Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Sumário
I - A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida, na falta de instrumentos internacionais, pelo pedido e pela causa de pedir invocados pelo autor na petição inicial, bastando a verificação de alguma das circunstâncias elencadas no art.º 65.º do CPC. II - O tribunal português é internacionalmente competente para decidir uma acção de prestação de contas instaurada por um cidadão nacional, residente em Portugal, contra um cidadão angolano, residente nesse país, fundada num contrato de mandato com representação, que este se propôs exercer e o autor aceitou, outorgando-lhe a respectiva procuração, no nosso território nacional, destinada, essencialmente, a tratar da venda, escritura pública e recebimento do preço do imóvel, sito em Angola, e cuja fracção correspondente o réu entregou, em parte, àquele num encontro havido entre ambos em Portugal, durante o qual combinaram que, mensalmente, por meio de transferência bancária para conta do demandante em banco português, o réu enviaria o restante, o que começou mas não acabou de cumprir.
Texto Integral
Apelação nº. 182/11.6TVPRT-A.P1
Relator: -José Fernando Cardoso Amaral (nº. 51) Adjuntos: -Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida
-Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo.
Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
B…, cidadão português residente no Porto, intentou, em 22-02-2011, no Tribunal Cível dessa Comarca, onde foi distribuída ao 3º Juízo, Acção Especial de Prestação de Contas, contra C…, cidadão de nacionalidade angolana, indicado como residente na Póvoa de Varzim.
Alegou que ambos, juntamente com mais três, foram proprietários, “em comum e sem determinação de parte ou de direito”, de um prédio urbano sito em Luanda, Angola, adquirido por sucessão hereditária. Por iniciativa e proposta do réu, seu irmão, formulada em 09-05-2009, tal prédio foi vendido a um banco, por 4.000.000 de dólares americanos. Na sequência de solicitação daquele, o autor outorgou, a seu favor, em 20-05-2009, no Porto, procuração (onde o réu figura como residente em Luanda) para o representar na respectiva escritura de venda, mandato que foi conferido a título gratuito, dado o parentesco. Tal escritura foi realizada em 25-08-2009 e o réu recebeu o citado preço, através de depósito numa conta bancária em seu nome, mantido até ao registo definitivo da transmissão. Como a quota do autor é de 12,5% do imóvel, tinha este a receber 500.000 USD. Em 07-11-2009, o autor e o réu encontraram-se em Lisboa, para acertar contas, tende este aí entregue àquele a quantia de 30.000 USD. Nessa ocasião, a pretexto de dificuldades em movimentar capitais a partir de Angola, o autor aceitou que o réu fizesse pagamentos mensais de 60.000 USD, o que este foi fazendo entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010, por meio de transferências para contas do autor na D… e no E… (em Portugal), tendo, assim, pago 150.000 USD. Desde 08-04-2010, nada mais o réu pagou ao Autor, apesar de para tal interpelado, ficando, por isso, a dever-lhe 350.000€.
Concluindo, pediu que o réu seja condenado a prestar contas e a restituir-lhe, com juros, a diferença em dívida.
Juntou documentos alusivos aos factos alegados.
Em contestação – e para o que ora interessa –, o réu excepcionou a incompetência internacional do tribunal português, alegando que é cidadão de nacionalidade angolana, tenente-general das forças armadas e juiz do Supremo Tribunal Militar desse país, funções que exercia à data de outorga do mandato e continua a exercer, residindo habitual e permanentemente em Luanda, onde tem o centro da sua vida familiar, profissional e social. No local onde foi citado por via postal (…, no Porto), está instalada, além de outra, uma sociedade de fornecimento de bens para Angola de que o réu é administrador (embora não resida em Portugal, não exerça de facto a administração e para tal tenha conferido poderes a um cidadão português, por procuração). O expediente postal foi entregue no referido local, mas a uma empregada da outra sociedade também ali instalada. Não se verifica qualquer dos requisitos enunciados nas quatro alíneas do artº 65º, do CPC: o seu domicílio é em Angola (sua residência habitual); o lugar do cumprimento da obrigação de prestar contas é Angola (domicílio do réu-artº 772º, CC), sendo esse o critério de competência territorial à face do artº 74º, nº1, CPC; todos os factos praticados no exercício do mandato (causa de pedir) foram-no nesse país; e só através de acção a propor na jurisdição angolana se pode tornar efectivo o direito que o autor pretende exercer, uma vez que, para além dos cinco herdeiros habilitados e constantes do registo predial como titulares (em comunhão hereditária e não em compropriedade), por sucessão, do prédio (pertencente à herança), há outros quatro (num total de nove), que, entretanto, foram obtendo tal reconhecimento mas que não entraram na escritura de habilitação, realizada para evitar que, de acordo com a lei angolana, o respectivo Estado tomasse posse dos bens da herança (caso a ela os herdeiros não se habilitassem no prazo de dez anos); daí que, nesta acção, nunca se poderá apurar o saldo, mormente se ele é divisível pelos cinco herdeiros ou por nove – o que só na jurisdição angolana poderá ser decidido, não tendo tal matéria qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa.[1]
Na resposta, o autor pugnou pela improcedência da excepção, salientando que os critérios plasmados no artº 65º, do CPC, são autónomos e basta a verificação de um deles para atribuir competência internacional ao tribunal português. Acrescentou que, segundo o critério da competência territorial interna, este é competente, salientando: o mandato foi outorgado em Portugal; o mandante é português; o réu efectuou pagamentos pessoalmente e por transferência bancária em Portugal; tem cá domicílio, foi cá citado e contestou a acção. Além disso, a obrigação emergente da prestação de contas consiste no pagamento de uma quantia em dinheiro, pelo que o local de cumprimento é em Portugal (domicílio do credor-artº 774º, CC). O artº 85º, nº 3, CPC, também determina a competência do tribunal do Porto (domicílio do autor). O artº 1º do Tratado de Cooperação entre Portugal e Angola, aplicável por força do nº 1, do artº 65º, CPC, consagra o princípio da reciprocidade. Pelo princípio da causalidade e dados os factores de conexão (mandato outorgado e pagamentos parciais feitos em Portugal), também se verifica essa competência. Acrescentou, ainda, que o réu interpreta ao contrário a regra da alínea d), do artº 65º, do CPC, e o facto de ele reconhecer que só em Angola se poderá tornar efectivo o direito do autor, ou seja, de que “em Angola não lhe poderia ser reconhecido o direito de prestação de contas”[2] integra aquele pressuposto legal, o que também confere competência ao tribunal português. De qualquer modo, sublinha que o réu vendeu o imóvel como procurador do autor e dos demais comproprietários, o que nada tem a ver com a factualidade alegada.
Seguidamente, foi proferida decisão que, afirmando a competência internacional e interna do tribunal da causa, julgou improcedente a excepção invocada pelo réu e o condenou nas custas do incidente.
Na decisão apelada, entendeu-se que a Lei 52/2008, de 28 de Agosto, não se encontra em vigor, pelo que a competência se define em função de qualquer dos critérios previstos no artº 65º, do CPC; considerou-se que a pretensão do autor se enquadra no âmbito da execução das obrigações decorrentes do contrato de mandato celebrado com o réu e que, por isso, é aplicável, para determinação do tribunal territorialmente competente (na ordem interna), o disposto no artº 74º, nº 1, 1ª parte, do CPC, ou seja, o lugar do domicílio do réu; reconheceu-se que este é em Angola – e, portanto, concluiu-se que, segundo tal critério – alínea b), do artº 65º – o tribunal português não seria competente para a causa.
