1. - A acção para obtenção de alimentos proposta por filho maior que ainda não haja completado a sua formação profissional, não reclama a demanda dos dois progenitores, não se configurando situação de litisconsórcio necessário passivo.
2. - A obrigação de prestação de alimentos ao filho menor não se extingue automaticamente com a maioridade deste, subsistindo essa obrigação se o filho ao atingir a maioridade ainda não completou a sua formação profissional e pelo tempo razoável para que esta seja completada.
3. - A determinação da prestação de alimentos e a fixação da sua medida, far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.
I.RELATÓRIO
1.D (…), solteiro, estudante, residente na Rua (...) , Viseu propôs na Conservatória do Registo Civil de Viseu, nos termos do D.L. nº 272/2001 de 13/10, acção de alimentos a filho maior contra o seu pai, J (…) divorciado, com domicílio profissional na Rua (...) , Viseu, com os fundamentos seguintes:
O requerente é filho do requerido. Atingiu a maioridade em 16 de Agosto de 2010.
O requerido vinha-lhe pagando, enquanto menor, uma prestação de alimentos, que se cifrava, no momento em que o requerente atingiu os 18 anos, em €116,00. Quando, porém, o requerente atingiu a maioridade o pai deixou de lhe pagar a prestação de alimentos.
O requerente é estudante e frequenta o 12º ano do Curso Profissional de Contabilidade e Gestão, na Escola (...) . Tem bom aproveitamento escolar e pretende prosseguir com os estudos.
Tem despesas mensais com livros, alimentação, vestuário e transportes na ordem dos €150,00.
Tem ainda outras despesas em virtude de problemas de saúde de que padece. A mãe recebe apenas €320,00 por mês do rendimento social de inserção.
Pede que o requerido seja condenado a pagar-lhe uma prestação de alimentos no valor mensal de €150,00, com início em 01.03.2011, e que a mesma seja anualmente actualizada até à data da conclusão da sua formação.
O requerido deduziu oposição, conforme consta de fls. 37 e seguintes.
Invocou, em primeiro lugar, a preterição de litisconsórcio necessário, por entender que ambos os progenitores deveriam figurar do lado passivo da acção.
Alegou que o seu único rendimento disponível é o seu salário que é equivalente ao salário mínimo nacional, mais subsídio de alimentação.
Acrescenta que vive num quarto arrendado, pelo qual paga uma renda mensal de €100,00. Gasta com alimentação e produtos de higiene pessoal €350,00. De água e luz paga mensalmente €20,00. Gasta cerca de €20,00 mensais com despesas de saúde.
Conclui que não tem condições para proporcionar alimentos ao filho sem comprometer a sua subsistência.
Foi realizada tentativa de conciliação a qual resultou infrutífera - cfr. fls. 71.
As partes foram notificadas para alegarem e juntarem meios de prova e, de seguida, foi o processo remetido para tribunal.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e seguidamente foi proferida sentença que, após fixar a matéria de facto julgada provada, julgou a acção parcialmente procedente, decidindo:
“ - Declarar o requerido J (…) obrigado a prestar alimentos ao seu filho e ora requerente, D (…) até ao fim do período normal para a conclusão da sua formação profissional e escolar.
- Fixar a prestação de alimentos em €120 (cento e vinte euros) mensais, os quais deverão ser pagos ao requerente através de transferência bancária, cheque ou vale postal, até ao dia 8 do mês a que disserem respeito”.
2. Não se conformando com tal decisão, dela veio o Réu interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“I - A acção de alimentos a filho maior deve ser proposta contra ambos os progenitores, pelo que, a excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário alegada pelo recorrente deve ser julgada procedente e, por consequência, absolvido da instância, tendo o tribunal a quo feito uma incorrecta interpretação do que vem disposto no artigo 28º do CPC.
II - As regras de experiência comum mostram-nos que quem, como o recorrente aufere apenas um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional e vive da forma como o recorrente vive, da qual o tribunal a quo parece ter ficado suficientemente elucidado atenta a factualidade considerada provada, e suporta todas as despesas alegadas e provadas apenas com tal rendimento, não consegue no fim do mês ter qualquer rendimento sobrante ou disponível.
