CONTRATO DE TRABALHO
RECIBO DE VENCIMENTO
PROVA PLENA
Sumário

O recibo de vencimento não faz prova plena da existência dum contrato de trabalho, sendo admissível prova testemunhal para contrariar a existência do mesmo contrato.

Texto Integral

Processo nº 359/10.1TTSTS.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 248)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em Santo Tirso, veio interpor a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra “C…, Lda.”, sociedade comercial por quotas com sede Santo Tirso, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de 10.296,50 €, a que acrescerão juros de mora desde a citação até integral pagamento, assim discriminada:
a) A título de salários não pagos, a quantia de 3.3.75,00 €;
b) A título de subsídio de férias e de Natal dos anos de 2007 e 2008, a quantia de 1.658,00;
c) A título de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2009 a quantia de 900,00 €;
d) A título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a quantia 787,50 €.
e) A título de indemnização pela rescisão contratual, a quantia de 3.375,00 €.

Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Setembro de 2004, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de escriturária, data a partir da qual passou a fazer todo o serviço de escritório, funções que exercia sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante horário de trabalho e contrapartida monetária de 367,00 € mensais líquidos, quantia esta que em 2009, mercê das actualizações efectuadas, ascendia a 450,00 €.
Assim se manteve até ao dia 04 de Agosto de 2009, data na qual rescindiu o contrato de trabalho, por comunicação escrita enviada à Ré sob registo, por esta recebida na aludida data, invocando para o efeito o não pagamento pontual das retribuições a que a tinha direito.
Reclama assim o pagamento dos créditos salariais em divida e indemnização pela resolução do contrato.

A ré apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pela A. relativamente à existência de contrato de trabalho, alegando ao invés que, a pedido do marido daquela, acedeu a inscrevê-la na segurança social para efeitos de futura reforma, sendo a A. quem, a final, pagava as contribuições respectivas. Requereu ainda a condenação da A. como litigante de má-fé.

A autora respondeu ao que designou de defesa por excepção, mantendo a posição afirmada na petição inicial.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa de selecção da base instrutória, e posteriormente realizou-se audiência de discussão e julgamento, sem gravação dos depoimentos de parte e testemunhais nela prestados, após o que foi fixada a matéria de facto provada e não provada, sem reclamação.

Foi seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Em face do exposto, julga-se a acção totalmente improcedente por não provada, e, em consequência, absolve-se a ré do pedido formulado nos autos.
Condena-se a autora como litigante de má fé, em multa que se fixa em 3 Ucs.
Custas pela autora, fixando-se à acção, para efeito de custas, o valor por este indicado na p.i.”.

Inconformada, interpôs a A. o presente recurso, juntando um documento consistente numa declaração de situação de desemprego emitida pela Ré, com data de 13.8.2009, e apresentando a final as seguintes conclusões:
- Os factos dados como provados pelo Tribunal referidos nos números 5, 6 e 7 da “fundamentação de facto”, está em contradição com o teor dos documentos juntos e ter-se-á baseada na prova testemunhal produzida em audiência;
- Tal prova estava vedada por lei, por força do disposto nos artigos 376º, 393º e 394º do Código Civil;
- Não é admissível a produção de prova testemunhal para pôr em causa o teor e valor de documentos particulares com força probatória plena;
- Proibição extensível, também, a quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores;
- Dos documentos particulares juntos resulta provada a existência do contrato de trabalho, conforme supra referido;
- Bem como da sua rescisão por parte da Autora com o fundamento da falta de pagamento pontual das retribuições;
- O Tribunal não conferiu “força probatória plena” aos documentos particulares mencionados;
- O Tribunal deveria dar como provados todos os factos supra referidos e integradores do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré;
- Bem como que o terminus do mesmo foi da iniciativa da Autora, com a justa causa de falta de pagamento pontual das suas retribuições;
- A Autora invocou os factos reais e passados, pelo que jamais poderia ser condenada como litigante de má-fé;
- Os factos por si alegados estão em total consonância com o teor dos documentos juntos, cuja força probatória não podia ser posta em causa pelo depoimento testemunhal;
- O Tribunal baseou-se em testemunhos que legalmente não são admissíveis;
- Foi violado o disposto nos artigos 241º, 376º,393º e 394º do Código Civil, 264º, 668º nº alínea c) e d) Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, deve a matéria de facto ser alterada nos termos referidos e em consequência a douta sentença proferida ser substituída por uma outra que julgando a acção totalmente proceder por provada, condene a Ré no pedido, com o que fará JUSTIÇA”.