Indagando-se, no entanto, sobre se – afastadas as alíneas a) e b) – tal competência lhe será atribuída por qualquer das alíneas c) ou d), autónomas, considerou-se o seguinte:
«São aqui uma vez mais esclarecedores os documentos juntos pelo A. a instruir a petição inicial e que do R. não mereceram a mais pequena reserva, já que por via deles resulta cabalmente demonstrado que, para além de, como se referiu já, o mandato por cujo exercício o A. ora pede contas ao R. ter sido conferido em Portugal, também os pagamentos que em cumprimento das obrigações decorrentes desse mesmo mandato o A. refere – e o R. aceita, por falta de impugnação especificada da matéria respectiva - terem-lhe sido já efectuados pelo R. lhe fez , foram-no para conta do A. aberta em instituição bancária sediada em Portugal.
Sendo certo que não resulta contrariado por nenhuma convenção internacional, tanto basta para considerar verificado o critério da causalidade previsto na alínea c) do nº 1 do artº 65º do C.P.C., com a consequente afirmação da competência internacional dos tribunais portugueses e, dentre os vários que compõem a organização judiciária, este 3º Juízo do Tribunal Cível do Porto.
Não o prejudica - já que é absolutamente estranho à sorte da presente acção, seja no plano substantivo, seja no plano adjectivo - o sustentado pelo R. relativamente à alegada impossibilidade de tornar efectivo o direito que o A. pretende fazer valer por via da presente acção, tendo em conta as questões ainda por resolver a montante, relativas à propriedade do prédio em causa aquando da respectiva venda - porventura a envolver outras pessoas que não só as cinco identificadas pelo A. na petição inicial -, a validade desta e a partilha da herança em que tal prédio (parte) se integrava. Para todos os efeitos, e para o que aqui releva, nestes autos ninguém questiona a validade do negócio de venda efectuado com relação a tal prédio, objectiva ou subjectivamente. Diga-se, ainda assim, que é até curioso que da invocação disso se valha o R., que nesse negócio interveio directa e activamente, sem que alguma vez tenha dito desconhecer essas vicissitudes, que actuou em erro e/ou que por qualquer forma foi coagido a fazê-lo.
Finalmente, diga-se a título de mero esclarecimento que é também irrelevante, constituindo neste momento uma simples minudência que apenas interessará clarificar em sede de conhecimento do mérito da causa, que o A. quantifique já o que entende ser o seu crédito nas contas cuja prestação suscita e, conjuntamente com o pedido de prestação dessas contas, peticione ainda a condenação do R. a pagar-lhe esse valor.
Naturalmente que o que poderá haver do R. é o saldo que, findas as contas, se apurar a seu favor. Nada impede, no entanto, que adiante o que, no contexto que descreve a justificá-las, julga ser esse saldo.»
Manifestando-se inconformado, o réu apelou para este tribunal, terminando as suas alegações de recurso com o seguinte rol de “conclusões”:
«I - O douto despacho recorrido julgou a competência internacional e interna do Tribunal a quo, por considerar verificado o critério da causalidade previsto na alínea c) do artigo 65º do C.P.C., ou seja, embora tenha considerado que o Réu tem domicílio em Angola, e por esta via, julgou o Tribunal a quo incompetente para a presente causa, por outro lado também considerou que, "o mandato por cujo exercício o A. ora pede contas" e "os pagamentos que em cumprimento das obrigações decorrentes desse mesmo mandato" foram praticados em Portugal e integram a causa de pedir da presente acção.
II - Pretende o Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, sindicando a aplicação do direito aos factos, revogue tal despacho, pelo que, as questões objecto do presente recurso são (i) se os pagamentos em cumprimento das obrigações do referido mandato constituem causa de pedir da presente acção (ii) se o mandato alegado pelo autor constitui causa de pedir e foi conferido em Portugal, e (iii) consequentemente, qual é causa de pedir da presente acção, (iv) e se o facto ou factos que a integram foram praticados em território português.
III - É face ao pedido formulado pelo Autor e aos fundamentos em que se apoia, que se há-de determinar a competência do Tribunal, ou seja, para conhecer e decidir a questão da competência do Tribunal têm de se analisar os termos da pretensão do Autor aí compreendidos os seus fundamentos, tal como ele os configura.
IV - O Autor qualificou a presente acção, como uma acção de prestação forçada de contas, ou seja, uma acção requerida por quem tem o direito de exigir tais contas nos termos da primeira parte do artigo 1014º do CPC, ele próprio Autor, uma vez que quem tinha o dever de as prestar, o Réu, não o fez, nem findo o mandato que entre eles celebraram, nem depois de o Autor lhas ter exigido, pelo que o Réu violou supostamente o principio da boa fé, e os deveres de lealdade, colaboração e correcção a que estava vinculado, e incumpriu a obrigação de informação em que se traduz a prestação de contas, nos termos do artigo 573º do Código Civil.
V - Como estão desenhados os termos da presente acção pelo Autor, a causa de pedir da acção, ou seja o facto jurídico concreto e real donde emerge a pretensão do Autor, é o alegado incumprimento da obrigação de informação pelo Réu, bem como a suposta violação dos supracitados deveres de lealdade, colaboração, correcção, ou seja, são estas condutas do Réu alegadas pelo Autor que fundamentam e legitimam a sua pretensão e o seu pedido.
VI - Portanto, ao contrário do que é sustentado no douto despacho recorrido, os pagamentos efectuados pelo Réu ao Autor e alegados por este, não podem ser qualificados como causa de pedir ou factos que integrem a causa de pedir, já que tais pagamentos traduzem-se em cumprimento e não em incumprimento de obrigações, e como é óbvio, não é o cumprimento, mas o incumprimento da obrigação, que dá origem e causa á presente acção.
VII - Os referidos pagamentos poderão ser qualificados como cumprimento de obrigações contratuais pelo Réu, mas nunca podem ser qualificados como factos constitutivos da causa de pedir da presente acção, nomeadamente para os efeitos do artigo 65º, n.º 1 alínea c), do CPC, como pretende o douto despacho recorrido, já que, se não tivesse existido incumprimento de qualquer obrigação contratual, mas apenas cumprimento de obrigações (pagamentos), não poderia, nem era legitimo ao Autor intentar a presente acção.
VIII - Todos esses supostos comportamentos do Réu ocorreram em território angolano, uma vez que, o Réu tem domicilio em Angola e aí reside habitualmente tal como reconhece sem margem para dúvida o douto despacho recorrido: "Não há, pois, como não reconhecer, com base nos concretos elementos trazidos ao conhecimento dos autos, que o domicílio do R. de facto não é em território português, mas sim em Angola."
IX - Ora, por um lado, a obrigação de informação e de prestar contas a que o Réu estava obrigado na qualidade de devedor, teria de ser cumprida no seu domicílio que é em território angolano, quer face á Lei portuguesa, quer face á Lei angolana, e portanto, foi nesse território que foi incumprida (artigo 772º do CC), e, por outro lado, tendo o douto despacho recorrido decidido que o Réu tem o domicílio em Angola, e portanto aí reside habitualmente (artigo 82º, n.º 1 do CC), logicamente também teria de decidir, em termos de presunção judicial (artigo 351º do CC), que os referidos incumprimentos e violação de deveres ocorreram em Angola, uma vez que, para afastar tal presunção caberia ao Autor alegar, e demonstrar, que tal incumprimento ocorreu em Portugal, o que este não fez.
