AUTO DE NOTÍCIA
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
CONVERSAS INFORMAIS
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES QUANTO AOS MEIOS DE PROVA
Sumário

I - O art° 356°, n.º 7 do CPP, proíbe o depoimento por parte do agente de autoridade sobre o conteúdo de declarações por si recolhidas e cuja leitura não é permitida.
II – Mas não proíbe a leitura das declarações prestadas voluntariamente pelo arguido, que fez constar do auto de notícia, desde que haja discrepâncias entre essas declarações e as que o arguido prestou em sede de julgamento.
III – Não podem considerar-se as declarações constantes do auto de notícia como sendo conversas informais entre o arguido e o agente policial.
IV - Conversa informal, e como tal de leitura proibida (conversa sem as formalidades da recolha de prova), será apenas o conhecimento investigatório obtido directamente e apenas do arguido, pelo agente policial, de modo deliberado e com violação das regras de produção de prova (principio da legalidade), após a existência de processo/ inquérito no âmbito deste e sem ser constituído arguido.
V – Está excluído das conversas informais o conhecimento que adveio ao agente policial quer do arguido quer de outra fonte permitida, ou as prestadas espontaneamente pelo arguido limitando-se o agente policial a ouvir, pois que se o arguido tem o direito a não prestar informações (que o possam incriminar), nada o impede de o fazer voluntária e conscientemente.
VI – Estão igualmente excluídas das conversas informais as recolhidas em sede de investigação pelo agente policial no âmbito das medidas cautelares referidas no art° 249° CPP, ainda que sejam do próprio arguido.

Texto Integral

Rec nº183.10.1GTVRL.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferencia os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc.C.S. nº183.10.1GTVRL.P1 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Vila Real, foi julgada a arguida
B…,

Os demandantes C… e D… deduziram pedido civil contra a Seguradora ”E…” relativamente ao qual celebraram transacção no início do julgamento, devidamente homologada por sentença.

Por sentença de 13/07/2012 proferida a seguinte decisão:
“Face ao expendido supra, julgo a acusação procedente e, em consequência, decido:
a) Condenar a arguida B… pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art.° 137° n. ° 1 do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão cuja execução se suspende pelo mesmo período de tempo.
b) Condenar a arguida, atento o disposto no art.º 69º, n.º 1, alínea b), do mesmo corpo de normas, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de dez meses.
c) Condenar a arguida em seis U.C.s de taxa de justiça e nos demais encargos do processo.
d) Ordenar a remessa de boletim ao registo criminal.
e) A arguida tem dez dias, após o trânsito desta sentença, para entregar na secretaria deste Tribunal a sua licença de condução, sob pena de incorrer em crime de desobediência.”

