição daquele prédio há mais de 15 e 20 anos;
1.12. Habitando a casa, nela comendo, dormindo, recebendo familiares e amigos;
1.13. Fazendo obras e benfeitorias, pagando o seu custo, bem como pagando o imposto de IMI que sobre ele incide;
1.14. O que tudo sempre tem feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que está, se sempre esteve, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre aquele prédio;
1.15. O dito prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxx/xxxxxxxx e registado a favor da Ré através da AP XXXX de 2011/05/09;
1.16. Aquele prédio da Ré e o dito prédio da A. são contíguos entre si;
1.17. Sendo certo que o prédio da Ré tem portas e janelas que deitam directamente para o logradouro;
1.18. O terreno de logradouro está separado do caminho público por um muro em pedra muito antigo, com dois portões de acesso;
Factos não provados
2.1. No dia 26 de Outubro de 2013, a R. danificou uma rede de vedação que a Autora havia instalado no logradouro;
2.2. A Autora precisava e precisa de utilizar o seu logradouro para colocar os materiais de construção e máquinas para efectuar os acabamentos da sua casa.
2.3. Também tem necessidade de aceder à loja para guardar os materiais.
2.4. Em 03 de Agosto de 2013, a Autora apresentou-se no local com uma máquina para executar os trabalhos de remoção do piso do logradouro e retirar o referido muro e portão, tendo sido impedida pela filha da R. e pelo irmão, José Avelino;
[Da reconvenção]
2.5. Que os factos descritos em 1.12 a 1.15. tenham sido praticados também sobre o logradouro defronte da casa da Autora;
2.6. Aquele prédio da Ré, para além da área coberta de 72 m2, também tem um logradouro com a área de 16 m2;
2.7. Que os prédios de Autora e Ré sejam contíguos no que ao logradouro concerne;
2.8. Os logradouros de ambos os prédios não estão demarcados e nem separados entre si;
2.9. Que cada um dos portões de acesso seja um para a parte do logradouro do prédio da A. e outro de acesso à área do logradouro do prédio da Ré;
2.10. Que o prédio da Ré tenha saída para o caminho público do logradouro em questão;
2.11. Tendo vindo a Ré a ocupar, como sempre ocupou, parte do logradouro que considera seu há mais de 15 e 20 anos, nos termos sobreditos;
2.12. Os logradouros dos prédios da A. e da Ré não estão demarcados;
Fundamentação de direito.
Cumpre agora apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
Ora, como resulta do supra exposto, a Apelante impugna a materialidade fixada na decisão recorrida com os seguintes fundamentos:
- Começa por alegar que o facto 1.6, dos provados, integra uma afirmação meramente conclusiva, quando refere que a Ré ocupou parte do logradouro, pelo que, deverá tal facto ser expurgado da fundamentação de facto.
- Alega ainda que, tendo-se a prova dos factos 1.6 e 1.7, dos provados, alicerçado nas certidões juntas aos autos, delas não consta a extensão concreta extensão do logradouro da Autora, sendo que não resultou esclarecido qual o concreto espaço ocupado, sendo que, como expressamente se refere na motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal “não pode chegar a nenhuma conclusão sólida”, tanto mais que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença a uma ou à duas irmãs”.
- Mais alega ainda a existência de uma contradição entre os factos 1.9 e 2.6, uma vez que neles dá como provado e como não provado o mesmo facto.
Relativamente à matéria de facto impugna-a ainda com os seguintes fundamentos:
A- Por um lado, constam da decisão recorrida como demonstrados os factos ínsitos nas alíneas que a seguir se referirão e que, em seu entender, não resultando da prova produzida a demonstração dessa realidade factual, em respeito pela integridade dessa mesma prova, deverão ser considerados como indemonstrados.
- Factos considerados provados na decisão recorrida que a Recorrente entende terem sido integralmente indemonstrados:
1.6- A R. ocupou parte do logradouro com um tanque, uma caixa de correio, vasos de plantas e outros objectos.
1.8. Em consequência do descrito em 1.6. a Autora ficou triste, apreensiva e revoltada.
B- Por outro lado, constam como não tendo logrado adesão de prova os factos inseridos sob os números a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, também em respeito pela prova produzida nos autos, deveriam ter sido considerados como integral ou parcialmente demonstrados, pelo que deverão tais factos da sentença ser alterados para provados.
