I – A taxa de alcoolemia de 1,05 g/l não induz, só por si, o nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente de viação;
II – Todavia, de acordo com a prova produzida e as regras da experiência comum, o excesso de velocidade e a diminuição da resposta sensitiva e o aumento do tempo de reacção e redução da acuidade visual e visão periférica do condutor, determinantes do atropelamento da vítima, permitem concluir por tal nexo de causalidade;
III – Embora a relação entre o álcool e as capacidades de reacção na condução variem em função da respectiva taxa e de pessoa para pessoa e mesmo nesta, conforme as circunstâncias, uma TAS de 1,05 g/l constitui uma base bastante para, em conjugação como o modo como ocorreu o acidente, a prova produzida e as presunções judiciais, estabelecer o nexo causal entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.
1. Relatório
“A... Companhia de Seguros, SA” propos, no 2.º Juízo Cível de Viseu, acção declarativa com forma de processo sumário contra B... , pedindo a sua condenação no pagamento, em via de regresso, da importância de € 24.710,36, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 494,20 e nos vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em resumo, que no exercício da sua actividade seguradora pagou à vítima de acidente de viação, D... , a quantia de € 24.710,36, acidente esse exclusivamente imputável ao R. que, na ocasião, conduzia com uma TAS de 1,05 g/l, facto que lhe determinou conduzisse a velocidade excessiva para o local e ainda com falta de atenção.
Citado, contestou o R., impugnando a matéria relativa à dinâmica do embate, considerando que quando o acidente ocorreu circulava a velocidade moderada, não superior a 50 km/h, atento ao trânsito e demais obstáculos com que se pudesse deparar na via, pelo que o evento ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que procedeu ao atravessamento da via numa zona sem visibilidade para os condutores, dado a mesma configurar uma lomba e sem que a TAS por si apresentada tivesse produzido qualquer efeito no atropelamento, impugnando, ainda, a matéria relativa aos danos invocados.
Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida houve lugar a reclamação, parcialmente atendida.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que não sofreu reclamação.
Proferida sentença, veio o R. a ser condenado no pagamento à A. da quantia peticionada de € 24.710,36, acrescida dos juros de mora legais vencidos, no valor de € 494,20 e nos vincendos
Interposto recurso pelo R., na procedência parcial deste, veio a ser indeferida a impugnação da matéria de facto e, anulada a sentença, foi determinada a ampliação da matéria de facto, com o aditamento de um novo artigo da base instrutória (b. i.), que tomou o n.º 75.º e a que foi dada a seguinte redacção: “E foi por causa dos factos quesitados em 70.º e 74.º que ocorreu o acidente aludido nos autos?”.
Realizada a nova audiência de discussão e julgamento, incidente sobre essa matéria, foi esse artigo de base instrutória objecto de resposta afirmativa, sem reclamação.
Proferida nova sentença, veio o R. a ser condenado, nos mesmos termos que na anterior decisão.
De novo inconformado, voltou o R. a recorrer, apresentando alegações que rematou com as seguintes conclusões:
a) – Face à matéria de facto provada não existem elementos suficientes para se poder concluir que a produção do acidente foi da responsabilidade, total ou parcial, do R.
b) – Ficou por demonstrar o local de embate, a velocidade a que seguia o R., a que distância avistou a vítima, o que são circunstâncias essenciais para se poder chegar a uma conclusão quanto à culpa no acidente;
c) – Está incorrectamente julgado o facto constante do quesito 75.º, que merecia a resposta de “não provado”;
d) – Tal alteração justifica-se pelo depoimento deC... e pela análise crítica do relatório pericial;
e) – Não era ao R. que competia provar que é ou não portador de capacidades especiais relativamente aos efeitos do álcool, antes à A. competia provar que a condução do R. estava condicionada e alterada pelos efeitos do álcool e que esses efeitos foram causa directa e adequada do sinistro e não fez tal prova;
f) – Desvalorizado que foi o depoimento das testemunhas apresentadas pelo R., o depoimento da testemunha C..., assim como o relatório/parecer de fls. 138 a 141 não são suficientes para retirar as conclusões que a 1.ª instância retirou;
g) – Mesmo que se entenda que o R. contribuiu para a produção do acidente, sempre resta a questão de saber se a A. fez prova de que o acidente se ficou a dever à influência do álcool de que o R. era portador e era a ela que cabia tal prova;
h) – Para se concluir logicamente por um nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, esse nexo de causalidade tem de revelar-se por um comportamento absolutamente anómalo ou irregular e indiciador da influência do álcool ou, então, pelo grau (elevadíssimo) da taxa de alcoolemia que, por si, induz esse nexo e não se verifica nem uma coisa, nem outra;
i) – As infracções imputadas ao R. reconduzem-se ao excesso de velocidade e não se pode considerar esse comportamento absolutamente atípico e provocado pela TAS de que o R. era portador e a TAS apresentada não era de molde a dela poder concluir-se como excepcionalmente elevada;
j) – Mesmo que se considere que o R. teve culpa no acidente, mas não estando demonstrado o nexo causal entre tal acidente e a taxa de alcoolemia de que era portador, se a A. indemnizou o sinistrado fê-lo no exercício das suas competências, ao abrigo do contrato celebrado com a tomadora do seguro, sem possibilidade de exigir, de quem quer que seja, a devolução/restituição do que legitimamente pagou;
l) – A sentença recorrida violou o disposto no art.º 19.º, alín. c) do DL n. 522/85, de 31.12, 342.º, n.º 1, do CC, 24.º e 25.º, n.ºs 1, alíns. a) e b) e 27.º, do CE e 69.º, n.º 1, alín. a) do DR n.º 22-A/98, de 1.10, pelo que deve ser revogada.
A recorrida apresentou resposta, onde concluiu pela responsabilidade do recorrente no desencadear do acidente e pela causalidade entre a TAS apresentada e o evento danoso, concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões a apreciar:
a) - A responsabilidade pelo acidente e correspondente nexo de causalidade entre a condução sob influência do álcool e o acidente;
b) – A impugnação da matéria de facto correspondente à resposta positiva dada ao art.º 75.º da b. i.
Vejamos.
a) - De facto
Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1 – A autora é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objecto a actividade seguradora;
2 – No exercício desta sua actividade, a autora celebrou com E... um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n ... que cobria a responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula LV..., até ao limite de € 50.000,00;
3 – Em 1 de Junho de 2006, cerca das 7h10m, na EN 337-1, ao km 1, em Figueiró, desta comarca, junto aos semáforos da antiga estação do caminho de ferro, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente aquele veículo;
4 – Em condições a apurar, o LV ao chegar ao local deparou-se-lhe com a luz vermelha accionada;
5 – Ali a via tem uma lomba que faz exactamente junto aos sinais luminosos, numa via paralela àquela em que circulava, se apresenta a um nível mais elevado em relação à EN 333-1, voltando a descer depois até atingir mais cerca de 25 metros à frente a mesma EN;