Recorre a arguida a qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
a) “conforme se alcança da acta de audiência de julgamento de 28 de Maio de 2012, no decurso das declarações da arguida, a Magistrada do Ministério Público, uma vez que, no seu entender, existem discrepâncias entre as declarações da arguida prestadas em sede de julgamento e aquelas que constam da participação de acidente junta aos autos a fls. 14 a17, requereu que se procedesse à leitura das mesmas, tendo em vista o esclarecimento da verdade material, tendo-se a arguida oposto a essa leitura, por as considerar ilegais, mas tendo o tribunal deferido essa leitura.
b) Para que não restassem dúvidas, o legislador regulamentou a leitura de declarações prestadas pelo arguido no art.º 357.º, ainda do CPP, só permitindo essa leitura se for o arguido a solicitá-la (al. a) ou se as declarações fossem prestadas perante juiz (al.b).
c) Na audiência de julgamento apesar de não se verificar esse condicionalismo, a M.ma Juiz, numa atitude de claro desrespeito pelos direitos da arguida legalmente consagrados, incorreu manifestamente numa ilegalidade inadmissivel e procedeu à leitura das declarações constantes da participação da G.N.R. e pelo respectivo agente obtidas após o acidente.
d)Por violador dos disposto nos artigos 356.º e 357.º do CPP, deve ser revogado o despacho que deferiu a leitura das declarações da arguida que constam da participação de acidente da G.N.R e consequentemente declarar-se nula essa prova, que foi considerada na sentença final, pela referência que nela é feita “participação e croquis constantes de fls. 14 a 17.”
e)Relativamente ao modo como correu o acidente dos autos, apenas a arguida e a testemunha F… depuseram com conhecimento directo dos factos, tendo a arguida declarado que “ia a terminar uma manobra de ultrapassagem; a retomar a minha faixa e sou batida violentamente, numa viatura cuja aproximação só me apercebo no momento do embate”, posição que manteve ao longo de todo o seu depoimento, referindo expressamente que não vira o veículo da vítima antes do embate e ”nem nesse momento eu vejo o carro porque, eu já disse isto milhares de vezes, é como se fosse uma onda que me invadisse, são os airbags que abriram imediatamente todos ao mesmo tempo. Nem vi o carro nem…não vi o carro”.
f) A testemunha F…, declarou, perante a pergunta da acusação se “o senhor apercebeu-se do inicio da ultrapassagem por parte da arguida” que não, pois “não se apercebeu de que há um carro ao seu lado, só depois do embate”, reafirmando depois que “eu mal ouvi o som, o estrondo a bater, olhei para o espelho e ela está na minha traseira”.
g) Verifica-se, assim, que nenhuma prova se fez de que a arguida tenha tentado ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, o qual era conduzido pela testemunha F…, pois nega-o a arguida e desmente-o a referida testemunha, apesar dos esforços da acusação no sentido de a obrigar a aceitar esse facto, que depois, como refere a Sr.ª Procuradora, resulta de um raciocínio lógico.
h) Aliás na fundamentação da sentença ora recorrida, é referido de forma expressa ao transcrever-se depoimento da testemunha F… que "e seguida, ouve um "estrondo”, olha de imediato para o espelho retrovisor esquerdo e aí é que se apercebe do veículo conduzido pela arguida, a rodopiar na via da esquerda, atento o sentido de trânsito Vila Real/Bragança, embate este que situa nesta via, do meio do seu veículo para trás, próximo da roda traseira do mesmo”.,
i) Ao contrário do que consta da sentença recorrida, deste facto não se pode concluir que a arguida ia a u passar o veiculo dessa testemunha, podendo concluir-se até o contrário, pois que, se, corno refere a arguida, ia retomar a sua mão de transito, depois de ultrapassar o Volvo, então o veículo da arguida estava a obliquar da esquerda para a direita, pelo que, tendo sido embatida frontalmente ela Renault …, foi projectada em pião para a frente, considerando o seu sentido de marcha, razão pela qual esse veículo, como refere a testemunha F… "está na minha traseira a sacar pião. Já estão a sacar pião na minha direcção do meu eixo de trás”.
j) A conclusão da sentença recorrida não tem base nem lógica, nem mecânica, pois se o veículo da arguida fosse a ultrapassar o veiculo da testemunha, estaria em posição oblíqua da direita (sua mão de trânsito) para a esquerda c, ao ser embatida frontalmente, o veículo da arguida não teria entrado cm pião, mas teria sido projectado para a berma, pelo que a conclusão vertida nas alíneas h) c i) configura um manifesto erro na apreciação da prova.
k) Deve apenas ser considerado assente que h) Ao km. 105,785, a arguida veio a colidir, frontalmente com a viatura ligeira de mercadorias de marca "Renault”, modelo "…", matricula ..-FE-.., conduzida por G…, o qual não seguia a velocidade superior a 90 km/h. e que i) Tal embate ocorreu sensivelmente a meio da recta referida na alínea c, devendo eliminar-se o facto constante da al. j), pois, para além de o mesmo ser conclusivo, não está provado, o que é da maior importância, quando e onde é que a arguida viu o carro da infeliz vítima,.
l) Tendo o acidente ocorrido a meio de uma recta a 200m de uma curva, onde a visibilidade ainda seria de 50 m, com a infeliz vítima a circular a 90 km/hora, percorreria esses 250 m, em cerca de 8 segundos (7,5 segundos para sermos mais precisos) e como consta do resumo do depoimento da testemunha H…, Militar da G.N.R., feito na fundamentação, refere expressamente que "o embate ocorreu a meio da recta, na via de trânsito da esquerda (atento o sentido Vila Real/Bragança), recta esta que segundo o mesmo tem cerca de 400 metros de extensão, com boa visibilidade, sendo que a distância entre o local do embate e a curva a seguir é de cerca de 200 metros, a que mesmo esta curva tem uma visibilidade superior a 50 metros" .
m) É perfeitamente coerente o que afirma a arguida que o Renault … lhe apareceu de repente, sem ela se ter apercebido dele, cabendo aqui referir o facto y), ou seja, "a velocidade imprimida no local para o veículo ..-FE-.. era de 80Km/h e para veiculo conduzido pela arguida era de 90Km/h, pelo que a infeliz vítima circulava em excesso de velocidade.
n)Os factos constantes das alíneas n) e o) devem ser considerados não provados, pois não resultou dos depoimentos que se deixam citados que a arguida tenha realizado a manobra de ultrapassagem referida na al, h), pelo que não pode haver desatenção de uma manobra que não foi feita. o) O mesmo se passa com a al. o), porquanto não está provado a velocidade a que seguia a arguida e não era proibido efectuar manobras de ultrapassagem no local onde a arguida iniciou a sua manobra de ultrapassagem e onde se verificou o embate (al. v), sendo certo que não está provado que a arguida tenha realizado a manobra de ultrapassagem referida na al. h), pelo que não se provaram os factos constantes das alíneas n) e o), os quais também não devem ser dados, como provados, pelas razões que acabamos de expor.
p) A decisão recorrida considerou não provado que o mesmo (a viatura da vítima) circulava a uma velocidade superior a 90 km/h e nem se referiu ao facto de a viatura da vítima circular pela faixa do meio.
q)No seu depoimento, a mencionada testemunha F…, declarou que a viatura da vítima não vinha em excesso de velocidade, porque vinha a uma velocidade normal, "na casa dos 100" e vinha na "faixa do meio".
R) Resulta claro que estão provados os seguintes factos: - a infeliz vítima circularia a uma velocidade próxima dos 100 km/hora c a infeliz vitima circulava pela faixa mais à esquerda, das duas faixas existente no sentido Vila Real/Bragança.
s) Do que se deixa exposto, a sentença recorrida enferma do vicio de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, pois conclui que a arguida ia a iniciar uma ultrapassagem da viatura da testemunha F…, quando até esta testemunha refere que se não apercebeu dessa ultrapassagem, conforme se escreve expressamente na fundamentação, sendo certo que a arguida negou ter tentado essa ultrapassagem, pelo que se verifica o fundamento de recurso da insanável contradição entre a fundamentação e a decisão, pelo que se verifica o fundamento da al. c) do art.º 410.º n.º 2, al, b) do CPP. t) Há um erro cvidentíssimo na apreciação da prova produzida, pois, como já se referiu, existe um notório erro na apreciação da prova, pelo que se verifica o fundamento da alínea c) do art.º 410°., n.º 2. al. c) do CPP.
u)A prova produzida é manifestamente insuficiente para se dar como provado tudo quanto foi dado como provado, se bem que forma conclusiva, faltando apurar o facto mais importante que é o de saber se a arguida viu ou podia ver a viatura da vítima antes do acidente e, sobre este ponto, a sentença recorrida nem uma palavra e sem esse facto é absolutamente especulativo, dar-se como provado que a arguida agiu de forma desatenta, que omitiu cuidados, ao fim e ao cabo, concluir-se que foi negligente.
v) A sentença recorrida é uma decisão formal não alicerçada em provas inequívocas que permitam apoiar o que foi dado como provado, resultando mais de um esforço imaginativo que de uma análise racional e objectiva da prova produzida.
x) Reiterando que, por violar o disposto nos artigos 356.°, e 357.° do CPP, deve ser revogado o despacho que deferiu a leitura das declarações da arguida que constam da participação da GNR e consequentemente declarar-se nula essa prova, que foi considerada na sentença final, pela referência que nela é feita "participação e croquis constantes de 14 a 17” e com fundamento no disposto no n°. 2 do art", 410.º do CPP, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por uma decisão que, ao menos com base no principio de in dubio pro reo, julge improcedente a acusação e absolva a ora recorrente, como é de lei”.

