DIFAMAÇÃO
Sumário

Para que se verifique o crime de difamação não é essencial que a imputação do facto ou a formulação do juízo sejam feitas pelo agente a uma multidão e nem sequer a várias pessoas. Ao preenchimento do crime basta que a imputação, que o juízo, sejam transmitidos a uma só pessoa.

Texto Integral

1.
Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, pela prática de um crime de injúria agravada, dos art. 180º e 184º, por remissão do art. 132º, nº 2, al. l) do C. Penal.
Foi, ainda, condenado a pagar ao demandante B... a quantia de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a sentença e até integral pagamento.

2.
Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1. Por douta sentença de 17 de Janeiro de 2012, decidiu o tribunal a quo, condenar o recorrente, numa pena de multa de 80 dias, à taxa diária de 9€, perfazendo um total de 720€.
2. Bem como ao pagamento parcial da quantia peticionado no pedido de indemnização civil, em 1000€.
3. Dos factos dados como provados, nega o recorrente ter alguma vez prestado serviço no Posto Territorial de ....
4. Nada mais reparando quanto aos demais factos provados.
5. Contudo discorda o recorrente da aplicação de qualquer pena.
6. De facto, o crime imputado ao recorrente, e que é o crime de difamação agravada, é um crime doloso.
7. Não agiu o recorrente, na sua actuação com dolo, visando apenas, com o envio do e-mail para o IGAI, denunciar, no âmbito das suas funções de orgão de polícia criminal, uma situação que poderia ser considerada como "utilização indevida de dinheiro".
8. Sequer, em algum momento, representou como possível que tal situação fosse adequada e suficiente para lesar os sentimentos, a honra e consideração social do ofendido.
9. Assim, não teve o recorrente em momento algum vontade em prejudicar ou ofender por qualquer forma o ofendido.
10. Relativamente ao texto do e-mail, considera o recorrente que quanto ao mesmo se deva atender ao conteúdo geral da noticia,
11. E assim, a fundamentação que afasta a ilicitude de certas afirmações constantes no e-mail, deveriam ser empregues na afirmação de que o demandante se deslocava ao restaurante com a sua família, para aí abater esse valor no crédito aí existente, e que resultou de um jantar de Natal.
12. No entanto, e a circunstância de não se ter feito prova da veracidade de tal afirmação em sede de audiência e julgamento, não demonstra se o recorrente actuou de forma dolosa ou não.
13. O recorrente, ao elaborar o texto do e-mail cingiu-se a reproduzir a informação que lhe foi comunicada por alguns militares do Posto Territorial de ..., o que, e em boa fé, a reproduziu como verdadeira.
14. Entende ainda o recorrente que o meio utilizado, e-mail, não tem idoneidade suficiente para atentar contra a honra e consideração do ofendido, tanto o mais, que apenas os interessados tiveram conhecimento do seu teor.
15. Assim, e porque não existem nos autos provas seguras, firmes e elucidativas da actuação dolosa do agente, deverá este ser absolvido do crime pelo que vem acusado,
16. Mas, se dúvidas existem quanto à sua actuação, deverá o arguido ser absolvido ainda assim, segundo o princípio in dúbio pro reo!
17. Principio que expressa a presunção de inocência, em que em casos de duvida, se deverá favorecer o réu.
18. Devendo, nestes termos ser o recorrente absolvido do crime de difamação agravada de que vem acusado.
19. Relativamente ao pedido de indemnização civil considera o recorrente, que o mesmo não deveria ter sido admitido por falta de pagamento prévio da taxa de justiça, e em consonância, com os art. 14º e 4º do RCP.
20. Considerando não só o valor do pedido de indemnização civil que excede as 20UC, bem como a notificação feita pelo tribunal a quo, para juntar aos autos, comprovativo de apoio judiciário, que para além de ter sido entregue ante da audiência de julgamento, foi indeferido!
21. No entanto e porque foi admitido pelo tribunal a quo, apesar da oposição apresentada pelo recorrente, foi este condenado a pagar ao demandante a quantia de 1000€.
22. Ora, não ficou provado em sede de audiência e julgamento, o nexo de causalidade entre o dano e os factos.
23. Sendo o nexo de causalidade um dos pressupostos da responsabilidade civil.
24. De facto, do depoimento do ofendido, bem como das testemunhas, foi evidenciada outra circunstância, que não esta, como causa principal do seu estado depressivo.
25. Na verdade foi referido por diversas vezes que o ofendido nunca conseguiu ultrapassar a situação de ter sido transferido de posto de trabalho, situação esta que lhe trouxe grande agonia, e que nunca conseguiu ultrapassar.
26. Para além dos depoimentos, acerca de tal situação, refira-se a documentação junta aos autos pelo ofendido, no decurso da audiência de julgamento, e que constam de relatórios médicos, que frisam a instabilidade emocional do ofendido, bem como o estado depressivo, apontando como causa directa essa transferência de posto de trabalho, acima citada.
27. Além desta situação, foram referidas pelo ofendido e testemunhas outras circunstancias que abalam o estado emocional do ofendido, e que foram a morte da progenitora, bem como a existência de um outro processo disciplinar que corre contra ele.
28. Apenas em instancias do tribunal a quo é que as testemunhas referiram esta situação como também causa de prejudicar emocionalmente o ofendido ...
29. Não demonstrando, no decorrer dos seus depoimentos, qualquer afinco quanto a estas afirmações,
30. Pelo que, entende o recorrente, não serem prova clara e firme do prejuízo causado com este processo ao ofendido.
31. É ainda natural, que no âmbito de um qualquer processo, uma pessoa média, se sinta amedrontada e ansiosa com o resultado do mesmo.
32. Para além disso, o agravamento do seu estado de ansiedade deveu-se ao processo de averiguações, e subsequentemente processo disciplinar de que foi alvo, e não das afirmações, supostamente, difamatórias!
33. Pelo que, não deverá o recorrente ser condenado em pagar qualquer indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais ao ofendido ...
34. Foram assim violadas as seguintes normas jurídicas: artigo 14 do Código Penal, 32º da Constituição da República Portuguesa, e artigos 483º e 563º do Código Civil, tendo sido feita ainda uma errada interpretação pelo tribunal de 1ª instância do art. 467º nº 3 do CPC, violando assim o disposto nos art. 150-A nº 3 CPC e art. 14º e 4º do Regulamento das Custas Processuais».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público respondeu, defendendo o provimento parcial do pedido no que se refere à menção de que o arguido prestou serviço no Posto Territorial de ....

