SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
Sumário

I - Só o retardamento culposo do devedor no cumprimento da prestação principal a que o mesmo está adstrito, legitima a sua penalização por via pecuniária compulsória.
II - A impossibilidade superveniente de cumprimento de uma obrigação contratual, seja ou não imputável ao respetivo devedor, determina a extinção dessa obrigação (principal) e da obrigação acessória atinente à correspondente sanção pecuniária compulsória.
III - Não basta, no entanto, a mera invocação da intenção de extinguir o posto de trabalho de um trabalhador antes despedido, ainda que acompanhada da correspondente alegação procedimental, para obstar à execução de uma sanção pecuniária compulsória decretada para compelir o respetivo empregador à reintegração subsequente à declaração de ilicitude do primeiro despedimento.

Texto Integral

Pº 138/08.6TTVNG-F.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
1- B…, residente na Rua …, nº .., <.º drtº, em Vila Nova de Gaia, na execução para prestação de facto que instaurou contra a sociedade C…, S.A., com sede na …, …, Armazém ., em Rio de Mouro, deduziu o presente incidente de liquidação, alegando, em breve síntese, que, não obstante a improcedência da oposição à referida execução por parte aludida sociedade e a concessão a esta de um prazo de vinte dias para lhe atribuir a ele funções efetivas como chefe de departamento, como já definitivamente decidido jurisdicionalmente, a verdade é que a mesma sociedade não o fez. Primeiro, mandando-o gozar férias e, depois, suspendendo-o sob a alegação de extinção do respetivo posto de trabalho.
Pretende, assim, que seja acionada a sanção pecuniária compulsória estabelecida na sentença que julgou a referida oposição e que executada lhe pague o seguinte:
a) a quantia de 4.015,00€, a título de sanção pecuniária compulsória e contada desde 26/06/2012 até 07/09/2012;
b) a quantia diária de 55,00€ contados desde o dia 07/09/2012, igualmente a título de sanção pecuniária compulsória até integral cumprimento;
c) a quantia de 7.810,00€ devida a título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos, de 26/06/2012 até 07/09/2012;
d) a quantia diária de 110,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais desde aquela data e até integral cumprimento;
e) os juros de mora à taxa legal, no montante de 113,85 €, acrescidos dos que se vencerem até integral cumprimento.
2- Contra esta pretensão manifestou-se a executada sustentando, em suma, que não houve qualquer incumprimento da sua parte que justifique os pedidos do exequente.
Termina, por isso, pedindo a improcedência deste incidente e a condenação daquele como litigante de má-fé.
3- Replicou o exequente refutando a má-fé que lhe é imputada pela executada e pedindo, ao invés, a condenação desta nessa qualidade de litigante de má-fé.
4- Esgotados os articulados, foi, em seguida, proferida sentença que julgou totalmente improcedente este incidente de liquidação.
5- Inconformado com esta decisão dela recorre o exequente, terminando as suas alegações concluindo o seguinte:
1. Foi julgada improcedente a oposição intentada pela Executada à execução para prestação de facto, fixando-se o prazo de 20 dias para a atribuição de funções efetivas de chefe de departamento, sob pena de uma sanção pecuniária compulsória de 55 euros por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação.
2. Tal sentença não mereceu o recurso da Executada que, dessa forma, se conformou ao sentenciado
3. A Executada nunca atribuiu ao Exequente as funções de Chefe de Departamento, inclusive, e sobretudo, após o decurso de 20 dias julgados necessários para a executada organizar a sua atividade de modo a inserir o autor (exequente) na sua estrutura produtiva.
4. A executada/Recorrida ao comunicar a intenção de despedir o Exequente com base em extinção de posto de trabalho deu a conhecer o absoluto incumprimento de sentença proferida em sede de Oposição à execução para prestação de facto e, bem assim, a sua vontade em não se organizar de forma a inserir o exequente na sua estrutura produtiva com funções de chefe de departamento.