X - Porém, e sem prescindir, ainda que se possa ter uma visão menos restrita da causa de pedir da presente acção, e se considere que o facto jurídico concreto donde procede a pretensão do Autor é o próprio contrato de mandato celebrado entre Autor e Réu, mesmo nesse caso, a celebração desse contrato ocorreu em território angolano, e portanto os factos que integram a causa de pedir foram praticados em território angolano, ao contrário do que também sustenta o douto despacho recorrido.
XI - Face aos documentos juntos por Autor e Réu, e que o douto despacho recorrido entende terem força probatória pena, só se pode concluir que, foi com a recepção e aceitação em Angola por parte do Réu das procurações dos irmãos, e nomeadamente da procuração junta aos autos pelo Autor (cf. doc. n.º 4 junto com a petição), bem como das declarações de vontade daqueles, e nomeadamente da declaração de vontade do Autor, que o contrato de mandato ficou "perfeito".
XII - O próprio Autor nessa procuração, como aliás faz notar o douto despacho recorrido, declara que o Réu reside em Angola na data em que outorga a procuração, pelo que, residindo o Réu em Angola, a aceitação pelo Réu em Angola da procuração outorgada pelo Autor era indispensável para a "perfeição" do contrato, ou seja, só após ter aceite em Angola a procuração do Autor e a sua declaração de vontade, o Réu se obrigou na qualidade de mandatário-procurador, a celebrar o acto jurídico objecto do mandato em nome do mandante/Autor.
XIII - Com efeito, o Código Civil, nos artigos 224º e seguintes, consagrou a "teoria da recepção", para a "perfeição" dos contratos, ou seja, só é eficaz a declaração negocial quando chegue ao poder do destinatário.
XIV - A procuração não é um contrato, mas um acto de atribuição voluntária de poderes representativos, um negócio jurídico unilateral por intermédio do qual uma pessoa é nomeada procurador, e como acto unilateral, só por si, não pode titular qualquer contrato de mandato, limitando-se a legitimar o representante perante terceiros a executar as obrigações assumidas em contrato de mandato que o outorgante da procuração celebrou com o seu representante; salvo disposição legal em contrário, a procuração tem de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (artº. 262º nº. 2), ao passo que o mandato não está sujeito a forma especial, podendo, por isso, ser concluído livremente, nos termos gerais (C.C., artº. 219º); da procuração não pode resultar para o procurador a obrigação de prestar contas, obrigação que apenas emerge do contrato de mandato.
XV - Sendo o mandato independente da procuração, não tendo que revestir a sua forma, o douto despacho requerido errou, salvo o devido respeito, ao julgar concluído e perfeito o contrato de mandato com a simples e unilateral outorga e autenticação da procuração pelo Autor, já que esse contrato só se pode considerar perfeito e concluído através da aceitação pelo Réu da procuração e da correspondente declaração de vontade.
XVI - E se, o douto despacho recorrido decidiu que o Réu tem o domicílio em Angola, e portanto aí reside habitualmente (artigo 82º, n.º 1 do CC), logicamente também teria de decidir, em termos de presunção judicial (artigo 351º do CC), que a aceitação da procuração e da declaração de vontade do Autor, ou seja, a celebração do contrato de mandato, ocorreu em Angola, uma vez que, para afastar tal presunção caberia ao Autor alegar, e demonstrar, que a celebração do contrato ocorreu em Portugal, o que não fez.
XVII - O princípio da causalidade tem por base a estrita conexão que deve existir entre o facto que serve de causa de pedir e a circunstância deste haver ocorrido em território português e, portanto, a existência de forte conexão da demanda com a ordem jurídica portuguesa, radicando esse principio na circunstância de o tribunal situado no território onde foi praticado o facto que constitui a causa de pedir da acção, ser o que se encontra melhor apetrechado, atendendo à proximidade, para conhecer os elementos de facto, bem como as regras e normas aplicáveis á decisão do litigio.
XVIII - Ora, no caso concreto, todos os elementos e factos que constituem o objecto e o fundamento da presente acção, nomeadamente a celebração do contrato de mandato, os actos jurídicos objecto desse contrato, e que constituem o seu efeito essencial (CC anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, nota 3 ao artigo 1161º), os alegados incumprimentos contratuais, as alegadas violações dos deveres de informação e lealdade, ocorreram em Angola.
XIX - Bem como ocorreram e radicam em Angola, todos os factos e processos judiciais que se prendem com questões conexas com a presente acção, de cujo conhecimento depende a partilha do saldo resultante da venda do imóvel, e portanto do saldo que cabe ao Autor, sendo certo que o objectivo da acção de prestação de contas consiste em apurar esse saldo (artigo 1014º do CPC).
XX - A procuração junta como documento n.º 4 pelo Autor com a petição inicial confere os seguintes poderes do Autor ao Réu: "...a quem confere os necessários e bastantes poderes para, em seu nome, vender em conjunto com os demais interessados a quem entender e pelo preço e demais condições que convencionar, bem como proceder à partilha com os demais interessados na herança aberta por óbito de F…, incluindo os poderes para receber e pagar tornas, o prédio urbano sito em Luanda, Angola, na … n.° .. e n.° ..,...".
XXI - Ou seja, constitui também objecto do contrato de mandato celebrado entre Autor e Réu a partilha do produto da venda do imóvel pelos "demais interessados na herança aberta por óbito de F…", o que conduz necessariamente ao conhecimento e decisão de questões como sejam, a sucessão hereditária por herança aberta em Angola (cf. o assento de óbito junto sob o doc. n.º 6 com a contestação), e as habilitações de herdeiros angolanos em Angola (cf docs n.º 7, 8 e 9 juntos com a contestação).
XXII - Tais questões e matérias, nomeadamente a referida sucessão hereditária, a habilitação de herdeiros, e a partilha parcial do produto da venda do bem em causa, não têm qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, mas exclusivamente com a ordem jurídica angolana, onde ocorreram os respectivos factos, e onde, aliás, têm vindo a ser tratadas, até judicialmente (cf. doc. n.º 9 junto com a contestação).
XXIII - Não existe qualquer conexão da matéria em causa com a ordem jurídica portuguesa, sendo consequentemente os Tribunais angolanos os melhores apetrechados para poderem julgar a presente causa, aliás, tendo em conta o referido objeto do mandato, e nomeadamente "a partilha com os demais interessados na herança aberta por óbito de F…" do produto da venda do imóvel, não se vislumbra como o Tribunal português pode vir a apurar o saldo que cabe ao Autor, objectivo final visado pela presente acção de prestação de contas.
XXIV - Considerando que a causa de pedir da presente acção e os factos que a integram ocorreram em território angolano, não pode verificar-se o requisito previsto no artigo 65º, n.º1 alínea c), do CPC para julgar o Tribunal a quo com competência internacional e interna para julgar a presente causa.
XXIV - O douto despacho recorrido fez uma errada interpretação e violou o disposto nos artigos artigo 65º, n.º1 alínea c), 467º, n.º1, alínea d), 498º, n.º 4, todos do Código do Processo civil, e 82º, n.º 1, 349º, 351º, e 772º do Código Civil.
TERMOS EM QUE, e com o douto suprimento de V. Ex.ª, deve ser julgado procedente e provado o presente recurso, e em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, e ser declarada a incompetência internacional e interna do Tribunal recorrido.»