- Factos tidos como não provados na decisão recorrida considerados pela Recorrente como integralmente demonstrados:
2.5. Que os factos descritos em 1.12 a 1.15. tenham sido praticados também sobre o logradouro defronte da casa da Autora;
2.6. Aquele prédio da Ré, para além da área coberta de 72 m2, também tem um logradouro com a área de 16 m2;
2.7. Que os prédios de Autora e Ré sejam contíguos no que ao logradouro concerne;
2.8. Os logradouros de ambos os prédios não estão demarcados e nem separados entre si;
2.9. Que cada um dos portões de acesso seja um para a parte do logradouro do prédio da A. e outro de acesso à área do logradouro do prédio da Ré;
2.10. Que o prédio da Ré tenha saída para o caminho público do logradouro em questão;
2.11. Tendo vindo a Ré a ocupar, como sempre ocupou, parte do logradouro que considera seu há mais de 15 e 20 anos, nos termos sobreditos;
2.12. Os logradouros dos prédios da A. e da Ré não estão demarcados.
Vejamos então se a matéria de facto enferma ou não dos vícios que lhe são apontados.
Como é consabido, uma das patologias que pode afectar a decisão da matéria de facto - e que, não podendo ser solucionada pela Relação, no âmbito dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, estabelecidos nos nº 1 e 2 do art. 662º, nº 2, al. c), do C.P.C., pode determinar a anulação, total ou parcial, do julgamento - é constituída pela decisão contraditória.
Trata-se de vício cuja apreciação nem sequer está dependente de iniciativa da parte.
A matéria de facto é essencial à decisão do litígio. Ela constitui o substrato material ou humano sobre o qual incidirá todo o juízo valorativo do direito – é relativamente àquela que se proferirá decisão, concedendo ou denegando tutela jurídica adequada, desencadeando as consequências jurídicas adequadas.
Curial é a consideração de que não podem existir dúvidas sobre o que tribunal considera como sendo a realidade factual a ponderar e valorizar.
Assim, além de serem inadmissíveis os casos de obscuridade (as respostas ininteligíveis, equívocas ou imprecisas), é também inaceitável que qualquer contradição inquine a matéria de facto.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão.
Verificar-se-á, assim, a sua existência em toda a situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
As respostas à matéria de facto controvertida são contraditórias quando a resposta ou respostas dadas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros ou seja, quando têm um conteúdo logicamente incompatível (quando não podem subsistir ambas utilmente).
A contradição implica a existência de «colisão» entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas, ou então com a factualidade provada no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja contrária à outra.
A sua detecção é fácil, derivando da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes’ em virtude do acordo das partes, de confissão ou de prova documental.
Verificado um tal vício, poderá a Relação supri-lo imediatamente (obstando-se à anulação do julgamento), seja porque deve ser dada prevalência a elemento constante do processo e dotado de força probatória plena, seja porque pode efectuar a reponderação dos meios de prova, constando do processo todos os elementos de prova em que o tribunal a quo se fundou.
Ora, como supra se referiu, começa a Recorrente por alegar, por um lado, que o facto 1.6, dos provados, integra uma afirmação meramente conclusiva, quando refere que a Ré ocupou parte do logradouro, pelo que, deverá tal facto ser expurgado da fundamentação de facto, e, por outro, que, tendo-se alicerçado a prova dos factos 1.6 e 1.7, dos provados, nas certidões juntas aos autos, delas não consta a extensão concreta extensão do logradouro da Autora, sendo que não resultou esclarecido qual o concreto espaço ocupado, sendo que, como expressamente se refere na motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal “não pode chegar a nenhuma conclusão sólida”, tanto mais que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença a uma ou à duas irmãs”.
Certo que, como afirma a Recorrente, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar, se integrarem o thema decidemdum, e quando isso assim não suceda e o tribunal se pronuncie, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.
Assim, vejamos então se se verificam as alegadas contradições, quer entre os aludidos factos, quer entre a motivação e os factos tidos demonstrados e como não provados.
Ora, analisada a motivação da decisão recorrida, constata-se que, efectivamente, a propósito de tais factos, aí se afirma que a sua demonstração (dos factos 1.1 a 1.7) resultou de acordo das partes e, em parte, com fundamento no teor das certidões juntas aos autos de procedimento cautelar, nomeadamente, da certidão da C.R.P. e da certidão do processo n.º xxx/xx.xTBFAF.