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido, da alteração da decisão da matéria de facto pelo mesmo motivo e manutenção do decidido quanto a tudo o mais.

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.

*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«O ofendido B..., tem a categoria profissional de … e exerceu funções de comandante do Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de ..., desde 30 de Outubro de 2007 a 22 de Novembro de 2009.
O arguido, por sua vez, durante aquele período, exerceu funções naquele posto territorial, assumindo a categoria de cabo chefe.
A 07 de Novembro de 2009, pelas 22H31, o arguido remeteu um e-mail, da sua caixa postal com o endereço antonioalbertomota@gmail.com, para a caixa postal da Inspecção-Geral da Administração Interna, com o endereço geral@igai.pt, dirigido à pessoa do seu director, intitulando como assunto "suspeita de utilização indevida de dinheiro ..." e fazendo constar, além de outras, as seguintes afirmações (conforme o documento junto a fls. 5 a 7 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):
"No decorrer do mês de Dezembro de 2008 o Grupo Territorial de Coimbra distribuiu dinheiro pelos postos territoriais na área do seu comando para o efectivo de cada posto em grupo festejar o jantar de Natal. (...) Do efectivo total apenas compareceu para o referido jantar o Comandante do Posto e o Cabo C..., o dinheiro/valor total referente ao efectivo do Posto foi entregue pelo responsável do restaurante na sua totalidade contra a entrega de factura/recibo para ser entregue na SECASF / Grupo e posteriormente consta que o referido Comandante do Posto com a sua família tem-se deslocado ao referido Restaurante tomar refeições para abater no valor que ali ficou depositado/saldo sem ser gasto (falta de comparência dos militares do posto. (...) Nota: Só agora tomei conhecimento deste assunto pelo murmúrio do efectivo do referido Posto e alegam que o motivo de não terem denunciado é com medo de sofrer represálias, assim como também peço a V. Exª sigilo na averiguação, em virtude de também ser militar, estando de acordo nesta denuncia para ser averiguado e se em concreto a aplicação da respectiva punição, também para exemplo e correcção dos outros".
O ofendido só teve conhecimento do teor de tais afirmações a 23 de Dezembro de 2009, data em prestou declarações em sede de processo de averiguações aberto pela Guarda Nacional Republicana.
As afirmações constantes daquela denúncia apresentada e subscrita pelo arguido, pelo seu teor, põem em causa a honestidade, a honra e o brio profissionais do ofendido enquanto Comandante de Posto da Guarda Nacional Republicana, o que o arguido bem sabia.
O arguido agiu, assim, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de atingir a honra e consideração pessoal e profissional do ofendido.
Mais sabia que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal.
O ofendido sentiu a sua imagem e mérito profissional ferido, bem como a sua honra e mérito profissional.
O arguido é … da GNR em situação de reserva, auferindo um rendimento mensal de 1.200,00 Euros.
É casado, trabalhando a sua esposa como assistente operacional, auferindo o rendimento mensal de 500,00 Euros.
Tem 1 filho a seu cargo.
Vive em casa própria, pagando de empréstimo a quantia mensal de 600,00 Euros. Tem o 4º ano de escolaridade
O arguido não tem antecedentes criminais».