O recorrido contra-alegou, concluindo assim, para pedir a confirmação da decisão apelada:
«I. Como já referiu na resposta à Exceção aduzida pelo Recorrente, considera o Recorrido que a dedução da exceção de incompetência internacional, encerra em si mesma uma contradição insanável.
II. De facto o objeto da presente causa consiste na prestação de contas em consequência da outorga de um mandato conferido em Portugal;
III. O mandante é português e reside em Portugal; O mandato foi outorgado em Portugal; O Recorrente efetuou pagamentos parciais das quantias que estava (e está) obrigado a restituir ao Recorrido, em Portugal (vide os importâncias pagas pessoalmente e por transferências documentadas na pi em instituições bancárias portuguesas em contas tituladas pelo Recorrido e não impugnadas pelo Recorrente.); O Recorrente tem também, um domicílio em Portugal, razão pela qual, ao contrário do que refere, foi citado e deduziu a sua contestação e excecionou a competência do Ilustre Tribunal a quo.
IV. Mas o Recorrente não impugnou, nem o poderia fazer, três aspetos essenciais da matéria ainda controvertida, que servem para aquilatar a competência exclusiva do Ilustre Tribunal a quo para dirimir a presente lide: o negócio jurídico foi celebrado em Portugal, o cumprimento do mesmo era efetuado em Território Nacional ou para uma conta Bancária de um banco Nacional; o mandato foi outorgado em Portugal observando as normas e a regras de direito Português que se aplicam ao mandato; Ora, princípio da causalidade tem por base a estrita conexão que deve existir entre o facto que serve de causa de pedir e a circunstância deste haver ocorrido em território português e, desde que
essa conexão se verifique, nada mais é necessário para se ter assegurado a competência dos tribunais nacionais.
V. Ora, a causa de pedir é a execução e cumprimento do mandato que ocorreu em território português; Ao que acresce o facto de o R. ter efetuado pagamentos parciais também em Portugal.
VI. O que inequivocamente determina a competência internacional dos Tribunais portugueses, tal como foi doutamente decidido pelo Acórdão 74177 de 30 de Julho de 1987 do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em www.dgsi.pt
VII. Aliás, toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é unânime em reconhecer a competência internacional dos Tribunais Portugueses em casos idênticos ou semelhantes a este, indicando-se a título de exemplo os seguintes acórdãos do STJ, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Acórdão nº 74850 de 2.06.1987; Acórdão nº 75587 de 21.01.1988; Acórdão nº 2504 de 26.09.1990; Acórdão nº 79311 de 31.05.1990.
VIII. Neste sentido também o Tribunal Recorrido considerou e bem que:” …Sendo certo que não resulta contrariado por nenhuma convenção internacional, tanto basta para considerar verificado o critério da causalidade previsto na alínea c) do nº 1 do artº 65º do C.P.C., com a consequente afirmação da competência internacional dos tribunais portugueses e, dentre os vários que compõem a organização judiciária, este 3º Juízo do Tribunal Cível do Porto. Não o prejudica - já que é absolutamente estranho à sorte da presente acção, seja no plano substantivo, seja no plano adjectivo - o sustentado pelo R. relativamente à alegada impossibilidade de tornar efectivo o direito que o A. pretende fazer valer por via da presente acção, tendo em conta as questões ainda por resolver a montante, relativas à propriedade do prédio em causa aquando da respectiva venda - porventura a envolver outras pessoas que não só as cinco identificadas pelo A. na petição inicial -, a validade desta e a partilha da herança em que tal prédio (parte) se integrava. Para todos os efeitos, e para o que aqui releva, nestes autos ninguém questiona a validade do negócio de venda efectuado com relação a tal prédio, objectiva ou subjectivamente. Diga-se, ainda assim, que é até curioso que da invocação disso se valha o R., que nesse negócio interveio directa e activamente, sem que alguma vez tenha dito desconhecer essas vicissitudes, que actuou em erro e/ou que por qualquer forma foi coagido a fazê-lo…”
IX. E de outro modo não poderia ser pois, para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério da exclusividade basta que um dos requisitos de que faz depender a competência internacional se verifique ou; se a causa de pedir for complexa, basta que tenha ocorrido em Portugal qualquer dos factos que a integram para que seja conferida competência internacional ao Tribunal português para o caso sub judice.
X. Nesse sentido, entre outros, já invocados, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 04B3758, Nº Convencional: JSTJ000, Data do Acórdão: 25-11-2004: “…Cada um dos factores atributivos de competência, prevenidos no artigo 65º do C.Proc.Civil, tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes, ou seja, uma vez verificada qualquer das circunstâncias enumeradas nessas alíneas, tem-se desde logo como reconhecida a competência internacional dos tribunais portugueses. Pelo critério da causalidade (alínea c) do nº 1 do citado preceito) a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir foi praticado em território português, sendo ainda que, se a causa de pedir for complexa, basta que tenha ocorrido em Portugal qualquer dos factos que a integram…” (sublinhado nosso).”
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, subiu imediatamente e em separado.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
O thema decidendum, nos termos dos artºs 684º, nº 3, e 685º, nºs 1 e 2, do CPC, e conforme entende a Doutrina e a Jurisprudência, sem embargo dos poderes oficiosos do tribunal, é balizado pelas conclusões do apelante.
Assim, interpretados e decantados os vinte e quatro pontos das suas “conclusões”, a questão resume-se a saber qual é, para efeitos da alínea c), do nº 1, do artº 65º, do CPC, a causa de pedir em que o autor baseia a sua exigência de que o réu lhe preste contas e se nem o facto respectivo, nem qualquer dos que porventura a integrem, foram praticados em território português.
III. FACTOS
A factualidade essencial a ter em conta para a resposta a dar às questões colocadas é a que resulta já do relato supra, tendo-se em conta o acordo das partes sobre os aspectos relevantes para o tema e os documentos juntos, designadamente o de fls. 19 (mensagem electrónica em que o réu informa designadamente o autor que fechou acordo para vender o imóvel e precisa das procurações), de fls. 21 e 22 (a procuração e sua autenticação), fls. 23 (mensagem electrónica do réu a comunicar que celebrou a escritura de venda), fls. 24 a 42 (notas de transferências bancárias efectuadas entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010, para o E… e a D…, ordenadas pelo réu a favor do autor.
IV. FUNDAMENTOS
A transnacionalidade da presente acção especial decorre da circunstância de ela ter por objecto um litígio privado internacional[3] emergente de negócio jurídico em que são partes um cidadão português e um cidadão angolano e que, na sua conclusão e execução, acabou por interligar-se com a ordem jurídica dos dois Estados.
Nessa medida, tendo sido, pelo autor, chamado a dirimi-lo o tribunal português, questiona-se se este tem competência para tal.
A competência é um dos pressupostos processuais positivos relativo ao tribunal e da sua verificação depende o poder de decidir sobre o mérito ou fundo da causa. Ela afere-se pelas normas atributivas de competência para julgar litígios que por, objectiva ou subjectivamente, se conexionarem com ordens jurídicas estrangeiras, se tornam transnacionais.