Contra-alegou a Ré, opondo-se à junção do documento apresentado pela A., e juntando três documentos para o caso do documento da A. ser considerado, e formulando afinal as seguintes conclusões:
A- A RECORRENTE MENTE AO AFIRMAR QUE SÓ AGORA TEVE CONHECIMENTO DO DOCUMENTO QUE ORA JUNTA, POIS ENTROU NA SUA ESFERA JURÍDICA EM AGOSTO DE 2009; PELO QUE
B- DEVE SER ORDENADO O DESENTRANHAMENTO DE TAL DOCUMENTO ORA JUNTO COM AS ALEGAÇÕES; DADO QUE A RECORRENTE NÃO DEMONSTROU A SUPERVENIÊNCIA DESSE DOCUMENTO;
C- SEM PRESCINDIR, QUER ESSE DOCUMENTO, QUER TODOS OS DEMAIS CONSTANTES DOS AUTOS, NÃO CONTENDEM COM OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO;
D- DE FACTO, O QUE ESTÁ EM CAUSA NÃO É A MATERIALIDADE DAS DECLARAÇÕES DOS DOCUMENTOS EM SI MESMA, MAS SIM A VERACIDADE DAS MESMAS DECLARAÇÕES, QUE PODEM SER PROVADAS POR QUALQUER MEIO;
E- ALÉM DISSO, A PROVA TESTEMUNHAL EFECTUADA EM JUÍZO NÃO DIZ RESPEITO AOS DOCUMENTOS JUNTOS PELA RECORRENTE, MAS SIM A ALGO QUE ESTÁ A MONTANTE DO SURGIR DESSES MESMOS DOCUMENTOS;
F- COM EFEITO, ESSES DOCUMENTOS POR SI SÓ NÃO PROVAM A EXISTÊNCIA DUM CONTRATO DE TRABALHO, E MUITO MENOS A EXISTÊNCIA DE DÍVIDAS SALARIAIS;
G- É QUE, NO CASO CONCRETO, A RECORRIDA EXCEPCIONOU NA CONTESTAÇÃO A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CONTRATO DE TRABALHO, PODENDO SOBRE ISTO SER PRODUZIDA TODA A PROVA LEGALMENTE ADMISSÍVEL;
H- CABIA, POIS, À RECORRENTE ALEGAR E PROVAR TODOS OS FACTOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO, COMEÇANDO PELO DA EXISTÊNCIA DUM CONTRATO DE TRABALHO, O QUE NÃO FEZ;
I- ASSIM, A PROVA PRODUZIDA PELA RECORRIDA FOI-O TAMBÉM A MONTANTE DOS DOCUMENTOS JUNTOS, I.É, FOI A DEMONSTRAR A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CONTRATO DE TRABALHO;
J- SENDO OS DOCUMENTOS MERAS MANIFESTAÇÕES FORMAIS, MAS SEM SUBSTÂNCIA, NÃO TENDO OS MESMOS A VIRTUALIDADE DE PROVAREM O QUE A RECORRENTE ORA PRETENDE, MAS NÃO CONSEGUIU EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO;
K- NÃO TINHA A RECORRIDA QUE JUNTAR QUALQUER RECIBO DE QUITAÇÃO, PORQUE NÃO ALEGOU O PAGAMENTO, CABENDO À RECORRENTE DEMONSTRAR A ALEGADA DÍVIDA SALARIAL, O QUE NÃO FEZ, NEM TAL DÍVIDA RESULTA DE QUALQUER DOCUMENTO, POR MAIS ESFORÇO QUE SE FAÇA;
L- A RECORRENTE LITIGOU COM MÁ-FÉ NO TRIBUNAL A QUO E CONTINUA A FAZÊ-LO AINDA AGORA;
M- DEVE SER MANTIDA INTEGRALMENTE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA DO TRIBUNAL A QUO POR SER A CORRECTA EXPRESSÃO DA APLICAÇÃO DA LEI AOS FACTOS QUE DEVEM SER CONSIDERADOS COMO PROVADOS.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1º. A Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica com fins lucrativos à actividade de angariação e mediação de seguros, bem como a dar apoio aos seus clientes no que diz respeito aos contratos por si mediados.
2º A Ré trabalha como intermediário de diversas companhias seguradoras, angariando segurados com quem celebra os respectivos contratos e a quem dá o apoio necessário e dos quais recebe os competentes prémios de seguro, que faz para posteriormente enviar os valores recebidos às seguradoras em causa e destas receber a correspondente comissão.
3º No dia 04 de Agosto de 2009, a Autora enviou à Ré uma carta registada, por esta recebida, e cuja cópia se encontra junta a fls. 14 destes autos que aqui reproduzimos, onde alegava a “resolução do contrato de trabalho por falta do pagamento pontual das retribuições a que a Autora tinha direito, dizendo que se encontravam em dívida os vencimentos referentes a Setembro de 2008, Janeiro a Maio de 2009, subsídio de férias de 2007 e de 2008 e subsídio de Natal de 2007 e 2008”.
4º A Autora é cunhada do sócio gerente da Ré, e irmã da esposa deste, sendo que há cerca de dois anos a esta parte, as relações entre ambas as irmãs deterioraram-se.
5º No ano de 2004, o marido da Autora pediu à Ré se inscrevia a Autora na Segurança Social, como se sua trabalhadora fosse, para que a mesma pudesse futuramente usufruir de uma reforma.
6º Assim, a Ré procedeu à dita inscrição, procedendo ao pagamento das contribuições devidas, sem que, todavia, a Autora ali trabalhasse, assinando esta os competentes recibos de vencimento.
7º Era a Autora quem depois suportava o pagamento daquelas contribuições.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a da reapreciação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal e a repercussão que a mesma tenha ao nível da solução jurídica da causa e da condenação da A. como litigante de má-fé. Na verdade, embora a A. tenha, na última conclusão do recurso, afirmado a violação do artigo 668º nº 1 al. c) e d) do CPC, não a vimos arguir expressamente – muito menos separadamente, nos termos do artigo 77º do CPT – a nulidade da sentença nem fundamentar tal arguição.