A este propósito, não custa começar por reconhecer a motivação da decisão recorrida poderia, de facto, ter efectuado uma análise mais aprofundada e um mais exaustivo correlacionamento entre todos os elementos probatório que, como da sua análise, se constata, ela tomou em consideração e que foram produzidos noa autos.
Ora, como é sabido, sendo certo que a presunção registral não abrange as características do prédio inscrito, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estava a A. dispensada de fazer a prova da aquisição originária da propriedade parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada ocupação abusiva, por parte da R..
Com efeito, “A base da nossa ordem jurídica está na usucapião e não no registo; por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à compra e venda e, em consequência, ao registo da aquisição derivada”. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 26.04.1994, II, pág. 34.
Ora, alega a Recorrente que, inexistindo qualquer outra prova, além da documental referida, da qual inequivocamente resultasse demonstrada a delimitação ou a definição concreta da parcela do prédio, não poderia o tribunal ter dado como demonstrado que esse prédio foi ocupado em parte, pois que, sem esclarecer as suas concretas delimitações, não é possível afirmar a inserção do concreto espaço ocupado, na parte do prédio pertencente à Autora.
Sucede, no entanto, que a prática actos materiais de posse por parte da Autora foi dado como demonstrada e decorre do mencionado Acórdão do S.T.J., pois que aí se considera que a Autora adquiriu a propriedade do prédio que inclui o logradouro adjacente (ou seja os 48 m2), através de usucapião, tendo-se também aí reconhecido que esse logradouro se encontrava, pelo menos, parcialmente ocupado, pelos Réus.
E do facto de na motivação da decisão da matéria de facto se referir que “da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença apenas a uma ou às duas irmãs e partes” (isto porque “se o logradouro em causa tem duas entradas de portão, a verdade é que de tal facto - uma vez que de cada uma não se acede à propriedade de cada uma das partes mas indistintamente ao logradouro - não se retira que o logradouro pertença a ambas”, sendo que, “existem dois lances de escadas mas ambas para aceder à casa da autora), não decorre a existência de qualquer contradição entre a motivação e os factos tidos como demonstrados.
E isto porque esta valoração foi efectuada a propósito, por um lado, da prova de eventuais actos materiais de posse, por parte da Ré, sobre o logradouro da Autora (facto 2.5) e, por outro, com relação à existência de sinais delimitadores do logradouro da Ré, tendo-se então afirmado que, na inexistência de qualquer outra prova credível e consistente, designadamente, testemunhal, não foi possível ao tribunal concluir, com relação ao alegado logradouro da Ré, ou seja, aos 16 m2 (e não à totalidade do logradouro, incluindo o da Autora) dissipar as dúvidas que possuía sobre a questão de saber se essa parte do logradouro é propriedade de uma ou das duas irmãs.
Inexiste por isso qualquer contradição, dado essa parte da motivação se reportar apenas aos 16 m2 alegadamente pertencentes à Ré, e não também ao logradouro da Autora, cuja existência resulta demonstrada, desde logo, com fundamento no mencionado Acórdão.
Acresce que, como resulta da análise do aludido Acórdão do S.T.J., que serviu de fundamento à fixação da matéria de facto em referência, os factos 1.3 e 1.4, decorreram, designadamente, de factos aí tidos como demonstrados, ou, e mais concretamente, dos factos 1. a 3., dos provados, nesse acórdão, sendo que, tendo aí sido considerado que o muro em discussão terá sido construído no prédio propriedade da Autora, inelutavelmente se conclui ter sido possível efectuar uma delimitação da parcela de terreno, pertencente àquela, pois que, como salienta a decisão recorrida, a Ré, que alegou na “contestação que apresentou nos autos com o n.º xxx/xx.xTBFAF, que os muros que construiu o foram na sua propriedade (…), não tendo provado, como se alcança do mesmo acórdão tal facto impeditivo”, não questionou “que a autora adquiriu o direito de propriedade da raiz sobre o mesmo prédio e respectivo logradouro”.
E assim sendo, de tudo decorre ainda que o facto 1.6, por se repostar a uma parcela de terreno individualizada e determinada, não se reveste de um carácter conclusivo, não havendo, consequentemente, de proceder à sua alteração ou de qualquer dos demais tidos por demonstrados.