Segundo o ensino de A. Varela[4], “A competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.”[5]
O artº 61º, do CPC, dispõe que os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artº 65º.[6]
Desta norma – na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março[7] e que, em face da Lei 52/2008, de 28 de Agosto, que a alterou para as “comarcas piloto”, o tribunal apelado julgou, e bem, continuar ainda em vigor[8] – resulta, em primeiro lugar, que prevalecem os tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.[9]
Inexistindo qualquer um destes instrumentos, aplicam-se os quatro factores ou critérios de atribuição de competência previstos nas alíneas a) a d), do referido artº 65º, a saber:
-ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
-dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
-ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
-não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Como bem se explanou na decisão apelada, trata-se dos chamados critérios do domicílio do réu, da coincidência, da causalidade e da necessidade, respectivamente.[10]
De acordo com o artigo 101º, do CPC, a infracção das regras da competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que implica a absolvição da instância – artºs 102º, 105º, 288º, nº 1, alínea a), 493º, nºs 1 e 2, 494º, alínea a) e 495º, todos do CPC.
Decorre da própria lei (artº 61º, CPC), da Doutrina[11] e da Jurisprudência[12] que basta a verificação de alguma das descritas circunstâncias ou factores (princípio da autonomia ou da independência) para que ao tribunal português seja atribuída a competência.
Nos termos do artº 22º, nº1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.” E, conforme seu nº 2, “São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.”
Predomina também, na Doutrina e na Jurisprudência, o entendimento de que a competência do tribunal se determina – mais do que a partir da prova dos factos alegados e do seu efeito jurídico – em função do modo como o autor estruturou o seu pedido e a respectiva causa de pedir.
No dizer de Manuel de Andrade[13] “São vários esses elementos também chamados índices de competência (CALAMANDREI). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção — seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI (1), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.”
E como se refere em recente Acórdão do STJ[14], “A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor, importando, no entanto, distinguir, para a delimitação da causa de pedir, a indicação do título (facto jurídico) em que se baseia o autor (artº 498º, nº 4, do CPC) do alcance jurídico do título indicado (artº 664º, do CPC).”
A decisão apelada, depois de concluir que o réu efectivamente não tem o seu domicílio em território português (mas sim em Angola), que, segundo as regras de competência territorial internamente estabelecidas e considerando estar em causa o cumprimento de contrato de mandato, é aplicável ao caso o disposto no artº 74º, nº 1, CPC, entendeu afastados os factores de atribuição de competência constantes das alíneas a) e b), do artº 65º, e que, portanto, o tribunal português não é competente.
Todavia, no pressuposto pacífico, já acima referido, de que basta a verificação de alguma das circunstâncias autónomas elencadas nesta norma, entendeu preenchida a da alínea c): “Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.”.
Baseou-se, para isso, nos documentos juntos com a petição pelo autor[15] e dos quais extraiu que:
-o mandato por cujo exercício se pedem contas foi conferido em Portugal;
-os pagamentos parciais que, em cumprimento das obrigações dele decorrentes, o réu fez, foram efectuados para conta aberta em instituição bancária sediada em Portugal.
O réu refuta: i) que o mandato integre a causa de pedir; ii) que este tenha sido conferido em Portugal; e iii) que os aludidos pagamentos constituam a causa de pedir.
Ora, é recorrente a afirmação de que a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto que serve de fundamento à pretensão (artº 498º, nº4, CPC), mas em torno do conceito desenvolvem-se sobretudo duas teorias: da individuação e da substanciação.
A esse propósito, refere A. S. Abrantes Geraldes[16] que é clara, no nº 4, do artº 498º, a opção legislativa pelo sistema da substanciação da causa de pedir em detrimento do da individualização. Neste, “bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se que após a sentença houvesse alegação de factos anteriores e que porventura não tivessem sido alegados ou apreciados”. Naquele, é necessário “articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada”.
Assim, “a causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor, a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no artº 664º, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável”, ou seja, “a causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte”.[17]
De qualquer modo, adverte Anselmo de Castro, por um lado, que, nos direitos obrigacionais ou de crédito, “o facto constitutivo é elemento diferenciador do próprio direito” e “isso faz com que nas acções que tenham por objecto direitos relativos não haja diferença de maior entre uma e outra teoria” e, por outro, que “em derradeira análise parece-nos não haver que procurar-se uma noção de causa de pedir única para todos os efeitos […], antes devendo para cada efeito, procurar a solução que lhe melhor se lhe ajuste”, tal como decorre de alguns aspectos legais que cita. Em suma, diz ele, “Não deve, pois, partir-se de uma noção única preconcebida de objecto do litígio e de causa de pedir. Há que adoptar de uma e de outra o conceito mais adequado aos fins próprios de cada instituto. São estas as soluções que estão mais de acordo com as necessidades do processo e mais de harmonia com uma interpretação de tipo não conceitualista.”[18]
Nesta perspectiva, observa também J. Lebre de Freitas, que, embora seja certo que a definição do artº 498º, nº 4, “aponta, como referência fundamental do conceito, para as normas de direito substantivo em cuja previsão se contém o facto para a qual estatuem o efeito jurídico pretendido”, não é menos verdade que, em confronto com casos concretos debatidos nos tribunais, a Doutrina foi admitindo que “o conceito de causa de pedir teria de ser alargado por forma a abranger a fatispécie de várias normas implicadas”. Assim, “o núcleo do conceito foi-se deslocando da fatispécie duma norma para o acontecimento natural do qual o autor retira o efeito jurídico, caindo alguma doutrina numa concepção naturalista”, por alguns referida como “acontecimento histórico” ou “acontecimento da vida” que, embora não prescindindo da referência normativa do conceito, tende a utilizá-lo “matizado porém com a ideia de que o acontecimento das vida narrado pelo autor é susceptível de redução a um núcleo fáctico essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido”.[19]
Mostrando estas considerações que do conceito de causa de pedir não existe uma definição unívoca e perfeitamente ajustável a todas as situações processuais e aos problemas concretos colocados, admitindo a Doutrina alguma maleabilidade do mesmo em função daqueles, não pode também perder-se de vista que a causa de pedir frequentemente se apresenta como complexa (como sucede na hipótese do artº 483º, CC) e que, mesmo quando ela é simples, “o facto jurídico que a constitui é desdobrável em vários factos materiais concretos: tenha-se em conta, por exemplo, a combinação das propostas e aceitações que dão lugar ao contrato ou ao acervo de factos de que se deduz uma declaração tácita”.[20]
E, assim, importa ter presente que o legislador nacional revela, com a formulação do artº 65º, uma franca intenção de abrir as portas dos tribunais portugueses a casos em que, mesmo não sendo plena e ostensiva a sua conexão com o nosso território, se verifique cá ter sido praticado “algum dos factos” que integram a causa de pedir (alínea c), do nº 1, do artigo 65º) ou constitua “dificuldade apreciável” a propositura da acção no estrangeiro “desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real” (alínea d), da mesma norma).
Ora, sendo certo que o autor, na petição inicial, faz uma alusão à “obrigação de informação”, à “boa fé” e aos deveres de “lealdade, colaboração, informação e correcção” que devem nortear a prestação de contas que veio exigir, não é correcto – como pretende o réu apelante – daí concluir que é, fundamentalmente, no incumprimento de tais deveres, que se estrutura a acção e que, portanto, é nele que radica a causa de pedir (daí extrapolando que os pagamentos feitos nela se não incluem e que só em Angola foram praticados os factos respectivos).
As partes aceitam – e disso não há dúvidas – que entre autor e réu foi celebrado um contrato de mandato, nos termos do artº 1157º, do CC.
E é verdade que a obrigação de prestação de contas pressupõe a observância daqueles deveres.
No entanto, esta prestação está definida na lei como principal e autónoma em relação às de informação e comunicação, pelo menos enquanto significantes de deveres específicos e que não se confundem (antes neles pressupõem) com aqueles que, devendo estar presentes no cumprimento em geral (artº 762º, nº2, CC), também o estão necessariamente no de prestar contas.