5. A executada/Recorrida não atribuiu ao exequente, por um único dia, as funções efetivas de Chefe de Departamento.
6. A sanção pecuniária compulsória não é medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que devia; Através dela não se executa a obrigação principal mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado;
7. A sentença proferida pelo Mº Juiz “ a quo”, em sede de liquidação e ora em recurso, não tem em conta o valor intimidativo, compulsório e atinente ao cumprimento e proveniente da sanção pecuniária compulsória e constante da sentença relativa à Oposição.
8. Ao absolver a Recorrida do pedido, não só não fez cumprir com o fim pretendido pela figura da sanção pecuniária compulsória, como também, deu razão e permitiu o fito intencional de incumprimento de sentença confessado pela Executada/Recorrida no doc. junto a fs 19 a 32.
9. Caso a Recorrida / Executada tivesse fundamentos para discordar da sentença proferida em sede de Oposição À Execução e que determinou a sanção pecuniária compulsória, deveria ter, desde logo, apresentado Recurso.
10. Caso a Recorrida / Executada tivesse fundamentos para discordar do prazo de vinte dias para atribuir as funções efetivas de Chefe de Departamento, deveria ter, desde logo, apresentado Recurso.
11. Assim não agiu pelo que com a sentença se conformou;
12. Ao se conformar, aceitou e acatou a sujeição a sanção pecuniária compulsória,
13.Tal decisão transitou em julgado.
14.Tal sanção é incondiconal, isto é, aplica-se em caso de incumprimento.
15.O direito a férias e respetivo gozo e, bem assim, o vertido no artº 363, nº 4 do Código do Trabalho não suspendem o cumprimento de uma sentença;
16. Deveria, no prazo de 20 (vinte) dias, a Executada organizar a sua atividade de modo a inserir o autor (exequente) na sua estrutura produtiva com funções de chefe de departamento.
17. A Executada não cumpriu tal desiderato, nesse prazo ou noutro qualquer;
18. Pelo contrário, a Executada / Recorrida confessou, ainda, nunca ter agido nessa conformidade porquanto, em 13/8/2012, comunicou ao Autor a intenção de proferir a extinção do seu posto de trabalho por serem inexistentes “funções correspondentes à categoria de chefe de departamento (ou funções afins) que possa atribuir ao trabalhador.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
6- Por sua vez, a executada respondeu, concluindo, no que tange ao mérito deste recurso, do modo seguinte:
“i. Em sede de despacho saneador, o meritíssimo juiz a quo decidiu, conhecendo do incidente de liquidação deduzido pelo ora apelante, julgar o mesmo improcedente, entendendo que a apelada não se encontra a incumprir a sentença proferida no âmbito do apenso c dos presentes autos.
ii. O despacho saneador recorrido considerou ainda que o apelante “(…) não pode reclamar a sanção pecuniária compulsória da executada até ao momento, pois que a executada tinha e tem motivos atendíveis – pelo menos do ponto de vista formal – para não ter ainda dado funções efetivas ao exequente”.
iii. O despacho saneador recorrido, ao decidir pela improcedência do incidente de liquidação deduzido pelo apelante, não violou qualquer disposição legal, não merecendo censura.
(As conclusões IV a VIII são dedicadas ao efeito deste recurso, matéria que já se encontra decidida).
ix. A (im)procedência do incidente de liquidação deduzido pelo ora apelante pressupõe a análise sobre a existência ou inexistência de incumprimento da sentença proferida no âmbito do apenso c dos presentes autos.
x. O apelante invoca que a apelada violou a obrigação de atribuição, àquele, de funções efetivas de chefe de departamento porque, na data de vencimento de tal obrigação (26.06.2012), o apelante iniciou o gozo dos dias de férias a que tinha direito (o que ocorreu até ao dia 10.08.2012), após o que foi dispensado da prestação de trabalho sem perda de retribuição em face de comunicação de intenção de despedimento por extinção do seu posto de trabalho.
xi. O apelante, na data de vencimento da obrigação plasmada na sentença, iniciou o gozo de férias, gozo esse que aceitou expressamente, tendo até exigido a extensão das mesmas.