III - O recorrente, não tendo qualquer outro rendimento para além do respectivo salário, não possui recursos económicos suficientes que lhe permitam continuar a prestar uma pensão de alimentos ao requerente.
IV - Os alimentos terão de ser proporcionais aos meios daquele que houver de os prestar e à necessidade daquele que houver de recebê-los, sem prejuízo da possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, que no caso se verifica atentas a sua maioridade e capacidade laboral.
V - A obrigação de alimentos a filhos maiores ou emancipados mantém-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, o que não se verifica no caso dos autos quanto ao aqui recorrente.
VI - O tribunal a quo apurou que o requerente “tem despesas mensais com livros, alimentação, vestuário e transportes na ordem dos € 150” (vide ponto 7 dos factos provados), que o recorrente tem como única fonte de rendimento o respectivo salário mínimo nacional (vide ponto 14 dos factos provados) e que a mãe daquele recebe € 320,00 por mês (vide ponto 13 dos factos provados), pelo que, não nos parece uma decisão equitativa que o recorrente tenha que suportar € 120,00 dos referidos € 150,00.
VII - Em face da factualidade dada como provada nos autos, designadamente no que respeita às receitas e despesas do recorrente, impõe-se concluir que o este não tem meios suficientes para continuar a prestar alimentos ao requerente ou, pelo menos, uma pensão de alimentos tão elevada, porquanto manifestamente desproporcional às suas reais capacidades para a prestar, sob pena de se colocar em causa a sua própria subsistência, sendo, portanto, desrazoável exigir-lhe o seu cumprimento. Uma decisão contrária não se mostra conveniente nem equitativa.
VIII - Salvo melhor opinião, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação das disposições conjugadas dos artigos 1880º, 2003º, 2004º, 2013º, nº 1, alínea b), todos os Código Civil, pois, da subsunção dos factos alegados e provados pelo recorrente ao direito aplicável, deveria ter-se concluído pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do recorrente do pedido.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas. Justiça!”.
O recorrido contra–alegou, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, que o balizam e delimitam, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- Se se verifica a excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário;
- Se o apelante deve suportar uma prestação de alimentos a favor do seu filho maior, o ora apelado, e, na afirmativa, a sua medida.
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
São os seguintes os factos relevantes à decisão da causa dados como provados na primeira instância:
1. O requerente D (…) nasceu no dia 16 de Agosto de 1992. .
2. O requerente é filho do requerido e de M (…).
3. O requerido tinha vindo a pagar ao requerente a importância de €116,00 até Dezembro de 2009 e que passou a ser de €119,00 a partir de Janeiro de 2010, devido às legais actualizações, a título de prestação de alimentos.
4. O requerido deixou de proceder ao pagamento dos alimentos ao requerido desde Outubro de 2010 por este ter atingido a maioridade.
5. O requerente é estudante e frequenta o 12º ano do Curso Profissional de Contabilidade e Gestão, na Escola (...) , em Viseu.
6. O requerente tem bom aproveitamento escolar e pretende prosseguir com os estudos.
7. Tem despesas mensais com livros, alimentação, vestuário e transportes na ordem dos € 150,00.
8. O requerente vive com a mãe e o irmão mais velho.
9. O requerente sofre de diversas doenças, nomeadamente a doença de Hodkin/encefalite, sendo portador de dificuldades cognitivas, de comportamento e agitação psicomotora.
10. Necessita, por isso, de vigilância de um adulto.
11. O requerente[3] usa fralda diária, tem de ser aspirado os pulmões diariamente em virtude de patologias agudas do foro respiratório.
