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AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DO MANDATÁRIO DA PARTE
Sumário
I - Quando a data para audiência de julgamento é designada mediante prévio acordo com os ilustres mandatários das partes, o adiamento com base na falta de advogado só pode ocorrer se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu comparecimento. II - A simples comunicação do impedimento não constitui justificação bastante para o adiamento e nem sequer a simples indicação de um motivo vago ou abstracto legitima o adiamento, antes se impondo a verificação de causa fortuita ou de força maior ou um qualquer motivo relevante.
Texto Integral
Apelação 211/08.0TBMGD-C.P1
Oposição à Execução Comum n.º 211/08.0TBMGD-B, Tribunal Judicial de Mogadouro
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
Nos presentes autos de oposição que B…, residente na Rua …, …, .º Esq., no Porto, deduz à execução comum que lhe é movida por C…, Lda., com sede na …, …, no Porto, foi designada a audiência de julgamento para o dia 19 de Maio de 2011, às 10:00 horas. Tendo a ilustre mandatária da oponente requerido o adiamento da audiência de julgamento, por se encontrar impedida de comparecer, foi a mesma notificada para alegar a causa do impedimento. Como se remeteu ao silêncio, aberta a audiência de julgamento em 19 de Maio de 2011, faltando a ilustre mandatária da oponente, foi proferido despacho que determinou a realização da audiência, com a inquirição das testemunhas presentes, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 651º do CPC.
Desse despacho interpôs a oponente recurso, cuja alegação assim concluiu:
1) Mesmo que a data de julgamento tenha sido marcada por acordo prévio, como não tinha havido adiamento por facto imputável às partes, e a signatária comunicou ao Tribunal a sua impossibilidade de comparecer, sempre tal comunicação satisfaria a exigência do nº 5 do artigo 155º do C.P.C.- Acórdão da Relação de Évora de 03/02/03, CJ, Ano XXVII, Tomo I, página 237 e Acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/02, CJ, Ano XXVII, Tomo V, página 71.
2) Assim a jurisprudência vem sustentando que os advogados não estão obrigados a explicar o motivo do seu impedimento, bastando-lhes referir que estão impedidos, impedimento esse que pode ser pessoal ou profissional, sendo que esta última pode decorrer de outra diligência judicial ou de outra diligência da sua esfera profissional.
3) A signatária comunicou atempadamente o seu “impedimento”.
4) Mesmo considerando que foi por despacho designada data para audiência de julgamento, com observância do disposto no artº 155º do C.P.C.
5) Ou seja, a existência de acordo prévio dos advogados das partes quanto à data da realização do julgamento ou a notificação da data marcada, não podendo concluir-se que faltando, o advogado faltoso violou o dever de cooperação.
6) Nos termos do disposto no artº 155º, nº 5 do C.P.C., “os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao Tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento da diligência marcada”.
7) A falta de advogado à primeira audiência de julgamento importa o seu adiamento, sem necessidade de conhecimento ou justificação do motivo pelo Tribunal.
8) Ao ter-se realizado o julgamento sem a presença da advogada da Recorrente e porque essa falta influiu na decisão da causa o julgamento é nulo.
9) Consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido e designado novo dia para a realização da audiência de julgamento.
10) Ao decidir como o fez violou o Meritíssimo Juiz a quo, entre outros, o disposto nos art.º 651º, nº 1 d), 155º, 201º nº 1, 653º, 229-A e 260º A, todos do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-o por outro que designe nova data para a audiência de discussão e julgamento, anulando-se todo o subsequente processado ao despacho que indeferiu o pedido de adiamento da audiência de discussão e julgamento, com o que se fará a mais elevada justiça.
Não foi apresentada resposta.
II. Objecto do recurso
Sendo o teor das conclusões da alegação do recorrente que define o objeto do recurso (artigos 684º e 685º-A do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), a questão decidenda reduz-se à (in)existência de justificação do adiamento da audiência na sequência da falta da ilustre advogada da executada/oponente.
III. Iter processual relevante
1. Nos presentes autos de oposição à execução comum foi designada, em primeira marcação, a audiência de julgamento para o dia 19 de Maio de 2011.
2. Desse despacho foi a ilustre mandatária da oponente, Dr.ª D…, notificada em 5 de Abril de 2011 (fls. 4).
3. Em 10 de Maio de 2011, a ilustre mandatária da oponente requereu adiamento da audiência, invocando «encontrando-se impedida de estar presente no dia 19/05/2011, pelas 10:00 horas para realização da Audiência de Discussão e Julgamento, vem, ao abrigo do disposto no artigo 155º, 5, e 651º, 1, d) do CPC requerer a V.Ex.ª se digne adiar a presente audiência, mais considerando justificada a sua falta.» (fls. 5 e 6).