xii. O direito legalmente consagrado do trabalhador a gozar 22 dias úteis de férias por ano é irrenunciável (cfr. artigos 238º, n.º 1, e 237º, nº 3, ambos do Código do Trabalho), sendo que a marcação dos dias do gozo de férias cabe, na falta de acordo, ao empregador (artigo 241º, n.º 2, do referido Código).
xiii. A apelada, ao dar satisfação a um direito irrenunciável do trabalhador, nomeadamente ao gozo de férias já vencidas, não incumpriu a sentença proferida no âmbito do apenso C dos presentes autos.
xiv. O apelante, no pedido que formulou em sede de liquidação, requereu a condenação da apelada no pagamento de sanção pecuniária compulsória, que quantificou em € 4.015,00 e reportou ao período entre 26.06.2012 e 07.09.2012 (…), pedindo igualmente (…), a condenação da apelada no pagamento de sanção pecuniária compulsória desde 03.09.2012, exigindo assim em duplicado, pelo menos no período entre 03.09.2012 e 07.09.2012 inclusive, o pagamento diário de € 55,00!
xv. O apelante vem exigir o pagamento de sanção relativa a período em que se encontrava no gozo de férias, férias que a apelante está por lei obrigada a conceder-lhe e que ele próprio acedeu a gozar, reclamando inclusivamente o gozo de 3 dias adicionais.
xvi. O apelante deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, omitindo factos relevantes e fazendo do processo um uso notoriamente reprovável, litigando com manifesta má-fé.
xvii. Além do mais, a apelada não dispõe, na sua estrutura organizacional, de cabimento para a categoria de chefe de departamento, inexistindo funções próprias dessa categoria que possam ser atribuídas ao apelante na medida em que inexistem, na apelada, departamentos para chefiar.
xviii. Porque a apelada não tem qualquer lugar na sua estrutura onde possa integrar o apelante, tendo em conta a sua categoria profissional e o leque funcional inerente à mesma, foi dado início ao procedimento tendente à extinção do correspondente posto de trabalho, tendo sido comunicada formalmente ao apelante a intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 369.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
xix. A apelada não tem, objetivamente, funções a atribuir ao apelante que sejam compatíveis com a sua categoria profissional de chefe de departamento.
xx. Nos termos do disposto no artigo 363.º, n.º 4, do Código do Trabalho, o apelante foi dispensado da prestação de trabalho no decurso do período de aviso prévio inerente ao processo de despedimento, sem perda de retribuição, em virtude de a sua presença diária na delegação norte da apelada sem funções compatíveis com a sua categoria profissional ser potencialmente violadora do seu direito de ocupação efetiva, sendo, a todos os níveis, prejudicial para o próprio apelante.
xxi. Nos termos da aludida previsão legal, a apelada pode legitimamente não exigir a contraprestação (trabalho) ao apelante pelo salário que lhe paga, sem que, com tal comportamento, se configure uma situação de desocupação efetiva, ou sequer de violação da decisão judicial que ordenou a atribuição, ao apelante, de funções de chefe de departamento.
xxii. A norma vertida no artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, que consagra o direito à ocupação efetiva, refere que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho.
xxiii. Em função da estrutura da sua delegação norte, é impossível à apelada forjar funções inexistentes para ocupar o apelante, conforme aliás concluiu o parecer que a ACT emitiu no âmbito do processo de despedimento por extinção do posto de trabalho.
xxiv. Atenta a lei e o teor da jurisprudência fixada pelo Tribunal da Relação do Porto (que proibiu a apelada de atribuir ao apelante funções de supervisor), a não atribuição de funções de chefe de departamento por não as ter não constitui violação do dever de ocupação efetiva.
xxv. Não ocorreu, pois, por esta via, qualquer violação ou incumprimento da sentença por parte da apelada, atentas as razões objetivas que se verificam para a não atribuição ao apelante de funções efetivas de chefe de departamento.
xxvi. A não atribuição ao apelante de funções de chefe de departamento resulta de uma impossibilidade objetiva e não de qualquer oposição gratuita, negligência, indiferença ou desleixo da apelada, não relevando nesta sede qualquer elemento volitivo da parte desta.