O MºPº respondeu pugnando pela manutenção da decisão;
Nesta Relação o ilustre PGA é de parecer que deve ser negado provimento ao recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“Produzida a prova, apuraram-se os seguintes factos:
a) No dia 23 de Agosto de 2010, pelas 11.15 horas, neste concelho e comarca de Vila Real, a arguida conduzia a viatura ligeira de passageiros de marca "Volkswagen", modelo "…" e matrícula ..-..-MN, pelo Itinerário Principal n.º …, no sentido Bragança/Vila Real e na respectiva via de trânsito.
b) No mesmo dia, hora e local, mas em sentido contrário, ou seja, no sentido Vila Real/Bragança, G… conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, marca "Renault", modelo "…" e matrícula ..-FE-...
c) Atento o sentido de marcha do veículo conduzido pela arguida a faixa de rodagem é constituída por uma via de trânsito, com boa visibilidade, já que configura uma recta com cerca de 400 metros.
d) Em sentido contrário, onde circulava o veículo ..-FE-.., a faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito.
e) O pavimento é betuminoso e encontra-se em regular estado de conservação.
f) A faixa de rodagem tem uma largura total de 10,10 metros, com linha longitudinal mista, sendo que a descontínua encontra-se mais próxima da via com o sentido Bragança/Vila Real.
g) O estado do tempo era bom.
h) Ao km. 105,785, a arguida decidiu ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, na sua mão de trânsito, conduzido por F…, motivo pelo qual invadiu a via de trânsito contrária à sua (a da esquerda, atento o sentido de marcha Vila Real/Bragança) e nela veio a colidir frontalmente com a viatura ligeira de mercadorias de marca "Renault", modelo "…", matrícula ..-FE-.., conduzida por G…, o qual não seguia a velocidade superior a 90 km/h.
i) Tal embate ocorreu sensivelmente a meio da recta referida na alínea c) e quando a arguida se encontrava a iniciar a ultrapassagem do veículo referido na alínea h).
j) O referido embate ficou a dever-se, única e exclusivamente, ao facto de a arguida ter iniciado a referida manobra de ultrapassagem sem prestar atenção aos veículos que circulavam na faixa contrária à sua, nomeadamente sem prestar atenção àquele que era conduzido pelo referido G…, que não lhe permitiam efectuar tal manobra em segurança, designadamente porque não havia espaço suficiente para concluir tal manobra e regressar à sua mão de trânsito.
k) Por causa do embate do veículo conduzido pela arguida no veículo de matrícula ..-FE-.., este descontrolou-se e acabou por invadir a via de trânsito contrária à sua (Bragança­/Vila Real), vindo a embater no veículo de marca “Volvo”, com a matrícula ..-..-ZT, conduzido por I…, o qual seguia atrás do veículo da arguida, antes de esta iniciar a manobra de ultrapassagem a que se alude na alínea h).
l) Como consequência directa e necessária do embate do veículo da arguida no veículo ..-FE-.., sofreu o mencionado G…, as lesões melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 64 a 70, nomeadamente:
> "Escoriações tipo abrasão dispersas pela face direita. Laceração no canto do olho direito, com dois e meio por dois centímetros.
> Escoriações tipo abrasão dispersas pelo tórax anterior.
> Escoriações tipo abrasão dispersas pelo membro superior direito, sendo a de maior dimensão de dezassete por oito centímetros. Alteração da mobilidade do terço médio do braço.
> Escoriações tipo abrasão dispersas pelo membro superior esquerdo, sendo a de maior dimensão de vinte por cinco centímetros.
> Alteração da mobilidade do terço inferior do fémur no membro inferior direito.
> Hemorragia subaracnoideia, nos lobos parietais, mais acentuada à direita; tecido encefálico com sinais de ligeira contusão ao nível parietal, bilateralmente.
> Fractura do esterno, no terço médio, fractura dos quarto, quinto e sexto arcos costais à direita, dos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º arcos costais laterais direitos e dos 3.º, 4.º e 5.º arcos costais anteriores esquerdos, com infiltrações sanguíneas, dos bordos.
> Rotura do pericárdio, ao nível do ventrículo esquerdo.
> Laceração do lobo inferior do pulmão direito, com nove cm de comprimento.
> Contusão dos lobos superiores e inferiores.
> Laceração na face posterior do baço, com 10 cm de comprimento.
> Fractura/luxação da sétima vértebra cervical com infiltração sanguíneas dos bordos; fractura/luxação da quarta vértebra dorsal com infiltração sanguíneas dos bordos;
> Fractura cominutiva do terço inferior do úmero com infiltração sanguínea dos bordos e tecidos anexos; fractura cominutiva do terço inferior do fémur com infiltração dos bordos e tecidos anexos".
m) Estas lesões traumáticas, raqui-medulares, torácicas e abdominais, determinaram a morte de G…, naquele dia e local.
n) Agiu a arguida consciente e livremente, ao conduzir de forma desatenta, omitindo os cuidados que a manobra de ultrapassagem por si efectuada impunha e que podia e devia ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia ter previsto, mas não chegou a representar.
o) Tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
p) A arguida tem restrições averbadas à sua carta de condução, nomeadamente o uso de óculos de correcção e o uso de embraiagem automática ou assistida e travão de serviço manual e pedal de acelerador adaptado.
q) Negou ter conduzido de forma desatenta, não assumindo qualquer responsabilidade no embate a que se alude na alínea h), antes imputando a responsabilidade do mesmo ao condutor do veículo de matrícula ..-FE-...
r) É professora encontrando-se na situação de aposentada e aufere uma pensão de reforma no valor mensal de € 1.942,00.
s) Vive sozinha.
t) É uma condutora habitualmente prudente.
u) Não tem antecedentes criminais nem rodoviários.
v) Não era proibido efectuar manobras de ultrapassagem no local onde a arguida iniciou a sua manobra e onde se verificou o embate.
w) A arguida circulava num carro adaptado às limitações físicas de que a mesma padece nos membros inferiores e que são consequência de ter sofrido poliomielite quando tinha seis meses de idade.
x) Este tipo de veículo tem de respeitar os mesmos parâmetros de segurança que os veículos não adaptados, sendo objecto de certificação.
y) A velocidade permitida no local para o veículo ..-FE-.. era de 80 km/h e para o veículo conduzido pela arguida era de 90 km/h.