Questão prévia:
A A. estruturou a sua impugnação da matéria de facto fazendo-a assentar na impossibilidade de consideração da prova testemunhal produzida, por contrariar prova plena obtida a partir de documentos particulares não impugnados. Para solidificar tal pretensão, juntou agora em recurso a declaração de situação de desempregado emitida pela Ré para a Segurança Social, imputando-lhe o mesmo efeito de constituir um documento que faz prova plena das declarações nela contidas e que por isso, conjuntamente com os demais constantes dos autos, permitiria dar como provada toda a sua alegação de facto constante da petição inicial. Alegou a A. que o documento só chegou ao seu conhecimento após a prolação da sentença e depois de haver pressionado a Segurança Social para que lhe fosse facultada cópia, imprescindível, diz, para pôr em causa os factos assentes. E diz, a junção é feita ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC.
A Ré alegou que o documento em causa entrou na esfera jurídica da A. em Agosto de 2009, que a A. não demonstrou a superveniência do documento, e ainda que a A. mente descaradamente ao referir que o documento foi enviado pela Ré para a Segurança Social, pois a Ré não lho emitiu e veio a ser notificada pela ACT para o fazer, tendo o documento sido enviado para a ACT. Este organismo informou que jamais enviam o documento para qualquer organismo mas que, pelo contrário, entregam-no sempre directamente ao trabalhador reclamante, informação que igualmente pretende juntar aos autos, e que veio a juntar também ao recurso.
Nos termos do artigo 693º-B do CPC, aplicável por força dos artigos 1º, nº 2 al. a) e 87º nº 1 do CPT, a junção de documentos em recurso obedece às seguintes regras:
Artigo 693º-B do CPC: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º”, ou seja,
Artigo 524º do CPC: “1 - Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2 - Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”,
e ainda nos seguintes casos: (nº 2 do artigo 691º do CPC - recursos interpostos de:)
“a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
f) Decisão que ordene a suspensão da instância;
g) Decisão proferida depois da decisão final;
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;
m) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
n) Nos demais casos expressamente previstos na lei”.