Alega ainda a Recorrente existir contradição entre o facto 1.9, dos provados, e o facto 2.6, do não provados.
Os factos em referência têm a seguinte redacção:
- 1.9. A Ré é dona e legítima possuidora do seguinte prédio urbano, situado no lugar LL, freguesia de Silvares S. Clemente, desta comarca: CASA DE HABITAÇÃO, de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 72 m2 e logradouro com a área de 16 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número xxx/xxxxxxxx, inscrito na actual matriz da União de Freguesia de Antime e Silvares S. Clemente sob o artigo yyy, que proveio do antigo artigo yy, com o valor patrimonial de € 19.224,62;
2.6. Aquele prédio da Ré, para além da área coberta de 72 m2, também tem um logradouro com a área de 16 m2;
Ora tais factos, ao referirem, por um lado, que do prédio propriedade da Ré é composto, designadamente, por um logradouro com a área de 16 m2 (o facto 1.6), e, por outro, que se não demonstrou que esse mesmo prédio integre também um logradouro com 16 m2 (facto 2.9), são, numa primeira análise, aparentemente contraditórios, por absolutamente incompatíveis entre si, pois sendo objecto de discussão nos presentes autos a questão da propriedade dos terrenos, como evidente resulta que não podem coexistir, pois que, enquanto o primeiro afirma a demonstração da propriedade, o segundo nega que tenha sido feita a sua demonstração.
Parece-nos no entanto o que se verifica não será uma contradição real, mas sim uma expressão pouco rigorosa do que se pretendeu dar como demonstrado e indemonstrado.
Da motivação da factualidade tida como indemonstrada à evidência resulta que inexistiu qualquer prova de factos tendentes a concluir pela verificação do direito de propriedade da Ré sobre o logradouro que alegadamente alegou ser seu.
Na inexistência dessa prova testemunhal, subsistiu a documental que vai no sentido de que a seu favor se encontra o prédio em referência nos autos composto, designadamente, por um logradouro com a área de 16 m2.
Sendo certo que a presunção registral não abrange as características do prédio inscrito, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estava a R. dispensada de fazer a prova da aquisição originária da propriedade da parcela de terreno.
Com efeito, e como supra se mencionou, “a base da nossa ordem jurídica está na usucapião e não no registo; por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à compra e venda e, em consequência, ao registo da aquisição derivada”.
E assim sendo, parece-nos evidente que a demonstração da inscrição registral do direito de propriedade sobre a parcela de terreno, é perfeitamente compatível com indemonstração da sua real existência ou da indemonstração do factos tendentes a concluir pela aquisição originária do direito de propriedade sobre ela.
Todavia, pese embora tudo quanto se refere, entendemos melhor se expressaria esta intenção se se tivesse respondido a este último facto que apenas ficou demonstrada a inscrição registral e nada mais.
Destarte, em plena conformidade e respeito pela integridade da prova produzida nos autos, determina-se seja eliminado o facto ínsito no nº 2.6, dos factos não provados, mantendo-se, na íntegra, a facto constante do nº 1.9, dos factos não provados, por ter sido o único que se demonstrou.
Resta, por último, a factualidade impugnada que foi tida por indemonstrada e que, entende a Recorrente, deveria ter sido dada como demonstrada, ínsita nos factos 2.5 a 2.12, dos não provados
No que concerne a este aspecto a Recorrente alicerça sua pretensa convicção positiva sobre tais factos nos depoimentos prestados pelas testemunhas CC, DD, EE, FF e GG.
A propósito da materialidade em referência e objecto de impugnação refere-se na aludida motivação o seguinte:
“(…)
Quanto ao mais, a matéria constante de 2.5. a 2.12., que era afinal a matéria fulcral da acção, ou seja, aferir se o logradouro em causa é também pertença da Ré, como esta afirmou, a mesma não resultou provada.
Dos depoimentos ouvidos o tribunal não pode chegar a nenhuma conclusão sólida. Na verdade, quase todas as testemunhas apresentadas por ambas as partes (CC, DD, EE) estavam incompatibilizadas com a parte contrária àquela que as indicou. Todos, melhor, quase todos familiares das partes, não esconderam a má relação que tinham com uma ou com outra. As demais testemunhas, FF e GG, ambos trabalhadores da construção civil afirmaram que o pai das autoras lhes terá marcado o sítio onde deveria ser construído um muro a dividir o logradouro, sendo certo que a obra apenas foi efectuada depois do seu falecimento e a mando da Ré. Ora, não se percebe muito bem porque iria o autor marcar o local do muro sem que fosse para o mesmo ser efectivamente construído - que não foi, pelo menos a seu mando, pois como as testemunhas afirmaram apenas o construíram já o pai da autora e da Ré havia falecido e a mando da Ré. Aliás, note-se que a testemunha António afirmou expressamente que “a mando dos pais” andou no telhado e não no logradouro.