12. A mãe do requerente suporta diversas despesas para debelar os problemas de saúde de que padece o requerente.
13. A mãe recebe apenas €320,00 por mês do rendimento social de inserção.
14. O requerido é servente da construção civil e aufere o equivalente ao salário mínimo nacional mais subsídio de refeição. Em Janeiro de 2011 recebeu a quantia de €485 relativo à retribuição base mais €127,73 relativo a subsídio de refeição. Em Fevereiro de 2011 recebeu a quantia de €404,25 relativo à retribuição base mais €114,14 relativo a subsídio de refeição.
15. O requerido vive num quarto arrendado, o qual apenas tem serventia de casa de banho, pagando €100,00 de renda por mês.
16. O requerido adquire os almoços e os jantares na "Casa (...) " pagando €170 por mês relativamente a 20 diárias.
17. Adquire outros alimentos para os pequenos-almoços e outras refeições, bem como produtos de higiene pessoal, gastando quantia não concretamente apurada, mas não inferior a €100.
18. Conta com a ajuda da sua cunhada para fazer a limpeza ao quarto e lavar a roupa.
19. É, por vezes, ajudado por vizinhos e amigos que lhe dão vestuário.
20. De água e luz paga em média €20,00, e com despesas de saúde gasta em média €20,00.
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Da invocada excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário:
Com o argumento de que a acção devia ser proposta contra ambos os progenitores, sustenta o recorrente que, ao ser apenas ele demandado, se configura situação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário.
Sem razão, porém, desde já se adianta.
Como esclarece Remédio Marques[4], “cada um dos progenitores não é devedor solidário em relação ao outro e a prestação alimentar não é indivisível. A obrigação de alimentos concretiza-se numa prestação plural divisível (…)”, acrescentando: “O problema está na articulação entre a titularidade, por banda do filho maior, do direito a alimentos e o seu exercício no quadro de uma acção de divórcio litigioso ou de separação judicial de pessoas e bens. De facto a estrita aplicação das normas sobre a legitimidade activa e passiva determina que o filho maior, não estando a viver com nenhum dos progenitores, poderá – mas não é obrigado - a deduzir o pedido contra ambos, já que ambos estão vinculados à obrigação(…)”.
E remata em nota de rodapé (nº 447): “Não me parece, pois, que o litisconsórcio seja necessário (cfr. o artigo 28º do Código de Processo Civil). De resto, é duvidoso que se esteja perante uma hipótese de litisconsórcio, mas antes de coligação (voluntária)”.
Como nota o acórdão da Relação de Lisboa, de 20.01.2011[5], “o litisconsórcio necessário passivo decorre da imposição legal, da própria natureza da relação jurídica (…), o que também sucede nas obrigações solidárias em que corresponde à pluralidade de sujeitos uma única relação material controvertida”.
Com efeito, embora o dever de prestar alimentos ao filho maior que deles careça para completar a sua formação recaia sobre ambos os progenitores e emerja da relação de filiação, a relação material controvertida da acção de alimentos proposta ao abrigo do artigo 1880º do Código Civil é a relação creditória alimentícia estabelecida entre cada um dos pais e o filho maior. E quanto a esta, a lei não impõe litisconsórcio necessário passivo[6].
De resto, nenhum sentido faria que o filho demandasse também o progenitor cumpridor da obrigação de prestar alimentos, ou quando o mesmo reconhece que o mesmo está impossibilitado de os prestar.
No caso concreto, o requerente alega no artigo 15º da petição inicial que “a mãe contribui com pequenas prestações que se consubstanciam na alimentação e vestuário, por não ter capacidade económica para mais (…), além de suportar todas as despesas de saúde do seu filho”.
Terá, pois, de improceder este segmento recursivo.
2. Da obrigação de prestar alimentos e sua medida
Como sublinha o acórdão desta Relação de 09.01.2001[7], “a maioridade não é um obstáculo à manutenção da obrigação alimentar a que o obrigado continua vinculado, uma vez que o alimentando ainda não tenha completado a sua formação profissional e que seja razoável exigir daquele o seu cumprimento, pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Explica Maria Clara Sottomayor[8] “o fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos é não apenas a menoridade – uma situação de incapacidade – mas também a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios”.