xxvii. a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa – inalterada pelo Supremo Tribunal de Justiça e subsequentemente reiterada pela sentença proferida no apenso C dos autos -, ao condenar a apelada na atribuição, ao apelante, de funções efetivas de chefe de departamento quando aquela, na sua estrutura organizacional, não dispõe de funções compatíveis com tal categoria profissional, não teve em conta a concreta organização operacional da apelada, criando artificialmente um posto de trabalho de chefe de departamento que não encontra cabimento na referida estrutura empresarial.
xxviii. Tal circunstância determinou a impossibilidade de atribuição, ao apelante, das funções inerentes à categoria profissional de chefe de departamento, pelo que não poderá a sentença proferida no apenso C ser interpretada no sentido de ordenar à ora apelada que reestruture todo o seu sistema organizacional por forma a atribuir ao apelante funções que não encontram cabimento na estrutura operacional da sua delegação norte e que a apelada não tem, objetivamente, para atribuir.
xxix. A aplicação à apelada de sanção pecuniária compulsória nos moldes peticionados pelo apelante pressuporia que se concluísse pela violação da sentença proferida em sede do apenso C dos presentes autos, o que, no caso vertente, manifestamente não ocorreu.
xxx. A sanção pecuniária compulsória consiste num instrumento jurídico impulsionador do cumprimento de obrigações, quando esteja em causa uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo, pressupondo, natural e logicamente, a possibilidade de cumprimento da obrigação cuja satisfação visa assegurar.
xxxi. No caso vertente, a obrigação de atribuição ao apelante de funções efetivas de chefe de departamento foi imposta à apelada por via judicial, sendo a satisfação de tal obrigação objetivamente impossível.
xxxii. Em termos operacionais e estruturais, desconsiderando as equipas de limpeza, a apelada possui, na sua delegação norte, 7 trabalhadores/postos de trabalho, sendo tal delegação composta, para além das equipas de pessoal operacional de limpezas, por quatro supervisores (cada supervisor, por norma, tem alocados alguns locais de trabalho/clientes/empreitadas), que por sua vez são dirigidos por uma diretora de serviços apoiada por duas administrativas.
xxxiii. Todos os demais serviços estruturais e organizacionais da empresa (contabilidade, cobranças, comercial, qualidade e segurança, logística e compras e planeamento e controlo de gestão) são desenvolvidos na sua sede (em Rio de Mouro, grande Lisboa) e em articulação com a empresa externa de recursos humanos (…).
xxxiv. A estrutura da delegação norte da apelada não integra, pois, o cargo ou categoria de chefe de departamento, pelo que as funções que integram esse cargo ou categoria são insuscetíveis de ser atribuídas ao ora apelante.
xxxv. Não estamos, pois, perante uma falta de cumprimento da sentença, mas apenas perante uma impossibilidade objetiva de satisfazer a obrigação de atribuição, ao apelante, de funções de chefe de departamento que a referida sentença consagra.
xxxvi. O apelante pretende, através do presente recurso, impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho, fazendo uso de um meio processual que não é o adequado para o efeito.
xxxvii. Em face de tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a tese do apelante, por manifestamente infundada, deve soçobrar, considerando-se que o despacho saneador recorrido procedeu a uma correta aplicação do direito aos factos, não violando qualquer dispositivo legal nem merecendo qualquer censura, razão porque deve ser mantida a decisão nele contida e ser julgado improcedente in totum o recurso apresentado pelo apelante”.

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7- O Ministério Publico junto deste Tribunal entendeu não emitir parecer.
8- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1- Por sentença proferida a fls. 382 do apenso C de oposição à execução para prestação de facto que corre no apenso A, foi à executada, aqui requerida, C…, S.A., fixado o prazo de 20 dias para atribuição ao exequente B… de funções efetivas de chefe de departamento, sob pena de uma sanção pecuniária compulsória de 55,00€ (cinquenta e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação.
2- Tal sentença foi notificada às partes em 06/06/2012.
3- A executada, por carta de 23/06/2012 comunicou ao exequente que por ora se informa que deverá gozar o seu período de férias anual de 22 dias úteis, com início na presente data.