Assim, a alínea b), do citado artº 1161º, estabelece que o mandatário é obrigado a prestar as informações que o mandante lhe peça, relativas ao estado da gestão; e, conforme alínea c), a comunicar a este, com prontidão, a execução do mandato ou a razão da eventual inexecução.
Além disso, o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir – alínea d) – tal como a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no exercício do contrato – alínea e).[21]
Autonomizando-se assim a obrigação de prestar contas, a sua natureza apresenta-se e o seu âmbito determina-se em função das receitas e despesas, do deve e haver, do eventual saldo. Releva, portanto, essencialmente, o objectivo de exibir a situação patrimonial resultante da gestão ou da gerência exercida pelo mandatário por conta do mandante e de a saldar, mediante a entrega do que restar ou o recebimento do que faltar.
Daí que, como referem P. Lima e A. Varela “a obrigação de prestação de contas só tem interesse para o mandante quando haja, em relação às partes créditos e débitos recíprocos”.[22]
A causa de pedir não se circunscreve nem se identifica, portanto, com a referida violação dos deveres de boa fé, lealdade, informação, colaboração, correcção.
A causa de pedir é o contrato de mandato com representação – artºs 1157º e 1178º, CC.
Vejamos a inerente e juridicamente relevante factualidade concreta para se concluir como ela, em múltiplos e importantes aspectos, “toca” a ordem jurídica nacional e, portanto, interessa a competência do tribunal português.
Estava em causa a venda de um imóvel situado em território angolano. O réu, residente em Luanda, irmão do autor, tratou ali de o vender. Acertados os termos do negócio, para a sua concretização, ele próprio, presume-se que a partir dali, dirigiu ao autor, seu irmão, (tal como aos demais interessados), residente em Portugal, a proposta de envio de procuração com poderes para intervir na escritura.
Não há dúvida que a proposta contratual para representar o autor e praticar em nome dele o acto jurídico visado é emitida pelo réu em Angola e recebida pelo autor em Portugal, onde se encontrava enquanto seu destinatário (artº 224º, CC).
O autor aceitou-a. Tanto assim que, no dia 20-05-2009, no Porto, onde morava, outorgou procuração escrita, ao réu, referido como residente em Luanda, constituindo-o seu “bastante procurador” e conferindo-lhe os “necessários e bastantes poderes para, em seu nome, vender em conjunto com os demais interessados a quem entender e pelo preço e demais condições que convencionar, bem como proceder à partilha com os demais interessados na herança […], incluindo os poderes para receber e pagar tornas, o prédio urbano sito em Luanda, Angola […] bem como concede ainda os poderes para em seu nome prometer vender o referido imóvel, pelo preço e demais condições que convencionar, requerer registos provisórios de aquisição e de hipoteca, bem como receber qualquer quantia a título de sinal, de adiantamento de pagamento de preço e o preço da compra e venda.”.
Esta outorga de poderes representativos concomitante com a da aceitação da proposta de mandato (artºs 258º e 262º, CC), enquanto negócio jurídico autónomo, consubstanciado numa declaração unilateral de vontade, tornou-se perfeita, eficaz, concluiu-se, em território português, independentemente do seu envio e recepção em Angola e da sua aceitação e consentimento pelo réu (aliás, já dado, previamente, ao pedi-la).
Mas, apesar da autonomia desse negócio, a representação não é alheia ou indiferente à relação de mandato que a motiva e no seio da qual se destina a ser exercida.
“A concessão de representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato) seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este é aquela. Ainda quando coexistem mandato (Código Civil, artigos 1157º e sgs.) e representação (código Civil, artigos 258º e sgs.), eles não se «comportam como as duas faces da mesma relação jurídica» (Ferrer Correia, Estudos Jurídicos II, pág. 6), não se confundem.
Como refere este autor, a causa da representação é a procuração, «o acto de concessão de poderes representativos, o assentimento do representado à representação» (pág. 6), a sua preexistente declaração de vontade relativamente a certos negócios jurídicos a realizar pelo representante.
A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade que procede do representado e é dirigida a um terceiro, este o outro sujeito do negócio representativo, é, no dizer de Ferrer Correia, «alguma coisa do exterior ao contrato subjacente» (pág. 19). A procuração não necessita do consentimento do representante, embora o dever de agir do procurador não se possa conceber sem a cooperação da sua vontade; contudo, esse dever de agir não se fundamenta na procuração mas procede do negócio causal (pág. 29): a vinculação do representado que do acto preparatório resulta é perante o terceiro (a quem provocou a confiança na legitimação do procurador – para com ele realizar em seu nome determinado negócio – e na correspondência a sua vontade de autorização representativa) e não perante o representante (pág. 30).” [23]
Na medida em que a causa de pedir é, portanto, o mandato com representação e, assim, a relação jurídica e o seu cumprimento se interligam, estamos ante causa de pedir que, se não considerada complexa, forçosamente engloba todos os factos, portanto também os relativos à atribuição de poderes representativos, que conformam tal negócio e balizam as respectivas obrigações, e, portanto, o incumprimento.
Claro que a assunção do mandato, enquanto negócio jurídico bilateral, fora proposta pelo réu a partir de Angola e aceite em Portugal pelo autor. Nessa perspectiva, a declaração daquele tornou-se eficaz, e logo perfeita, à luz do artº 224º, nº 1, CC, quando chegou ao domínio e conhecimento do Autor, neste país. Tendo-a aceite, concluiu-se o contrato, nos termos do artº 234º, CC, uma vez que nem a proposta, nem a natureza ou as circunstâncias do negócio ou os usos implicavam que o autor emitisse declaração de aceitação.[24]
Assim, se é certo que o mandato não se confunde com a procuração e, portanto, a conclusão de tal negócio (celebração), em princípio, não coincide com a outorga desta, não deve esquecer-se que foi o réu quem, depois de ter acertado os termos da venda do imóvel, propôs ser ele próprio a concretizá-la em nome do autor (e dos outros interessados), obrigando-se a praticar por conta dele os inerentes actos jurídicos, dos quais se destacava a outorga da escritura, com a entrega do bem e o sinalagmático recebimento do preço, outra coisa não significando o pedido da indispensável procuração senão a declaração de que aceitava prestar-lhe tal serviço e, assim, se obrigava a realizar os actos ao mesmo relativos e necessários (artº 1159º, nº 2) à transmissão da propriedade do imóvel.
O contrato de mandato foi, pois, concluído em Portugal, tanto mais que ninguém alega e nada demonstra que, a aceitação da proposta pelo autor, a outorga da procuração, o envio desta e a concomitante comunicação daquela ao réu, para Angola, tenha implicado qualquer cláusula nova requerente de novo acordo do réu (artº 232º, CC).[25]
Tendo, pois, sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, o tribunal português é competente para a julgar, nos termos do artº 65º, nº1, alínea c), 1ª parte.
Para a obrigação (principal) de prestar contas não estabelece a lei, nem foi, de início, estipulado, expressamente, o lugar.