Como se sabe, a fase de recurso é apropriada à reapreciação de documentos em função da reapreciação duma decisão de facto produzida em primeira instância, e não à produção nova de provas. A instrução do processo faz-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova designadamente a prova documental. Por isso, a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional.
Como escreve Antunes Varela:
«A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.[1]»

Vejamos o caso dos autos:
É manifesto que o recurso não é interposto de nenhuma das decisões elencadas no nº 2 do artigo 691º do CPC, acima transcritas.
Por outro lado, a solução decisória de facto e jurídica apresentada pelo tribunal recorrido não foi, de modo algum, uma decisão surpresa, nem se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, pelo que não foi a decisão de 1ª instância que determinou a necessidade de junção do documento. Como explicámos, a recorrente junta-o para solidificar a sua posição, completando o leque documental em que baseia a sua argumentação de recurso.
Depois, o encerramento da audiência ocorreu em 17.5.2012 e o documento está datado de 13.8.2009, sendo que a petição inicial está datada de 21.7.2010. Deste modo, o documento não é superveniente, o facto a que se reporta não ocorreu posteriormente aos articulados e podia ter sido junto até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, não justificando a A. a impossibilidade da sua junção tempestiva, porquanto a simples afirmação de que só agora chegou ao seu conhecimento não traz consigo sequer a explicação de como se realizou esse conhecimento nem a justificação que implicitamente devia trazer, que era a de que – por essa forma de lhe ter chegado ao conhecimento - era impossível ter chegado ao seu conhecimento antes. Tratando-se de documento em poder da Segurança Social, tratando-se de documento com a grande pertinência que a A. lhe pretende atribuir, justamente até pelo confronto que podia ter sido feito às testemunhas sobre a coerência da sua emissão pela Ré com o facto das relações familiares entre as partes estarem cortadas, a A. seguramente poderia ter diligenciado a sua obtenção antes do encerramento da discussão.
Termos em que não se admite a junção aos autos do documento em causa, por intempestivo, ordena-se o seu desentranhamento e condena-se a A. em 1 (uma) UC de multa – artigos 446º nº 1 do CPC, 1º e 7º nº 4 e tabela II do RCP.
Tornando-se assim desnecessários os documentos apresentados pela recorrida, ordena-se também o seu desentranhamento e devolução à parte.