4- O exequente respondeu por carta de 13/07/2012, junta a fls. 16, que apenas recebeu aquela comunicação em 28/06/12, pelo que se considerava de férias a partir de 29/06/2012 e até 31/07/2012, data a partir da qual se apresentaria ao trabalho.
5- Em 31/07/2012, quando o exequente se apresentou ao serviço, a executada comunicou-lhe por escrito que, por dúvidas sobre os dias de férias a que aquele tinha direito, deveria continuar de férias até 10/08/12, voltando a apresentar-se ao serviço em 13/08/2012.
6- Em 13/08/2012, quando o exequente se apresentou ao serviço, foi confrontado com a comunicação da intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo dispensado da efetiva prestação de trabalho, conforme consta da cópia junta a fls. 19 a 32, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do C.P.Civil, “ex vi” do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do C. P. Trabalho as conclusões do recurso, com as exceção das matérias de conhecimento oficioso, delimitam o seu objeto.
E, assim, as únicas questões a decidir, neste caso, consistem em saber se a executada não cumpriu a ordem jurisdicional de atribuição ao exequente das funções efetivas de chefe de departamento e, na afirmativa, se esse incumprimento lhe é imputável e deve ser compelida ao pagamento da sanção pecuniária compulsória estipulada na sentença que julgou a oposição a esta execução.
Vejamos então:
A primeira constatação a fazer é que as partes estão de acordo quanto ao facto da executada não ter integrado, na prática, o exequente na sua organização empresarial como chefe de departamento[1], tal como lhe foi determinado por este tribunal, por Acórdão de 11/11/2011, estando também já ultrapassado o prazo de vinte dias para o fazer, fixados na sentença que julgou a oposição a esta execução.
Por conseguinte, do ponto de vista objetivo, a prestação debitória principal a cargo da executada está em falta.
A questão que se coloca, ainda assim, é a de saber se essa falta é bastante para desencadear o efeito cominatório associado à sanção pecuniária compulsória aplicada à executada, ou não.
Para o exequente, a resposta é afirmativa, na medida em que aquele efeito decorre do simples incumprimento, independentemente da respetiva causa ser, ou não, imputável à executada.
Já para esta última, a posição é a diametralmente oposta; ou seja, esse incumprimento há de estar sempre associado a uma oposição, deliberada ou negligente, do devedor, pelo que inexistindo esse tipo de atitude da sua parte neste caso concreto, mas tão só uma impossibilidade objetiva de atribuição ao exequente das funções correspondentes à categoria que lhe foi judicialmente reconhecida, inexiste fundamento para a sancionar.
A decisão recorrida, por sua vez, parecendo inclinar-se para a necessidade de haver um comportamento culposo do devedor, optou por julgar improcedente a pretensão do exequente, por considerar formalmente legitimada, pelo menos por ora, a atitude da executada e não ser esta a sede processual própria para apreciar a bondade das razões pela mesma invocadas para o despedimento do exequente.
São, portanto, duas as questões que se mantêm em aberto. Saber, por um lado, qual o tipo de incumprimento que legitima a execução de uma sanção pecuniária compulsória e, depois, se o propósito já manifestado pela executada de acabar com o posto de trabalho do exequente por extinção do respectivo posto de trabalho inviabiliza a apreciação, nesta sede, das razões concretas que o motivaram essa decisão.
Quanto ao primeiro aspeto, temos a resposta como liquida. Só o retardamento culposo do devedor no cumprimento da prestação principal a que o mesmo está adstrito, legitima a sua penalização por via pecuniária compulsória.
E, assim, não pode ele ser sancionado, por esse meio, em caso de impossibilidade superveniente de cumprimento resultante de um facto ao qual é alheio; tal como não pode ser sancionado se houver incumprimento definitivo, ainda que o mesmo lhe seja imputável. Em ambos os casos, a obrigação principal extingue-se (artºs 790º nº1 e 791º do C.Civil) e, com ela se extingue igualmente a obrigação acessória atinente à referida sanção. Isto, sem prejuízo do direito à indemnização a que eventualmente haja lugar da parte do credor (artºs 798º e 801º do C.Civil). Mas, no plano estritamente contratual, ambas as obrigações se extinguem.