4. Em 11 de Maio de 2011 foi proferido o seguinte despacho: «Tendo em conta que nos presentes autos a audiência de julgamento foi marcada por acordo de agendas com os Ilustres mandatários das partes, antes de mais, atenta a proximidade da data designada para a audiência de julgamento, notifique a Ilustre Mandatária da executada para, até à hora e dia designados para julgamento, alegar e comprovar nos autos, pela forma de comunicação mais expedita, a causa da impossibilidade invocada, nos termos do disposto nos artigos 155, n.º 5, e 651º, 1, al. d), do CPC).» (fls. 9).
5. No dia 19 de Maio de 2011, aberta a audiência de discussão e julgamento, faltando a ilustre mandatária da oponente, foi proferido o seguinte despacho: «Compulsados os autos verifico que a Ilustre Mandatária da executada comunicou no dia 10/05/2011 que se encontrava impedida de comparecer na presente audiência, sem alegar a causa do respectivo impedimento. Notificada para vir alegar e comprovar nos autos nos autos, até à hora marcada para o início da presente audiência, e pela forma de comunicação mais expedita, a causa da impossibilidade invocada, nos termos do disposto nos artigos 155º, 5, e 651º, 1, al. d), ambos do CPC, a Ilustre Mandatária da Executada, regularmente notificada, nada veio dizer ou requerer. Pelo exposto, nos termos das referidas disposições legais, não se verificando qualquer causa de adiamento da presente audiência, uma vez que não se encontra sequer alegada a causa de impedimento da Ilustre Mandatária da executada de comparecer neste tribunal, na presente data, determino a realização da audiência, com a inquirição das testemunhas presentes, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 651º do CPC.» (fls. 10).
6. Encerrada a audiência de discussão e julgamento, para a leitura da decisão de facto foi designado o dia 27 de Maio de 2011, às 14:00 horas (fls. 10 e 11).
7. No dia 27 de Maio de 2011, foi proferida a decisão de facto (fls. 12).
8. Em 1 de Junho de 2011 foi prolatada sentença que julgou improcedente a oposição à execução (fls. 14 e 15).
9. Do despacho referido em 5. foi interposto recurso, admitido como apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
IV. O direito
Dentre as causas de adiamento da audiência de discussão e julgamento conta-se a falta de advogado, distinguindo-se a situação em que o juiz não tenha providenciado pela sua marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais e aquela em que a designação seja feita para data alcançada com o acordo dos mandatários judiciais (artigo 651º, 1, c) e d), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelos Decretos-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, e 38/2003, de 18 de Março). No primeiro caso, a falta de advogado determina o adiamento da audiência de julgamento e, no segundo, só o determina se o advogado comunicar a impossibilidade de comparência nos termos do n.º 5 do artigo 155º do mesmo diploma. Assim, como a data designada para a audiência de julgamento foi obtida mediante acordo prévio com os mandatários das partes, o motivo de adiamento da audiência de discussão e julgamento com base na falta de um deles só pode ocorrer quando algum advogado “tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº5 do artigo 155º”. Esta norma estatui que os “mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada”.
No descrito relato factual, tratava-se de audiência, em primeira marcação, convocada para o dia 19 de Maio de 2011 e a ilustre mandatária da executada/oponente, no dia 10 de Maio de 2011, comunicou o seu impedimento de comparência, sem alegar a causa do respectivo impedimento. Por isso, a Senhora Juiz a quo notificou-a para vir alegar e comprovar nos autos, até à hora marcada para o início da audiência e pela forma de comunicação mais expedita, a causa da impossibilidade invocada, nos termos do disposto nos artigos 155º, 5, e 651º, 1, al. d), ambos do Código de Processo Civil, o que não foi cumprido pela Senhora Advogada, que se remeteu ao silêncio. Foi, então, proferido despacho que julgou inverificada qualquer causa de adiamento da audiência, por não ter sido alegada a causa de impedimento.
O tribunal não questionou a tempestividade da comunicação, mas tão só a ausência de indicação do motivo do seu impedimento. Como a audiência de julgamento ainda não havia sido alvo de adiamento, não obstante a sua marcação mediante acordo prévio dos advogados, incluindo da ilustre mandatária judicial da executada/oponente, o adiamento da audiência exigiria, na terminologia legal, “comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença”[1]. É na interpretação do alcance deste concreto segmento da norma que teremos de alcançar a solução da questão que nos é posta.