Da reapreciação da decisão de facto e das suas repercussões:
Os depoimentos produzidos em audiência, da A. e das testemunhas desta e da Ré, não foram gravados. O tribunal recorrido baseou-se nesses depoimentos para decidir a matéria de facto, considerando que da parte da A. a prova – as declarações da própria A. e de seu marido e da namorada do filho da A. – tinha sido insuficiente para a demonstração de que esta tinha efectivamente trabalhado para a Ré, entre outros porque nenhum deles conseguiria sequer identificar um único cliente que a A. tivesse angariado, além de que era improvável a A. receber um ordenado para ir trabalhar para a Ré apenas quando esta pontualmente a chamasse, e considerando verosímil a prova produzida pela Ré.
Nos termos do artigo 712º nº 1 al. a) do CPC é assim impossível a reapreciação da decisão de facto.
A verdade é que a recorrente invoca esta reapreciação ao abrigo da alínea b) do mesmo número, posto que o que diz é que do processo constam documentos que faziam prova plena e que por isso não era admissível – e logo é em recurso descartável – a prova testemunhal produzida.
Ora, quais são esses documentos? O recibo de vencimento (um), o extracto de remunerações para a segurança social e a carta de resolução do contrato.
A letra e assinatura de tais documentos não foi impugnada pela Ré.
De acordo com a disciplina dos artigos 362º e 363º do Código Civil, sobretudo do nº 2 deste último preceito, resultando que nenhum dos documentos em causa foi emitido por uma autoridade pública, notário ou oficial, os mesmos são documentos particulares.
Como se sabe, e é de facto uniforme na jurisprudência, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (artº 374º, nº 1 do CC). O requisito legal dos documentos particulares que releva para o efeito de lhes atribuir força probatória formal é apenas o que consta do artº 373º do CC, ou seja, a assinatura do seu autor. Os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos do artº 374º do CC fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artº 376º, nº 1 CC). Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (nº 2). A força probatória plena do documento particular não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem. O declarante pode recorrer a qualquer meio, incluindo a prova testemunhal, para provar que as declarações não correspondem à vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento, designadamente por erro.
Ora bem, quando a Ré se defende dizendo que não celebrou com a A. nenhum contrato de trabalho mas apenas acedeu ao pedido do marido desta, a inscrevê-la como trabalhadora sua na Segurança Social, com o fito de mais tarde – mediante o prévio pagamento das contribuições devidas, cuja responsabilidade final era da A – esta poder beneficiar de reforma, obviamente não impugna que emitiu recibos de vencimentos, não impugna que a Segurança Social possa extractar as contribuições feitas, mas impugna a resolução do contrato nos termos em que é formulada pela A., cortando-a pela base: - não houve um contrato de trabalho efectivamente cumprido, nunca a A. prestou trabalhou e por isso nunca a Ré teve de lhe pagar. Logo, não pode haver pagamentos em atraso. Com esta posição processual – a coberto do disposto no artigo 490º nº 1 do CPC mas sobretudo do nº 2 do mesmo preceito – a Ré impugnou a materialidade subjacente às declarações suas constantes do recibo de vencimento (a Ré não é declarante no extracto de remunerações da Segurança Social nem na carta de resolução da A.), invocando a falsidade do mesmo: - não foi pago o vencimento constante do recibo, porque não era vencimento nenhum e porque nem sequer foi paga qualquer quantia a outro título que não o de vencimento. O recibo de vencimento aliás, só prova, em circunstâncias normais, que determinada quantia foi paga e recebida, não prova a realidade em função da qual a obrigação de pagamento procede.
Em face desta posição cumpria à A. provar, efectivamente, que em contrário ao que a Ré dizia, tinha prestado trabalho em cumprimento de contrato que houvera acordado com a Ré. Isto é, os documentos em causa não faziam prova plena da materialidade subjacente às declarações – e a materialidade que a A. pretendia provar era até, em bom rigor, a materialidade subjacente à materialidade subjacente às declarações – e por isso era livre a produção de prova testemunhal, não tendo ocorrido violação do disposto no artigo 393º do Código Civil.
Termos em que improcede a alteração da matéria de facto e, perante os factos apurados, e em face do disposto no artigo 342º nº 1 do CPC – que cometia à A. o ónus de prova dos elementos constitutivos, a saber do contrato de trabalho, dos seus invocados créditos salariais e por indemnização por resolução com justa causa – se mostra correcta a solução jurídica aportada e a decisão de absolvição da Ré, bem assim aliás como se mostra correcta a condenação da A. como litigante de má-fé, uma vez que se trata de facto pessoal que não podia de modo algum desconhecer – artigos 266º, 266º-A e 456º nº 2 todos do CPC.
Improcede pois o recurso.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Mais acordam condenar a recorrente pela junção intempestiva de documento em recurso, em 1 (uma) UC de taxa de justiça.
Custas pela recorrente.

Porto, 11.3.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
___________
[1] In RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e ss.
___________
Sumário:
O recibo de vencimento não faz prova plena da existência dum contrato de trabalho, sendo admissível prova testemunhal para contrariar a existência do mesmo contrato.

Eduardo Petersen Silva

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).