Como refere João Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 2.ª Edição, Coimbra, 1997, pág. 439, “a sanção pecuniária compulsória só faz sentido quando o devedor contra quem é decretada está em condições de realizar o objetivo almejado, pelo que, se este se torna irrealizável, ou seja, se o cumprimento da obrigação principal se torna impossível, a sanção pecuniária compulsória cessa, nesse momento, de produzir efeitos. E isto qualquer que seja a causa da impossibilidade do cumprimento da obrigação principal, imputável ou não ao devedor, pois deixando de haver “chances de cumprimento (…), desaparece o pressuposto da sanção pecuniária compulsória, porque esta é acessória da obrigação principal.
Assim, impõe o simples bom senso que não se continue a pressionar o devedor para a obtenção do impossível”.
Em qualquer dos casos referidos, pois, o não cumprimento definitivo da obrigação principal determina a extinção da correspondente sanção pecuniária compulsória.
O incumprimento definitivo, porém, não se confunde com o atraso no cumprimento. E, menos ainda com o atraso imputável ao devedor.
Nessas hipóteses, justifica-se plenamente a execução da sanção pecuniária compulsória, pois o que com ela se visa é, justamente, compelir o devedor a cumprir no mais reduzido espaço de tempo possível. E se há domínios em que esse cumprimento é particularmente premente é, justamente, o das relações laborais na fase de reintegração do trabalhador em ato subsequente à declaração judicial da ilicitude do seu despedimento. Nesses casos, como assinala o Autor já referenciado, na mesma obra, págs. 492 e 493, a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória é altamente benéfica não só porque deve ser excluída a execução “in natura” da obrigação de reintegração, mas ainda porque “a reentrada não é um fim em si mesmo, mas meio ou condição para que o trabalhador reintegrado atue a sua prestação laboral realizando-se como pessoa…”.
No caso presente, a aplicação da referida sanção já foi feita. Resta apenas saber, portanto, se pode ser executada coercivamente. Isto porque, como vimos, a Apelada alega existir uma impossibilidade objetiva superveniente de cumprimento da sua obrigação de reintegração do Apelante, fazendo daí derivar a extinção da obrigação acessória atinente à sanção pecuniária compulsória que lhe foi aplicada. Concretamente, a dita impossibilidade resultaria da necessidade de extinção do posto de trabalho daquele, estando o periodo temporal antecedente a coberto das férias gozadas pelo mesmo, em que não havia obrigação da sua parte de lhe proporcionar trabalho efetivo.
Ora, sendo o gozo do direito a férias juridicamente incompatível com a prestação, de facto, da atividade laboral por parte do exequente, a questão da sua plena reintegração só se coloca, efetivamente, no período subsequente, que é, justamente, aquele em que a executada invoca a impossibilidade de proceder a essa reintegração. E daí a importância de aquilatar, nesta sede, se basta essa mera invocação, ainda que acompanhada da correspondente alegação procedimental, ou se, ao invés, têm de ser aqui conhecidas as razões que comprovam a dita impossibilidade.
Na decisão recorrida optou-se, cremos nós, pela primeira solução. Defende-se aí que, “embora o A. mantenha o direito à retribuição, quer do período de férias, quer durante o período do procedimento de extinção do posto de trabalho, a verdade é que não pode reclamar a sanção pecuniária compulsória da executada até ao momento, pois que a executada tinha e tem motivos atendíveis – pelo menos do ponto de vista formal – para não ter ainda dado funções efetivas ao exequente.
Apenas assim não sucederá se a decisão final do procedimento não for no sentido da efetiva extinção do posto de trabalho do A. ou, sendo-o, este a impugnar através da ação própria para o efeito (arts. 98 B e segs. do Cód. Proc. Trabalho). Por ora e nesta ação, não podemos julgar que houve um incumprimento culposo da obrigação de prestação de facto fixada na sentença exequenda”.
Ora, ressalvado o devido respeito, não partilhamos deste entendimento.