Dada a residência do autor em Portugal, a circunstância de o réu cá ter interesses (administrador de empresa com sede no Porto, embora não exerça efectivamente), aqui ter sido citado e cá se deslocar amiúde (como resulta dos autos) e, afinal, serem irmãos, não custa a aceitar que, implicitamente, no acordo entre eles (pelas mesmas razões que obstaram o autor a deslocar-se a Angola para realizar a escritura e a mandatar e constituir o réu para tal como seu representante), pressuponha-se, até pela natureza das coisas e do específico acto em causa, que as contas seriam prestadas em Portugal. Seria um acordo implícito, de cuja expressão consensual teria sido o encontro entre ambos, ocorrido em Lisboa, e entrega nessa ocasião de uma parcela do dinheiro. Nas circunstâncias apuradas, dificilmente se imagina que o réu contasse prestar contas do seu mandato em Luanda e lá fosse o autor recebê-las. Nas teias que a realidade da vida tece e a que as pessoas se seguram no seu agir leal e confiante, jamais teria sido cogitada outra ideia que não fosse, numa das suas vindas a Portugal, o réu prestar contas ao autor – como começou a fazer, cá lhe entregando parte do dinheiro!
De resto, a prestação de contas – tal como essa obrigação resulta do artº 1161º, alínea d) –, com entrega do saldo se o houver, redunda numa obrigação pecuniária, sujeita, como já se anotou, às regras do artº 774º. Devendo esta ser feita ao autor em Portugal, aqui teria ocorrido o incumprimento.
Mas ainda que assim se não entendesse, um facto é incontornável: no encontro em Lisboa, ocorrido após a escritura, e em que foi entregue uma parte do preço o autor e o réu acordaram que, a partir de então, o pagamento seria feito em prestações mensais, a remeter, por meio de transferência bancária, para conta do autor aberta em banco português.
Nesses termos e desse modo consensual (suficiente, nos termos do artº 219º, CC), ficaram estipulados (caso assim não se considerassem) ou, pelo menos, aclarados (se o não estavam até então), de modo válido e eficaz, os termos do cumprimento (artºs 405º e 406º, CC): transferência bancária, a ordenar, presume-se, em Angola e a receber em Portugal.
Mesmo a tratar-se de modificação, ela vinculou as partes e passou a regular o cumprimento do contrato e a integrar a causa de pedir.
Tal significa que, desse modo, e mesmo que se considerasse que o mandato que serve de causa de pedir não foi celebrado em Portugal, sempre a sua modificação quanto ao cumprimento cá ocorreu indiscutivelmente, o que tanto basta para igualmente desencadear a aplicação da alínea c) do nº 1 do artº 65º, do CPC.
E significa também que, seguramente, pelo menos a partir de então, a prestação de contas se iria fazendo paulatinamente – e assim aconteceu de Dezembro de 2009 a Abril de 2010 – com as transferências do dinheiro que, obviamente, estava no horizonte de ambas as partes ser devido pelo réu ao autor e este ter direito a receber em Portugal, sem que qualquer objecção, fosse de que natureza fosse, mormente das que agora o réu esgrime a propósito da existência de mais herdeiros e da necessidade de com eles fazer a partilha do preço obtido.
Sendo, portanto, objecto imediato da sua obrigação a prestação de contas, mas tendo estas por objecto mediato[26] uma prestação pecuniária, faz todo o sentido que, por força do acordo ou da aplicação supletiva do artº 774º, CC, se tome como lugar do cumprimento efectivo o do domicílio do autor (Portugal). E fá-lo porque, como dizem P. Lima e A. Varela, “a razão principal do regime especial consagrado para as obrigações pecuniárias consiste no facto de os processos actuais de transmissão ou remessa do dinheiro tornarem bastante mais fácil o envio do devedor para o credor do que a deslocação deste ao domicílio daquele para reclamar a sua entrega”.[27] E se é assim para a remessa de dinheiro, não o é menos para a remessa de documentos que hão-de corporizar o deve e haver em que se traduz a apresentação das contas e em que se há-de patentear o saldo.
Aliás, voltando a apelar-se às circunstâncias envolventes da relação jurídica estabelecida entre as partes, não parece que se revestisse da natureza de mera dívida de envio ou de remessa a prestação a que o réu ficou adstrito, do tipo previsto no artº 797º, CC, em que o cumprimento perfeito ocorre no próprio lugar da expedição da coisa para o lugar onde o credor a receberá, com a consequente exoneração do devedor da responsabilidade pelo risco de perecimento ou de deterioração e transferência deste para o credor. Tudo conflui, ao invés, no sentido de que se trata de dívidas “portables”em que impende sobre o devedor levar, enviar ou expedir, por sua conta e risco, a coisa ou a quantia para certo lugar (o do cumprimento) no qual o credor a recepciona e, portanto, a obrigação se cumpre.[28]
Não é, portanto, certo considerar-se, como pretende o apelante, que a causa de pedir e os factos que a integram ocorreram – todos – em território angolano. Como cabalmente fica demonstrado, a conclusão do negócio de mandato com representação ocorreu em Portugal. Num encontro em Lisboa, foi combinado o modo de prestação de contas e envio (para a conta bancária do autor domiciliada no nosso país e em bancos nacionais) das prestações mensais do saldo.
Mesmo que, portanto, se considerasse que os factos integrantes da causa de pedir foram praticados em território angolano e não em território português, é absolutamente incontornável que, pelo menos, “alguns deles” – como sucedeu com a procuração – cá ocorreram. Basta isso para, como se entendeu na decisão apelada, o tribunal recorrido ter competência internacional para julgar a causa.[29]
É o contrato de mandato alegado pelo autor, com os contornos que lhe deu na petição inicial, que releva para o efeito. É, pois, inócua a alegação de que ele remontava já a 1994 (data de uma outra procuração).
Com ele e com o seu cumprimento, para o que aqui e agora interessa, nada tem a ver a questão de eventual existência de outros herdeiros não habilitados e necessidade da partilha com eles. A obrigação aqui exigida decorre de uma certa causa de pedir consubstanciada, como se viu, no mandato. É pelo seu cumprimento que o réu vem demandado e nada mais.
Sendo verdade que o objecto da acção especial de prestação de contas (artº 1014º, CPC) consiste no apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas feitas e a eventual condenação no saldo, o cumprimento da obrigação regula-se pelo contrato estabelecido entre as partes que a ele se vincularam e segundo cujos termos reciprocamente respondem, sendo alheios a tal relação e, portanto, a tal cumprimento os “demais interessados” – como, aliás, autor e réu entenderam para efeitos de acertarem e concretizarem a venda que este se incumbiu de formalizar. Aliás, a referência na procuração a poderes para “proceder à partilha com os demais interessados na herança” não tem, evidentemente, o alcance que o réu lhe quer agora dar e que ele e os outros quatro titulares inscritos do imóvel não consideraram: a partilha a fazer era a do preço da sua venda, e apenas por eles!
É, pois, pertinente tudo o que, também sobre isso, a decisão apelada referiu.
Saliente-se, por último – até porque, como se viu, a questão da competência internacional é de conhecimento oficioso – que, dadas as circunstâncias, em que prepondera, por um lado, o domicílio do autor em Portugal e consequente dificuldade de acesso à justiça angolana e, por outro, a facilidade com que o réu se movimenta em Portugal, sempre a competência seria de atribuir ao tribunal português, nos termos da segunda parte da alínea d), do nº 1, do artº 65º, uma vez que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional há – já salientados – ponderosos elementos de conexão pessoal.
Do exposto resulta, portanto, a falta de razão do apelante e que a decisão por ele criticada deve manter-se.
V. DECISÃO
Em função do exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirmação a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo apelante – Tabela I-B, do RCP.
Notifique.