*
Não se provou que:
- a arguida estava a ultrapassar mais do que um veículo quando ocorreu o embate e que não prestou atenção aos veículos que circulavam na sua via de trânsito;
- em consequência das restrições que a arguida tem averbadas na sua carta de condução tem de ter um cuidado acrescido, em relação aos demais, na condução de veículos automóveis;
- a arguida só iniciou a sua manobra de ultrapassagem quando verificou estarem reunidas todas as condições para o efeito, nomeadamente quando não circulava nenhum veículo em sentido contrário;
- o embate ocorreu quando a arguida estava a ultrapassar o veículo de marca “Volvo”, com a matrícula ..-..-ZT, conduzido por I…;
- o veículo conduzido por F… esteve em vias de ser ultrapassado, mas isso ocorre após o acidente ter sucedido e numa fase em que o veículo da arguida estava a ser repelido para a frente (antes de se imobilizar), atento o seu sentido de marcha e atrás da viatura conduzida por F…;
- a distância entre o veículo deste e o da arguida era grande;
- a viatura conduzida pelo falecido ultrapassou um veículo, mas não retomou, como devia a sua faixa de rodagem permanecendo na faixa do meio, sem ter motivo para o fazer, tornando assim inevitável o embate com a arguida;
- o mesmo circulava a uma velocidade superior a 90 km/h.
*
Fundamentação:
A convicção do tribunal assentou nos seguintes elementos de prova, conjugados com as regras de experiência comum:
- Depoimentos de:
● F…, o qual conduzia o veículo cuja ultrapassagem a arguida estava a iniciar quando embateu no veículo ..-FE-..; este depoente esclareceu, de forma que se revelou isenta e objectiva, que circulava no mesmo sentido de trânsito do veículo da arguida (Bragança/Vila Real), tendo visto o veículo conduzido por G… a circular no sentido contrário, na via da esquerda, atento o sentido deste (Vila Real/Bragança) e a ultrapassar 4/5 veículos que seguiam na via da direita, atento o mesmo sentido (Vila Real/Bragança), isto momentos antes do embate; de seguida, ouve um “estrondo”, olha de imediato para o espelho retrovisor esquerdo e aí é que se apercebe do veículo conduzido pela arguida, a rodopiar na via da esquerda, atento o sentido de trânsito Vila Real/Bragança, embate este que situa nesta via, do meio do seu veículo para trás, próximo da roda traseira do mesmo; deste depoimento é possível aferir, com segurança, que, contrariamente ao que a arguida alega, a mesma não estava a ultrapassar o veículo de marca Volvo, conduzido por I…, quando ocorre o embate no veículo ..-FE-.. e muito menos a concluir esta manobra de ultrapassagem e a “meio de retomar a sua mão de trânsito”, pois, conforme refere esta testemunha, o veículo de marca Volvo seguia atrás do veículo da arguida, o da arguida, por sua vez, seguia atrás do seu, isto antes de iniciar a manobra de ultrapassagem do mesmo e de ocorrer o embate;
● J…, Militar da G.N.R., o qual se deslocou ao local do acidente, logo após a sua ocorrência, viu os vestígios do embate no local todos situados na via esquerda, atento o sentido Vila Real/Bragança, visionou a posição dos veículos, a extensão da recta e a boa visibilidade da mesma; foi este depoente que elaborou a participação e croquis juntos a fls. 14 a 17, tendo efectuado as medições que dele constam;
● H…, Militar da G.N.R., o qual procedeu a diligências de investigação conducentes a apurar as circunstâncias em que ocorreu o sinistro aqui em apreço, e que para o efeito se deslocou ao local, visionou as características da via, respectiva sinalização e vestígios aí existentes, tirou as fotografias constantes de fls. 275 a 310 e elaborou os croquis de fls. 312 a 314; na sequência de todas estas diligências esta testemunha logrou apurar que o embate ocorreu a meio da recta, na via de trânsito da esquerda (atento o sentido Vila Real /Bragança), recta esta que segundo o mesmo tem cerca de 400 metros de extensão, com boa visibilidade, sendo que a distância entre o local do embate e a curva a seguir é de cerca de 200 metros, e que mesmo esta curva tem uma visibilidade superior a 50 metros;
● I…, o qual conduzia o veículo Volvo de matrícula ..-..-ZT, no sentido Bragança/Vila Real e que só se logrou aperceber do veículo ..-FE-.. quando este circulava já descontrolado, atravessando-se à frente do seu veículo e embatendo-lhe; confirmou que à sua frente seguiam outros carros, razão pela qual não viu como sucedeu o embate em que foi interveniente o veículo da arguida;
● K…, mulher da testemunha I… e que seguia ao seu lado na data dos factos e que se apercebeu apenas de uma carrinha vir contra o veículo onde seguiam, já em descontrole “meia a tombar”, como a mesma menciona;
● L…, o qual conduzia um veículo no sentido Vila Real/ Bragança, a cerca de 80/85 km/h e que foi ultrapassado pelo veículo ..-FE-.., conduzido por G…; segundo este depoente esta viatura não circulava a velocidade superior a 90 km/h; cerca de 1 minuto após a ultrapassagem deparou-se já com o veículo da arguida imobilizado, em parte, na sua via de trânsito – lado direito, atento o seu sentido de marcha – tendo-se depois apercebido que havia outra viatura imobilizada na faixa contrária, encostada aos rails de protecção, que identificou como sendo o veículo que o tinha ultrapassado;
● M… e N…, Engenheiros Mecânicos, que trabalham na Renault e que, pelo desempenho das suas funções, têm conhecimento do modo como funcionam os carros adaptados, tal como era o da arguida e das condições de segurança dos mesmos;
● O… e P…, as quais mantêm uma relação de amizade com a arguida, a primeira há cerca de 41 anos e a segunda desde a escola primária e que já viajaram com a mesma, em veículo conduzido por esta, sabendo, por isso, que habitualmente é uma condutora prudente;
- Participação e croquis constantes de fls. 14 a 17;
- Relatório de Autópsia de fls. 64 a 70;
- Relatório do INEM de fls. 99;
- Documento de fls. 142 a 145;
- Informação de fls. 157;
- Registo Individual de Condutor de fls. 158;
- Fotografias de fls. 275 a 310;
- Croquis de fls. 312 a 314;
- Certificado do registo criminal junto a fls. 490.
- Declarações da arguida que relevaram apenas quanto à sua condição socioeconómica;
No que concerne à factualidade considerada não assente não foi feita prova da sua verificação, antes pelo contrário.
Desde logo a versão que a arguida apresenta dos factos, quer em audiência, quer na sua contestação, imputando toda a responsabilidade da eclosão do embate ao falecido, foi cabalmente contrariada pelos demais meios de prova produzidos em audiência, conjugados com as mais elementares regras de experiência comum.
Com efeito, dos depoimentos referenciados supra, designadamente daqueles que foram prestados pelas testemunhas F…, J…, H… e L…, que se revelaram credíveis e objectivos, bem como da prova documental constante dos autos (croquis e fotografias retiradas no local, que nos permitem aferir também das características da faixa de rodagem onde ocorre o embate) resultou demonstrado, sem margem para qualquer dúvida, que o acidente aqui em apreço só ocorre devido ao facto de a arguida ter iniciado a manobra de ultrapassagem sem prestar atenção aos veículos que circulavam na faixa contrária à sua, nomeadamente àquele que era conduzido pelo falecido, que não lhe permitiam efectuar tal manobra em segurança.
É ponto assente que estamos perante uma recta com uma extensão de 400 metros, com boa visibilidade, em que o embate entre o veículo da arguida e aquele que era conduzido pelo falecido, de matrícula ..-FE-.., ocorre a meio daquela recta, na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha deste veículo, ou seja, o embate tem lugar na via de trânsito destinada à circulação do trânsito em sentido contrário àquele em que seguia a arguida.
A circunstância de não ser naquele local proibida a ultrapassagem ao veículo da arguida não lhe retira o dever de cuidado que sobre si impendia de não se introduzir nessa via de trânsito, quando já nela circulava, em sentido contrário, o veículo do falecido.
Refira-se, por último, que dos elementos de prova acima referenciados foi possível aferir que a arguida estava a iniciar a ultrapassagem de um veículo e não de vários, quando ocorre o embate, sendo que nada indica que a mesma não prestasse atenção ao veículo que seguia na sua mão de trânsito, à sua frente, o que, aliás, pouco releva para o apuramento da responsabilidade pela ocorrência do sinistro, que reafirme-se não se verifica na via de trânsito da arguida mas na do veículo conduzido pelo falecido.”
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São as seguintes as questões suscitadas:
- Prova proibida - leitura de declarações da arguida
- contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- erro notório na apreciação da prova;
- insuficiência da prova produzida e
- impugnação da matéria de facto
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, ou da prova produzida sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.