Da inspecção ao local o tribunal também não ficou convencido que o logradouro pertença apenas a uma ou às duas irmãs e partes. Na verdade, se o logradouro em causa tem duas entradas de portão, a verdade é que de tal facto - uma vez que de cada uma não se acede à propriedade de cada uma das partes mas indistintamente ao logradouro - não se retira que o logradouro pertença a ambas. Depois, existem dois lances de escadas mas ambas para aceder à casa da autora. O facto de estar em dois planos resulta e em materiais diversos, como se viu da prova produzida, nomeadamente, da prova testemunhal, do facto das disputas acerca do mesmo e das obras que têm vindo a ser feitas
(…)
Como é consabido, a convicção do julgador, não se reconduz a uma qualquer convicção subjectiva, mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de um processo que apenas se completa e alcança por via racional, fundada nas regras da lógica e da experiência comum, do bom senso e, sempre que necessário, do conhecimento da ciência, terá de ser clara e inequivocamente explicitada, em ordem a, por um lado, promover a persuasão, o convencimento e a anuência das partes, e, por outro, a permitir também que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja controlada ou sindicada, igualmente de uma forma racionalmente fundada, quer pelas partes, como ainda pelo tribunal superior.
Nesta actividade, com excepção dos casos em que a lei exige, para prova do facto, determinado meio probatório, não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas, devendo, considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio.
O recurso da matéria de facto não tem por objecto a realização de um novo julgamento fundado numa nova convicção, mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa.
E, sempre que o tribunal recorrido tiver atribuído credibilidade, ou não, a uma determinada fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque tal opção se baseia na imediação da prova, o tribunal de recurso só a pode censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum.
“A credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que enformam a opção do julgador. A sua aplicação está, sem dúvida, fora de qualquer controle, mas a legalidade daquela regra da experiência, como norma geral e abstracta, poderá eventualmente ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas e legítimas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico”. Cfr. Acórdão do S.T. J., de 14-03-2007, Processo n.º 21/07, 3.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”, o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.
A prova como demonstração efectiva da realidade de um facto não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).
Ora, tecidos estes considerandos, e revertendo à análise da situação em apreço, não pode esquecer-se que foi o tribunal recorrido quem beneficiou da imediação proporcionada pela produção dos meios probatórios e aferiu do grau de credibilidade que cada um lhe mereceu, tendo feito constar da motivação da decisão as razões que o levaram a não considerar credíveis e consistentes os meios probatórios aduzidos, e o sentido com que os valorou, em detrimento do respectivo teor literalmente expresso por essas testemunhas, designadamente, pelas referidas em sustentação da impugnação efectuada, cujos depoimentos, embora formalmente corroborantes da demonstração dos factos objecto de impugnação, não se revestiram da credibilidade e da consistência necessária passível de sustentar uma decorrente e fundamentada convicção positiva sobre tal materialidade.
Na verdade, a motivação da decisão recorrida, sem efectuar a descrição pormenorizada do conteúdo desses depoimentos, deixa bem patentes as razões por que se não revestiram de adequada credibilidade e solidez os depoimentos da testemunhas aduzidos em sustentação da impugnação, para poderem alicerçar uma convicção positiva sobre a verificação dessa mesma materialidade dada como indemonstrada e objecto de impugnação.
Com efeito, pese embora o teor dos depoimentos das testemunhas supra referidas e que serviram de fundamento à impugnação, como se refere na motivação da decisão, não permitiram a formação de uma conclusão sólida, sendo comprometidos na sua objectividade pelas não dissimuladas más relações de todas elas com a parte contrária à que as indicou.