A partir da reforma processual de 1995, introduzida pelo Decreto-Lei 392-A/95, de 12 de Dezembro, o legislador tem procurado afunilar as causas de adiamento das audiências e, no seu preâmbulo, assinala que na “lógica decorrência do princípio instituído de fixação comparticipada da data de audiência final, restringiram-se as hipóteses de adiamento integral da mesma (…) além de que a não comparência de qualquer das partes para permitir a tentativa de conciliação ou a ausência de poderes especiais do respectivo mandatário para transigir não constituirão, por si, causa de adiamento.”. À luz do princípio constitucional de que todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (artigo 20º), é seguro que o legislador, não obstante as suas patentes preocupações de celeridade processual na resolução dos conflitos, procurou salvaguardar o princípio de que o julgamento deve decorrer na presença dos mandatários das partes. E sendo inquestionável o relevo do exercício do patrocínio judiciário como mecanismo de salvaguarda dos direitos de defesa dos cidadãos e da igualdade de acesso aos tribunais, a verdade é que o preâmbulo do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, que introduziu subsequentes alterações no regime do adiamento da audiência, expressou: “No que concerne aos mandatários judiciais (...) só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se (...) ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer”. Entendia-se, então, que as exigências legais ficavam satisfeitas com a comunicação prévia, o mais antecedentemente possível, por forma a permitir desconvocar os intervenientes processuais convocados. Normativizou, no entanto, que se faltar algum dos advogados, o que será comunicado ao mandante, é logo designada data para a audiência, com dispensa de cumprimento, quanto ao faltoso, do disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil, evoluindo-se, como a redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, para o actual regime. Num mecanismo progressivamente restritivo dos adiamentos da audiência de julgamento, inclusive com base na falta de advogado, existindo acordo quanto à marcação da audiência, como os mandatários judiciais puderam acertar as suas agendas, só excepcionalmente se admitem adiamentos, salvo circunstâncias fortuitas ou de força maior susceptíveis de inviabilizar a sua realização pontual, circunstâncias que prontamente terão de ser comunicadas ao tribunal. Por isso, tem sido entendido que a avaliação da natureza impeditiva das circunstâncias invocadas pelo advogado pertence ao julgador, a significar que a simples comunicação do impedimento não constitui justificação bastante para implicar o adiamento e nem sequer a simples indicação de um motivo vago ou abstracto, do tipo “por razões pessoais ou profissionais inadiáveis”, legitima o adiamento[2]. A redacção da norma aponta exactamente nesse sentido, ao exigir a comunicação das circunstâncias impeditivas da presença do advogado.
De facto, o desiderato da celeridade do processo com vista à obtenção de decisão final no mais curto tempo possível e os princípio da cooperação e da boa fé bradam pela concretização e especificação do motivo impeditivo da presença do advogado na audiência, assim frustrando a possibilidade da realização da audiência de julgamento ser obstruída por motivos fúteis, não obstante a sua marcação ter sido fixada com a sua anuência. Daí que, iteramos, dentre as circunstâncias justificativas do adiamento da audiência sobressaem as chamadas causas fortuitas ou de força maior, adequadas a inviabilizar a realização pontual da diligência[3]. Isto sem prejuízo de estas causas não esgotarem os fundamentos de adiamento, sendo de admitir outras e, até, sopesar a sua dignidade e relevância num determinado caso concreto em conjugação com os demais elementos nele atendíveis[4].
Na situação objecto da nossa análise, silenciando a ilustre advogada o motivo do seu impedimento, o tribunal convidou-a a especificá-lo, sem que a mesma tivesse respondido a tal convite. E foi perante a reiteração do seu silêncio que o tribunal, ignorando as circunstâncias que determinaram à não comparência da Senhora Advogada, apesar do seu acordo prévio à data agendada, realizou a audiência de julgamento, por considerar inexistir fundamento legal para o adiamento com base na sua ausência. Conclusão que não é derrogada pela circunstância de não ter havido anterior adiamento.
Não vemos, pois, fundamento para dirigir qualquer censura à atitude processual do tribunal. No uso de um legítimo direito, a Senhora Advogada remeteu-se ao silêncio quanto ao fundamento para o seu impedimento, mas sujeitou-se à aplicação das consequências estabelecidas pela norma.
Em resumo:
1. Quando a data para audiência de julgamento é designada mediante prévio acordo com os ilustres mandatários das partes, o adiamento com base na falta de advogado só pode ocorrer se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu comparecimento.
2. A simples comunicação do impedimento não constitui justificação bastante para o adiamento e nem sequer a simples indicação de um motivo vago ou abstracto legitima o adiamento, antes se impondo a verificação de causa fortuita ou de força maior ou um qualquer motivo relevante.
V. Decisão
Na defluência do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (artigo 446º, 1, do Código de Processo Civil).
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Porto, 26 de Fevereiro de 2013
Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas
José Bernardino de Carvalho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
______________
[1] In www.dgsi.pt: Acs. R. L. de 15-4-2008, processo 2244/2008-7; 20-01-2011, 2325/07.5YXLSB.L1-6; 8-11-2012, processo 8879/10.1T2SNT.L1-2; R. P. de 13-06-2006, ref. 0622143; R. C. de 05-04-2011, processo 287/10.0TBFND.C1.
[2] In dgsi.pt.: Acs. R. L. de 22-10-2009, ref. 144-B/2000-2; R. C. de 11-09-2012, processo 367905/10.7YIPRT.C1.
[3] Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 132.
[4] Ac. R. C. de 11-09-2012, processo 367905/10.7YIPRT.C1.