Resulta do recurso uma grande confusão por parte da recorrente entre os vícios do julgamento e os vícios da sentença, a que se revela desde logo nos vícios da sentença, em relação aos quais nomeia a arguida segundo parece a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, e o erro notório na apreciação da prova e invoca ainda uma insuficiência de prova;

Conhecendo:

Por contradição entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e na qualidade.
Para os fins da al. b) do n.º 2) constitui contradição apenas e só aquela que (como ali se refere expressamente), se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras de experiência, ou seja, quando de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados” – Leal Henriques e Simas Santos, CPP anotado ob. e loc. cit..,. ou como refere o STJ Ac. de 17/2/2000 “ a contradição insanável verifica-se quando é dado provado e não provado o mesmo facto.” ou mais completo ainda quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação da prova da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão.
A contradição seria como resulta da motivação entre a decisão (de provado) sobre o nº1 da matéria de facto e a fundamentação.
Desde logo essa contradição não existe e muito menos é insanável ( única relevante), pois o nº1 dos factos provados, diz que a arguida decidiu ultrapassar o veiculo que seguia á sua frente e é isso que consta da fundamentação da matéria de facto provada pelo que o facto considerado provado e a razão porque foi assim considerado é concordante e não contraditória,
mas apesar disso a decisão que pode fundamentar o vício invocado é a decisão da sentença (vg. condenação ou absolvição) que teria de estar em oposição com a fundamentação e não a contradição entre um facto provado e a sua fundamentação (pois estaríamos numa contradição entre a fundamentação que não é invocada, nem existe).
Improcede por isso essa questão;

Por sua vez o “erro notório na apreciação da prova” é aquele erro ostensivo, o erro que é de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, “como facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” Ac. STJ 6/4/94 CJ STJ II, 2, 186), ou “ não escapa á observação do homem de formação média” Ac. STJ 17/12/98 BMJ 472, 407, quando procede á leitura do acórdão ou “… quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol., 3ª ed. 2009, pág. 336, ou ainda “ … quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional ou lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ...” (Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 740)
No fundo, quando “…no texto e no contexto da decisão recorrida, …existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável…” Ac. STJ de 9/2/05 - Proc. 04P4721 www.dgsi.pt, e essa “… incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” cf., também neste sentido, entre muitos outros, podem-se ver os Ac. do STJ de 13/10/99 CJ STJ III 184, e de 16/6/99 BMJ 488/262; ou ainda quando “…resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental.”- Ac. STJ 22/3/2006 www.dgsi.pt/jstj Cons. Silva Flor
O recorrente aponta tal erro porque diz que do depoimento da testemunha F… não se pode concluir que a arguida ia a ultrapassar o seu veiculo, e em face disso não podia o tribunal dar como provados os factos das al. h) e i) dos factos provados.
Ora manifestamente resulta do alegado que o que a recorrente alega é que o tribunal apreciou mal a prova produzida, e sendo assim manifestamente não é a este vicio que o recorrente se poderá estar a referir, pois não é esse o seu conteúdo, perpassando pela motivação alguma confusão entre a invocação daqueles vícios e a impugnação da matéria de facto com base na prova gravada com vista á sua reapreciação.
Improcede também esta questão.
Tal como ao alegar a“insuficiência da prova” produzida para decidir que não constitui um vicio do artº 410º2 CPP e é irrelevante como fundamento da alteração da matéria de facto (cfr. Ac. STJ 9/12/98 BMJ 482, 68), como pretende a recorrente;
Não são alegados outros vícios da decisão, ou de que cumpra conhecer nem vista esta se mostra que ocorram;
+
Alega a arguida que deve ser revogado despacho que permitiu a leitura das declarações da arguida que constam da participação da GNR e que deve declarar-se nula essa prova.
Quanto á revogação do despacho, dado que não se mostra que tenha sido interposto recurso de tal decisão, não se vê que tal possa ocorrer; quanto á nulidade dessa prova importa apreciar.
No decurso das declarações da arguida o MºPº, para esclarecer discrepâncias requereu a leitura das que constam da participação do acidente o que apesar da oposição da arguida o tribunal deferiu por o confronto ser com o que o militar da GNR que elaborou a participação e croquis do acidente exarou a esse propósito na sua participação. De tal decisão não foi interposto recurso.