Porto, 28-02-2013
José Fernando Cardoso Amaral
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
______________________
[1] Sem embargo, ainda acrescentou o réu – contraditoriamente, porque em parte expressamente reconhecidos – que impugna “todos os factos alegados”, não contesta a obrigação de prestar contas (antes requerer a prorrogação do prazo para tal), apenas poderá ser condenado no eventual saldo (sendo que o mandato provém já desde 1994, mediante outra procuração, não foi gratuito e nele estão compreendidas diversas despesas realizadas por conta e no interesse do autor).
[2] Enquanto que o réu alegou, por um lado, que o direito do autor a exigir contas não poderá tornar-se efectivo através de acção proposta em Portugal, que seria ineficaz em Angola, e, por outro, que só a lei e a jurisdição angolana poderão dirimir o litígio (dada a envolvência com que ele o apresenta) – assim parecendo confundir a fase do ius dicere com a da sua efectivação –, o autor põe em relevo o que interpreta como reconhecimento de impossibilidade de naquele país ser reconhecido o direito à prestação de contas, para daí extrair que, então, a sua efectivação só pode lograr-se por meio de acção proposta em território português, o que, no seu entender, integra a previsão da alínea d), do artº 65º, CPC.
[3] Parafraseando o Prof. J. Baptista Machado, citado no Acórdão do STJ, de 12-06-1997, in BMJ nº 468, página 328.
[4] Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, Coimbra Editora, 1985, página 198.
[5] Critérios que, como chama a atenção em nota, respeitam à relação processual (residência ou domicílio das partes, situação do objecto do pedido, localização da causa de pedir ou dos fundamentos da acção, etc.) e não às regras de direito substantivo que definem o sistema jurídico aplicável à relação material subjacente ao pedido.
[6] Nos termos do artº 17º, nº1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, “A lei de processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.”
[7] Que modificou o seu proémio de maneira a contemplar, de forma prevalente, os instrumentos internacionais.
[8] Cfr. seus artigos 186º e 187º, este na redacção primitiva e na conferida, depois, pelo artº 162º, da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril.
[9] Apenas se conhece o Tratado de Cooperação Jurídica e Judiciária entre Angola e Portugal aprovado por Resolução da AR nº 11/97, publicada no DR, nº 53, 1ª série, de 4-3-97, ratificado por Decreto do Presidente da República nº 9/97, de 4 de Março, de cujo artº 1º consta que “Os nacionais de cada um dos Estados Contratantes têm acesso aos tribunais do outro nos mesmos termos que os nacionais deste”, reciprocidade que, contudo, não resolve a questão da competência judiciária.
[10] O artº 65º já havia sido alterado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, de modo que eliminou o princípio da reciprocidade e ampliou o da causalidade, neste caso acolhendo o que já a Doutrina defendia: “Quando, como as mais das vezes ocorre, a causa de pedir é complexa, envolvendo mais de um facto, bastará em regra a circunstância de um deles ter ocorrido em Portugal para legitimar a competência dos tribunais portugueses, atenta a forte conexão que desse modo logo se estabelece entre a relação processual e a justiça Portuguesa” – A. Varela, cit., página 202.
[11] Antunes Varela, ob. citada, página 199.
[12] Acórdãos do STJ, de 30-07-1987, relatado pelo Consº José Domingues ou de 25-11-2004, relatado pelo Consº Araújo de Barros.
[13] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, página 90.
[14[De 30-01-2013, relatado pelo Consº Salazar Casanova. Cfr. também, Acórdão desta Relação, de 20-09-2012, relatado pela Desemb. Maria Amália Santos, na CJ, ano XXXVII, Tomo IV/2012, página 148, que cita outra Doutrina e Jurisprudência.
[15] Que considerou, e bem, como não impugnados por o réu.
[16] Temas da Reforma do Processo Civil, 1 e 2, Almedina, Coimbra, 1997, página 176 e 187.
[17] Idem, página 177.
[18] Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, 1981, páginas 204 a 211.
[19] Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, 1996, página 54 e sgs..
[20] Ob. citada, página 58, nota 51.
[21] Embora o autor formule, aparentemente, como um segundo pedido cumulado, o de condenação do réu a restituir-lhe os 350.000€ a que se julga com direito, a verdade é que, como ele alega, toda a petição está estruturada no sentido da prestação de contas e aquele será, em seu entender, o saldo. De modo que a obrigação principal visada não se apresenta como a de entrega do que o réu recebeu (o preço), mas a de prestação de contas, em que se baseia a especialidade da presente acção e cuja forma ninguém questionou. Anota-se, porém, que incidindo tal obrigação sobre certa quantia em dinheiro, sempre ela deveria ser cumprida no lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento – artº 774º, CC –, ou seja, em Portugal, o que, seja considerado a título de prestação principal ou seja a título de saldo (prestação secundária) resultante da (também principal) de prestação de contas, patenteia uma evidente, robusta, importante e não desprezível conexão com a ordem jurídica portuguesa.
[22] Código Civil Anotado, 3ª edição revista, página 716.
[22] In Acórdão do STJ, de 3-6-1997, relatado pelo Consº Lopes Pinto, publicado no BMJ, nº 468, página 361 e sgs.
[24] Declaração recipienda ou receptícia – P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição revista, página 214. Mota Pinto, Teoria Geral, 2ª edição, página 439. Sobre o momento da conclusão do contrato e casos em que é dispensável a declaração de aceitação ao proponente, cfr. Henrich Ewald Hörster, a Parte Geral do Código Civil Português, 1992, páginas 454 a 467.
[25] As instruções necessárias ao desenvolvimento ou concretização do negócio de que o mandatário é incumbido podem ser dadas posteriormente à conclusão do mandato – P. Lima e A. Varela, cit., página 715, nota 3.
[26] Cfr, sobre a distinção entre estes conceitos, A. Varela, Obrigações, vol. I, 4ª edição, páginas 66 e3 67.
[27] Obra citada, página 21. No mesmo sentido, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, 1990, página 36, nota 3.
[28] Sobre isso, cfr. M. J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 1991, páginas 855 e 856, e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, 1990, página 37 e 38.
[29] Como se decidiu em recente acórdão do STJ (30-01-2013), relatado pelo Consº Salazar Casanova, “A outorga do negócio jurídico unilateral que é a procuração efetuada em Portugal e ao abrigo da qual foram realizados atos de administração noutro Estado constitui um dos factos que integram a aludida causa de pedir complexa de que resulta a obrigação de prestar contas, preenchendo-se, assim, o segmento da parte final do art. 65.º, n.º 1, al. c), do CPC (ter sido praticado em território português algum dos factos que integram a causa de pedir) e, por conseguinte, os tribunais portugueses são competentes em razão da nacionalidade para exigir a prestação de contas respeitante aos aludidos atos de administração.”
___________________ Sumário (artº 713º, nº 7, CPC):
O tribunal português é internacionalmente competente para decidir acção especial de prestação de contas proposta por cidadão nacional, residente em Portugal, contra cidadão angolano, residente nesse país, fundada num contrato de mandato com representação, que este propôs exercer e o autor aceitou, outorgando-lhe, no Porto, a respectiva procuração destinada, essencialmente, a tratar da venda, escritura e recebimento do preço de imóvel, sito em Luanda, e cuja fracção correspondente o réu entregou, em parte, àquele num encontro havido entre ambos em Lisboa, durante o qual combinaram que, mensalmente, por meio de transferência bancária para conta do autor em banco português, o réu enviaria o restante, o que começou mas não acabou de cumprir.