E em idêntico sentido se pronuncia Remédio Marques[9]: “A obrigação de alimentos devidos ao menor não se extingue inelutavelmente com a maioridade. Aliás a recíproca obrigação geral de alimentos, que se devem ascendentes e descendentes, só termina à data da morte, pois se destina à conservação da vida (…).
Dado que os pais são responsáveis (…) pelo crescimento e desenvolvimento dos filhos, velando pela sua educação (artigo 1878º/1 do CC), bem se compreende que esta obrigação não deva extinguir – se, de modo abrupto, quando os filhos completam os 18 anos – para mais quando se deu o abaixamento da idade em que se atinge a maioridade e se alargou o período de escolaridade.
Ao invés, deve prolongar – se para além do termo da menoridade, por forma a que o filho complete a sua formação profissional e desde que seja razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas (artigo 1880º, idem)”.
Segundo o disposto no artigo 1880º do Código Civil, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Assim, a maioridade do Autor não extinguiu a obrigação de alimentos, uma vez que este não completou ainda o seu processo formativo, devendo essa obrigação pelo tempo razoavelmente necessário para completar a mesma.
A noção legal de alimentos é facultada pelo artigo 2003º do C. Civil, quando estabelece:
“1-por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário.
2- os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
Dispõe, por sua vez, o nº1 do artigo 2004º do mesmo diploma legal: “os alimentos serão proporcionados aos meios daqueles que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los”, estabelecendo o seu nº2: “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.
“Assim, e partindo do pressuposto de que deve entender-se por alimentos «tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social do alimentado»[10]- a prestação alimentar concreta há-de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual” [11].
Vale dizer, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidade serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”[12], sendo ainda certo que para a avaliação das possibilidades do obrigado deve atender-se nomeadamente, à sua idade, ao seu estado de saúde, situação social, à circunstância de ter ou não outros filhos, de poder ou não trabalhar, aos rendimentos directamente ou não, provenientes do seu trabalho, aos seus encargos, ao seu modo de vida…[13].
Acerca do pressuposto das possibilidades do obrigado, determina a lei que “os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los”: “isto significa, além do mais, que não podem ser fixados em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, mesmo que desse modo não seja possível eliminar completamente a situação de carência do alimentado. Por outro lado, na apreciação o juiz deve atender à parte disponível dos rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas.[14]”.
Ou seja, para a avaliação das possibilidades do obrigado à prestação de alimentos, deve, por um lado, atender-se ao volume dos seus rendimentos, contrapondo-o, todavia, com o montante dos seus encargos regulares.
No que diz respeito à primeira daquelas componentes, ela deve abarcar o acervo de todos os rendimentos, qualquer que seja a sua fonte lícita, de modo a abranger não só os rendimentos do trabalho, salários ou pensões, com todos os seus elementos, fixos e variáveis, como ainda os ganhos de natureza eventual. Segundo Maria Clara Sotto Mayor[15], no cômputo desses rendimentos incluem-se “os rendimentos de capitais, poupanças, rendas provenientes de imóveis arrendados e o valor dos seus bens, que este progenitor terá de alienar em caso de desemprego ou se os seus rendimentos periódicos não forem suficientes para um montante de alimentos adequado às necessidades do alimentado”.
Como defendeu o Acórdão do STJ, de 20/11/2003[16], “para se aquilatar da maior ou menor capacidade do devedor de alimentos terá de se tomar em linha de conta não só com os seus meios de rendimento como também com os encargos a que se encontre adstrito, para além daqueles que possam decorrer da própria prestação alimentícia a determinar. Mas tais encargos, obviamente, que carecem de ser hierarquizados de modo a que só sejam tomados em consideração os que se mostrem justificados pelas necessidades de uma condigna subsistência do prestador de alimentos, excluindo-se todos aqueles que promanem de uma obrigação que não possa, ou não deva, prevalecer sobre a obrigação alimentar. É que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito não aceitam”.