Nos termos do artº 355º CPP não valem em julgamento quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, salvo aquelas contidas em actos processuais cuja leitura seja permitida, consagrando assim os princípios do contraditório e da imediação da prova.
Nessa sequência o artº 356º CPP diz-nos quando essa leitura é permitida
O Mº Juiz permitiu as declarações que constavam do auto de notícia por o confronto ser entre as declarações que prestava a arguida em audiência e o que constava do auto de participação.
O arguido opõe-se e opôs-se a essa leitura, invocando o nº7 do artº 356º CPP, que impede a inquirição de testemunhas sobre o teor de conversas informais ou sobre declarações não possam ser lidas;
Ora o que aconteceu é que o agente policial fez constar do auto de notícia do acidente as declarações que a arguida prestou (escreveu) aquando dele sobre o modo como teria ocorrido; e foi com o teor delas que a arguida foi confrontada.
Assim não estamos perante ” conversas informais”, entre arguido e agente policial, pois que para o serem tais “ conversas” não poderiam constar dos autos, e ao contrário, os dados recolhidos, pelo agente policial, da arguida, constam do auto de noticia lavrado pelo agente policial ao tomar conta do acidente ocorrido, e traduzem as diligencias de investigação a que a autoridade policial procedeu.
Depois o que o artº 356º 7 CPP proíbe é o depoimento, por parte do agente de autoridade, sobre o conteúdo de declarações por si recolhidas e cuja leitura não é permitida, e não o confronto entre declarações da arguida realizadas pela própria;
Ora o agente policial que tomou conta do acidente não foi ouvido sobre o conteúdo de declarações prestadas nos autos e por si recolhidas.
Conversa informal e como tal proibida (conversa sem as formalidades da recolha de prova), será apenas o conhecimento investigatório obtido directamente e apenas do arguido, pelo agente policial, de modo deliberado e com violação das regras de produção de prova (principio da legalidade), após a existência de processo/ inquérito no âmbito deste e sem ser constituído arguido.
Estando excluído das conversas informais o conhecimento que adveio ao agente policial quer do arguido quer de outra fonte permitida, ou as prestadas espontaneamente pelo arguido limitando-se o agente policial a ouvir, pois que se o arguido tem o direito a não prestar informações (que o possam incriminar) nada o impede de o fazer voluntaria e conscientemente, ou as recolhidas em investigação mesmo do arguido no âmbito das medidas cautelares nos termos do artº 249º CPP.
Comprovado que o suspeito é ou deve ser considerado arguido, a sua não constituição como tal, que é formal - artº 58º2 CPP - implicará que as declarações prestadas até esse momento não podem ser utilizadas como prova (artº 58º4 CPP).
Tal situação é ou pode ser posterior, ao levantamento do auto de noticia, previsto aliás na al. d) do nº1 do artº 58º CPP: é obrigatória a constituição de arguido, logo que “ For levantado auto de noticia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado…”,
Assim a situação não se enquadra na proibição do nº7 do artº 356 CPP, e como resulta das declarações da própria arguida (e transcritas na motivação) insere-se na recolha dos elementos necessários á elaboração do auto de noticia, anterior á constituição de arguido e á existência do processo, estamos perante “ … actos de policia. Trata-se de uma realidade extraprocessual conexa com a processual (…). Os órgãos de polícia criminal devem praticar todos os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigação (artº 249º1 CPP). Esta actividade cautelar, extraprocessual é justificada pela urgência e pode ter lugar antes de instaurado o procedimento ou já no seu decurso (artº 249º3 CPP.
(…)
É a utilidade para o processo e a sua urgência que justificam a atribuição a esses órgãos da competência para a prática desses actos, actos que não são ainda processuais e só serão integrados no processo depois da sua aceitação ou confirmação pela autoridade judiciária competente” - F. Marcolino de Jesus, Os meios de Obtenção da Prova em Processo Penal, Almedina, 2011, pág. 137, citando Germano Marques da Silva, e é na sequencia dessas diligencias, que nos termos do artº 253º1 CPP os órgãos de policia criminal “…elaboram um relatório onde mencionam de forma resumida, as investigações levadas a cabo, os resultados das mesmas, a descrição dos factos apurados e as provas recolhidas”.
Só assim se compreende a marcha e desenvolvimento do processo.

No caso dos autos é apropriado e adequada face á similitude dos factos o entendimento do STJ expresso no ac. de 15/2/2007 (Juiz Cons. Maia Costa), www.dgsi.pt/jstj:
“IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.”
Aí se esclarecendo que:
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semi-público e não for apresentada queixa).
Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.” Cfr. no mesmo sentido, também F. Marcolino de Jesus, Os meios de obtenção da Prova em Processo Penal, Almedina, 2011, cit. pág. 115
Verifica-se assim que nada impedia o agente policial de recolher a informação sobre o modo de ocorrência do acidente, e fazê-la constar do auto de notícia.
Como auto de noticia é um documento inserido no processo, que o tribunal pode e deve ser valorado e deve analisar no decurso da audiência, até para aquilatar da verdade do que dela consta e exercer quando a ele o contraditório.
Como documento e para a sua valoração não é necessária a sua leitura em audiência Cfr Ac. STJ 10/11/93 CJ STJ I, 3, 233; diz-se no Ac. STJ 23/2/2005 CJ STJ XIII, I, 210 “ Tratando-se de prova documental constante do processo ainda que não tenha sido lida nem examinada em audiência de julgamento, nada obsta a que possa servir para formar a convicção do tribunal “donde mesmo que não fosse lido o conteúdo do auto de noticia nada impedia a sua valoração pelo tribunal na ponderação do seu conteúdo, pelo que a sua leitura e confronto da arguida com as mesmas não apenas foi legitimo, como constitui um modo eficaz exercício do direito de defesa face á possibilidade do exercício do contraditório e possibilitar ao tribunal melhor a apreciação das suas declarações e a arguida poder pronunciar-se sobre elas;
Não ocorre por isso qualquer proibição de leitura das declarações da arguida inseridas no auto de noticia nem proibição de valoração das mesma, estando como estão sujeitas á livre apreciação;
Improcede por isso esta questão

Impugnação da matéria de facto
Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “ revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP.
Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos á decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77)
No 2º caso - impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alargasse á prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
a) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
………
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede á audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Todavia há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cfr. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www. dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados,
e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e
havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP)