Por outro lado, a Recorrente omite a efectuação de explanação crítica e sustentada dessa prova produzida em que se fundamenta, tendente a, de modo claro e linear, deixar bem explicitadas as razões da sua discordância com a decisão recorrida, de molde a que se entendesse, por um lado, por que razões entende que, com fundamento nos mesmos meios probatórios que aduz em sustentação da impugnação e de que o tribunal também se serviu, devem ser extraídas conclusões diversas das retiradas na decisão recorrida, considerando-se demonstrados os factos aí tidos como indemonstrados, e, por outro, esclarecer por que razões errou o tribunal na interpretação que fez desses meios de prova.
Não alegou também o Recorrente por que razões deveria o tribunal ter conferido credibilidade ao conteúdo desses mesmos depoimentos, em que se pretende alicerçar a sua impugnação, pois que, de um modo perfeitamente coerente e fundado, deixou o tribunal claramente expressas as razões por que considerou não possuírem suficiente credibilidade e consistência, os depoimento de tais testemunhas, relativamente a essa factualidade em referência, para alicerçarem a sua convicção positiva sobre a sua verificação.
E, concluiremos nós, sem a efectuação dessa necessária e imprescindível análise crítica do substrato probatório produzido, comprometido ficará o sucesso de qualquer impugnação factual.
Assim sendo, considerado que as conclusões retiradas pelo tribunal encontram indubitavelmente suporte válido na prova produzida, e que, por outro lado, em nada conflituam com a experiência comum, incontornável resulta também, por decorrência, que, com a relevância que, contextualmente, assumiram, no âmbito da valoração de toda a prova produzida, os meios probatórios aduzidos pelo Recorrente, em sustentação da impugnação que efectuou, nos moldes em que efectivamente o foram, de modo algum se revestem de uma solidez e consistência, adequada a conferir-lhes um grau de credibilidade que os torne passíveis de sustentar a pretendida alteração da matéria factual em apreço.
Em consonância com tudo o acabado de expender, e pelas razões expostas, somos de entender que a conjugação de todo este substrato probatório comporta e alicerça de modo consistente a convicção do tribunal sobre matéria fáctica objecto da presente impugnação.
Improcede, assim, nesta parte, a presente apelação.
Como é consabido, o caso julgado material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
“Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil.
O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva”. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/ 09/ 2011, proferido no processo nº 816/09.2TBAGD.C1, in www.dgsi.pt
Pode assim concluir-se que os efeitos do caso julgado material se projectam “em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior”. Cfr. . Miguel Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, pág. p. 168
Daqui decorre que “o trânsito em julgado de uma decisão de mérito faz precludir a possibilidade de, em acção subsequente, poderem vir a ser utilizados para a contrariar questões que, na primeira acção, poderiam ter sido invocados como meios de defesa”. Cfr. Ac. do STJ de 8/04/10, proc. nº 2294/06.9TVPRT.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.
É que, como refere Manuel de Andrade, “devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha (Noções Elementares de Processo Civil, pág. 382), ónus este imposto por razões de lealdade no combate judiciário, a que subjazem também razões de segurança e de certeza jurídica que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos sejam postergados com base em novos argumentos que em tal acção não foram - mas poderiam ter sido – invocados” Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 382..
Na verdade, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse de constantemente defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”, concluindo que “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (p. ex., ser ele, réu, o proprietário do prédio reivindicado)...” Cfr. Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 306 e 324..
Assim, com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada”. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586.
Isto assente, temos que, na presente situação, foi pela Autora instaurada a acção declarativa de condenação nº xxx/xx.xTBFAF em que, designadamente, pediu se declarasse a sua propriedade sobre o terreno que identificou, e a condenação dos Réus a remover os muros instalados no seu logradouro.
Ora, como refere a decisão recorrida, a Ré não alegou na contestação que apresentou nessa acção que os muros que construiu o foram na sua propriedade, como se alcança do teor do acórdão do STJ proferido em tal processo (fls. 48 verso), não tendo provado, como igualmente se alcança do mesmo acórdão tal facto impeditivo, não tendo além do mais questionado que a Autora adquiriu o direito de propriedade da raiz sobre o mesmo prédio e respectivo logradouro (fls. 55).
Assim - considera a decisão recorrida -, pretendendo a demarcação do logradouro, a Ré podia e devia ter, desde logo, deduzido reconvenção nesse sentido, o que não fez, pelo que, não o tendo feito nesse processo, por força da autoridade de caso julgado e do efeito preclusivo dos meios de defesa, não o pode vir agora, após o trânsito em julgado da decisão proferida nesses autos, pedir, por via reconvencional, nesta nova acção proposta pela Autora, a demarcação dos logradouros.
