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DISTRIBUIÇÃO
IRREGULARIDADE
Sumário
I - A irregularidade da distribuição não vem especificamente regulada no Código de Processo Penal e, por isso, segue as regras previstas no Código de Processo Civil. II - Por isso, a irregularidade da distribuição em processo penal não produz nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final e só pode ser conhecida pela Relação em recurso dessa decisão.
Texto Integral
Processo n.º 570/09.8TAVNF.P1
1.º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório.
B…[1] veio requerer que se submeta à conferência o despacho proferido pelo relator que negou conhecer do seu requerimento em que requeria que se averiguasse a eventual infracção das regras da distribuição do processo pelo Tribunal a quo, facto esse que, na sua tese, redundaria na infracção das regras de competência e seria uma nulidade insanável nos termos do art.º 119.º, alínea a) do Código de Processo Penal.
Nada obsta a que, em conferência, se conheça da reclamação.[2]
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2. Fundamentação.
Decidiu o despacho reclamando que não poderia conhecer do requerido uma vez que isso só poderia ser apreciado pelo Tribunal a quo. E se é verdade que o despacho em crise se mostra sinteticamente fundamentado, certo é que o muito que o reclamante escreveu não significa, naturalmente, que esteja mais conforme ao Direito. Que não está, como veremos.
É pacífico, mesmo para o ora reclamante, que a distribuição processual não está especificamente regulamentada no processo penal. Pelo que também não merece dúvidas de maior que a mesma deverá ser procurada no processo civil, isto por força do estabelecido no art.º 4.º do Código de Processo Penal. No que se incluirá, portanto, as questões pertinentes às consequências da infracção das regras a que a dita distribuição se deve submeter.[3]
A distribuição tem em vista repartir com igualdade o serviço do tribunal, designar a secção e a vara ou juízo em que o processo há-de correr ou o juiz que há-de exercer as funções de relator.[4] Trata-se, portanto, de um acto de natureza administrativa ou pré-judicial,[5] diferenciado dos actos relativos à competência do Tribunal para conhecer do mérito da causa, que, esses sim, respeitam às funções de natureza jurisdicional.[6] Daí que as questões suscitadas pela distribuição de processos entre juízes de um mesmo Tribunal devam ser decididos pelo presidente do tribunal de comarca]7] mas as que contendam com a competência do Tribunal propriamente dito já o devam ser, por via de recurso, pelo Tribunal superior,[8] como de resto tem vindo a ser sistematicamente assinalado pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores.[9] Neste caso, portanto, não há, proprio sensu, uma questão relativa à competência do Tribunal.[10] Daí que, como também vem sendo referido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, «o acto processual da distribuição não se integra nem constitui uma extensão do princípio fundamental do juiz natural ou do juiz legal, expressamente consagrado nas garantias do de defesa do arguido, nos termos do disposto no art.º 32.º n.º 9 da CRP.»[11] De resto, convém termos bem presente que o princípio do juiz natural não vale em toda a sua intensidade no nosso Ordenamento Jurídico, sofrendo aqui e ali entorses que, em casos conhecidos, hoje se apresentam como de indiscutível constitucionalidade, verificada, de resto, como bem sabemos, pelo órgão competente para o efeito: o Tribunal Constitucional.[12] Até mesmo a aleatoriedade que preside à distribuição de qualquer processo judicial, incluindo os de natureza criminal, não é um valor a se, pois também são bem conhecidos casos em que isso não acontece.[13] O que, quer naquele, quer neste caso se visa obviar é a determinação arbitrária de um Tribunal como competente para julgar um feito penal mas com isso não contende a distribuição processual do processo entre juízes de um Tribunal que seja competente.[14] A nada disto importa a situação prevista pelo art.º 119.º, alínea a) do Código de Processo Penal, que tão-somente estabelece como nulidade insanável a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal.[15]
Aqui chegados, importa agora saber que a lei processual civil estabelece que a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final.[16]
Ora, como o próprio referiu no requerimento que originou a presente reclamação para a conferência, o reclamante não suscitou a questão do eventual erro da distribuição até ter sido proferida a decisão final mas tão-só após a decisão do recurso que dela interpôs para esta Relação do Porto. E porque assim foi, não poderemos dela conhecer… pois que a não suscitou junto do órgão competente para, em primeira linha, a apreciar e decidir: o Tribunal a quo. Só dela poderíamos conhecer, portanto, em recurso dessa decisão.