6 – O local é muito frequentado por peões, nomeadamente crianças, por existir uma escola a cerca de 100 metros;
7 – D... nasceu em 4 de Abril de 1956;
8 – A vítima, D..., com a violência do embate ficou inanimado no chão;
9 – A autora interpelou o réu em 28 de Janeiro de 2008 para proceder ao reembolso à autora, não o tendo este feito até ao momento;
10 – Por forma a evitar os semáforos o réu virou à sua direita e entrou na via paralela àquela em que circulava;
11 – Que passa ao lado dos referidos sinais luminosos e volta a entrar, cerca de 50 m mais à frente, na EN 333-1;
12 – A velocidade máxima instantânea permitida naquele local é de 50 km/h e é regulada, além do mais, por sinalização luminosa;
13 – Quando um veículo ultrapassa aquela velocidade, a luz vermelha é automaticamente accionada;
14 – O réu tripulava o LV a uma velocidade que em concreto não foi possível apurar, mas superior a 50 km/h;
15 – O réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,05 g/l;
16 – Ao chegar ao local não se apercebeu atempadamente da presença do peão D..., de S. Cipriano;
17 – Quando dele se apercebeu, accionou os travões, deixando um rasto de derrapagem de 24 metros no local;
18 – Indo embater com o lado direito do veículo que conduzia contra o peão;
19 – O réu, considerando o seu sentido de marcha, viu surgirem-lhe pela frente os sinais de informação de velocidade controlada por sinais luminosos, sinal A16-passagem de peões, sinal C13 (a limitar a velocidade a 50 km/h);
20 – D... foi transportado ao Hospital de S. Teotónio em Viseu;
21 – Que lhe prestou a assistência necessária e onde esteve internado durante quase dois meses, politraumatizado;
22 – Sofreu traumatismo crânio-encefálico, traumatismo torácico com fractura de várias costelas, fractura da omoplata esquerda, traumatismo abdominal, com lesão do baço;
23 – Fez tratamento conservador da lesão do baço, toracocentese e fisioterapia;
24 – Bem como vários RX, TAC torácico e abdominal, RMN ao abdominal, RMN cerebral;
25 – Ficou em consequência do acidente com uma I.P.P. de 15%;
26 – E com as seguintes sequelas: sindroma pós traumático (cefaleias) e diminuição da mobilidade do ombro esquerdo;
27 – D... trabalhava como cantoneiro para a Junta de Freguesia de S. Cipriano, auferindo cerca de € 500,00 por mês com o subsídio de almoço incluído;
28 – A autora, na qualidade de seguradora do veículo LV assumiu perante D... a responsabilidade do acidente, pagando-lhe despesas e indemnização num total de € 24 710,56, nas seguintes parcelas:
a) À “Clínica Fisiátrica Viseense”, € 249,40 pelo serviço de fisioterapia que prestou ao sinistrado;
b) A “Elisabete Martins Ambulâncias, Lda.” a importância de € 90,00 por transportes que fez;
c) Ao Hospital de São Teotónio de Viseu, € 1 215,00 por parte da assistência prestada em 1/6/06 e 2/6/2006;
d) Ao Hospital de São Teotónio em Viseu mais € 278,50 pela assistência prestada entre 5/9/2006 e 5/12/2006;
e) Ainda ao Hospital de São Teotónio de Viseu € 7 164,29 por assistência e internamento entre 1/6/2006 e 24/7/2006;
f) Ao Hospital de São Teotónio em Viseu, por uma consulta em 20/3/2007, €30,00;
g) Ao Hospital de S. Teotónio em Viseu, por serviços de laboratório e radiológicos entre 18/5/2007 e 7/12/2007, € 97,80;
29 – E ao sinistrado D..., pela roupa danificada no acidente, óculos e adiantamentos, mais €518,00;
30 – Ao mesmo sinistrado mais € 137,95 de uma vez e € 43,30 de outra por despesas deste feitas em deslocações para ser sujeito a exames e consultas médicas;
31 – Ainda ao sinistrado mais € 43,50, também de despesas de transporte e consultas;
32 – Ao sinistrado, € 32,15 de reembolso de taxa moderadora que este tinha pago ao Hospital de São Teotónio em Viseu;
33 – Ao Hospital de Santa Maria, € 241,83 por consultas e exames ao sinistrado;
34 - E a “Táxis Guimarães, Lda.” por transporte do mesmo a exames e consulta médica, € 68,64;
35 – A autora acordou com D... a indemnização por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros a indemnização de € 14.500,00, que lhe pagou em 8 de Fevereiro de 2008;