Conclui, assim, estar este tribunal impedido, em face do já decidido nos referidos autos com o n.º xxx/xx.xTBFAF, de conhecer desta pretensão da Ré/Reconvinte, por força da autoridade de caso julgado e do efeito preclusivo dos meios de defesa.
A questão fulcral que nos ocupa mais não é do que a de saber se se estará ou não perante uma eventual violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa (embora haja quem os distinga e diferencie), que, como é consabido, em termos gerais, tem um efeito preclusivo, obstando a que o réu venha alegar, depois da contestação, factos então não alegados (nº 1 do artigo 573º do Código de Processo Civil), e bem assim, que tais factos possam servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir uma decisão em contradição com a já proferida.
Dito de outro modo, a questão consistirá em saber se, podendo ter alegado na primeira acção interposta o pedido de demarcação, e não o tendo feito, lhe será ou não legítimo vira agora fazê-lo nesta acção, pós o transito em julgado da decisão proferida naquela.
Certo que não tem sido pacífica a orientação da doutrina e da jurisprudência com relação à questão dos efeitos preclusivos inerentes ao trânsito em julgado de uma sentença e sua conexão com a figura da reconvenção, havendo, contudo, uma orientação que vai no sentido de que “o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário”.
Por essa razão aí se perfilha o entendimento de que, ainda que a reconvenção seja facultativa, o réu deverá reconvir “para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito”, ficando, por isso, “inibido de propor uma contra-acção independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram”, concluindo, assim, que o réu tem “sempre de jogar, no momento em que contesta, com a possibilidade de vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. Porque sobre esta se forma caso julgado material, o réu não pode, através de uma acção, com base em factos anteriores, vir a afectar o teor da sentença neste proferida”. Cfr. Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, págs. 418 e segs, 429, 441 e 453.
Mas, e a propósito da autoridade do caso julgado e do princípio da concentração da defesa, e com plena pertinência para a resolução da questão em apreço, refere o S.T.J. o seguinte:
“É verdade que a reconvenção tem, em regra, natureza facultativa. Sendo concedida ao réu demandado em determinada acção a faculdade de aproveitar a mesma instância processual para formular uma pretensão autónoma contra o autor, forçoso é afirmar-se que, em princípio, o não uso dessa faculdade não interfere negativamente na consistência do direito material de que porventura o réu seja titular”. Cfr. Acórdão do STJ de 8/04/10, proc. nº 2294/06.9TVPRT.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj .
Trata-se, assim, de uma asserção que não é absoluta e que deve ser contrastada com o objecto da primeira acção, não se admitindo que o réu, depois de ter sido atingido pelos efeitos definitivos de uma sentença de mérito proferida no âmbito de um processo em que teve ampla possibilidade de se defender, faça uso autónomo do direito de acção para, em boa verdade, provocar o esvaziamento daquela sentença, com prejuízo para o direito que pela mesma foi reconhecido.
Esta parece-nos ser, inegavelmente, a posição que melhor articula todos aspectos envolvidos na análise da questão, quer sejam os de natureza substantiva, quer os de ordem adjectiva, conexos com as figuras da excepção peremptória, da reconvenção e da autoridade do caso julgado.
Com efeito, e como é consabido, por princípio, o efeito preclusivo dos meios de defesa apenas abarca o que constitui matéria de excepção que integre factos modificativos ou extintivos apostos à pretensão do autor, dele se excluindo as pretensões autónomas.
Ora, na situação vertente, estamos, como se deixou dito, perante uma acção de reivindicação, sendo que, nessa acção, a Recorrente não logrou demonstrar que os muros que construiu o foram na sua propriedade, nem questionou que a Autora adquiriu o direito de propriedade da raiz sobre esse prédio e respectivo logradouro.
A doutrina e a jurisprudência sempre procuraram diferenciar as acções de reivindicação das acções de demarcação, encontrando diversos critérios distintivos, revelando-se esclarecedora a expressão de que na acção de reivindicação há um conflito acerca do título, enquanto na demarcação há um conflito entre prédios, o que significa que a acção de reivindicação será a adequada quando a questão respeite à titularidade de um prédio, e a de demarcação quando a questão respeite, já não à titularidade, mas à extensão do prédio.