7.
Não houve factos relevantes julgados não provados.

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«… a formação da convicção deste tribunal, quanto aos factos dados como provados, resultou, em primeira linha, das declarações do arguido que admitiu ter sido o autor do documento enviado à Inspecção-Geral da Administração Interna e constante de fls. 5 a 7. Apenas refere que nunca foi sua intenção difamar o ofendido, apenas querendo que se investigasse uma situação que entendia ser irregular. Ouvido quer o ofendido, quer as testemunhas de defesa que à data estavam a exercer funções no posto da GNR de ..., resultou claro que sendo verdade que se comentava o facto de o dinheiro que havia sobrado do jantar de Natal tinha sido convertido em café e açúcar e que o mesmo estava a ser vendido no bar do posto da GNR, ninguém alguma vez mencionou ou sequer se fez constar que o ofendido tivesse ido com a família ao referido restaurante comer até perfazer o crédito que tinha em virtude de tal jantar.
Ora, não ficando minimamente provado sequer a existência de tal rumor, ficou o tribunal plenamente convencido que o arguido nesta parte pretendeu atentar contra a honra do ofendido uma vez que bem sabia que tal não se "constava" e que por isso estava a mencionar um facto que não era verdadeiro.
Quanto às consequências do facto para o ofendido, pela esposa e filho foi dito que o mesmo ficou abalado, sentindo que tais factos puseram em causa a sua dignidade pessoal e profissional. Quanto à depressão de que o mesmo padece dos depoimentos dos familiares resultou claro que tal deveu-se a factos anteriores e distintos, sendo certo que os factos ora em apreço agravaram o seu estado de saúde, designadamente enquanto durou o inquérito dada a incerteza quanto ao sentido do despacho final do mesmo.
Mais se atendeu ao teor de fls. 52 (despacho de arquivamento do comando-geral da GNR) e 95 (despacho de arquivamento no âmbito do processo nº 158/09.3TAAGN)
Quanto às condições económicas do arguido, foram por si relatadas.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, o tribunal atendeu ao teor de fls. 127».
*
*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Ilegalidade da admissão do pedido de indemnização civil
II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
III – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

*

Antes de iniciarmos o conhecimento das questões colocadas no recurso cumpre corrigir a sentença proferida.
Conforme resulta do processo, e consta do relatório da decisão recorrida, o arguido foi acusado da prática de um crime de difamação agravada, dos arts. 180º, nº 1, e 184º do Código Penal, por referência à al. I) do nº 2 do art. 132º do mesmo diploma.
Foi realizado o julgamento, foram julgados provados os factos constantes da acusação e na sentença não foi introduzida qualquer alteração ao enquadramento jurídico dos factos feito pelo Ministério Público, enquadramento esse, aliás, que se mostra correto.
No entanto, a final a sentença condenou o arguido pela prática de um crime de injúria, embora continue a referir os art. 180º e 184º do Código Penal.
Resulta, portanto, que quando a sentença menciona o crime de injúria esta menção deve-se a manifesto erro material, erro este retificável ao abrigo do art. 380º, nº 1, al. b), e nº 2, do C.P.P.
*

I – Ilegalidade da admissão do pedido de indemnização civil

O arguido insurge-se contra a admissão do pedido de indemnização civil, por não ter sido paga a taxa de justiça prévia devida pela sua dedução, em conformidade com os art. 14º e 4º do RCP.

Vejamos.
O ofendido deduziu pedido de indemnização civil sem ter autoliquidado qualquer taxa de justiça.
No despacho de saneamento do processo, de fls. 120, o sr. juiz determinou a notificação do demandante para juntar ao processo o despacho a que se refere o art. 23º, nº 2, do D.L. nº 297/2009, de 14/10, na redação dada pela declaração de retificação 92/2009, de 27/11, norma esta que prevê a concessão de apoio judiciário ao pessoal militar da GNR em processo em que o militar intervenha na qualidade de assistente, arguido, autor ou réu e o processo decorra do exercício das suas funções, desde que haja despacho fundamentado do comandante-geral nesse sentido.

Não obstante este despacho, na sessão de 6-12-2011 o sr. juiz tomou a seguinte decisão sobre esta mesma questão: «é entendimento deste tribunal que o regime de pagamento da taxa de justiça em processo penal e contra ordenacional encontra-se taxativamente previsto no artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais. Ora não estando previsto nos nº 1 a 4 do citado normativo a autoliquidação da taxa de justiça devida pela formulação do PIC em processo penal tal situação cai na alçada do nº 5 do citado normativo que relega para final tal pagamento (neste sentido a título de exemplo acórdão da Relação de Coimbra de 20-10-2011 e do Porto de 06-04-2011 in www.dgsi.pt). Nestes termos admite-se o PIC formulado».
Ora, em 8-2-2012, data da interposição do recurso, esta decisão há muito que já tinha transitado sendo o recurso, neste particular, intempestivo.
*

II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

O arguido insurge-se, depois, contra a decisão sobre a matéria de facto provada dizendo, e citamos, «nega o recorrente ter alguma vez prestado serviço no Posto Territorial de .... Nada mais reparando quanto aos demais factos provados» (conclusões 3 e 4).

Nos termos do art. 431º do C.P.P. a decisão da 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se, além do mais, do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base (al. a)) ou se a mesma tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º (al. b)).
Naturalmente que a previsão de alteração da matéria de facto por um destas duas vias significa que se trata de situações diferentes.
Quando a lei refere que a matéria de facto pode ser modificada se a mesma tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º sabemos que esta previsão respeita à revisão da prova oral produzida e à sindicância, por parte do tribunal de recurso, da conformidade da decisão com esta mesma prova
Assim sendo, a previsão da alínea a) tem que respeitar a coisa diferente. Embora a prova oral conste do processo, se a possibilidade de alteração da matéria de facto prevista na alínea a) do art. 431º também respeitasse a esta prova, então tínhamos duas normas exatamente com o mesmo conteúdo e não é isso que sucede.
Enquanto a alínea b) está dirigida ao conhecimento da prova oral por parte do tribunal da relação, já a alínea a) visa a prova documental constante do processo, ou seja, a possibilidade de alteração da matéria de facto quando do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base abrange os casos em que a prova é exclusivamente documental ou pericial ou outra que não implique a reprodução de depoimentos Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 1181..

Da matéria de facto provada consta, em conformidade com o conteúdo da acusação, que o arguido prestou serviço no posto territorial de ....
Ora, dos documentos do processo nada resulta sobre esta questão, ou seja, sobre o facto de o arguido nunca ter prestado serviço naquele posto territorial.

Como dissemos, outra via para alteração da matéria de facto, provada e/ou não provada, é com recurso à prova oral produzida em audiência.
Mas aqui a impugnação radica no preceituado no nº 3 do art. 412º do C.P.P., que determina que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente tenha que especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida.
Na especificação dos factos o recorrente terá que indicar o facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado.
O mesmo se exige quanto às provas. O recorrente tem que especificar o documento ou o excerto do documento que demonstra o erro da decisão e o mesmo tem que fazer relativamente à prova gravada: tem que indicar o(s) depoimento(s) que demonstram os erros de julgamento cometidos identificando a pessoa e a passagem ou passagens relevantes e localizando o excerto no suporte que contém a gravação da prova.
Como sabemos, esta exigência deve-se à circunstância de o recurso não ser um segundo julgamento, ser apenas um remédio para sanar os vícios cometidos no julgamento da 1ª instância. Por isso se exige que os vícios estejam especificados e que as provas dos mesmos também o estejam.