36 – D..., antes do acidente sempre gozou de boa saúde, sendo um homem feliz e trabalhador;
37 – Situação essa que se alterou com o acidente, passando a sentir-se triste e com necessidade de esforços acrescidos para trabalhar;
38 – A estrada tem pavimento asfaltado, em regular estado de conservação;
39 – E dispõe de 4,70 m de largura;
40 – Considerando o sentido Viseu/Figueiró, é de sentido único até ao topo da subida;
41 – E dois sentidos de marcha, delimitados por uma linha descontínua, desde o topo até à confluência com a estrada nacional, ou seja, é de duplo sentido na zona da descida (Viseu/Figueiró);
42 – O relevo da estrada configura uma lomba;
43 – No dia do acidente estava bom tempo;
44 - À hora em que o mesmo ocorreu já era de dia;
45 – O LV, conduzido pelo réu, era propriedade de sua irmã;
46 – Que o havia emprestado ao réu;
47 – Circulando o réu pela hemi-faixa de rodagem da direita;
48 – O réu avistou o sinistrado, que efectuava a travessia da via da direita para a esquerda, no sentido Viseu/Figueiró;
49 – Após o embate, a vítima foi projectada, a distância que em concreto não foi possível apurar, imobilizando-se no fim da descida, perto da confluência da estrada onde ocorreu o embate com a EN 337-1;
50 – Por força do álcool ingerido, o réu evidenciava instabilidade emocional e perda do juízo crítico;
51 - Bem como incapacidade de percepção, memória e concentração;
52 – E diminuição da resposta sensitiva e aumento do tempo de reacção;
53 – E redução da acuidade visual e visão periférica, descoordenação motora, falta de equilíbrio e sonolência;
54 – E um estado de euforia, com aumento da autoconfiança e redução das inibições;
55 – E foi por causa dos factos quesitados de 50 a 54 que ocorreu o acidente aludido nos autos.
Quanto à 1.ª questão enunciada, da responsabilidade do R. pelo acidente em causa, de atropelamento da vítima, ou seja, quanto à ilicitude e culpa no seu modo de conduzir o veículo automóvel segurado na A., a resposta que lhe foi dada pela sentença recorrida é clara, está em consonância com a factualidade definitivamente assente e merecendo a nossa adesão, sobre ela pouco mais haverá a acrescentar.
Com efeito, recordando da matéria de facto provada sobre a dinâmica do acidente, temos o seguinte:
- Pelas 7H10 do dia 1.6.06 o R. circulava na EN n.º 337-1 em local muito frequentado por peões, nomeadamente crianças, por existir uma escola a cerca de 100 m e onde existia sinalização de passagem de peões (sinal A 16) e de limitação de velocidade máxima a 50 Km/h (sinal C 13) e ao ser deparado com a sinalização vermelha dos sinais reguladores de velocidade (de máximo a 50 Km/h), por forma a evitar os semáforos, virou à sua direita e entrou na via paralela à que circulava, passou ao lado dos sinais luminosos e voltou a entrar na mesma EN cerca de 50 m mais à frente.
O R. tripulava o veículo automóvel de sua irmã a uma velocidade que em concreto não foi possível apurar, mas superior a 50 Km/h e com uma taxa álcool no sangue de 1, 05 g/l.
Ao chegar ao local de embate no peão o R. avistou o sinistrado, que efectuava a travessia da via da direita para a esquerda, no sentido Viseu/Figueiró, mas não se apercebeu, contudo, atempadamente da sua presença e quando dele se apercebeu accionou os travões, deixando atrás de si um rasto de derrapagem de 24 m e foi embater no peão com o lado direito do veículo, projectando-o até o mesmo se imobilizar, mais à frente, no final da descida.
Por força do álcool ingerido, o R. evidenciava instabilidade emocional e perda do juízo crítico, bem como incapacidade de percepção, memória e concentração, diminuição da resposta sensitiva e aumento do tempo de reacção, redução da acuidade visual e visão periférica, descoordenação motora, falta de equilíbrio e sonolência, um estado de euforia com aumento da auto-confiança e redução das inibições e foi por causa dessas circunstâncias que ocorreu o acidente.