Desde logo, porque esta ação não tem um caráter provisório. A solução aqui adotada é definitiva e, transitada em julgado, vincula as partes quanto à matéria nela conhecida. Não pode, assim, afirmar-se, cremos nós, que “por ora e nesta ação” não se pode julgar o incumprimento culposo da obrigação e, mais tarde, esse julgamento vir a ter lugar com idêntico objeto ao destes autos. Não temos essa via como líquida.
Por outro lado, a solução adotada na sentença recorrida permite que se julgue improcedente a pretensão do exequente com base na mera alegação, independentemente da bondade ou fundamento das razões nela aduzidas. O que, levado ao limite, poderia conduzir a resultados absurdos como o de ser inviabilizada a execução com base num procedimento formal e/ou substancialmente ilícito, que não venha sequer a ser concluído.
E, por fim, o facto de não estar demonstrada a conclusão desse mesmo procedimento também não permite afirmar que a ruptura contratual já se consumou e que, portanto, a oposição à reintegração é legítima desde o início desse mesmo procedimento. Essa ruptura contratual, com efeito, só se concretiza com a decisão de despedimento e, por conseguinte, todo o período temporal que antecede essa decisão é relevante não apenas para a validade da mesma, mas também para aferir da legitimidade da citada oposição. Até porque não sabemos sequer se o despedimento em causa virá algum dia a ser decretado e, menos ainda, jurisdicionalmente sindicado na sua validade jurídica.
Daí que, do nosso ponto de vista, só haja uma solução, que é a de conhecer as razões invocadas pela executada na sua defesa, nomeadamente as que conduziram à manifestação da intenção de extinguir o posto de trabalho do exequente.
E a tal não obsta a circunstância de haver um processo próprio para impugnar o despedimento por esse mesmo motivo. Esse processo, com efeito, é da iniciativa do trabalhador e nele se afere a ilicitude ou licitude do seu despedimento. Todavia, como dissemos, não estando demonstrado, neste momento, o despedimento do exequente, ignora-se se o mesmo alguma vez terá fundamento jurídico para o impugnar.
Neste incidente, portanto, o que se impõe decidir é a procedência, ou não, das razões, formais e materiais, nele aduzidas, que pretensamente inviabilizam a execução da sanção pecuniária exequenda. É nessa, e só nessa perspetiva, que devem ser conhecidas e julgadas essas razões.
Em resumo: uma vez que a executada invocou razões supervenientes para a impossibilidade de cumprimento, pela sua parte, da decisão de reintegração do exequente, essas razões, formais e materiais, têm de ser apreciadas e decididas neste incidente, pelo que a sentença recorrida não pode manter-se em vigor, nessa parte. Deve antes ser ordenado o prosseguimento do processo com vista à apreciação do fundamento jurídico das referidas razões.
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IV- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte impugnada, a qual deve ser substituída por outra decisão que ordene o prosseguimento dos autos, com vista, designadamente, à apreciação das razões formais e substanciais invocadas pela executada para a não reintegração do exequente na sua organização empresarial.
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- Custas pela Apelada – artº 446º nºs 1 e 2 do C.P.Civil.

Porto, 25/02/2013
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Primeiro, mandando-o em gozo de férias até ao dia 13/08/2012 e, depois, dispensando-o da efectiva prestação de trabalho.
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Sumário:
1- Só o retardamento culposo do devedor no cumprimento da prestação principal a que o mesmo está adstrito, legitima a sua penalização por via pecuniária compulsória.
2- A impossibilidade superveniente de cumprimento de uma obrigação contratual, seja ou não imputável ao respetivo devedor, determina a extinção dessa obrigação (principal) e da obrigação acessória atinente à correspondente sanção pecuniária compulsória.
3- Não basta, no entanto, a mera invocação da intenção de extinguir o posto de trabalho de um trabalhador antes despedido, ainda que acompanhada da correspondente alegação procedimental, para obstar à execução de uma sanção pecuniária compulsória decretada para compelir o respetivo empregador à reintegração subsequente à declaração de ilicitude do primeiro despedimento.