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3. Decisão.
Termos em que se julga improcedente a reclamação e se confirma o despacho reclamando.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (art.º 8.º, n.º 9 do Regulamento de Custas Processuais e Tabela III a ele anexa)
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Porto, 03-04-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
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[1] Arguido que foi condenado neste processo, além de pagar uma indemnização civil, na pena de 4 anos de prisão, como autor material de um crime de peculato, na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 375, n.º 1, com referência ao art.º 30, ambos do Código Penal., condenação essa confirmada por acórdão nele proferido por esta Relação do Porto
[2] Art.º 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (neste sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-10-2003, no processo n.º 2453/2003, publicado em http://www.verbojuridico.com/jurisp_stj/integral/2003/stj03_2453.html e do Tribunal Constitucional, n.º 188/2011, de 12-04-2011, no processo n.º 775/10, publicado em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110188.html).
[3] Neste sentido, vd. os acórdãos das Relações de Lisboa, de 17-03-2004, no processo n.º 1967/2004-3 e de Coimbra, de 05-07-2006, no processo n.º 835/06, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[4] Art.º 209.º do Código de Processo Civil.
[5] Neste sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-12-1983 e de 15-06-1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, o primeiro no número 332.º, página 447 e, o segundo, no número 388.º, página 359 e, ainda, o acórdão da Relação de Lisboa, 16-04-1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, número 353.º, página 504.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 15-06-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, número 388.º, página 359.
[7] Art.º 210.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (anteriormente era decidido pelo presidente da Relação do respectivo Distrito Judicial).
[8] Art.os 106.º e 107.º do Código de Processo Civil.
[9] Neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-06-1989 e de 22-02-1990, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, número 388.º, página 359 e número 394.º, página 457 e da Relação do Porto, de 20-11-1995, no processo n.º 333/94, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1995, tomo V, página 271.
[10] Citado da Relação do Porto, de 20-11-1995, no processo n.º 333/94, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1995, tomo V, página 271. No mesmo sentido seguiu o acórdão da Relação de Lisboa, de 26-05-2004, no processo n.º 3216/04, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2004, tomo III, página 137.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa, de 17-03-2004, no processo n.º 1967/2004-3, publicado em http://www.dgsi.pt.
[12] Referimo-nos, naturalmente, ao caso do art.º 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, em que o Ministério Público pode determinar o julgamento por Tribunal que em princípio não seria o materialmente competente se a regra do juiz natural fosse absoluta ou inderrogável.
[13] O acórdão da Relação de Coimbra, de 05-07-2006, no processo n.º 835/06, publicado em http://www.dgsi.pt, acima referido elenca vários casos em que não se verifica qualquer aleatoriedade, relevando-se aqui o caso expresso em que isso decorre da nomeação pelo Conselho Superior da Magistratura de Juízes afectos em exclusividade à instrução criminal, ex vi do art.º 131.º, n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
[14] Citado acórdão da Relação de Lisboa, de 17-03-2004, no processo n.º 1967/2004-3, publicado em http://www.dgsi.pt.
[15] A saber e para o que ao caso interessa, o art.º 105.º, n.º 2 da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, nas redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 105/2003, de 12 de Dezembro), de acordo com o qual «salvo disposição em contrário, nos tribunais de comarca, ainda que desdobrados em juízos de competência especializada, o tribunal colectivo é constituído por dois juízes de círculo e pelo juiz do processo.» Daí que, já seria caso de nulidade insanável, por exemplo, que o Tribunal colectivo fosse constituído pelo juiz do processo (vale dizer: o ditado pela distribuição), o juiz da comarca mais próxima e um do Círculo, como outrora se compunham os Tribunais colectivos; ou por dois juízes da comarca e um juiz do Círculo; ou um juiz da comarca mas não o do processo e dois Juízes do Círculo; ou três Juízes do Círculo; ou três juízes da comarca. Isso sim, contenderia com as regras relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal recorrido, pois que o mesmo deveria ser composto pelo juiz do processo e dois juízes do Círculo.
[16] Art.º 210.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.