Assim, o recurso à acção de demarcação deverá sempre ter lugar nos casos em que nenhum dos proprietários sabe quais são os limites dos prédios confinantes ou em que e cada um dos proprietários confinantes está em divergência quanto a esses limites.
Em termos factuais, no entanto, as fronteiras entre o âmbito de aplicação destas acções são confusas ou não rigorosamente definidos, sendo que, numa mesma situação, poderá qualquer das partes recorrer à acção de reivindicação, se invocar que o outro está a lesar o seu direito de propriedade, como também poderá recorrer-se à acção de demarcação se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, contra vontade do proprietário vizinho que não aceita a marcação, por nessa situação resultarem dúvidas quanto aos limites dos prédios, sendo igualmente legitimo ao proprietário que não manifestou dúvidas, recorrer à acção de reivindicação.
E assim sendo, pese embora sejam distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites.
Tem sido entendimento jurisprudencial o que vai no sentido de, tendo presente a distinção entre estas duas acções, não é, em abstracto, impeditiva da propositura de uma acção de demarcação entre dois prédios a decisão anterior de uma acção de reivindicação proposta pelo proprietário de um desses prédios contra o proprietário confinante, relativa a uma faixa de terreno situada na zona de confrontação dos prédios
A não ser assim haveria o risco de uma não decisão sobre a demarcação, com fundamento no caso julgado formado por uma anterior acção de reivindicação, poder prolongar a incerteza sobre os concretos limites dos prédios em conflito por tempo infinito.
E, sendo perfeitamente possível, por outro lado, a improcedência de uma acção de demarcação por se entender que os limites entre dois prédios ficaram claramente expressos em decisão proferida em anterior acção de reivindicação, encontrando-se esses limites inequivocamente traçados no terreno, não pode, no entanto, em abstracto e sem mais, abstraindo da concreta situação, ser invocada a excepção do caso julgado reportada àquela decisão como fundamento para o não conhecimento do mérito da acção de demarcação.
Tudo depende, em nosso entender, da análise da concreta situação.
Na verdade, tendo a acção de demarcação como pressuposto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende, a sua finalidade específica não é o reconhecimento desse direito, mas fazer funcionar o direito que o proprietário tem de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios (1353º, do Cód. Civil).
E, assim sendo, se por um lado, nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão deduzida com vista à demarcação, o que acontecerá sempre que o confinante peticiona ainda a condenação dos réus a contribuírem para a demarcação dos dois prédios, por outro, também inexiste qualquer obstáculo a que o demandado contra o qual é proposta a reivindicação, tendo dúvida quanto à extensão ou limites dos prédios confinantes, venha pedir, ele próprio, por via reconvencional, a demarcação dos prédios.
Isto considerado, e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, na anterior acção de reivindicação, a Ré, ao julgar procedente o pedido de reconhecimento de propriedade da Autora sobre o prédio urbano composto de casa e logradouro, condenando os Réus a removerem os muros instalados no logradouro do prédio da Autora e a absterem-se da prática de qualquer acto violador dessa nua propriedade, reconheceu que os muros efectuados pelos Réus foram construídos em terreno propriedade da Autora, do que, como evidente resulta, que esta última terá logrado fazer prova de que o seu imóvel integrava essa faixa de terreno.
E assim sendo, como se saliente na decisão recorrida, a Ré não só não conseguiu demonstrar que os muros que construiu o foram na sua propriedade, como não questionou que a Autora tenha adquirido o direito de propriedade da raiz sobre o mesmo prédio e respectivo logradouro, com a área então definida, não tendo, designadamente, como o poderia ter feito, deduzido, por via reconvencional, pedido de demarcação do logradouro, em ordem à dissipação de quaisquer dúvida sobre a definição do traçado da linha de fronteira entre os dois prédios, cuja demarcação agora se pretende.
Ora, não o tendo feito, como se refere na decisão recorrida, também o não pode fazer agora, estando o tribunal impedido, em face do já decidido nos referidos autos com o n.º xxx/xx.xTBFAF, de conhecer desta pretensão da Ré/Reconvinte, por força da autoridade de caso julgado e do efeito preclusivo dos meios de defesa.
Improcede, assim, e na íntegra, a presente apelação.
IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 02/ 02/ 2017.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
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Jorge Alberto Martins Teixeira
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José Fernando Cardoso Amaral.
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Helena Gomes de Melo.