Sustenta o R. recorrente que ficou por demonstrar o local de embate, a velocidade a que seguia e a que distância avistou a vítima, o que tem como essencial para apuramento da sua culpa na génese do acidente.
Na realidade, não resulta da matéria de facto provada o local exacto do embate do veículo no peão, apenas que este efectuou a travessia da via da direita para a esquerda, que o R. o avistou, mas sem que conseguisse evitar o embate, travando e deixando um rasto de derrapagem de 24 m.
Com efeito, não resultou provada a matéria de excepção alegada pelo R. (como era ónus seu – art.º 342.º, n.º 2, do CC) de que a parte descendente da via onde ocorreu o embate só era avistável quando se chegasse ao topo da lomba (resp. negativa ao art.º 39.º da b. i.), porque ia começar a subir, reduzira a mudança que levava engrenada, passando a circular a 35/49 Km/h e que se deparou (inopinadamente) com o sinistrado a cerca de 1-2 m do ponto mais alto da lomba e a cortar a sua linha de marcha (resp. negativas aos art.ºs 50.º a 53.º e 60.º a 63.º e restritivas aos art.ºs 54.º e 55.º).
Do exposto haveria, contudo, que concluir-se, como o fez a sentença recorrida, que o R., na sequência da ousada e temerária manobra de “atalhe” ou “drible” da sinalização luminosa vermelha, animado da velocidade a que seguia, superior à regulada por aquela sinalização, de 50 Km/h, por isso a evitando, não logrou parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente antes de embater no peão, circulando, assim, com velocidade excessiva e em violação ao disposto no art.º 24.º, n.º 1, do CE.
Como, perante a existência de sinalização de passagem para a travessia de peões, aproximação de escola e circulação em lomba, não moderou especialmente a velocidade, como lho impunha o art.º 25.º, n.º1, alíns. a), b) e f) do mesmo diploma legal.
Além disso, circulando em local onde a velocidade máxima permitida era de 50 Km/h (resp. art.º 1.º), circulando a velocidade que “em concreto não possível apurar, mas superior a 50 Km/h” (resp. art.º 3.º), excessiva era também a velocidade a que circulava, em violação, agora, do n.º 1 do art.º 27.º do CE.
Embora valorada em sede de julgamento de facto, a derrapagem do veículo assinalada no pavimento da via que se seguiu ao accionamento dos travões (resp. art.º 8.º), na extensão de 24 m (não se vendo que haja que distinguir, aqui, entre derrapagem e travagem) de acordo com as “tabelas de distâncias e paragem” de que comummente e de forma adjuvante se lança mão[1], o R. circularia a velocidade entre 70 e 80 Km/h.
Dada a dificuldade em o tribunal a quo ter fixado (como quase sempre acontece) a velocidade concreta, sustenta o R. nas alegações que a única conclusão possível era que circulava pelo menos a 51 Km/h, não podendo, em seu entender, concluir-se que o excesso da velocidade em apenas 1 Km foi concausal do acidente.
É um juízo que temos como simplista e de que não comungamos.
Da resposta dada ao art.º 3.º da b. i., que perguntava se o R. tripulava o veículo à velocidade superior a 80 Km/h e se respondeu que o fazia a velocidade superior a 50 Km/h, tanto o excesso pode ser de 1 como de 30 Km/h!..
O relevante, contudo, é que era excessiva, razão por que não permitiu ao R. deter o veículo antes de embater no peão, o que decididamente o tornou responsável pelo desencadear do acidente.
Por isso e também porque o R. circulava animado da TAS proibida de 1,05 g/l, mas essa é a 2.ª questão suscitada no recurso e à qual passamos a dar resposta.
Pretende o ora recorrente seja dada resposta negativa a tal ponto da matéria de facto com base naquele relatório pericial e depoimento testemunhal de C....
O recorrente não põe propriamente em causa os elementos probatórios em que a 1.ª instância fundou a convicção, antes a sua apreciação crítica e as conclusões que deles a 1.ª instância retirou.
Insurge-se o recorrente contra o relatório pericial por haver concluído que “atendendo a estas considerações, um indivíduo com 1,05 g/l de etanol no sangue (TAS), apresenta diminuição das capacidades psicomotoras, nomeadamente do tempo de reflexo, da atenção e percepção. Neste contexto e considerando a condução de um veículo automóvel, as suas respostas estarão certamente diminuídas face a um outro indivíduo cujo nível de alcoolemia seja zero”, por a comparação não poder ser com essa referência quantitativa, mas até 0,50 g/l, que é o limite legalmente admissível para a prática da condução.
Cremos que a crítica é inconsequente, não alterando o juízo conclusivo seja comparando a zero ou a 0,5 g/l o teor de álcool. O relevante é que aquele grau tem aquelas limitações físico-psíquicas.
Também irrelevante se afigura a crítica à decisão de facto quando concluiu que “não foi produzido qualquer meio de prova que abalasse as conclusões aí contidas, designadamente que o réu fosse possuidor de características físicas e mentais especiais, que implicasse que não sofresse na condução os efeitos estudados e cientificamente apurados para a condução com TAS similar à sua”.
Porque tais características, a existir, configurariam matéria de excepção, não era à A. que competia a sua alegação e prova, mas ao R. recorrente (art.º 342.º, n.º 2, do CC).
Como é sabido, está cientificamente estabelecida uma relação entre o álcool e as capacidades de reacção na condução, que varia em função da quantidade de álcool no sangue e da pessoa em concreto e até na mesma pessoa conforme as circunstâncias[2], mas constitui base suficiente para por presunção estabelecer o nexo causal entre a condução sob efeito do álcool com taxa superior à legal (v. art.º 81.º, n.ºs 1 e 2 do CE) e o acidente.[3]
Quanto ao depoimento da testemunha C..., consultor médico da A. há vários anos, ouvido o seu depoimento gravado (e que coincide com o transcrito pelo recorrente), dele resulta de essencial que, conhecendo o acidente embora apenas pelas referências da anterior audiência de julgamento, nem conhecendo o R., esclareceu, além do mais, que um dos problemas do álcool é a alteração do tempo de resposta e talvez mais grave a deficiente percepção da distância, porque a visão estereoscópica, que nos dá a ideia da distância é alterada muito precocemente. Com 0,5 g/l, que é ainda uma taxa legal permitida, esta visão estereoscópica já está perturbada em 30%. Portanto, acontece que um indivíduo que vai conduzir e que não tem a noção exacta de qual a distância está um determinado peão, não pode executar as manobras de abrandar, parar …
Dir-se-á, ao correr da pena, que a prova de um facto não é em si uma prova de valor absoluto, mas um elevado grau de probabilidade da sua verificação, o bastante para as necessidades práticas da vida e em cujo processo de formação relevam não só os dados do conhecimento científicas (prova pericial), elementos documentais e testemunhais, bem como as regras da experiência comum (presunções judiciais).
Nada impede, aliás, o recurso a presunções judiciais para se estabelecer o nexo de causalidade entre a condução com álcool e o acidente, como vimos.
É certo que não basta que o réu conduza com álcool.
Para ser responsável pelo acidente é necessário que tenha sido por causa do álcool e por causa da influência que este teve na sua mente que o levou a provocar o acidente.
Essa prova (esse nexo de causalidade) compete à autora, no caso à seguradora, que pretende exercer o direito de regresso (alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85, de 31.12, entretanto revogado pelo DL n.º 291/07, de 21.8 (art.º 94.º, n.º 1, alín. c)), mas temporalmente aqui aplicável[4], para reaver do responsável o que no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil pagou ao lesado.[5]
Como é jurisprudência largamente maioritária, “se é certo que a mera prova da taxa de alcoolemia é insuficiente para se considerar provado o nexo de causalidade, isso não implica que, em termos de apreciação crítica dos factos relevantes o juiz esteja impedido de os relacionar e de, reportando-se aos factos em apreço, pela forma como ocorreu determinado acidente e, em face da inexistência de outra explicação razoável, conclua por aquele nexo. Trata-se, afinal, de inserir factos desconhecidos a partir de factos conhecidos (art.º 349.º do CC). O nexo de causalidade entre álcool e o acidente afere-se da conjugação de diversos elementos, designadamente a prova testemunhal produzida, a própria dinâmica do acidente, o grau de alcoolemia registado, com os elementos científicos irrefutáveis, as regras da experiência, as normas legais aplicáveis e a teleologia do legislador subjacente às normas”.[6]
Ora, seja dos elementos científicos irrefutáveis canalizados para os autos, seja do depoimento testemunhal relevantemente produzido do médico consultor da seguradora, C..., da própria dinâmica do acidente e do grau de alcoolemia, ter-se-á de concluir que a taxa de álcool no sangue do R. influenciou (determinou) efectiva e decididamente o tipo de condução que o mesmo encetou, traduzindo-se em causa efectiva e naturalística do atropelamento do peão.[7]
Aqui chegados e face a todo o exposto, irrefutável é a improcedência da impugnação da resposta dada ao único art.º de base instrutória em relação ao qual prosseguiu o julgamento, sobre o nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.
Porque não violados os preceitos legais invocados pelo recorrente e soçobrando as conclusões recursivas, porque não merece censura o demais julgamento de direito, a partir do direito de regresso que efectivamente assiste à seguradora recorrida (art.º 19.º, alín. c) do DL n.º 522/85, de 31.12 então vigente), importa confirmar a decisão que condenou aquele no reembolso da quantia paga que a coberto do seguro oportunamente pagou ao lesado no acidente em causa, da responsabilidade do recorrente, que comprovadamente agiu sob influência do álcool e por causa dele provocou o acidente em apreciação.
I – A taxa de alcoolemia de 1,05 g/l não induz, só por si, o nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente de viação;
II – Todavia, de acordo com a prova produzida e as regras da experiência comum, o excesso de velocidade e a diminuição da resposta sensitiva e o aumento do tempo de reacção e redução da acuidade visual e visão periférica do condutor, determinantes do atropelamento da vítima, permitem concluir por tal nexo de causalidade;
III – Embora a relação entre o álcool e as capacidades de reacção na condução variem em função da respectiva taxa e de pessoa para pessoa e mesmo nesta, conforme as circunstâncias, uma TAS de 1,05 g/l constitui uma base bastante para, em conjugação como o modo como ocorreu o acidente, a prova produzida e as presunções judiciais, estabelecer o nexo causal entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
[1] V. Tolda Pinto, “Código da Estrada, Anot.”, 3.ª ed., pág. 68 e ss.
[2] V. Duarte Santos, prefácio ao livro de Oliveira de Sá, “Acidentes de Viação e Alcoolismo – A alcoolemia nos acidentes de viação”, Coimbra, 1964, pág. X.
[3] V. Ac. STJ de 7.4.11, Proc. 329/06.4TBAGN. C1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] V. Ac. RC de 16.12.09, Proc. 1547/05.8TBVNO.C1, por nós relatado, in www.dgsi.pt.
[5]Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 6/02, de 28.5.02, DR, I-A, n.º 164, de 18.7.02.
[6] Sumário do Ac. STJ de 7.6.11, Proc. 380/08.0YXLSB.C1. S1, in www.dgsi.pt.
[7] No mesmo sentido, o Ac. STJ de 7.4.11, Proc. 329/06.4TBAGN.C1.S1, in www.dgsi.pt.