A falta de indicação nas “conclusões” dos requisitos do artº 412º 3 a 6 CPP mencionados deveria impor nos termos do artº 417º3 CPP o convite ao aperfeiçoamento o qual “… tem como pressuposto que o recorrente tenha cumprido substancialmente o ónus de impugnação que fundamenta as suas pretensões e apenas nas conclusões tenha falhado no cumprimento de certas formalidades.” – Ac. STJ 28.6.06, no proc. 06P1940, em www.dgsi.pt,
Todavia e apesar de não fazer essa indicação nas conclusões o certo é que o faz na motivação, onde, procede á transcrição da parte das declarações do arguido que indica como relevante (outras indicações como veremos não podem ser tomadas em conta por inobservância destes requisitos), pelo que mostra-se desnecessário, e cremos que inútil, tal convite com vista ao seu conhecimento, sendo certo que também em conformidade com a doutrina dos Ac. STJ de 17-02-2005 proc 04P4716 in www.dgsi.pt/jstj e Ac STJ de 16.6.05, proc 05P1577 in www.dgsi.pt/jstj, o artº 412 deixa alguma indefinição, não exigindo também expressamente que as especificações concretas do nº 3 e 4 tenham de constar com o mesmo alcance quer da motivação quer das conclusões “ … já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhecia da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convidava o recorrente a corrigir aquelas conclusões”. A Lei 48/07 de 29.8 ao Código de Processo Penal manteve a redacção do nº3 do art. 412º do CPP.
Todavia o conhecimento da prova indicada pelo recorrente está limitada á sua concreta indicação (e no caso transcrição) na medida em que o recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do nº Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações” como é o caso em relação ás declarações do arguido.

Mas mesmo essa reapreciação, como assinala o STJ ac. de 2.6.08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. Relator Juiz Conselheiro Raul Borges sofre as limitações consistentes nas que decorrem
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam
- de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita á averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cfr. também o Ac. RLx de 10.10.07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem;
Acresce, em consonância com o descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e
neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos ( documental, pericial etc..) e,
em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Dto Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.

Vejamos então o que está em questão.
O recorrente impugna a matéria de facto provada sob as alíneas h), i), j), n), e o);
As alíneas h) e i) têm o seguinte teor:
“h) Ao km. 105,785, a arguida decidiu ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, na sua mão de trânsito, conduzido por F…, motivo pelo qual invadiu a via de trânsito contrária à sua (a da esquerda, atento o sentido de marcha Vila Real/Bragança) e nela veio a colidir frontalmente com a viatura ligeira de mercadorias de marca "Renault", modelo "…", matrícula ..-FE-.., conduzida por G…, o qual não seguia a velocidade superior a 90 km/h.
i)Tal embate ocorreu sensivelmente a meio da recta referida na alínea c) e quando a arguida se encontrava a iniciar a ultrapassagem do veículo referido na alínea h).”
Indica como impondo decisão diversa:
- as declarações do arguida;
- o depoimento da testemunha F…;
A arguida apenas questiona na essência que fosse a ultrapassar o veículo da testemunha F…, face á proposta de redacção que apresenta na sua motivação.
Mas é evidente que não tem razão e desde logo porque se ancora em menos prova do que a apreciada pelo tribunal e para tanto basta atentar no croqui do acidente elaborado pela autoridade policial e no relatório fotográfico do acidente de fls. 274 e ss onde abundantemente se comprova com fotos tirados nos momentos seguintes ao acidente (com os veículos ainda no local) o local de embate e o desenvolver deste até ao veículos pararem, e dele resulta sem sombra de dúvida que o embate ocorreu sensivelmente no centro da 1ª hemi faixa da esquerda atento o sentido da sua circulação, e que estava em ultrapassagem é inequívoco, pois a arguida nas suas declarações assim o diz, expressando apenas que estava a terminar a ultrapassagem do veiculo anterior ao da testemunha F… e a retomar a mão de transito, o que não é compatível com o local de embate nem com o local embatido do seu carro e o relatório fotográfico documenta), e o depoimento da testemunha F… é demonstrativo de que o ia (também) a ultrapassar, pois o embate ocorre quando o veiculo da arguida se encontra ao lado do meio do seu carro (na 1ª hemi faixa do lado esquerdo), sendo evidente que para ali se encontrar só pode estar em manobra de ultrapassagem. Acresce que segundo este depoimento a arguida anteriormente circulava atrás de si.
Vistos os dados objectivos retratados nas fotos e as declarações da arguida e da testemunha, estas apenas confirmam o bem fundado da decisão tomada pelo tribunal quanto a estes factos;

A alínea j) dos factos provados tem o seguinte teor:
“j ) O referido embate ficou a dever-se, única e exclusivamente, ao facto de a arguida ter iniciado a referida manobra de ultrapassagem sem prestar atenção aos veículos que circulavam na faixa contrária à sua, nomeadamente sem prestar atenção àquele que era conduzido pelo referido G…, que não lhe permitiam efectuar tal manobra em segurança, designadamente porque não havia espaço suficiente para concluir tal manobra e regressar à sua mão de trânsito.”
Indica como impondo decisão diversa:
- o depoimento da testemunha H…,
- as declaração das arguida de que o carro FE lhe apareceu de repente sem ela se ter apercebido, e
- o facto da al. y);
Sem razão. Desde logo porque não pede a não prova do facto, mas mais grave a sua eliminação, que nunca poderia ocorrer; e
Depois porque aceita o local de embate e a configuração da recta, que é o que diz a testemunha H… e depois o que a arguida diz é que não viu o carro FE, mas ele estava lá e a circular fazendo uso daquela hemi faixa de rodagem, sendo expresso, como consta da fundamentação, o depoimento de “F…, o qual conduzia o veículo cuja ultrapassagem a arguida estava a iniciar quando embateu no veículo ..-FE-..; este depoente esclareceu, de forma que se revelou isenta e objectiva, que circulava no mesmo sentido de trânsito do veículo da arguida (Bragança/Vila Real), tendo visto o veículo conduzido por G… a circular no sentido contrário, na via da esquerda, atento o sentido deste (Vila Real/Bragança) e a ultrapassar 4/5 veículos que seguiam na via da direita, atento o mesmo sentido (Vila Real/Bragança), isto momentos antes do embate;”
e sendo assim, e como só pode invadir a faixa contrária para ultrapassar, e não vier nenhum veiculo a ocupar essa hemi-faixa, e se ele lá estava, só por falta de atenção é que a arguida não o vê, como diz, e consequentemente o acidente é de sua exclusiva responsabilidade, irrelevante neste âmbito a eventualidade de circular o “ FE” a mais 10 Km por hora do que o permitido, pois não foi esta a causa do acidente ( mas sim a invasão e ocupação pela arguida da faixa de circulação por onde seguia o FE, que nenhum contributo deu para o mesmo, pois o acidente nunca teria ocorrido se não fosse o acto da arguida.
Assim não só não pode ser eliminada a alínea j) como não pode ser dado como não provada, antes está de acordo com a prova produzida e apreciada pelo tribunal;