Da leitura das conclusões do recurso – que delimitam, como dissemos, o âmbito do conhecimento deste tribunal -, resulta que o arguido não cumpriu a lei no que às especificações das provas respeita: não indica nenhuma prova, nem documental, nem oral, donde resulte o erro da referência impugnada.
Este não é um caso que permita o convite ao recorrente para corrigir as conclusões do recurso, pois que a motivação também é completamente omissa nesta questão
Sendo as conclusões o resumo da motivação e não podendo elas extravasar o conteúdo desta, então um tal convite revelar-se-ia completamente inútil pois que as menções em falta nunca poderiam ser acrescentadas.
Conforme acontece em geral, o incumprimento do ónus imposto no nº 3 do art. 412º do C.P.P. determina a impossibilidade de o tribunal de recurso conhecer do pedido.

Pelo exposto, e no que à pretendida alteração respeita, improcede a pretensão do arguido.
*

III – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

O arguido impugna o enquadramento legal feito aos factos provados, dizendo que não agiu com dolo, nunca teve a intenção de ofender ou prejudicar o ofendido, que no mail enviado apenas reproduziu, de boa fé, as informações que lhe foram comunicadas por alguns militares do Posto Territorial de ....
Também quanto à indemnização fixada alega que não se provou o nexo de causalidade entre o dano e os factos, que dos depoimentos resultou que o estado depressivo do ofendido tem outras causas, nada tendo que ver com ele a situação relatada no processo.

Dos factos provados consta, para além do mais, que:
- «As afirmações constantes daquela denúncia apresentada e subscrita pelo arguido, pelo seu teor, põem em causa a honestidade, a honra e o brio profissionais do ofendido enquanto Comandante de Posto da Guarda Nacional Republicana, o que o arguido bem sabia»;
- «O arguido agiu, assim, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de atingir a honra e consideração pessoal e profissional do ofendido»;
- «Mais sabia que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal»;
- «O ofendido sentiu a sua imagem e mérito profissional ferido, bem como a sua honra e mérito profissional».

Estes factos integram todos os pressupostos imprescindíveis à procedência da acusação, bem como do pedido de indemnização formulado: eles transmitem a certeza da prática, pelo arguido, do crime imputado, nomeadamente do dolo presente na atuação, perante a qual não tem sentido invocar o princípio in dubio pro reo como veículo para a absolvição.
Para atacar, com êxito, o decidido teria o arguido que impugnar a decisão sobre a matéria de facto, socorrendo-se do disposto no nº 3 do art. 412º do C.P.P. Desse modo poder-se-iam analisar os depoimentos prestados e apurar se aqueles factos estavam, ou não, em conformidade com a prova produzida.
Não estando seriam alterados e, por via disso, provavelmente arrastariam a alteração da decisão final.
O mesmo procedimento tinha que ser seguido para se consignar que no mail enviado à Inspecção-Geral da Administração Interna o arguido apenas reproduziu informações veiculadas pelos militares do posto de ....

Ou seja, à alteração da decisão condenatória era essencial a alteração da matéria de facto provada e para que isto acontecesse teria ela que ter sido impugnada suscitando o conhecimento da prova oral produzida.

Mantendo-se a decisão de facto tem que manter-se, também, a decisão final, de condenação.

Refira-se, ainda, que não tem sentido o arguido alegar que o meio utilizado não tem idoneidade suficiente para atentar contra a honra e consideração do ofendido, porque apenas os interessados tiveram conhecimento do seu teor.
Ao crime do art. 180º do Código Penal não é essencial que a imputação do facto ou a formulação do juízo sejam feitas pelo agente a uma multidão e nem sequer a várias pessoas. Ao preenchimento do crime basta que a imputação, que o juízo, sejam transmitidos a uma só pessoa.
*
*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na improcedência do recurso, confirma-se na íntegra a decisão recorrida.

Fixa-se no mínimo a taxa de justiça devida.
*

Ao abrigo dos art. 666º, nº 2, do Código de Processo Civil e 4º do C.P.P. retifica-se o dispositivo da sentença recorrida, nos termos seguintes:

- onde se diz «Condeno o arguido A... pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art. 180º, 184º por remissão do art. 132º, nº 2, al. l) do C. Penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros no total de 720,00 Euros» deve passar a constar «Condeno o arguido A... pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos art. 180º, 184º por remissão do art. 132º, nº 2, al. l) do C. Penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros no total de 720,00 Euros»;

- proceda-se à correção.


Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.


Coimbra, 2012-09-19