Dir-se-á então que são pressupostos do direito a alimentos a verificação cumulativa dos seguintes elementos: que o alimentando não disponha de meios suficientes de subsistência; que o alimentando esteja impossibilitado de os obter; que haja possibilidade de os mesmos serem prestados por parte de quem estiver legalmente adstrito a essa obrigação.
Importa, assim, indagar da existência em concreto dos aludidos requisitos de que depende a obrigação de prestação de alimentos:
Das necessidades do Requerente:
Da actividade probatória realizada, resultou demonstrado:
O requerente tem despesas mensais com livros, alimentação, vestuário e transportes na ordem dos € 150,00.
O requerente vive com a mãe e o irmão mais velho.
O mesmo sofre de diversas doenças, nomeadamente a doença de Hodkin/encefalite, sendo portador de dificuldades cognitivas, de comportamento e agitação psicomotora.
Necessita, por isso, de vigilância de um adulto.
Usa fralda diária, tem de ser aspirado os pulmões diariamente em virtude de patologias agudas do foro respiratório.
A mãe do requerente suporta diversas despesas para debelar os problemas de saúde de que padece o requerente.
A mãe recebe apenas €320,00 por mês do rendimento social de inserção.
A carência de alimentos do requerente e a medida das suas necessidades acham-se, pois, bem espelhada no quadro fáctico descrito.
Das possibilidades do Requerido:
Quanto à situação económica deste, mostra-se comprovado:
O requerido é servente da construção civil e aufere o equivalente ao salário mínimo nacional mais subsídio de refeição. Em Janeiro de 2011 recebeu a quantia de €485 relativo à retribuição base mais €127,73 relativo a subsídio de refeição. Em Fevereiro de 2011 recebeu a quantia de €404,25 relativo à retribuição base mais €114,14 relativo a subsídio de refeição.
O requerido vive num quarto arrendado, o qual apenas tem serventia de casa de banho, pagando €100,00 de renda por mês.
O mesmo adquire os almoços e os jantares na "Casa (...) ", pagando €170 por mês relativamente a 20 diárias.
Adquire outros alimentos para os pequenos-almoços e outras refeições, bem como produtos de higiene pessoal, gastando quantia não concretamente apurada, mas não inferior a €100.
Conta com a ajuda da sua cunhada para fazer a limpeza ao quarto e lavar a roupa.
É, por vezes, ajudado por vizinhos e amigos que lhe dão vestuário.
De água e luz paga em média €20,00, e com despesas de saúde gasta em média €20,00.
Ou seja: o requerido tem despesas mensais fixas que ascendem a € 410,00.
Tem rendimentos mensais de cerca de € 600,00 (retribuição base + subsídio de refeição.
Não se configura, assim, a impossibilidade de prestar alimentos que o mesmo invoca, antes se constatando que, apesar de ser pouco desafogada a sua situação económica, a mesma permite satisfazer, sem comprometer a sua própria subsistência, a prestação de alimentos fixada a favor do filho na sentença recorrida (€ 120,00 por mês).
De resto, antes do requerido atingir a maioridade, e desde Janeiro de 2010, o requerente contribuía para com aquele com uma prestação de alimentos de € 119,00 por mês, e nada indicia, até porque ninguém o alegou, que as necessidades do requerente e as possibilidades do requerido tenham entretanto sofrido qualquer alteração.
Improcedem, consequentemente, também nesta vertente as conclusões recursivas, pelo que se justifica a manutenção do decidido.
Síntese conclusiva:
- A acção para obtenção de alimentos proposta por filho maior que ainda não haja completado a sua formação profissional, não reclama a demanda dos dois progenitores, não se configurando situação de litisconsórcio necessário passivo.
- A obrigação de prestação de alimentos ao filho menor não se extingue automaticamente com a maioridade deste, subsistindo essa obrigação se o filho ao atingir a maioridade ainda não completou a sua formação profissional e pelo tempo razoável para que esta seja completada.
- A determinação da prestação de alimentos e a fixação da sua medida, far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.
Custas: pelo apelante, levando-se em conta o benefício do apoio judiciário de que goza.
Judite Pires ( Relatora )