As alíneas n) e o) do factos provados têm a seguinte redacção:
n) Agiu a arguida consciente e livremente, ao conduzir de forma desatenta, omitindo os cuidados que a manobra de ultrapassagem por si efectuada impunha e que podia e devia ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia ter previsto, mas não chegou a representar.
o) Tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
Indica como impondo decisão diversa:
O facto de não ter existido manobra de ultrapassagem, e não pode haver desatenção no que não se fez,
O depoimento da testemunha F… em que o veiculo FE circularia a mais de 90 Km, e a incoerência deste depoimento, por não terem aparecido mais testemunhas e por que com tantos carros na via e o veiculo até embateu no rail de protecção forçosamente devia ter batido em outros carros e não bateu;
Como é evidente mantendo-se os factos provados relativos á ultrapassagem ela existiu e não devia ter existido porque o veiculo FE estava a circular na via, pela qual a arguida teria de fazer a ultrapassagem e reservada á circulação do FE e portanto a arguida devia tê-lo visto e só não o viu por desatenção (ou então viu-o e não quis saber), quanto ao demais já vimos que a velocidade não releva para o acidente e a percepção da velocidade pela testemunha (que a qualifica de normal na IP) não está fora da apreciação feita pelo tribunal, pelo que não pode ser alterada; quanto ás demais apreciações feita pela recorrente, apenas se nos oferece dizer, seguindo o mesmo raciocínio, que o haver mais ou menos testemunhas não é critério de decisão probatória (está há muito ultrapassado o juízo da idade média da necessidade de determinado número de testemunhas para a prova dum facto) e não esquecendo que como refere o Ac. STJ de 11/7/07 in www.dgsi.pt/jstj proc. nº 07P1416, “ O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo seu número - , dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adoptados para justificar a decisão perante os sujeitos processuais e até perante os tribunais superiores, apresentando as razões por que algumas das provas merecem aceitação e outras não, funcionando a motivação como instrumento indispensável para o controle da administração da justiça.” E,
quanto ao facto de não ter batido em nenhum carro, ainda bem que tal não aconteceu, mas certamente o ter batido nos railes de protecção deve ter compensado esse facto (ou pelo menos foi melhor assim pois não feriu ninguém).
É manifesta a improcedência desta pretendida alteração.

Cabe, por fim, e numa ponderação global sobre a impugnação da matéria de facto e da convicção do tribunal, afirmar que a apreciação feita pelo Tribunal da prova produzida, no caso concreto, encontra-se devidamente expressa e fundamentada, e em conformidade com o artº 374º2 CPP e pelo exame e análise da prova não detectamos sinais ou indícios de que tenham sido infringidas as regras da experiência comum (que são as regras que se colhem, ao longo dos tempos, da sucessiva repetição de circunstâncias, factos e acontecimentos que se sedimentam no espírito do homem comum como juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade, são no fundo regras de vida), ou que ocorra qualquer violação das regras de produção de prova e da formação da convicção do Tribunal quanto á apreciação das provas produzida e não ocorre violação de qualquer prova vinculada ou legal, usado meio de prova proibido ou de qualquer regra que imponha a valoração da prova de acordo com o desejo do recorrente em oposição á apreciação da prova produzida feita pelo Tribunal, no que a esta matéria respeita.
“Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção, desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos” in Ac. R.P.1/10/08 www.dgsi.pt/jtrp proc. 0811541, (pois que a livre convicção é um meio de descoberta da verdade mas com subordinação á regras da razão e da lógica, mas sem estar sujeita condições formais exteriores, mas não se confundindo todavia com a afirmação infundamentada da verdade ou a sua afirmação puramente impressionista ou emocional / emotiva), e estas se mostram observadas, e
Ao realizar essa tarefa de valorar a prova (segundo a sua livre convicção) exige-se uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, nas da lógica e da ciência, sem descurar a percepção da personalidade do depoente;
e por outro lado o Tribunal da Relação apenas podia alterar/ modificar a matéria de facto se fosse evidente que as provas a que faz referência na fundamentação não pudessem conduzir à decisão proferida sobre essa matéria de facto (o que não é o caso), ou
existisse “um qualquer elemento probatório que pela sua irrefutabilidade não pudesse ser afectado pelo princípio da imediação” in Ac. R. P. 31/10/01 Proc.684/01, e da oralidade, o que também não é o caso, ou ainda
se o Tribunal da Relação concluísse que os elementos de prova impõem uma decisão diversa ( artº 412º3b) CPP) e não apenas que permitem uma outra decisão ( dependente da credibilidade que os meios de prova merecem livremente apreciada) - STJ ac. de 2.6.08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. Relator Juiz Consel. Raul Borges cit. - o que também não é o caso.

Mais se verifica que as provas apreciadas em audiência e analisadas na fundamentação da sentença (e supra ponderadas) não apenas suportam a versão dos factos provados tal como o tribunal os considerou, como os fundamentam, e em face destes depoimentos e provas não pode o tribunal de recurso alterar a matéria de facto apurada, e não pode criticar a opção que o tribunal a quo tomou, porque baseada em provas produzidas e apreciadas em sua livre convicção, e de acordo com o principio da livre apreciação das provas, que exige a conjugação de todos os dados objectivos fornecidos pelas provas constituídas com as impressões proporcionadas pela prova por declarações.
Improcedem por isso as questões relativas a esta matéria.

Dada a ausência de outras questões alegadas e ou de que cumpra conhecer, improcede o recurso;
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Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Negar provimento ao recurso interposto pela arguida e em consequência confirma a sentença recorrida;
- Condena a arguida no pagamento da taxa de justiça de 06 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 21/3/2013
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes