DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
DETENÇÃO NÃO JUSTIFICADA
CONCURSO APARENTE
Sumário

1 - O crime de detenção de arma proibida previsto no artº 86°, n° 1, al. d), da Lei n° 5/2006, de 23/2, só ocorre quando essa detenção não for justifi­cada;
2- A justificação da posse a que se refere o legislador visa outra finalidade que não a sua utilização como arma de agressão. Se assim for, ou seja, se a posse estiver justificada, não existirá crime. Mas se essa posse visar a sua utilização como “arma de agressão”, então a posse já constituirá indubitavelmente o dito crime;

3 - Integra a prática desse crime a detenção de um chicote constituído por material de órgãos genitais de animal bovino, com o punho revestido em napa de cor preta, com uma pega de 17 cm e de um galho de sobreiro, com 82 cm de comprimento e 15 cm de diâmetro, transportados pelo arguido na bagageira do seu automóvel, os quais destinava a serem utilizados como arma de agressão;
4.- Estando em causa dois tipos de armas, integrando-se uma delas na previsão da alínea c) e duas delas na alínea d), do citado artigo 86º, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86.°, n° 1, alínea c), ( disposição mais grave), funcionando as outras armas como agravantes na determinação da medida concreta da pena.

Texto Integral

Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I
1. Nos autos de processo comum nº 562/09.7JAAVR, Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, comarca do Baixo Vouga, em que são arguidos,
A..., residente na Rua … , Ovar, e
B..., residente na Rua … , Vagos,

A quem é Imputado
ao arguido A... a prática, em co-autoria material e na forma tentada, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 132º, n.ºs 1 e 2, al. e), 22º, 23º, n.ºs 1 e 2, 72º, n.º1, e 73º, n.º1, als. a) e b), todos do Código Penal, bem como a autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º86º, n.º1, d), da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pelas Leis 59/2007, de 04 de Setembro, e 17/2009, de 6 de Maio.
e
à arguida B... a prática, em co-autoria material e na forma tentada, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 132º, n.ºs 1 e 2, al. e), 22º, 23º, n.ºs 1 e 2, 72º, n.º1, e 73º, n.º1, als. a) e b), todos do Código Penal.

Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:
A) Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 132º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), 22º, 23º, n.ºs 1 e 2, 72º, n.º1, e 73º, n.º1, a) e b), todos do C. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º86º, n.º1, d), por referência ao art.º3º, n.º2, g), da Lei n.º5/2006, de 23.02, com as alterações entretanto introduzidas, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
C) Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º86º, n.º1, c), por referência ao art.º3º, n.º4º, al. a), da Lei n.º5/2006, de 23.02, com as alterações entretanto introduzidas, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.

D) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

E) Condenar a arguida B... pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 132º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), 22º, 23º, n.ºs 1 e 2, 72º, n.º1, e 73º, n.º1, a) e b), todos do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, acompanhada de regime de prova.


2. Da decisão recorre o arguido A... apresentando as seguintes conclusões:

A.

O douto acórdão recorrido, na parte relativa à determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, carece da especial fundamentação legal e judicialmente exigida, tendo o tribunal a quo se limitado, unicamente, a usar fórmulas tabelares e conclusivas.

B.

Assim, foram violados os artigos 374º, n.° 2, do Código de Processo Penal, 71.°, n.° 3, e 77.°, n.° 1, do Código Penal, e 32.°, n.° 1, e 205.°, n.° 1, da Constituição, sendo, por isso, o acórdão nulo, nos termos do artigo 379º, n.° 1, alínea a), daquele diploma adjectivo — o que aqui se vem arguir, ao abrigo do n.° 2 desta última norma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo ao tribunal a quo para que proceda à elaboração de novo acórdão que sane o apontado vício.

C.

Apesar de em sede de enquadramento jurídico se afirmar que o recorrente não logrou justificar a posse do chicote e do galho de sobreiro, o que é certo é que essa afirmação não tem suporte na matéria provada, pelo que esta é insuficiente para a decisão de considerar integrado um dos elementos típicos do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.° do Regime Jurídico das Armas e suas Munições — a falta de justificação de posse.

D.

Como da acusação também já não constava qualquer referência a esse elemento típico, face à vinculação temática, a consequência que deve ser retirada da invocada insuficiência da matéria de facto provada não é a declaração do vício referido na alínea a) do n.° 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mas sim a absolvição do recorrente do crime em questão (revogando-se assim nessa parte o douto acórdão recorrido, que violou a norma da conclusão anterior).

E.

A matéria provada não contém factos que permitam afirmar a existência de mais do que um desígnio criminoso do recorrente na detenção da arma de fogo, do chicote e do galho.

F.

Destarte, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido, e sendo irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86.°, n.° 1, alínea t), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade), com o da alínea d) do mesmo artigo (revogando-se nessa parte o acórdão recorrido, que, ao decidir por um concurso efectivo entre esses dois crimes, violou essas normas e a do artigo 30.°, n.° 1, do Código Penal).

G.

As penas parcelares e única aplicadas ao recorrente são excessivas e desproporcionadas (em violação dos artigos 40.°, n.° 1, 71.°, nºs 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e e), e 77.°, n.° 1, do Código Penal, e dos princípios politico-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas).

H.

Por um lado, porque o tribunal a quo conferiu um peso muito agravativo à circunstância de o recorrente ter antecedentes criminais, olvidando que todos esses crimes anteriores reportam-se a factos praticados há bastantes anos atrás e que nenhum deles é por detenção de arma proibida.

1.

Por outro lado, porque o tribunal a quo ou não valorou devida e suficientemente, ou não valorou de todo, diversas circunstâncias que depõem a favor do recorrente, a saber: 1) beneficia de inserção familiar, profissional e social; 2) ressarciu a demandante dos danos causados; 3) confessou a maior parte dos factos, com relevo para a descoberta da verdade; 4) no crime de homicídio qualificado tentado agiu com a forma de dolo menos intensa e motivado pelo facto de o ofendido se ter envolvido em agressões mútuas com o seu filho; 5) o grau de ilicitude do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.° é reduzido por estar unicamente em causa, em termos de modalidade da acção, a detenção das armas e não o uso; 6) o crime de detenção de arma proibida da alínea c) do n.° 1 do artigo 86.° acabou por ser instrumental da tentativa de homicídio — o que deve relevar na formação da pena única.

J.

Por força de tais circunstâncias, devem ser aplicadas ao recorrente penas parcelares de prisão em medidas nunca superiores às seguintes:

a) Quatro anos para o crime de homicídio qualificado na forma tentada;

b) Catorze meses para o crime de detenção de arma proibida da alínea c) do n.° 1 do artigo 86.°;

c) Dezasseis meses para o crime de detenção de arma proibida da alínea c) do n.° 1 do artigo 86.°, em concurso aparente com o da alínea d); [Este pedido é subsidiário da absolvição pedida em D.

cl) Seis meses para o crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.° [Este pedido é subsidiário da absolvição pedida em D e do pedido feito em E]

K.

Consequentemente, devem ser aplicadas ao recorrente penas únicas de prisão em medidas nunca superiores às seguintes:

a) Quatro anos e quatro meses, em caso de procedência do pedido de absolvição do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.°;

b) Quatro anos e seis meses, em caso de não procedência desse pedido e de procedência do pedido de condenação por um crime de detenção de arma proibida da alínea t) do n.° 1 do artigo 86.°, em concurso aparente com o da alínea d) do mesmo artigo;

c) Quatro anos e oito meses, em caso de não procedência de nenhum desses pedidos.

L.

Por se mostrarem preenchidos os pressupostos formais e materiais estabelecidos no artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal, deve ser declarada suspensa na sua execução a pena única que vier a ser aplicada ao recorrente, pois a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


3. A este recurso respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese:

3.1. Foi o recorrente condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos seguintes crimes:

a) - Um crime de homicídio qualificado tentado, como co-autor, p. e p. pelos artigos 132 — n°1 e 2 - ai. e) e h), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

b) -Um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86 — n°1 - ai. d) e art. 3° — n°2 - ai. g) da lei 5/2006 de 23/02, na pena de 9 meses de prisão — posse do chicote e galho de sobreiro.

c) - Um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86 — n°1 - ai. c), e art. 30 — n°4 — ai. a) da citada lei das armas, na pena de 18 meses de prisão — posse da pistola 6.35, sem licença de uso e porte de arma.

3.2. O recorrente, em resumo, suscita as seguintes questões:

a) - Há falta de fundamentação no Acórdão recorrido para aplicação ao arguido da pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, e consequente violação dos artigos 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, 71.°, n.° 3, e 77.°, n.° 1, do Código Penal, e 32.°, n.° 1, e 205.°, n.° 1, da Constituição, sendo, por isso, o acórdão nulo, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea a), daquele diploma adjectivo - o que aqui se vem arguir, ao abrigo do n.° 2 desta última norma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo ao tribunal a quo para que proceda à elaboração de novo acórdão que sane o apontado vício.

b) - Apesar de em sede de enquadramento jurídico se afirmar que o recorrente não logrou justificar a posse do chicote e do galho de sobreiro, acontece que a falta de justificação de posse, não é hoje um dos elementos deste tipo penal, pelo que o arguido deve ser absolvido do crime em questão.

c) - Admitindo a sua punição, embora se trate de armas de diversa natureza, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86.°, n.° 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade), com o da alínea d) do mesmo artigo (revogando-se nessa parte o acórdão recorrido, que, ao decidir por um concurso efectivo entre esses dois crimes, violou essas normas e a do artigo 30,0, n.° 1, do Código Penal).

d) — Medida das penas e suspensão da sua execução: o recorrente defende que as penas parcelares e única aplicadas ao recorrente são excessivas e desproporcionadas devem ser aplicadas ao recorrente penas parcelares de prisão em medidas nunca superiores às referidas nas als. J) e K) das conclusões, e por se mostrarem preenchidos os pressupostos formais e materiais estabelecidos no artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal, deve ser declarada suspensa na sua execução a pena única que vier a ser aplicada ao recorrente, pois a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

3.3. No acórdão recorrido, teve-se em consideração o passado criminal do recorrente, a desproporção de meios usados - uso de arma de fogo, para atingir em andamento do seu veículo, a integridade física e a vida de dois jovens que nele seguiam e que teriam tido uma altercação com o seu filho, os danos causados nesse veículo e o elevado grau de censura da sua actuação, que podendo ter atingido mortalmente a vítima, poderia ter dado origem a um acidente de viação, em que correriam perigo, pelo menos os quatro ocupantes desse veículo, pelo que é nosso entendimento, que, para a opção tomada pelo julgador, ele se acha bem fundamentado.

3.4. Defende o recorrente que deveria ser absolvido do crime de detenção de arma, relativamente ao chicote e ao galho (pau) de sobreiro, pois a falta de justificação para a sua posse, não faz parte do tipo penal, mas não tem sido esse o entendimento da jurisprudência e que abaixo citaremos, mas é defensável que o arguido possa ser punido apenas por um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86 — n°1 — ai. c) da lei 5/2006 de 23/02.


3.5. Pode ler-se no Acórdão de 11/05/11 do TRC, proferido no P. 10/08.OGAGVA.C.1, disponível em www.dgsi.pt:

“A detenção de um bastão extensível, objecto que não tem aplicação definida, que pode ser utilizado como meio de agressão e não tendo o portador justificado a sua posse, integra a previsão do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.° 86.°, n.° 1, ai. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições, quer na versão da Lei 5/2006 de 23/2, quer na introduzida pela Lei 17/2009 de 6/5.”

3.6. Aceita-se pois que possa proceder o recurso, na questão do número de crimes de detenção de arma proibida praticados pelo recorrente, atentos os factos dados como provados, tal como se aceita que o recurso possa proceder, no tocante às medidas das penas parcelares e à suspensão da execução da pena e foi essa a nossa posição assumida nas alegações proferidas no final da audiência de julgamento, porque valoramos essencialmente quatro aspectos, que abaixo referiremos.

3.7. Sobre a questão do número de crimes praticados pelo recorrente, quanto à detenção das armas, pode ler-se no acórdão, também do STJ, de 12/10/11, proferido no P. 4565/07.8TAVNG.S1, disponível em www.dgsi.pt:

“ A detenção de 3 armas de fogo, indocumentadas, munições pertencentes a diversas outras armas e acessórios, denotam um grau de manifesta associalidade, de indiferença para o risco à ordem e tranquilidade públicas que as armas fora do controlo judicial geram, integra a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, n.° 1, ai. c), e n.° 2, da Lei 5/2006, de 23-02.”

3.8. Foram determinantes, para, em alegações orais finais, termos aceitado a suspensão da pena única a aplicar ao arguido, os seguintes aspectos:

a) O arguido indemnizou todos os danos que provocou a terceiros, de ordem patrimonial e não patrimonial, quer aos demandantes cíveis, quer aos não demandantes, pelo que o ambiente que na sala se viveu foi o duma autêntica paz social assim obtida e dum sentido arrependimento por parte do arguido.

b) Há pois que valorar e dar mérito à atitude do recorrente, assim com se deve valorar positivamente uma relevante confissão de parte dos factos julgados como provados, sendo que o arguido só divergiu quando afirma que a arma disparou acidentalmente.

c) A acção do recorrente não atingiu e não provocou qualquer ferimento físico nas vítimas.

d) O passado criminal do arguido, embora com bastantes registos, apenas contém factos qualificados como ofensa à integridade física, ameaças e violência doméstica, sendo uns de 94, outros de 98 e 2001 e a violência doméstica é de 2005, e sendo ilícitos já praticados há algum tempo, em nenhum deles está em causa a vida humana.


3.10. Por estas razões, aceitamos e continuamos a aceitar que as penas parcelares e a pena única posam ser reduzidas e que esta se possa fixar em medida não superior a 5 anos de prisão e que possa ser suspensa na sua execução.

3.11. Porém, se outra for a ponderação feita, quanto ao peso a assumir por estas circunstâncias, na determinação da medida da pena, então o recurso terá que improceder integralmente.

Nestes termos, decidirão V/Exas. o presente recurso, conforme for de inteira Justiça.


4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

4.1. Sobre o objecto do recurso, deveremos desde já assinalar que não seguiremos, por razões sistemáticas a análise das questões pela ordem apresentada pelo recorrente.

4.2. Assim, quanto à questão da solicitada absolvição pela prática de um dos crimes de detenção de arma proibida e quanto ao pedido subsidiário de alteração do acórdão, quando considera existir concurso real de infracções em relação à posse das diversas armas ilegalmente para se defender a existência de concurso aparente de infracções, dir-se-á que acompanhamos a bem fundamentada resposta do Ministério Público na 1a instância nesta parte, no sentido de que, por um lado, os factos se subsumem na prática de dois crimes de detenção ilegal de arma e, por outro, estaremos perante uma situação de concurso aparente de infracções, deste modo, a punir apenas em termos de agravamento da ilicitude, com reflexo na medida da pena, à qual nada mais acrescentaremos.


4.3. Quanto à escolha e medida das penas parcelares aplicadas ao recorrente as mesmas mostram-se devidamente ponderadas desde logo quanto à sua escolha, tendo o tribunal ponderado quer os factos provados a seu favor, quer os factos provados em seu desfavor, de onde ressaltam os inúmeros antecedentes criminais, com várias condenações por crimes contra as pessoas (ex. crimes de ofensa à integridade física, crimes de ameaças e de violência doméstica), a justificar de forma inequívoca a opção pela não aplicação da pena de multa, em relação ao crime de posse de arma.

4.4. Bem assim, quanto à medida das penas concretas parcelares que no que respeita ao crime de homicídio se mostra devidamente ponderada entre os vários factos dados como provados, quer em seu favor, quer em seu desfavor, não tendo sido negligenciada a apreciação do facto de ter havido confissão parcial dos factos e de ter havido reparação dos danos patrimoniais da demandante cível que, regista-se, não é a vítima do crime...

É assim, que sendo a pena aplicável ao crime de homicídio qualificado tentado de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, a pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão se mostra adequada e proporcional, para além do mais, à gravidade dos factos, ao grau de ilicitude dos mesmos, à sua culpabilidade e às razões de prevenção geral e especial que o caso requer.

4.5. Já quanto ao crime de posse de arma proibida a punir em concurso aparente de infracções com uma pena de 1 a 5 anos de prisão, com agravamento da ilicitude, por via do concurso aparente, deverá, a nosso ver, situar-se numa pena não inferior a 20 meses de prisão, a efectivar depois em cúmulo jurídico com a pena anterior.

4.6. Por último, quanto à suscitada nulidade do acórdão por falta de fundamentação, é certo que quanto a esta questão não especifica o recorrente nas conclusões de recurso, em resumo, as razões deste pedido incumprindo, assim, nesta parte o disposto no art.° 412°, n.° 1 do CPP.

4.7. Na verdade, nas conclusões A. e B. para além de enunciar a existência desse (eventual) vício e de citar as normas legais aplicáveis ficamos sem saber onde e em que medida existirá no douto acórdão recorrido tal nulidade, a justificar, nesta parte um convite ao seu aperfeiçoamento, sob pena de rejeição.

4.8. Ressalta, porém, da alegação do recurso que essa eventual falta de motivação dirá respeito à determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 77° do CP.

4.9. Ora, no caso em apreço estamos perante situação em que a decisão é uma só. Isto é, é na mesma decisão que são ponderados os critérios da escolha e das medidas das penas quer as penas concretas quer a pena única, resultante do concurso real existente, sendo que a referida fundamentação mostra-se feita na decisão recorrida.

4.10. Diferente seria, a nosso ver, uma decisão relativa a uma situação de concurso cujo conhecimento ocorreu de forma superveniente e reportada a factos de diferentes decisões judiciais transitadas em julgado.

4.11. Para concluir que, salvo melhor opinião, não se verifica no caso a pontada nulidade de sentença por falta de fundamentação.


4.12. A decidir-se como defendemos, quanto à medida concreta das penas única e da resultante do cúmulo jurídico, não se equacionará a possibilidade legal de aplicação do instituto da suspensão da execução a pena, nos termos do disposto no art.° 50º do CP.


4.13. Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer que o recurso poderá proceder parcialmente, nos termos sobreditos, mantendo-se no mais o douto Acórdão recorrido.


5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.


II


Questões a apreciar:

1. A tipificação como crime da posse, pelo arguido, do chicote e do galho de sobreiro.
2. A existência ou não de concurso aparente entre o crime de detenção de arma proibida da alínea c) (arma de fogo) e o da alínea d) (chicote e galho de sobreiro), ambos do artigo 86º. Nº1, da Lei das armas.
3. A medida concreta das penas parcelares.
4. O cúmulo jurídico ou pena conjunta e nulidade invocada.


III

A decisão recorrida apoia-se nos seguintes factos dados como provados:
A – FACTOS PROVADOS

Da audiência de discussão e julgamento, com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 4 de Dezembro de 2009, ao início da tarde, junto ao Centro de Congressos, sito em Aveiro, o arguido envolveu-se em confronto físico com C..., de 17 anos de idade, devido ao facto deste se ter envolvido em agressões mútuas com o seu filho.
2. Nesse mesmo dia, ao fim da tarde, o arguido esperou a saída do C... do curso de formação que o mesmo frequenta, no referido local, e seguiu o automóvel, marca “Mercedes”, com a matrícula … , propriedade dos pais de D..., com os quais o C... apanhara boleia para casa, na Gafanha da Nazaré.
3. Cerca das 17h15m, quando o veículo com a matrícula … circulava na A25, no sentido Aveiro/Gafanha da Nazaré, tripulado por E..., seguindo no banco traseiro do mesmo o C... e o seu colega D…, o arguido colocou o veículo que conduzia, da marca “Honda”, modelo “Civic”, de cor preta, com a matrícula … , numa posição paralela àquele.
4. Seguidamente, e depois de aberta a janela do lado contrário ao condutor do veículo “Honda”, a arguida B... encostou-se para trás no seu banco e o arguido A..., empunhando uma arma de fogo 6,35 mm, apontou-a na direcção da porta traseira do veículo “Mercedes” e premiu o gatilho, disparando pelo menos um tiro, admitindo poder atingir o C....
5. O projéctil estilhaçou o vidro da janela traseira esquerda do veículo “Mercedes”, e, tendo-se o C... e o D...apercebido do que se estava a passar, baixaram-se rapidamente, assim evitando serem atingidos.
6. No dia 19 de Janeiro de 2010, pelas 10h30m, o arguido tinha guardados na bagageira do veículo automóvel com a matrícula … os seguintes objectos:
- um chicote constituído por material de órgãos genitais de animal bovino, de cor amarela, com o punho revestido em napa de cor preta, com uma pega de 17 cm;
- um galho de sobreiro, com 82 cm de comprimento e 15 cm de diâmetro.
7. Tais objectos pertenciam ao arguido, destinando-se a ser utilizados como armas de agressão.
8. O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma.
9. Os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, representando a possibilidade de atingir o C..., motivados por uma discussão entre ele e o filho do arguido A..., disparando este uma arma de fogo na direcção da cabeça e tronco do mesmo, bem sabendo que naquelas zonas do corpo se alojam órgãos essenciais à vida, e, não obstante, conformaram-se com essa possibilidade, só não tendo atingido o C... por razões estranhas à vontade daqueles.
10. O arguido A..., por sua vez, quis transportar o referido chicote e galho de sobreiro, na bagageira do referido veículo automóvel, bem sabendo que não podia ter em seu poder objectos com aquelas características, destinados a serem utilizados como arma de agressão.
11. O arguido A...quis ainda utilizar a arma de fogo supra referida, o que logrou fazer, sem ser titular de licença de uso e porte de arma que o habilitasse a utilizá-la ou a detê-la, e bem sabendo que não o podia fazer por para tanto não se encontrar habilitado.
12. Ambos os arguidos agiram de forma voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
13. O arguido A... confessou parte dos factos que lhe são imputados.
14. Ressarciu a demandante pelos danos causados com a sua conduta.
15. Já foi julgado e condenado:
. nos autos de processo comum singular n.º174/95 do Tribunal Judicial de Estarreja, em 16.05.96, pela prática, em 15.08.94, de um crime de ofensas corporais simples, na pena de 170 dias de multa à taxa diária de 500$00;
. nos autos de processo comum singular n.º219/96 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, em 13.11.97, pela prática, em 29.09.95, de um crime de favorecimento pessoal na forma tentada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 500$00;
. nos autos de processo comum singular n.º172/97 do 2º Juízo Tribunal Judicial de Estarreja, em 09.06.98, pela prática, em 02.07.96, de um crime de ameaça qualificada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 1.000$00;
. nos autos de processo sumário n.º 10/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, em 14.01.99, pela prática, em 13.01.99, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 200$00;
. nos autos de processo comum singular n.º 86/00 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, em 13.06.01, pela prática, em 13.01.99, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 3 anos subordinada ao dever de pagamento da indemnização devida ao assistente no prazo de 3 meses;
. nos autos de processo abreviado n.º 166/00 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, em 13.11.2002, pela prática, em 25.03.2002, de um crime de desobediência e um crime de desobediência qualificada, nas penas parcelares de 10 meses de prisão e 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses;
. nos autos de processo comum colectivo n.º 162/99.8GCETR do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, em 03.04.2003, pela prática, em 24.10.2001, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e em 09.04.99, de um crime de desobediência qualificada e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 1 ano de prisão e 3 anos de cassação da licença de condução;
. nos autos de processo comum singular n.º 157/02.6GCETR do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, em 03.02.2005, pela prática, em 07.04.2002, de um crime de maus tratos de cônjuge ou análogo, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses;
. nos autos de processo comum colectivo n.º 480/04.5TAMTS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, em 10.12.2007, pela prática, em 03.02.2004, de um crime de ameaça, na pena de 7 meses de prisão suspensa por 3 anos com condição de pagamento da indemnização devida no prazo de 2 meses.
16. A arguida B... não tem antecedentes criminais.
17. O arguido A... é divorciado e exerce a actividade de comerciante de peixe.
18. É o segundo filho de um total de três irmãos, frequentou a escola até aos 14 anos, tendo logo iniciado a sua vida profissional como sapateiro, posteriormente como padeiro, depois numa fábrica de móveis, vindo mais tarde a especializar-se como operador de máquinas para automóveis.
19. Casou-se aos 20 anos, tendo um filho de 19 anos proveniente dessa relação, vindo entretanto a separar-se e a encetar uma outra união marital entretanto também terminada em 2010.
20. À data dos factos, o arguido vivia em casa dos pais e exercia, como actualmente, actividade no comércio de peixe, negócio familiar levado a cabo juntamente com o pai e irmão, mantendo uma situação económica estável.
21. A arguida B... é divorciada e doméstica.
22. Faz parte de um conjunto de quatro irmãos, de uma família de estrato sócio económico modesto, concluiu o 4º ano de escolaridade e iniciou trabalho de lavoura durante a adolescência, tendo crescido sem acompanhamento da figura paterna.
23. Tem duas filhas, uma com 26 anos, proveniente de uma união de facto, e que foi cuidada pelos avós após a separação da arguida, e uma com 15 anos, proveniente de uma posterior relação, também entregue aos cuidados da avó materna e a ser acompanhada pela Comissão de Protecção de Menores de Vagos e pela psicóloga escolar.
24. Iniciou uma relação com o arguido A...em 2007, com quem viveu em Ovar, tendo-se separado em Julho deste ano e passado a viver em casa da mãe, com esta, a filha mais nova e um sobrinho, tendo, contudo, mantido contactos com aquele após a separação e também depois de ter sido preso, pese embora manifeste sentimentos de receio relativamente ao mesmo.
25. A arguida é referenciada como sendo uma pessoa instável, sobretudo no que respeita a relacionamentos afectivos, sendo um elemento perturbador do funcionamento familiar, gerando momentos de ansiedade e preocupação, principalmente da progenitora para com a neta.
26. É referenciada como uma pessoa sem hábitos de trabalho, vivendo com a ajuda da pensão de que a progenitora beneficia, de cerca de € 240,00, e do abono da menor, de € 40,00.

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B – FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, resultou não provado que os arguidos queriam atingir o C..., agindo com esse intento.
IV
Cumpre decidir:
1ª Questão: a tipificação como crime da posse, pelo arguido, do chicote e do galho de sobreiro.
1. Sobre esta matéria alega o recorrente – v. conclusões C) e D) – que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de considerar integrado um dos elementos típicos do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.° do Regime Jurídico das Armas e suas Munições — a falta de justificação de posse.
Mais alega que da acusação também já não constava qualquer referência a esse elemento típico, pelo que face à vinculação temática, a consequência que deve ser retirada da invocada insuficiência da matéria de facto provada não é a declaração do vício referido na alínea a) do n.° 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mas sim a absolvição do recorrente do crime em questão.
2. O art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na actual redacção dada pela lei nº 17/2009, de 6 de Maio sob a epígrafe “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, dispõe efectivamente que:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:

d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse (…) é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

Perante esta redacção, não é difícil concluir que a não justificação da posse destas armas pelo seu portador é um elemento integrante do tipo deste crime.

Como se afirma no ac. TRC de 30.6.2010 proferido no processo nº 1229/08.9GBAGD.C1 – consultável na base de dados do ITIJ -, “este requisito legal « o seu portador não justifique a sua posse», para uma arma como aquela transportada pelo arguido, não é um mero elemento retórico, assim não disponível como uma mera fórmula mais ou menos utilizável de acordo com uma geometria variável, ou que se possa inferir de outros factos que não aludam à utilização efectiva ou potencial da arma ou instrumento. Das duas uma : ou a posse de tal arma tem uma aplicação e justificação concreta, e então não há crime, ou o seu portador não consegue justificar a posse, e assim há crime. São elementos constitutivos do tipo objectivo do crime em análise a detenção, uso e posse de armas proibidas fora das condições legais ou em contrário das prescrições das autoridades competentes. O crime de detenção de arma proibida é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas”.

Pelo que, faltando de todo a alegação e consequente prova daquele requisito – posse não justificada -, não se poderá falar na existência de qualquer crime para estas armas em concreto.
Todavia, este elemento típico pode constar da acusação e dos factos provados sob uma alegação ou referência não coincidente em termos exactos com aquela expressão legal. Ou seja, o que interessa e releva é que da acusação conste qualquer alegação que indicie e sobretudo demonstre que a posse das “armas” pelo arguido não é legítima, que essa posse não está justificada face ao uso que normalmente é dado a tais “armas”, pelo arguido ou por qualquer outra pessoa. Veja-se o exemplo de um taco de golfe quando transportado por um jogador desta modalidade desportiva quando se dirige ou regressa da sua prática. Não só o concreto objecto “taco” tem uma aplicação definida como o seu possuidor lhe está a dar essa aplicação. O que significa que esta posse não constitui qualquer crime.
Mas outra pessoa, um terceiro, não praticante deste desporto, transporta consigo o mesmo taco de golfe. Pode este possuidor justificar que o seu transporte se deve a qualquer motivo aceitável, como seja o de estar a fazer um favor a um amigo ou familiar em transportar esse taco, para o exercício da actividade ou para casa do mesmo. Com certeza que não se está perante qualquer crime. Ou pode acontecer que este possuidor transporta o taco e não tem ou apresenta qualquer justificação plausível para o seu transporte. E então esta posse poderá integrar este crime. Exigível é, no entanto, que se alegue que o agente não tem ou apresenta qualquer justificação para ter na sua posse o dito taco.
Regressando ao caso dos autos, se é certo que da acusação não consta “ipsis verbis” esta expressão de que “o seu portador não justificou a sua posse”, consta no entanto que “tais objectos pertenciam ao arguido, destinando-se a ser utilizados como arma de agressão”.
Por sua vez, da matéria de facto provada consta que “ o arguido A..., por sua vez, quis transportar o referido chicote e galho de sobreiro, na bagageira do referido veículo automóvel, bem sabendo que não podia ter em seu poder objectos com aquelas características, destinados a serem utilizados como arma de agressão.

Ora, esta expressão ou forma de alegação, é inequívoca quanto à utilidade, à aplicação, à justificação ou finalidade da posse dos objectos ou “armas”, pelo arguido recorrente: o mesmo tinha tais armas para delas fazer uso como “arma de agressão”.
Se esta finalidade é inequívoca, então está mais que não justificada a sua posse. A justificação da posse a que se refere o legislador visa precisamente outra finalidade que não a sua utilização como arma de agressão. Se assim for, ou seja, se a posse estiver justificada, não existirá crime. Mas se essa posse visar exactamente a sua utilização como “arma de agressão”, então a posse já constituirá indubitavelmente o dito crime.
Voltando agora ao exemplo do taco de golfe, se o possuidor não praticante daquela modalidade o transportar para o utilizar como arma de agressão e esta alegação e prova resultar inequívoca, com certeza que seria redundante estar a exigir-se ainda e indagar se a sua posse estava ou não justificada. Pode mesmo afirmar-se que a concretização da utilização ou finalidade da arma mais não é do que a concretização da expressão da “posse não justificada” ou, dito de outro modo, a expressão de “justificar ou não justificar a posse da arma” encerra em si mesmo um conceito de direito. Mas sabendo-se ou sendo conhecido o fim ou a utilização que se pretende dar a determinada arma, é possível concluir-se se a sua posse é legítima ou se se encontra justificada ou não.
E, manifestamente, no caso dos autos, a posse destas armas pelo arguido recorrente, não estava justificada, pelo que integra a mesma a previsão daquela disposição legal reproduzida supra.

2ª Questão: a existência ou não de concurso aparente entre o crime de detenção de arma proibida da alínea c) (arma de fogo) e o da alínea d) (chicote e galho de sobreiro), ambos do artigo 86º, nº1, da Lei das armas.

1. Diz o recorrente na sua conclusão F) que, havendo unidade resolutiva criminosa e identidade do bem jurídico protegido, e sendo irrelevante que se trate de armas de diversa natureza, deve o recorrente ser condenado por um crime de detenção de arma proibida do artigo 86.°, n.° 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, em concurso aparente (especialidade), com o da alínea d) do mesmo artigo (revogando-se nessa parte o acórdão recorrido, que, ao decidir por um concurso efectivo entre esses dois crimes, violou essas normas e a do artigo 30.°, n.° 1, do Código Penal).

2. Assiste razão ao recorrente, nesta parte.
A este propósito, diz o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, fls. 992, § 1:
“Da circunstância de a um concreto comportamento ser em abstracto aplicável uma pluralidade de normas incriminadoras não pode concluir-se sem mais estarmos perante um concurso de factos puníveis. Importa, antes de tudo, determinar se as normas abstractamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico-jurídica tal (numa relação poderia dizer-se de “lógica hierárquica”) que, em verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que à luz da(s) norma(s) prevalecente(s) se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global”.

Numa breve análise ao teor do artigo 86º, da Lei das Armas, facilmente se constata que existe nas alíneas do seu nº1, uma decrescente gravidade no designado “tipo de arma” ou características, partindo-se das armas mais graves, como armas militares, armas de guerra (alínea a)), passando por armas biológicas e químicas - alínea b) – armas das classes B, B1… como é o caso da pistola usada pelo arguido – alínea c) -, terminando pelas armas brancas, aerossóis e outros objectos como é o caso do chicote e do galho de sobreiro, dos presentes autos – alínea c).
Esta decrescente gravidade da natureza da arma é acompanhada de uma decrescente moldura penal, de tal modo que a pena na aliena a) é de 2 a 8 anos de prisão enquanto que a da alínea d) é apenas de prisão até 4 anos ou multa até 480 dias.
Mas em todas as alíneas, pese embora as diferentes características das armas, o bem jurídico protegido é o mesmo.
Ora, a par da unidade resolutiva criminosa a identidade do bem jurídico protegido é efectivamente um critério relevante para aferir da eventual unidade ou pluralidade de crimes – v. Fig. Dias in obra cit., fls. 1015.
Conforme a matéria de facto provada, temos em causa dois tipos de arma, integrando-se uma delas na previsão da alínea c) e duas delas na alínea d), do citado artigo 86º.
Tendo em conta que o bem jurídico protegido é de facto o mesmo, em ambas as alíneas, divergindo apenas a categoria ou natureza da arma em causa, não podemos deixar de concordar com a pretensão do recorrente de que existe apenas um crime, punível, no caso, segundo a disposição mais grave, da alínea c) – mesmo autor e obra, a fls. 1037. Situação em que as “outras” armas, integrantes da previsão da aliena d), funcionarão como meras agravantes na determinação da medida concreta da pena. Neste sentido v. ac. do STJ de 26.10.2011 proferido no proc. nº 1112/09.0SGLSB.L2:S1, onde se afirma:
“Embora o arguido tenha sido condenado apenas por um único crime de detenção de arma proibida, a detenção de uma pluralidade de armas proibidas não pode deixar de ser considerada, em termos de agravamento da ilicitude e consequentemente na medida da pena. É de atender, porém, ao facto de se tratar de armas artesanais, construídas pelo arguido”.

3ª Questão: a medida concreta das penas parcelares.
1. Diz o recorrente que as penas parcelares e única aplicadas ao recorrente são excessivas e desproporcionadas.
Que o tribunal a quo conferiu um peso muito agravativo à circunstância de o recorrente ter antecedentes criminais, olvidando que todos esses crimes anteriores reportam-se a factos praticados há bastantes anos atrás e que nenhum deles é por detenção de arma proibida.
Que o tribunal a quo ou não valorou devida e suficientemente, ou não valorou de todo, diversas circunstâncias que depõem a favor do recorrente, a saber: 1) beneficia de inserção familiar, profissional e social; 2) ressarciu a demandante dos danos causados; 3) confessou a maior parte dos factos, com relevo para a descoberta da verdade; 4) no crime de homicídio qualificado tentado agiu com a forma de dolo menos intensa e motivado pelo facto de o ofendido se ter envolvido em agressões mútuas com o seu filho; 5) o grau de ilicitude do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.° é reduzido por estar unicamente em causa, em termos de modalidade da acção, a detenção das armas e não o uso; 6) o crime de detenção de arma proibida da alínea c) do n.° 1 do artigo 86.° acabou por ser instrumental da tentativa de homicídio — o que deve relevar na formação da pena única.
Que devem ser aplicadas ao recorrente penas únicas de prisão em medidas nunca superiores às seguintes:
a) Quatro anos e quatro meses, em caso de procedência do pedido de absolvição do crime de detenção de arma proibida da alínea d) do n.° 1 do artigo 86.°;
b) Quatro anos e seis meses, em caso de não procedência desse pedido e de procedência do pedido de condenação por um crime de detenção de arma proibida da alínea t) do n.° 1 do artigo 86.°, em concurso aparente com o da alínea d) do mesmo artigo;
c) Quatro anos e oito meses, em caso de não procedência de nenhum desses pedidos.
E por se mostrarem preenchidos os pressupostos formais e materiais estabelecidos no artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal, deve ser declarada suspensa na sua execução a pena única que vier a ser aplicada ao recorrente.

2. O tribunal a quo fundamentou a medida das penas parcelares do seguinte modo:
O Código Penal traça u m sistema punitivo que arranca do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Do regime legal subjacente ao Código Penal resulta que o critério de escolha da pena e a determinação da respectiva medida - 70º e 71º do C. Penal -, se valida no princípio de que o legislador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Princípio este que significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar a cada crime concreto, ou seja, a culpa é o pressuposto de validade e o limite da pena em relação a cada crime. Nas palavras de Figueiredo Dias - in “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, M.J., Lx., p. 78 - “A culpa (…) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial.” Como bem refere Gonçalves da Costa - in “A parte geral no projecto de reforma do Código Penal Português”, RPCC, III - a culpa normativo-concreta, pelo facto e pela personalidade, nele reflectida é, em nome da dignidade da pessoa humana, pressuposto - não há pena sem culpa - e limite da pena, cuja medida se determina em função das exigências de prevenção geral - protecção de bens jurídicos -, e especial - reintegração do agente na sociedade.
Formulado que ficou o juízo de culpabilidade do arguido, cumpre agora apreciar a censurabilidade jurídico-penal que lhe está inerente e determinar a respectiva pena.
Para tal concretização, há que ter em conta o preceituado no art.º 40º do C. Penal, de onde se extrai, como finalidades das penas, a protecção dos bens jurídicos violados, por um lado, e a reintegração do agente na sociedade, por outro, sendo a culpa o fundamento para a concretização da pena que, em caso algum pode ultrapassar a medida daquela.
Cumpre, neste momento, portanto, estabelecer a medida concreta da pena dentro dos limites abstractos definidos na lei, cuja determinação é realizável em função da culpa, das exigências de prevenção e – nos termos do art.º 71º, n.º2, do C. Penal – de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
In casu, relativamente às exigências de prevenção geral temos as mesmas por elevadas, tanto no que concerne ao crime de detenção de arma proibida como no que respeita ao crime de homicídio, na forma tentada, uma vez que tais situações vêm acontecendo, em número crescente, na nossa comunidade, cada vez mais as pessoas detendo, trazendo consigo e utilizando armas, com as mais variadas características, de forma indiscriminada, conscientes das capacidades letais das mesmas, potenciadoras de crimes contra a liberdade, integridade física e até a vida das pessoas, bem supremo a salvaguardar e tantas vezes tratado como qualquer coisa sem importância, como, aliás, aconteceu no caso em apreço.
No que respeita às exigências de prevenção especial, ambos os arguidos se encontram perfeitamente integrados, quer familiar, quer socialmente, sendo ainda o arguido A...a nível profissional, o que já não se pode dizer relativamente à arguida B..., a qual não tem qualquer emprego e não lhe é conhecida qualquer ocupação. Por outro lado, esta arguida é primária mas facilmente influenciável para o cometimento de um crime como o que aqui se verificou, tendo, aliás, dado um contributo importante para o seu cometimento, O arguido A..., por seu turno, tem já um imenso rol de condenações pela prática de ilícitos penais, o que é bem evidenciador da sua personalidade avessa ao direito, às normas instituídas e ao respeito pelos demais, manifestando especial propensão para a sua reiteração. Isto posto, temos, portanto, que as exigências de prevenção especial em relação à arguida B... se têm por médias, e em relação ao arguido A...por muito elevadas.
O dolo que presidiu à conduta de ambos os arguidos no que respeita ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, mostra-se eventual, na medida em que agiram prevendo a possibilidade de vir a provocar a morte do C... e, não obstante, conformaram-se com tal possibilidade; já o que presidiu à conduta do arguido A...no que concerne ao crime de detenção de arma proibida este é directo na medida em que agiu livre, voluntária e conscientemente ao utilizar a aludida arma, e ao deter os identificados objectos, para cuja detenção, uso e porte, bem sabia ser necessária licença a emitir pela autoridade competente, de que não era titular, mais tendo perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
A favor do arguido A...depõem:
. A confissão, ainda que parcial, dos factos e seu esclarecimento em audiência de julgamento.
. O facto de ter agido motivado pela contenda anteriormente existente entre o C... e o seu filho (o que, de todo, justifica a sua conduta).
. O facto de se encontrar perfeitamente inserido familiar, social e profissionalmente.
. O ressarcimento dos danos causados.
Contra o arguido A...depõem:
. A existência de antecedentes criminais, em número considerável, ao longo de anos, e de natureza diversa, com alguma propensão para o cometimento de crimes contra as pessoas (vide, por exemplo, as condenações por ofensas à integridade física)
. A culpa com que agiu, na forma de dolo, directo, quanto ao crime de detenção de arma proibida, e eventual, quanto ao crime de homicídio, na forma tentada.
. A manifesta desproporção com que actuou, em ambos os crimes, quer ao deter consigo aqueles objectos susceptíveis de ser utilizados como meios de agressão, quer ao usar e disparar a arma que trazia no veículo, consciente da capacidade letal da mesma, em circunstâncias que podiam trazer e trouxeram perigo para as pessoas que se encontravam no local.
. Os danos causados no veículo de quem não tinha qualquer intervenção na contenda existente.
. A gravidade da conduta levada a cabo, podendo, ter provocado um acidente, já que ambos os carros se encontravam em circulação, ou mesmo atingir, para além do visado, qualquer outra pessoa que não aquele, totalmente alheia à situação.

3. De um modo geral, as regras e parâmetros definidos pelo tribunal a quo mostram-se correctos.
Com efeito, o grau de culpa e ilicitude quanto ao crime de detenção de arma proibida afiguram-se acentuados. Como acentuadas são as exigências de prevenção geral e especial. Reconhecendo-se que, quanto ao crime de tentativa de homicídio a culpa se afigure menor (em comparação com o crime de arma proibida), dada a modalidade de dolo eventual.
Quanto à prevenção geral, sabe-se que a violência perpetrada com armas, designadamente com armas de fogo, tem merecido redobrados cuidados legislativos exactamente porque a prática de crimes utilizando as referidas armas tem proliferado e causa perturbação na tranquilidade e segurança da comunidade. Daí a recente alteração da Lei das armas.
No que respeita à prevenção especial, basta olhar para os antecedentes criminais do arguido para se ficar com um retrato da sua última década: já foi condenado pela prática de vários delitos e, dentro desses crimes Pois segundo o seu certificado de registo criminal, existem outros, conforme teor do factualismo dado como provado., os seguintes que se relacionam com bens jurídicos de natureza mais pessoal, contra a integridade física ou liberdade das pessoas:
- em 16.05.96, de um crime de ofensas corporais simples;
- em 09.06.98, de um crime de ameaça qualificada;
- em 13.06.01, de um crime de ofensa à integridade física simples - na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 3 anos;
- em 03.02.2005, de um crime de maus tratos de cônjuge ou análogo - na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses;
- em 10.12.2007, de um crime de ameaça - na pena de 7 meses de prisão suspensa por 3 anos.
Ou seja, todo o comportamento do arguido se tem orientado para a prática, com alguma regularidade, de vários de crimes contra as pessoas.
Dizer, como pretende o recorrente, que o mesmo se encontra familiar e profissionalmente integrado para justificar a aplicação de uma pena mais leve, não colhe na medida em que, até ao momento, essa “integração” não foi inibidora da prática de sucessivos crimes.
Do mesmo modo que a pretendida atenuante do “arrependimento” não tem reflexos na sua conduta nem anterior nem contemporânea da prática destes factos. Não basta afirmar o arrependimento. Este deve ser praticado. E pratica-se com a não prática de crimes. O que não tem acontecido com o arguido. Se efectivamente o arguido mostra arrependimento, deve mostrá-lo na sua conduta futura, não voltando a delinquir.
Acresce que este arrependimento merece uma leitura “restritiva” ainda pelo facto de o recorrente só parcialmente ter “confessado” os factos. Pois que, se o mesmo afirma que não teve intenção de disparar a arma, que o disparo foi ocasional, não se compreende qual é a natureza do seu arrependimento.
Esta versão dos factos que não teve acolhimento pelo Tribunal a quo, revela outrossim um não assumir da sua efectiva responsabilidade, pretendendo desculpabilizar-se com argumentos alheios ao arguido.
Quanto ao facto de ter indemnizado já as vítimas, com certeza que é um gesto positivo mas que emerge de uma obrigação legal. Se o não fizesse voluntariamente teria que o fazer coercivamente – desde que fosse condenado.
Finalmente, quanto ao concreto crime da tentativa de homicídio, o facto de não ter atingido a vítima, é positivo para esta, que não sofreu qualquer ofensa mas em nada diminui o grau de culpa do arguido pois este acto não foi desejado pelo recorrente. A sua culpa, neste aspecto, mantém-se intacta. E se porventura os efeitos ou resultado para a integridade física da vítima fosse mais gravoso, poderia justificar-se uma pena mais elevada na moldura abstracta de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão.
Pelo que, dentro da moldura penal abstracta referida e sopesando todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos, nunca olvidando as fortes exigências de prevenção (geral e especial), afigura-se-nos que a pena aplicada se encontra equilibrada e proporcionada, não se justificando a sua alteração/atenuação.

4. No que respeita ao crime de detenção de arma proibida, cumpre dizer o seguinte:
Face ao concurso aparente de crimes, será o arguido condenado apenas por um crime, o previsto pela alínea c), do artigo 86º, da Lei das Armas, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão – uma vez que está posta de lado a sua punição apenas com multa.
Em primeira instância foi o arguido condenado apenas quanto à arma de fogo, na pena de 18 meses de prisão.
Como já se anotou, sendo o arguido condenado apenas por um crime quanto a todas as armas que tinha na sua posse, a gravidade global da conduta resultante exactamente pelo número de armas, aumenta.
Existe, no entanto, um bloqueio legal a que se possa alterar, para mais, esta pena, de acordo com o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, consagrado no artigo 409º, do CPP.
Princípio que vigora na concreta situação de “desagravamento da qualificação jurídica dos factos” – v. ac. do STJ de 29.4.2003, in SASTJ nº 70, 66, referenciado por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, fls. 1047.
Deve assim manter-se, pois, para este crime, a pena de 18 meses de prisão, pois que, se se mostra “proibida” a sua agravação, também não existem fundamentos para a sua diminuição.

4ª Questão: o cúmulo jurídico ou pena conjunta, a nulidade invocada.
1. A concreta questão da nulidade por falta de fundamentação da pena conjunta mostra-se prejudicada na medida em que, face à diferente qualificação jurídica dos factos quanto à posse das armas, passando-se de dois crimes para apenas um, fica sem efeito o cúmulo jurídico efectuado na primeira instância sendo necessário reformular, oficiosamente, este cúmulo jurídico de penas.
2. O cúmulo jurídico:

Sendo duas as penas parcelares, de 18 meses e de 5 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, surge a exigência da realização do cúmulo jurídico ditada pelo artigo 77º, nº 1, do Código Penal, ao dispor que “ quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”. Delimitados os crimes e penas que integram o cúmulo jurídico, preceitua o artigo 77º, nº 1, in fine, do Código Penal que, na opção da medida da pena única devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


Os factos e a personalidade do agente são as duas faces do binómio que devem fundamentar e determinar a medida exacta da pena conjunta a aplicar ao recorrente.

É assim que Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 291, entende que, para além dos critérios gerais de determinação da medida da pena contidos actualmente no artigo 71º do CP, é estabelecido este critério especial O critério do artigo 77º, do CP..
E afirma, na mesma pág. 291, § 42, depois de deixar expresso que a determinação da pena conjunta será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção:
Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”.
2.1. Que factos serão ou devem ser estes a que se refere o artigo 77º, nº 1, do Código Penal?
Seguramente, desde logo, os factos apurados e provados que determinaram a condenação do recorrente em cada uma das penas parcelares objecto do cúmulo jurídico. Aí cabendo a concreta conduta do agente, o seu modo de actuar, de agir, o dolo com que praticou os factos, a sua postura perante os mesmos, de arrependimento ou indiferença, de confissão ou negação, motivação, resultados do crime, indemnização das vítimas, enfim, todo o circunstancialismo que, de algum modo contribua e permita a dita avaliação da gravidade global dos ilícitos. Que será o resultado da conexão que deve ser estabelecida entre todos os factos concorrentes.
E também com os factos que, no momento do julgamento, possam ser recolhidos, nomeadamente pelos relatórios efectuados ou quaisquer perícias à personalidade do arguido, que habilitem o tribunal a melhor conhecer a personalidade deste, mais uma vez estabelecendo uma conexão entre os factos praticados e integradores dos diferentes ilícitos cometidos e a dita personalidade.
Como se diz no ac. do TRP de 14.9.2011, proferido no proc. nº 5829/04.8TDPRT.P1:
“A uma visão parcelada inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a perceber a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade do agente espelhada na globalidade dos factos praticados.
Do que agora se trata é de ver os factos na sua relação uns com os outros, de modo a dar conta da possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles ("conexão autoris causa"), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a "culpa pelos factos em relação", a que se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/05 ("A Pena "Unitária" Do Concurso De Crimes", RPCC, Ano 16, nº 1, p. 162 e ss.)”.

2.2. Para a realização de um cúmulo jurídico, basta que existam pelo menos duas penas parcelares que o justifiquem. Que tanto podem resultar de um único processo em que o arguido seja condenado como podem resultar de processos diferentes.
Neste caso, as penas parcelares resultam deste processo. Com a vantagem de os autos fornecerem uma ideia geral e global da toda a conduta anterior do arguido, a sua inserção familiar e profissional e a sua personalidade que aponta, pelo menos até ao momento, para uma tendência pela prática de crimes e, sobretudo, de crimes contra as pessoas – tendência que está na disponibilidade do arguido inverter, querendo, aqui se reflectindo o seu afirmado arrependimento.
Pelo que, as circunstâncias referenciadas para a determinação da medida das penas parcelares, valem aqui para a determinação da pena conjunta. Deve valorar-se a culpa global e as exigências de prevenção.
Não esquecendo ainda que, embora se esteja perante bens jurídicos diferentes relativamente a cada um dos crimes, no que respeita ao concreto uso da arma de fogo, esta foi usada para a prática do crime tentado de homicídio.
Por todo o exposto, mostra-se adequada uma pena conjunta de 6 anos de prisão.
Face a esta pena, arredada está a eventual ponderação da suspensão da sua execução. Sempre se adiantando que, para este Tribunal, uma eventual pena dentro do limite legal de cinco anos não se traduziria numa possibilidade séria de prognose favorável a uma suspensão da execução, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido que, se se reflectiram na determinação das penas parcelares, com maior acuidade se reflectiriam na apreciação da suspensão da pena mas sobretudo também pela natureza dos bens jurídicos protegidos, maxime o do direito à Vida. Sempre as expectativas comunitárias no funcionamento das instituições – Tribunal -, exigiriam que se tratasse de uma pena efectiva, tanto mais que ao arguido recorrente foram aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, de menor gravidade sem que tal suspensão produzisse, na sua conduta, os efeitos desejáveis e pretendidos.

V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente:
1. Condena-se o arguido A... pela prática, em autoria material, de apenas um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º86º, n.º1, alínea c), na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
2. Efectuando-se o cúmulo jurídico das duas penas parcelares de 5 anos e 6 meses de prisão e de 18 meses de prisão, respectivamente, condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
4. Nega-se provimento às demais questões suscitadas no recurso.

Sem custas.

Luís Teixeira (Relator)
Calvário Antunes